Ética Da Responsabilidade: Sinais Da Contemporaneidade



Introdução

HANS JONAS nasceu na Alemanha, em 1903; faleceu em Nova Iorque em 1993. Enquanto aluno de Heidegger participou das discussões de Ser e Tempo no início da década de vinte. Sua vida pode ser dividida em três fases: A primeira até a elaboração da tese de doutorado sobre o tema da Gnose, defendida em 1931, sob orientação de Bultmann. Com o auge do Nazismo (1933), foi obrigado a deixar a Alemanha. A proximidade com a realidade da morte gerou-lhe a preocupação com a vida, tempo de grande fecundidade para pensar uma filosofia com ênfase na prática. Em 1949 foi para o Canadá onde trabalhou nas Universidades de Montreal e Otawa; em 1955 transfere-se para os EUA. A segunda fase de sua vida se deu com o retorno à docência; ingressou na New School for Social Research, em Nova York (1955). Era preciso repensar o ideal de vida humana, atividade a que se dedicou com muita determinação e entrega total de suas forças. O ápice desse período ocorreu a partir de 1966 com a publicação de Das Prinzip Lebem[1]. Nessa obra estabeleceu os parâmetros para uma filosofia da biologia mostrando o alcance filosófico dos temas de interesse da biologia, na qual também, reduz os extremos do idealismo irreal e do limitado materialismo. Explora, ainda, o equívoco de se isolar o homem do resto da natureza; a continuidade da mente com o organismo, do organismo com a natureza; a ética torna-se parte da filosofia da natureza (…). Defende a necessidade de transformar a ética a partir da biologia e evidencia que tão somente uma ética fundada na amplitude do ser e na obrigação de manutenção da existência pode ter um significado efetivo[2]. A terceira fase de sua vida teve início ao deixar a docência (1976) e publicar sua obra fundamental: O Princípio responsabilidade.

