Rebeldes Do Interior



Era janeiro de 1969, Alaor com seus dezesseis anos de idade chegara a Edéia, cidade de nome exótico e erótico, seu novo domicílio residencial. Havia morado pouco mais de dois anos em Goiânia e esse tempo lhe fizera algumas transformações por influência dos movimentos de contra-cultura da época: hippies, tropicália, O Pasquim, enfim, toda aquela efervescência que mudou costumes e pensamentos. 

Sua calça "saint tropez" com a camiseta colada ao corpo fazia destacar ainda mais o "blake power" forçado no cabelo castanho claro. Todo esse visual era um choque, não só para os mais velhos, mas também para os jovens e adolescentes interioranos que tinham pouco ou nenhum acesso às novidades da televisão e do cinema. Já as garotas acompanhavam as atualidades através das revistas de fotonovelas, compradas na tabacaria e banca de revista do João Baiano. 

Alaor foi ao Colégio Estadual de Edéia fazer sua matrícula e descobriu que o prédio tinha sido inaugurado recentemente e que ele faria parte da primeira turma da segunda série ginasial, hoje sétima série do ensino fundamental eu acho. Dos alunos que ali estavam conseguiu travar conversa apenas com o Ademar, um jovem de mente bastante aberta, que se tornou seu segundo amigo, pois já havia conhecido o Zé Preto, figura carimbada que possuía o dom de saber tudo sobre todos os moradores e também sobre os chegantes e passantes. As alunas no entanto estavam demonstrando muita curiosidade com a figura contrastante do Alaor. Olhavam, jogavam charme, mas quando ele tentava se aproximar

fugiam com sorrisinhos marotos. Alaor não sabia se as estava agradando ou as divertindo por causa do visual. 

Mais tarde, já com as aulas iniciadas, Alaor descobriu que não era o único moderninho no pedaço. Tinha os filhos do diretor do colégio, Alexandre e Ricardo, que havia retornado das férias e alguns jovens da cidade que cursavam o segundo grau e faculdades em Goiânia e que aos finais de semana retornavam à terra natal aonde, aos poucos, iam introduzindo as novidades que descobriam. 

Era costume na cidade as chamadas "festinhas", feitas nas casas dos jovens, com eletrolas pik-up e discos LP's da jovem guarda, Beatles e uns raros da tropicália, tudo regado a cuba libre, gin tônica e até cachaça com refrigerante. Não havia problemas com idade mas normalmente a mínima entre os freqüentadores era de 14 anos. Na primeira festinha que participou, na casa da Zetinha irmã do Euzébio, o Alaor fez sucesso com as garotas, pois ninguém dançava "separado" como ele. E isso era o auge da dança. Alaor era "uma brasa, mora!" Aquelas exibições tiveram um preço. Lá pelo meio da festa o Zé Preto aproximou dele e avisou: 

- Bicho, cai fora agora que a turma do Alegrete vai lhe pegar no final. Já combinaram tudo e o Boulevard é quem vai puxar a briga. 

O nome da cidade antes de se emancipar era Santo Antonio do Alegrete e sua dimensão era desde a igrejinha da chácara do seu Augustão até à igreja nova, construída em frente à cadeia. Depois da emancipação a cidade cresceu o dobro e na mente coletiva ficou a separação entre Alegrete e Edéia, o que gerava rivalidades e competições, desde o truco até ao futebol, passando pelos concursos de rainha da festa de Santo Antônio. A divisão geográfica abrigava também a divisão política. O Alegrete era habitado pela maioria dos membros do MDB com seu líder Narciso Resende e em Edéia residia a maioria da Arena liderada por Miguel de Barros e Antônio Rocha. Todos esses foram prefeitos. Apesar das convicções esquerdistas da família do Alaor eles foram residir na parte nova, Edéia. Ademar também morava ali. 

Alertado do perigo Alaor foi procurar Ademar para pedir conselho. Como Ademar era de família com fama de brava não perdeu a oportunidade e disse a Alaor:

- Preocupa não, cara! Hoje 'cê vai saber como é que a gente resolve esses grilos por aqui e vai também saber quem é sua turma.

