SUBLIME ? MUITO ALÉM DO QUE VEMOS



SUBLIME ? MUITO ALÉM DO QUE VEMOS*
Sublime - Beyond What We See

Adriano da Silva Ferreira**


Resumo: Este artigo delimita um âmbito com o objetivo de esclarecer as diferenças e afinidades entre Belo e Sublime a partir da ótica de Kant. Em paralelo, uma síntese das características do Sublime segundo Edmund Burke. A idéia do Sublime associa-se, antes de tudo, a uma experiência não concernente à arte, mas à natureza, isto na perspectiva setecentista.

Palavras-chave: Sublime. Belo. Arte. Kant.

Abstract: This article outlines a framework with the aim of clarifying the differences and similarities between Beautiful and Sublime from the perspective of Kant. In parallel, a summary of the characteristics of Sublime by Edmund Burke. The idea of the Sublime is associated, above all, an experience, not concerning the art, but nature, in this eighteenth-century perspective.

Key-words: Sublime. Beautiful. Art. Kant.


1 INTRODUÇÃO

Até o século XVIII as condições da Beleza residiam puramente nas características formas do objeto, elencando qualidades a partir da visão neoclássica, como "unidade na variedade" ou "proporção" e "harmonia". Porém, foi no mesmo período do Iluminismo, século das Luzes, começam a se impor alguns termos como "gênio", "gosto", "imaginação" e "sentimento", detonando que surge uma nova concepção do belo.
O primeiro a falar de Sublime foi um autor da época alexandrina, o Pseudo-Longino. Considerava Sublime como expressão de grandes e nobres paixões.

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* Artigo apresentado ao curso de Desenho Industrial das Faculdades Barddal de Artes Aplicadas, atinente à disciplina de Estética. Prof. Doutoranda Dulce América de Souza.
** Acadêmico da 5ª fase de graduação em Desenho Industrial com ênfase em Programação Visual pela Faculdades Barddal.
2 UMA NOVA CONCEPÇÃO DE BELO

Os novos conceitos de Belo, surgidos no século XVIII, "gênio" e "imaginação", remetem ao dom de quem inventa uma coisa bela, ao passo que a idéia de "gosto" é uma característica do dom de quem tem a capacidade de apreciar. Tais termos não estão ligados às características do objeto, mas sim as qualidades ou as disposições do sujeito, seja aquele que produz, seja aquele que julga o belo.
Aquilo que é belo é definido pelo modo como nós o aprendemos, analisando a consciência daquele que pronuncia um juízo de gosto. Logo, o belo é algo como tal se mostra para nós, que o percebemos, que é ligado aos sentidos, ao reconhecimento de um prazer, é idéia predominante em ambientes filosóficos diversos. Do mesmo modo, é em ambientes filosóficos como tal, que avança a idéia do Sublime.


3 O SUBLIME É O ECO DE UMA GRANDE ALMA

O Sublime é um efeito da arte (não um fenômeno natural), para cuja realização concorrem determinadas regras e que tem como fim a obtenção do prazer. É o que afirma Pseudo-Longino, o primeiro autor a escrever sobre Sublime ainda na época alexandrina.
Longino coloca em primeiro plano no processo da criação artística o momento do entusiasmo: o Sublime é, para ele, algo que anima o discurso poético de dentro para fora e arrasta os ouvintes ou leitores ao êxtase.
Como afirma Pseudo-Longino (século I, Do Sublime), "[...] o Sublime não leva os ouvintes à persuasão, mas à exaltação: porque o salto imprevisível que provoca prevalece sempre sobre tudo aquilo que convence ou que agrada".
As primeiras reflexões seiscentistas referem-se ainda a um "estilo Sublime" e, portanto, a um procedimento retórico apropriado aos argumentos heróicos e expresso através de uma linguagem elevada, capaz de fazer com que se experimentem nobres paixões.
Segundo Longino, existem cinco fontes produtivas do Sublime, cinco categorias que têm como pressuposto comum e fundamental o talento lingüístico, sem o qual não se pode fazer nada.
A primeira e mais poderosa é a influência exuberante dos pensamentos. A segunda é o pathos¹ arrebatador e inspirado. As outras três são alcançadas através da arte. E são: a modalidade formal das figuras, o engenho expressivo e o decoro e distanciamento da composição.


