Drama de Eduardo



Eduardo não desceu imediatamente do carro ao estacionar em frente à casa número 517. Desligou a ignição e aguardou, mão esquerda sobre o volante, direita tateando o cinto de segurança, música em volume baixo tocando no rádio.
Faltava-lhe um pouco de coragem para abrir a porta e encarar o frio da madrugada gaúcha. Uma camada de gelo cobria os vidros de um e outro veiculo estacionado ao relento.
A porta fez um clic quando Eduardo lentamente desceu do carro. Virou-se para a casa. Estava mais escura que nunca, banhada pela luz vaga do poste mais próximo. O vento gelado cortou-lhe como uma lâmina. O silêncio reinava absoluto. Eduardo deu a volta no carro e abriu o portão baixo que dava para a entrada principal. Abriu com um forte rangido, abandonado à impiedosa oxidação.
O rapaz caminhou com passos decididos, sem prestar atenção à grama alta e plantas descuidadas de um outrora radioso jardim. A era tomara conta da lateral da casa mais escondida do sol, e crescia vigorosa.
Ao colocar a mão sobre a fechadura, Eduardo hesitou. Abrira tantas vezes aquela porta, mas hoje seria diferente. Estava plenamente consciente do que encontraria do outro lado, mas mesmo assim, hesitou. Uma nova rajada do Nordestão o fez entrar em ação. Com passos leves, invadiu a morada, levando consigo o ar gelado da madrugada. As cortinas do janelão balançaram, e um fio de luz mostrou um sofá velho e mofado. A casa cheirava mal, mas nada havia mudado.
Depois de vários anos no exterior, era duro voltar pra casa. Voltar para um lugar que já não podia chamar de lar. Contemplar aquele chão úmido e bruto, que outrora estivera impecável com os cuidados da mãe. Relanceou o olhar pela sala inteira. Os porta-retratos, quadros e penduricalhos estavam todos a postos, como se o pai tivesse-os pendurado à 10 minutos. A mãe não estava no sofá vendo a novela com o bordado de lado, a espera dos comerciais, nem o mano espalhando brinquedos e fazendo estripulias pelos cantos.
Não se preocupou com o pai. Este provavelmente estaria mexericando na oficina, atrás de casa, absorto em algum dispositivo. Eduardo rumou para o corredor, deixando seus passos marcados no chão empoeirado. As portas estavam todas entreabertas, convidativas.
Mas não havia sinal humano por ai também, como era de se esperar. Parado em frente a seu velho quarto, a primeira lágrima, sapeca, saltou de seu olho esquerdo e escorregou mansa pelo rosto, até perder-se na barba mal feita. Eduardo fechou os olhos.
Não iria até o quarto dos pais, nem ao do irmão. Já chegara longe demais. As lágrimas agora caíam descontroladas. Eduardo soluçava, em uma cena de quase desespero. Um vazio imenso tomava conta de seu interior, formando um abismo entre o passado e o presente.
Cenas vivas passavam em sua mente, como num filme de ação alucinante. Brigas e discussões, choros e gritos.
Eduardo caiu sentado escorado na parede fria, mãos cobrindo o rosto
Autor: Thiago Macangnin


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