Paca Veia



A pequena cidade de Aloândia não tinha padre e era assistida espiritualmente pela paróquia de Pontalina. Uma vez por mês recebia a visita de um frei e os demais finais de semana ficavam a cargo dos ministros da eucaristia. Um deles era o Jovandir, que acabou ficando amigo do Luiz Macário, um jovem fiel que gostava muito de caçar pacas e para isso tinha toda a tralha e uma coleção de cachorro paqueiro. Ele ensinou a arte da caça ao Jovandir e esse também se tornou um fanático.  

Um certo domingo Jovandir chegara mais cedo em Aloândia, por volta das seis horas da tarde. A missa começava às sete da noite. Estava assentado de frente à casa do Pedro Colete, vizinho da igreja, quando o Luiz parou com seu jipe sem capota à sua frente com a espingarda e dois paqueiros dentro e falou ao Jovandir: 

- E aí, Didi! Seu Augusto Fernandes me contou que tem uma paca roubando milho no seu paiol e me autorizou dar fim na bichinha. Tô indo lá, vamos? 

- Puxa Luiz, não dá tempo! Tenho que celebrar a missa! – respondeu Jovandir pesaroso.

- Então 'cê fica atento que da igreja dá pra escutar o tiro, a chácara fica no fundo, bem pertinho. 

Aquela conversa tirou a paz do Jovandir. Durante a celebração da missa tinha que estar lutando com seus pensamentos para ter atenção ao ofício, pois minuto a minuto atinava pra ver se ouvia o tiro do amigo. Quanta agonia! Qualquer barulho fora da igreja produzia um lapso na atenção do ministro da eucaristia. Estava sendo a missa mais longa de sua fascinante tragetória de servo de Deus. A missa já chegava ao fim, formou-se a fila dos fiéis em direção ao Jovandir para a eucaristia e ele iniciou a distribuição das hóstias. Quase no final da fila estava dona Alzira, uma velhinha de mais de oitenta anos, ar contrito, cabeça baixa, caminhando vagarosamente no ritmo da fila, até que chegou sua vez de receber o sagrado pão. Jurandir estendeu a hóstia em direção à boca de dona Alzira e foi levando-a devagarzinho. Quando já tocava seus lábios, Jovandir ouviu o tiro.  Elevou os olhos para cima e disse: 

- Morreu, paca veia! – Foi um "furdunfo" das profundas! Dona Alzira deu um grito suspirado, ou um suspiro gritado, não sei, mas chamou a atenção de toda a congregação, que correu para acudir a anciã. Seu Neneco segurou a velhinha trêmula, buscaram um copo d'água na sacristia e deram para a pobre assustada. As pernas de Jovandir também tremeram e ele caçou não a paca, mas um jeito de sentar, de onde ficou observando o povo dar assistência à dona Alzira, procurando entender tudo que se passara.  

Se algum dia o Jovandir voltar a querer caçar acho que só vai ser cotia, tatu. Paca, não!


Autor: Antonísio Siqueira Borges


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