Ticha



TICHA

Hoje, vou falar-vos de Ticha?
Ticha, neste caso, não é um nome próprio? Nem sequer um diminutivo de qualquer nome que possa existir, se bem que é muito utilizado com esta função.
Este Ticha em especial é pura e simplesmente uma alcunha, uma denominação cómica e até carinhosa que um dia, alguém começou a usar para se referir a "Bia", porque de algum modo a considerou semelhante a uma lagartixa.
Fica por saber se tal semelhança seria física ou psicológica. É algo que ficará no segredo do conhecimento de quem iniciou tal movimento, no entanto, se boa avaliação faço, não foi decerto por semelhanças físicas, pois a Ticha em nada se assemelha com o dito animalzinho, nem sequer na cor da pele.
Terão então, provavelmente sido as características da sua personalidade que a levaram a ser identificada por tal denominação.
Nomes à parte, o que importa de facto será a história ou a vida desta Ticha, assim também denominada daqui para a frente.
É certo que toda a gente tem uma história, uma vida, que é única e só sua, diferente da de qualquer outro ou outra, mas o que acontece é que há algumas pessoas cujas histórias, por diversos motivos, sobressaem às demais e este caso não é de forma nenhuma excepção.
Na casa dos vinte anos, mas já mais perto dos trinta, Ticha nasceu com uma doença genética que incide essencialmente a nível neurológico, afectando o equilíbrio e força muscular, muito pronunciado ao nível dos membros inferiores.
Até cerca dos 16 anos, Ticha, cresceu e desenvolveu-se como qualquer outra criança, como qualquer outra pessoa.
Pertencente a uma família, que pelo número de filhos, também foge à regra da maioria das famílias portuguesas de hoje, Ticha é a terceira filha de seis irmãos.
Nascida, criada e vivida até à actualidade no sul do nosso país, numa zona de forte afluência de turistas estrangeiros, embora também na actualidade nós, os portugueses devido à dita crise económica ou pura e simplesmente porque acordámos para as magníficas zonas que temos cá entre nós, no nosso pequeno paraíso plantado à beira mar, também muito a procuremos como o nosso destino de férias, Ticha vive há cerca de dez anos os sinais e sintomas que desde cedo lhe foram anunciados a ela e aos seus familiares.
As suas pernas recusam-se a obedecer-lhe nos dias de hoje, nem que seja para se manter de pé, se for por algum tempo, pois até o equilíbrio a abandonou.
Tem feito fisioterapia ao longo dos anos, não para reverter os efeitos da sua doença, mas essencialmente para retardar o mais possível o seu aparecimento e agravamento. Infelizmente, bem sabemos como está o nosso país a nível de assistência à saúde e se bem que os meios de comunicação social dão preferência às más noticias, porque o nosso povo é disso que gosta, tanto para criticar como pelo simples gosto ou atracção pelo mau, pela desgraça e escândalo, também existem bons exemplos, mesmo por cá, de prestação de muito bons serviços de saúde embora poucos, muito menos do que seria de desejar e que para agravar, como não vendem jornais ou cativam audiências, não são divulgados pura e simplesmente ou quando o são, são-no muito rapidamente e no final dos telejornais ou num minúsculo canto de página de um jornal.
Ticha tem sido vítima deste sistema de saúde. Frequentou já, pelo menos um destes bons locais de assistência à saúde, onde o principal objectivo é o de se atingirem os melhores resultados no que toca à reabilitação física de utentes e ela atingiu-os. Enquanto esteve internada neste centro de reabilitação, recuperou bastante, inclusive ao ponto de readquirir o equilíbrio e, vejam só, até dar uns passinhos com as devidas ajudas, humanas e materiais, que a sua situação física exige.
"Não há bem que nunca acabe?" e como há imensas pessoas à espera de vaga para este e outros serviços, semelhantes ou não, Ticha, após esta recuperação espectacular, foi posta de lado, ou seja passou literalmente de um estado de óptima assistência, para um estado de assistência nenhuma. Voltou para casa e pronto, perdeu tudo o que tinha ganho no período em que lá passou.
