O outro na família: Surdez e contrução de Identidades



Os processos de educação de surdos passaram por mudanças e transformações de acordo com as lentas alterações políticas decorrentes de cada época. Consequentemente as visões sociológicas da surdez, bem como as concepções de identidade se modificaram seguindo as mesmas alterações.
Etimologicamente falando, a definição de identidade seria o conjunto de caracteres que fazem reconhecer um indivíduo. Por acreditar que esta definição é bastante superficial, acrescento que estes caracteres podem ser subjacentes a outros fatores: orgânicos, sociais, históricos...
No caso de sujeitos surdos, o reconhecimento da surdez como uma característica que o identifica tem se mostrado uma questão culturalmente ambígua: enquanto estes sujeitos, assim como alguns educadores estudiosos na área da surdez defendem que a mesma é uma diferença cultural, outros educadores a definem como uma deficiência sensorial.
Tais posições, tão diferentes em suas essências, implicam em diferentes formas de construção da identidade surda, de acordo como a posição que o construinte adere.
O presente estudo se deu de forma a buscar um tensionamento sobre os diferentes processos formadores de identidade na família atual, com base nas teorias pós-estruturalistas em educação e a partir da diferença surda.

A objetividade do estudo se deu para permitir um tensionamento a respeito de como se formam as identidades destes sujeitos a partir das concepções familiares acerca da surdez, na sociedade atual. Com base em alguns questionamentos como:
n De onde vêm as informações obtidas pelos pais/familiares sobre a surdez?
n A forma como é conhecida/descoberta a surdez influencia na construção da identidade surda?
n De que forma a família constrói este "outro", este sujeito surdo?
n Diferenciação entre filhos surdos e ouvintes
n Como os demais familiares além das mães "vêem" este Outro na família

Este trabalho foi realizado através de entrevistas feitas no dia 17 de novembro de 2009 , no turno da tarde, com três mães de alunas de uma escola para surdos de Santa Maria . Estas mães permaneciam na escola durante todo o turno de ensino das filhas, pois residem em outras cidades da região e não contam com o transporte público gratuito que a prefeitura de Santa Maria disponibiliza aos demais alunos.

Algumas questões encontradas...

O nascimento do filho surdo...
n Rompimento do padrão social (senso comum) _ "Corpo imperfeito"
LÍNGUA, CULTURA E IDENTIDADE DIFERENTE
n Primeiras reações relatadas nas entrevistas:
Angústia
Perda
Choque
Desespero
n Busca de práticas de correção e ouvintização
n Redução da surdez ao estigma corporal
n Todas as mães em algum momento buscaram (ou ainda buscam), por exemplo o implante coclear
ALGUNS PONTOS DE CONVERGÊNCIA NAS ENTREVISTAS...
? Notícia dada somente por atuantes em áreas clínicas
Falta de apoio à família
? Falta de informações concernentes às questões histórico/culturais
? Informações de senso comum sobre a surdez
Amigos,vizinhos, parentes...
? Redução da surdez à questões lingüísticas, não se reportando a cultura e identidade
Conhecer a língua é importante, mas sem deixar de lado outras questões inerentes à surdez
A importância da LIBRAS no contexto familiar...
? Antes só era percebida pelos pais de surdos adultos.
? Processo "evolutivo" complexo para a família Inserção do sujeito surdo ao "mundo surdo".
? Necessidade de criação de um "ambiente lingüístico" que proporcione maior desenvolvimento do sujeito.
? Não necessariamente a "supervalorização" da LIBRAS, mas a compreensão da importância do conhecimento da língua.
Identidade Surda em Transformação...
? "Transposição de Identidades" = Natural para todo ser humano, visto que vivemos diferentes momentos em diferentes etapas de nossa vida.

Identidade Surda Incompleta
Identidade Surda de Transição (PERLIN, apud Skliar, 2005)
O surdo se reconhece com seus pares através da entrada na escola/comunidade surda
? Risco do surdo cair em um "limbo de identidades" ou Identidade Flutuante" = Surdo conforma-se com a dominância ouvinte, podendo ou não estar consciente do que é ser surdo.

A partir deste trabalho, ficam asseguintes reflexões...

? Necessidade de reflexão em torno da 1ª infância do sujeito surdo
? Importância da família não só no processo de construção da identidade surda, como também na escolarização do surdo.
? A não aceitação da surdez, as tentativas de normalização, a eterna cultura do ?senso comum? e a falta de informações mesmo para as mães entrevistadas que estão presentes nas escolas de surdos foram alguns dos fatores que me levaram a crer que a surdez caminha a passos lentos no plano da diferença cultural.
? Importância de uma maior orientação a estas mães, pais e/ou cuidadores que são responsáveis pelas crianças surdas para que se "minimizem" os efeitos da comunidade ouvinte na construção da identidade surda.
? ?Endeusamento? da Língua de Sinais, como se só o fato de aprendê-la fosse suficiente para ter noção da amplitude de um mundo cultural e, algumas vezes, socialmente diferente do mundo ouvinte.
? Acredito que para tanto seja necessário maior participação de profissionais da área educacional e áreas afins que participem de pesquisas e possam orientar os familiares sobre questões da cultura surda, da importância do uso da Língua de Sinais, dos processos formadores de identidades e da representação cultural do surdo.

Autor: Marjorie Pereira Sensão


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