4 O SUBLIME E A NATUREZA

Em pleno classicismo, a estética do sublime, apoiada na idéia do temor reverencial à natureza, interpela os valores reinantes ligados à ordem, ao equilíbrio e à objetividade. O sublime se dirige ao ilimitado, ao que ultrapassa o homem e todas as medidas ditadas pelos sentidos. A noção conhece desenvolvimento precoce na Inglaterra pelos escritos de William Shakespeare, Edmund Spenser e sobretudo de John Milton. No longo poema bíblico O Paraíso Perdido, 1667, Milton constrói uma tragédia de dimensões cósmicas cujo personagem central é Satã, anunciando o tópico do satanismo, fortemente explorado pelos românticos.
No curso dos séculos, reconheceu-se a existência de coisas belas e agradáveis e de coisas e fenômenos terríveis, apavorantes e dolorosos. Em sua Poética, Aristóteles, explica justamente que a tragédia, ao representar eventos tremendos, deve produzir no espírito do espectador piedade e terror.
No século XVII, alguns pintores foram apreciados por suas representações de seres feios, desagradáveis, estropiados e mancos, ou de céus nebulosos e tempestuosos, mas nenhum deles afirmava que um temporal, um mar borrascoso ou qualquer outra coisa ameaçadora poderia ser bela por si mesma.
Em contrapartida, no século seguinte, o universo do prazer estético divide-se em duas províncias, a do Belo e a do Sublime. Esta é uma época de viajantes ansiosos por conhecer novas paisagens e novos costumes, não por almejar a conquista, mas para experimentar novas emoções. Surgindo, dessa forma, um gosto pelo exótico, curioso, interessante. Como exemplo, a afirmação do gosto pela arquitetura gótica, que surgiu na metade do século XVIII.

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¹ Pathos é uma palavra grega que significa paixão, excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento e assujeitamento. O conceito filosófico foi cunhado por Descartes para designar tudo o que se faz ou acontece de novo é geralmente chamado (pelos filósofos) de pathos.
Aquela que era considerada ruína, pelo conceito neoclássico, passa a ter uma apreciação única, tomando gosto pela desproporcionalidade e irregularidade. A ruína é, então, apreciada exatamente pela sua incompletude, pelos sinais que o tempo inexorável lhes deixou.


5 EDMUND BURKE

É na Inglaterra que vem à luz o mais importante tratado sobre o conceito, Uma Investigação Filosófica sobre a Origem de Nossas Ídéias do Sublime e do Belo, 1757, de Edmund Burke. Burke apresenta o sublime como uma modalidade da experiência estética mais ampla, encontrada não apenas na literatura. Segundo sua definição, a natureza do sublime relaciona-se ao infinito e, sobretudo, ao sentimento do terror.
Burke afirma não ser capaz de explicar as causas do efeito Sublime e do Belo, mas a pergunta que se coloca é: como pode o terror ser deleitável? E sua resposta é: "quando não ameaça muito de perto". Isso significa que dor e terror são causa de Sublime se não são realmente nocivos.
Para Burke, "tudo aquilo que serve para, de algum modo, excitar as idéias de dor e perigo... ou versa sobre objetos terríveis, ou opera de maneira análoga ao terror, é origem do sublime; ou seja, é causador da mais forte emoção que a mente é capaz de sentir". Uma das primeiras obras a enfatizar o poder de sugestão como elemento fundamental para a imaginação - "as imagens escuras, confusas e incertas, mais do que aquelas claras e determinadas, têm sobre a fantasia um poder maior de formar as grandes paixões" -, o tratado de Burke sinaliza um distanciamento em relação às idéias clássicas e racionalistas do início do século XVIII, anunciando preocupações que viriam a ser exploradas pelo romantismo.