Inteligente este sistema de saúde, não? Investe meios humanos, técnicos, monetários e materiais na recuperação primária das pessoas e depois puff, deixa-as à sua sorte, sem nenhuma forma de suporte para que se mantenha o que a custo de imenso investimento físico e não só, se ganhou, por vezes em vários meses.
Resultado do balanço..? Nulo!
Assim está Ticha, a nível físico. Vive com a lembrança do que teve, perdeu, voltou a ganhar e agora já não tem de novo.
Ticha no entanto, foi escolhida para incorporar estes meus "Resumos de Vidas" e isto significa que há algo nela ou no que a rodeia que a distingue ou faz merecer distinção. Deste modo, se o seu estado físico é pouco bom, o mesmo não se pode dizer em relação ao seu estado emocional, às suas características pessoais e até mesmo à família a que pertence hoje, a qual também ela já contribuiu para o aumento do número de indivíduos.
Longe de estar desanimada, desencorajada ou desistir, Ticha é uma jovem onde começando na sua voz doce e meiga, passando pela sua calma e tranquilidade contagiantes e terminando no seu olhar de ternura para tudo e todos, mas principalmente para os seus, emana energia e vontade de viver.
Conformada com a sua situação, apenas refere, muito rapidamente e se a conversa for por essa via, que gostaria de ter um "Standing-Frame", que é muito simplificadamente, um aparelho que a ajudaria a ficar uns momentos de pé, suportando-a nesta posição, facilitando-lhe o funcionamento dos órgãos internos, que são prejudicados pela impossibilidade de se manter de pé e também promovendo a manutenção dos seus músculos dos membros inferiores e isto, apenas no que toca ao físico, pois também a nível psicológico seria bem bom, uma vez que durante este período que se manteria de pé, Ticha poderia ver o mundo de um nível que já há muito não tem acesso, poderia olhar os outros olhos nos olhos e não apenas de baixo para cima como a sua situação a obriga a olhá-los no seu dia-a-dia.
A esta altura, será de se colocar a pergunta, "porque é que não tem?"
Pois bem, não tem, mais uma vez porque no nosso país se gasta milhões, por dia em estradas e outros eventos que façam vista e teoricamente sejam fundamentais a todos, mas não há uns euros, alguns é certo, para ajudar pessoas como a Ticha a ter uma qualidade de vida um pouco melhor, a ter um motivo visível para sorrir, porque ela sorri e ri, muito mesmo, quase a todo o momento, mesmo que aparentemente não tenha na sua vida motivos para isso, como será considerado por alguém que apenas olhe para a sua vida de uma forma superficial, pouco sensível e tendo apenas em conta os aspectos negativos que fazem parte do quotidiano de Ticha.
Que motivos terá então Ticha para sorrir?
Vejamos mais um pouco da sua história?
Por volta dos seus dezasseis anos de idade, numa altura em que estava no auge da sua juventude Ticha, de forma semelhante a outras tantas jovens, teve um relacionamento amoroso. Se foi ou não o primeiro, apenas ela ou talvez também alguém que lhe seja muito próximo, pode dizer, mas para o caso não é de fundamental importância, o que importa mesmo é que deste relacionamento resultou uma gravidez.
Neste momento, se já havia dificuldades na vida de Ticha, mais vieram para adicionar.
O rapaz, para não utilizar uma outra palavra menos ortodoxa, assustou-se e pura e simplesmente, desapareceu da vida de Ticha assim que soube desta gravidez e por efeitos das hormonas e alterações que ocorrem durante esta fase fisiológica ou talvez não, o que desde cedo lhe tinha sido anunciado relativamente à sua sentença física deu início à manifestação.
Temos então uma jovem de dezasseis anos, grávida e a cada momento a ficar mais debilitada e incapacitada fisicamente.
Pertencente a uma família numerosa, como já foi dito, as suas posses eram inversas ao número de indivíduos, o que em linguagem corrente significa que Ticha é oriunda de uma família de poucas posses monetárias, onde como seria de esperar as dificuldades associadas a este facto são imensas.