É do conhecimento de toda a comunidade acadêmica que a obra mias importante de Jonas é Das prinzip verantwortung: versuch einer ethik fur technologishe zivilization (1979)[3], O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica), na qual formulou a ética para o ser humano na era tecnológica[4] fundamentada numa pluralidade de princípios, a saber: Ética judaica, particularmente no que concerne à sua alteridade assimétrica; no pensamento de Heidegger, considerando o esquecimento e a crítica à técnica; na metafísica enquanto resgata a essência do ser ameaçada pela objetificação cartesiana; na teleologia kantiana, ao elaborar um conceito de ser humano com fim em si mesmo; no debate crítico com o marxismo, em especial por sua abordagem pragmática associada a uma preocupação prescritiva para com o futuro; por fim, nos trabalhos sobre a gnose. Em The Imperative of Responsibility(1984)[5] Jonas dirá que uma capacidade de ação de um novo tipo (impulsionada pela tecnologia) exige novas regras de ética, e talvez mesmo uma ética de novo tipo[6]. A técnica moderna de alta precisão se impôs ao agir humano com uma exeqüibilidade jamais imaginada. Tal procedimento tendeu à hegemonia, de modo que estrangulou os balizamentos das éticas tradicionais tornando-os ineficazes. Nesse novo contexto, em termos éticos, nada mais é suficiente, sejam os preceitos dos deuses, ou os interditos religiosos ou mesmo a advertência aos indivíduos para que respeitem as leis, pois nada mais é passível de se contrapor às contundentes e potentes ações humanas. Nem sequer a ética de amor "amor ao próximo", com suas prerrogativas de justiça, misericórdia, honradez, dentre outras, nada disso se tem mostrado efetivo para balizar essa realidade alterada. As sociedades mais pretéritas não experimentaram uma engenhosidade em tais proporções, e talvez se possa falar em certo débito em relação às implementações tecnológicas em tais sociedades. Paradoxalmente é esse excesso de sucesso impetrado pela técnica moderna que converteu em ameaça e perigo de autodestruição para o próprio homem, e tal ausência de "freios" cedeu lugar ao que Jonas (1984) denomina ethical vacuum[7]. Jonas analisa a ambigüidade da técnica afirmando que: "num primeiro olhar parece fácil diferenciar a técnica promotora do bem e a nociva, se olharmos simplesmente os fins para a utilização das ferramentas. Arados são bons, espadas são ruins" [8]. No entanto, dirá Jonas: "Na era messiânica as espadas são transformadas em arados[9]", ao traduzirmos num 'dialeto' da tecnologia moderna temos o seguinte: "bombas atômicas são más, fertilizantes químicos, que ajudam a alimentar a humanidade, são bons"[10]. Nesse sentido, vem à tona "o dilema mistificador da técnica moderna. Suas legiões de arados podem, no longo do prazo, ser tão nocivos quanto suas espadas"[11].A "ética para a civilização tecnológica" proposta por Jonas, quer regular o poder de agir do homem moderno a partir das possibilidades abertas por uma heurística do temor, uma percepção dos riscos inerentes à cega manutenção dos atuais cursos de ação. É de se notar que a reivindicação da responsabilidade, portanto, começa com a existência, e esta, por sua vez, está ligada ao direito à existência. Nesse caso, existência reclama existir pelo simples fato de existir, como fim em si mesmo. Aqui o direito não se encontra fundado na reciprocidade. Para consubstanciar essa posição é que Jonas evoca a responsabilidade parental como modelo, ou seja, o arquétipo[12] de toda responsabilidade é o recém-nascido. A total vulnerabilidade que engendra a condição do recém-nascido exige cuidado, responsabilidade. Sem tais cuidados ela correrá risco de morte, de desaparecer, e ser reduzido à condição de não-ser. No entanto, a responsabilidade reclama e quer a elevação do recém-nascido à condição de ser. O recém-nascido, portanto se nos impõe como um "apelo do Ser" que comove os sentimentos e nos arrebata em direção a um dever; ele é quem nos impulsiona para que assumamos a afirmação do ser, em vez de condená-lo à condição de "não-ser". A criança aqui é tomada como expressão de fragilidade máxima e que urge imperativamente cuidá-la evitando assim seu aniquilamento e possibilitando sua afirmação como ser-existente; sua indefensável condição se me impõe um dever, que forçosamente se converte em um irrecusável fazer. A ética da responsabilidade, portanto se reveste da prerrogativa de caminhar em direção ao "Dever-fazer", e elegeu como imperativo fundamental o dever de tomar para si a responsabilidade pelo frágil ou pelo ainda não existente, aquele que está por vir e que é expresso pela fórmula: "Age de tal forma que as conseqüências de tua ação não interrompam a possibilidade da vida continuar se manifestando em todas as suas expressões como hoje nós a percebemos"[13]. Diferentemente do imperativo kantiano, esse precisa de uma dedução a partir de um princípio que se dirige ao comportamento do indivíduo privado; em Jonas, ao contrário, a responsabilidade está cravada em nós, e essa é a única classe de comportamento inteiramente altruísta fornecida pela natureza[14].Em todo caso, o existir não está vinculado a um direito de existir propriamente, mas a um dever-existir, que inclui o dever da reprodução. Nesse contexto, é de se notar que a "obrigação incondicional" da existência futura da humanidade decorre da idéia de homem e que implica em sua encarnação no mundo, nisso está a condição sine qua non para a existência de uma "ética como responsabilidade pelo futuro". Desse modo, infere-se que o primeiro princípio da ética da responsabilidade não se encontra nela mesma, como doutrina do fazer, mas na metafísica como doutrina do Ser, a qual engendra a idéia de homem. Portanto, a primeira regra é a que aos descendentes futuros da espécie humana não seja permitido nenhum modo de ser que contrarie a razão que faz com que a existência de uma humanidade como tal seja erigida e que se encontra condensada no imperativo: Age de tal forma que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra.[15]. Com esse grau de compreensão, Jonas resolve o problema prático de sua ética, pois estabelece o imperativo da existência, imperativo ontológico.

Considerações Finais

Qual seria a palavra final na conclusão deste artigo? Cremos que seria sensato confessar a magnitude da obra de Hans Jonas. Inegavelmente é algo que não se esgota facilmente, antes ao contrário, é fascinante, instigador! Para quem quer vislumbrar novas perspectivas para a vida e para a sociedade, não apenas do ponto de vista teórico, mas partindo de uma filosofia prática então é um exercício insubstituível, pensar, planejar e agir em vista não apenas dos nossos contemporâneos, mas de forma a deixar para os que nos precederão um ambiente humano e extra-humano muito parecido com o que encontramos. Quem nos teria dado um poder sobre poder para arruinar o patrimônio comum? Todo o tratado de Jonas é um esforço por ampliar o princípio de que há que se agir com base na "heurística do temor", ou seja, "arremessar" as idéias da prudência, do cuidado, da precaução, para melhor agir, pois isso significa agir com responsabilidade. A atualidade de Jonas transpõe o espaço e o tempo, incide sobre as grandes questões: quer locais quer globais, quer comunitárias quer particulares, é impossível não se incomodar ou incomodar outrem com as análises e reflexões de O Princípio responsabilidade.

Principais obras: The Phenomenon o life (1966);Technik, Medizin und Ethik,(1985) e The Imperative of responsibility,(1979).

Referências Bibliográficas:

JONAS, Hans. The Imperative of Responsibility: In Search of an Eihics for the Technologicol Age. Translated by Hans Jonas with the collaboration of David Herr. The University of Chicago Press, 1984.

______. Dalla Filosofia alla Scienza. In: Lettera internazionale (Roma), n. 30, 1991.

Wolin, Richard. Los Hios deHeidegger. Madrid, Cátedra, 2003.




Autor: FLAVIANO FONSÊCA


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