6 O SUBLIME DE KANT

Kant, no texto mencionado, trata a noção do belo como sendo aquilo que encanta no limite da superfície, aparência, forma; é da ordem de um prazer agradável, harmônico, talvez da ordem do princípio do prazer, contido em sua economia de redução das tensões. Já o sublime, o filósofo liga-o ao assombroso, profundo, aquilo que provoca comoção. "O sublime comove, o belo estimula" ou encanta. (Kant, 1764, Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, p.21.) Kant segue em seu texto classificando coisas que seriam belas e sublimes, mas o interesse aqui é apontar que o diferenciador das duas experiências, o que Kant introduz entre os dois termos é algo da ordem de uma marca trágica de destituição. É possível inferir ser esta ultrapassagem, que nota Lacan, (1960) ao observar a ambigüidade do belo.

"Há uma certa relação do belo com o desejo. Esta relação singular é ambígua. Por um lado, parece ser possível que o horizonte do desejo seja eliminado do registro do belo. E, no entanto, por um lado, ele não deixa de ser manifesto(...)o belo tem por efeito suspender, rebaixar, desarmar, diria eu, o desejo. A manifestação do belo intimida, proíbe o desejo. Não quer dizer que o belo não possa com o desejo, em tal momento se conjugar, porém muito misteriosamente, é sempre sob esta forma, que não posso designar de outra maneira senão chamando-a por um termo que traz em si a estrutura da passagem de não sei que linha invisível ? o ultraje. Parece todavia, que é da natureza do belo permanecer, insensível ao ultraje". (LACAN, 1988, Seminário VII, p.290.)


O belo, portanto, pode refletir como um espelho o desejo ? esta sendo então a dimensão imaginária, aquela que imobiliza na idealização e impede o desejo. Mas há a ultrapassagem que, como se segue na citação acima é da ordem de um ultraje, que quer dizer, em um sentido primeiro, "ir além de", além do fascínio do belo, deste amor sem desejo. Há então no ultraje uma relação com o desejo na experiência de busca do real da verdade.
A experiência do Sublime é diversa. Immanuel Kant, na Crítica do Juízo (1790), distingue dois tipos de Sublime, o matemático e o dinâmico. O exemplo típico de Sublime matemático é a visão do céu estrelado. Tem-se a impressão de que aquilo que se vê vai bem além da nossa sensibilidade provocando o instinto imaginativo.
Já um exemplo típico de Sublime dinâmico é a visão de uma tempestade. O que sacode o nosso espírito não é a impressão de uma infinita vastidão, mas sim de uma infinita potência: aqui também fica humilhada a nossa natureza sensível, da qual deriva ainda uma vez um sentido de desconforto, compensado pelo sentimento da nossa grande moral, contra a qual de nada valem as forças da natureza.

7 CONCLUSÃO

Ao final deste artigo, estabelece-se a distinção entre os gênios de sentimento do Belo e do Sublime sob a ótica de Friedrich Schiller (1801). O Belo é uma expressão da liberdade, mas não daquela espécie que nos eleva acima da potência da natureza. Na Beleza, sentimo-nos livres, pois os instintos sensíveis estão em harmonia com a lei da razão.
O sentimento do Sublime caracteriza-se por ser misto. É composto de uma sensação de aflição, quem em seu grau mais alto manifesta-se como um arrepio, e por uma sensação de júbilo², que pode chegar ao entusiasmo e, embora não seja precisamente um prazer, é amplamente preferido pelas almas sutis a qualquer prazer.
"O objeto Sublime é de dois gêneros. Ou o remetemos à nossa força intelectiva e sucumbimos na tentativa de formar uma imagem e um conceito dele, ou o remetemos a nossa força vital, uma potência diante a qual a nossa desvanece." (Schiller, 1801).
















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² Significa: alegria ruidosa; grande contentamento.
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


KANT, Emmanuel [1764]. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. São Paulo: Papirus, 1993.


LACAN, Jacques [1959-1960]. O seminário ? A ética da psicanálise. Livro VII. Rio de
Janeiro: Zahar, 1988.


LYOTARD, Jean-François [1991]. Lições sobre a analítica do sublime. São Paulo: Papirus, 1993.


ROSENFIELD, Kathrin H. - Estética, Filosofia passo a passo, n° 63 - RIO de Janeiro: Jorge Zahar Editor. p. 22 a 34.










Autor: Adriano Da Silva Ferreira


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