Se faltava o dinheiro, havia o Amor em todos os gestos e momentos dos elementos desta família, assim, passados o período de surpresa e instabilidade que se segue à noticia de uma jovem de tenra idade, sem recursos financeiros e abandonada pelo "namorado", ter engravidado, a sua família, unida como sempre o foi, deu-lhe o apoio emocional, deu-lhe mais uma vez o Amor que sempre abundou no seu seio e ficou até feliz por mais um elemento se ir juntar à sua família.
Tínhamos então, o nosso Quico a caminho.
A gravidez correu sem grandes percalços, o normal de uma gravidez se assim se pode dizer e lá veio ao mundo este pequeno ser que, pertencendo à família que pertence, de pequeno apenas tinha o tamanho corporal, pois também ele nasceu dotado de Amor que desde cedo manifestou através dos seus actos para com os seus.
Como os sentimentos e a manifestação deles, quaisquer que eles sejam, atraem mais situações semelhantes, um dia, ainda nos tempos iniciais da infância do Quico, Ticha conheceu Carlos, um jovem aproximadamente da sua idade que desde logo se encantou pela doçura e voz desta jovem mulher.
Para sua felicidade, foi correspondido e passado algum tempo, Ticha tinha dado início à sua própria família.
Carlos, amou Quico logo que o conheceu e tornaram-se então, verdadeiros amigos e mais do que isso, são hoje realmente pai e filho.
Carlos não se ficou nem fica pela mera paixão pela sua Ticha e pelo seu Quico, ele faz de tudo ao seu alcance para que a felicidade da sua família se perpetue no tempo.
Obviamente refiro-me a trabalhar e ganhar o máximo de dinheiro possível para que pelo menos o essencial não lhes falte, mas mais do que este aspecto, também o coração de Carlos é Amor e como tal, manifesta-o em tudo o que faz, desde pensar a todo o momento na sua família e na melhoria das condições de vida dela, como também em pequenas coisas como a ternura, carinho e cuidado que trata os seus, nomeadamente na forma como ajuda Ticha nas suas actividades como o levantar e sentar, mudar de um local para outro, fazendo-o com o olhar mais ternurento que algum dia foi visto e com a delicadeza de quem transporta uma jóia rara e preciosíssima, como é de facto para ele, Ticha.
Ticha, devido à sua incapacidade física e também ao seu Quico, que se por um lado é hoje os braços e pernas de Ticha, também ele, pela sua tenra idade necessita de suporte e orientação, não tem nenhuma profissão activa.
Digo profissão activa, como poderia dizer, talvez mais apropriadamente, reconhecida, porque mesmo com a sua realidade física, Ticha é dona de casa, mulher e mãe, enfim é doméstica.
Para muitos, não será nada de especial, mas avaliando-se ao pormenor, esta é uma profissão que é desempenhada vinte e quatro horas por dia e sem direito a férias, ou simples fins-de-semana.
Tal como em todas as outras profissões, tem a parte da planificação de actividades, desempenho e mesmo coordenação de horários, porque os seres que dela dependem têm também eles as suas rotinas que se não fosse este desempenho tão pouco reconhecido e consequentemente desvalorizado, seriam gravemente afectadas.
Doméstica, incluindo as actividade de mãe, esposa e gestora de lar, é assim uma das profissões mais nobres e digas de reconhecimento.
Obviamente tem tempos livres durante o dia, como todas as profissões o têm e como é que será que Ticha ocupa estes tempos livres?
Bem, Ticha, como já foi referido é feita de Amor em todo o seu ser e portanto, ama todas as criaturas, incluindo os animais.
Ela partilha a sua vida com alguns pequenos roedores que a distraem e a divertem quer pelo carinho que lhe demonstram, quer pelas suas habilidades e actividades a que se entregam.
São pequenos animais, adaptados às capacidades de Ticha, mas ainda assim não deixam de desempenham com eficácia a função deles, que neste caso é receber atenção e dar em troca relaxamento e paz de espírito.
Esta é então a história de Ticha, uma história baseada em factos reais, inspirada numa família por quem tenho um enorme carinho e mais do que isso uma enorme admiração e reconhecimento da existência de valores tão nobres e raros como o Amor e a alegria pelas coisas pequenas e simples.
Bem ajam a eles todos.

Autor: Rui Miguel Rodriges De Brito


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