Por mais que Alaor tentasse estava difícil manter a calma até ao fim da festa e sentiu as pernas bambas quando Ademar lhe chamou para irem embora, não por causa dos drink's, mas porque não sabia o que iria lhe acontecer. Ao partirem em direção à porta houve um pequeno tumulto na sala com a turma do Alegrete correndo para fora, enquanto orientavam Boulevard para ficar à frente e lançar os insultos. Quando Alaor e Ademar chegaram à calçada lá estava a turma posicionada para o ataque, com o Boulevard à frente, que foi logo dizendo: 

- Aí pleiboizim viado, 'cê vai cair no pau agora pra largar de ser metido! – E o Ademar falou em seguida, enfiando a mão por dentro das calças e por baixo da camisa:

- Ó cambada, o Alaor já faz parte da nossa turma. Mexeu com ele, mexeu com Edéia. Mas se vocês quiserem vamos resolver isso agora mesmo! – Falou dando uma mexida na mão por dentro das calças. A cambada recuou e os dois seguiram a caminhada. Alaor encabulado perguntou: 

- 'Cê ta armado, bicho? 

- Que nada cara, eu não ando armado não, mas eles conhecem minha família!- Respondeu Ademar com um largo sorriso vitorioso no rosto. 

E foi assim a iniciação do Alaor nas confrarias Edéia/Alegrete. Passado algum tempo estava uma turma banhando no ribeirão Alegrete e entre tantos, estavam Boulevard, - esse nome foi dado pelo pai, que era deslumbrado com a cultura francesa – Zé Preto e Alaor. O sol já ia se pondo e Alaor pediu ao amigo Zé Preto que ficasse enrolando o Boulevard até que a última pessoa fosse embora. Queria acertar a afronta. Assim fez o amigo. Quando ficaram só os três Alaor se aproximou de Boulevard e lhe apresentou alguns golpes de judô que aprendera na Academia Hugo Nakamura em Goiânia. Quando conseguiu escapar Boulevard saiu em disparada, gritando xingatórios. Alaor consultou Zé Preto para saber se aquilo não inflamaria a turma do Alegrete e o amigo o acalmou: 

- Se bem conheço o Boulevard ele agora vai querer é ser seu amigo. - Zé Preto mostrou que realmente sabia tudo de todos. Boulevard não só se tornou amigo de Alaor como também seu cunhado, pois se casou mais tarde com Luiza sua irmã.  

Tudo hoje é diferente. Edéia unificou-se, Alegrete tornou-se um bairro, seus jovens, como nos demais municípios, perderam a simplicidade e suas preocupações se tornaram globalizadas: prestações do carro, contas de celulares e Internet banda larga para pagar, cursos profissionalizantes para competir no mercado e tudo mais. Ademar tornou-se professor de educação física, Zé Preto vive de favores e Alaor voltou para Goiânia onde montou uma corretora de investimentos espirituais. É uma empresa que procura investidores que aplicam no reino dos céus com promessas de resgate aqui mesmo na terra. Aplica-se a partir de dez por cento e tem-se a promessa de resgate de milhares por cento sem necessidade de emissão de títulos. Os funcionários são voluntários e é requisito que sejam também investidores. Se houver falência não acontece como a Avestruz Master, pois não têm obrigações tributárias nem trabalhistas e os investidores não reivindicam ressarcimento. Afinal é só promessa! E promessa só é dívida quando devidamente documentada. É um negócio que pode se tornar internacional ou até mesmo universal. A sede da corretora do Alaor tem ar condicionado, um excelente sistema de som e comporta quatro mil fieis sentados. Melhor que bingo, caça-níqueis ou jogo do bicho, pois é legal, muito legal!!!


Autor: Antonísio Siqueira Borges


Artigos Relacionados


Homenagem Ao Amigo

Quem Sou Eu...quem és Tu ?!

SolidÃo...

Grande Índio

Nordeste Que JÁ Morreu

História De João Medíocre

AnimÁlia Urbana