A PRESENÇA NA AUSÊNCIA



Quem dentre os humanos nunca fora acometido por perdas dolorosas?... Talvez seja essa a característica mais partilhada pela humanidade em todo seu estágio evolutivo. As perdas constituem ausências. E estas por sua vez denotam a não existência de algo que dependendo do contexto ou história vivida, nos era precioso, caro. Toda perda causa danos, prejuízos, angústias; quando não, dores. Não é fácil aceitar perder ou manter o espírito passivo e pacífico quando isso ocorre. Geralmente, perdas são acompanhadas de revoltas, de sentimentos de fracasso, de insucessos, comprovando a incapacidade do ser que a experimentou de realizar seus objetivos. Elas trazem a quem as provam desgosto, desilusão e angústias.
Há pessoas que após vivenciarem experiências amargas, doloridas optam por continuar no calvário de suas ausências, não contribuindo em nada com sua capacidade de superação.
As perdas caras produzem saudade ou saudades. Ao produzir saudade abrem espaço para o melancólico, o triste, enfatizando a idéia de ruptura e desilusão. Ao produzir saudades engendram no ser o afeto, reproduzindo momentos de felicidade ao reviver ainda que por minutos ou segundos as alegrias outrora vividas diante de um fato, acontecimento ou alguém especial.
Assim se constitui a presença. Quem ama verdadeiramente consegue transformar a ausência material em presença espiritual. É uma presença que plenifica, mas que deixa lacunas devido a não interação concreta. É uma presença marcada por atos já realizados, palavras proferidas que foram cristalizadas no âmago dos ser.
Quantos momentos felizes são experimentados por pessoas que sabem acolher as oportunidades de presença. É tão gratificante ter bem presente entes queridos que foram arrebatados do convívio cotidiano. Essa presença ganha vivacidade quando confrontada em situações de recordação de fatos vividos e compartilhados em comunhão. Daí subtende-se a eficácia da comum união, carregada de caráter fraterno em que as pessoas comungam das idéias, desejos e atuação das outras. Só assim conseguem reproduzir a presença em determinadas situações da vida. Comungar é receber o outro em si, com todas as suas características e peculiaridades, e nesse ato de receber, deixar fruir as virtudes que constituíram ensinamentos causando novas atitudes, muito embora no limiar da ausência.
Sob o prisma da fé cristã é bem evidente a presença na ausência. Basta refletir o episódio da morte e ressurreição de Jesus. Seus discípulos foram fortemente marcados pela dicotomia presença-ausência. Dolorosamente marcados pela ausência do Mestre, mas confortados pela presença respaldada no coração e na missão. É como afirma o Pe. Fábio de Melo que quando estamos em comunhão com o outro, incorporamos este em nós trazendo-o sempre que necessário tão próximo quanto distante. É contraditório, mas é uma constante que não se desvincula de nossas vivências.
Para a humanidade tem sido gratificante, mas também questionador a promessa de Jesus: "Eis que estarei convosco todos os dias, ate os confins dos tempos". Pela ótica da fé, é consolador refletir essa promessa a partir da presença do Messias transmutado na Eucaristia, mas pela visão humana intranscendente, só resta a ausência total dessa presença alimentada pela dúvida que permeia a alma. A fé ensina que nada é tão certo quando estamos em comunhão.

Muitas pessoas vivenciam a ausência na presença não se deixando envolver ou simplesmente optando pela solidão. Às vezes faz-se necessário adotar a dicotomia ausência na presença, desde que se deseje desligar-se do material e rever questões subjetivas que contribuirão para o crescimento espiritual. Isso é positivo e ajuda a crescer. Só não se deve conceber a idéia de fuga da realidade ou de pessoas para o mundo interior. Interagir é preciso para que a experiência presença possa de fato concretizar-se como pano de fundo para o momento decisivo da ausência.
O que seria afinal do ser humano se não sofresse perdas? As perdas favorecem reflexão e em tantos casos, engrandecimento. A esse propósito, tomemos como exemplo o rio que em sua singeleza esvazia-se constantemente despejando suas águas no oceano que por sua vez fundem-se num rápido entrelaçar-se, de forma que um passa a ser o outro. Nisso consiste o perder ou o dar? Então, perder para muitos tem essa característica. Muitas vezes é preciso abrir mão de algo que nos aprisiona, mas que não o percebemos enquanto o possuímos. É preciso perder para ser mais, para fundir-se a algo maior. Ai daquele que não se permite tal experiência.
Com as perdas sofridas nos reencontramos, muitas vezes; mas nem sempre! A sociedade contemporânea está quase que viciada a não saber perder. Na verdade é difícil aceitar perder, pois mexe com o brio do homem; cada um quer ficar por cima. É preciso ver as perdas como ganhos, pois nem sempre o material é o essencial. Quem não lembra a história da águia que, após um certo tempo de vivência, retira-se de sua vida habitual para juntar-se a uma montanha onde possa dar várias bicadas até que seu bico caia e apareça um novo? Será que as pessoas não necessitam perder algo ou alguém para que sejam mais humanas? Mais evoluídas? Mais elas mesmas? Mais éticas em seu jeito de ser e de agir? As perdas também ensinam. Concorda caro leitor?
Infelizmente nem todas as pessoas se trabalham para encarar os percalços da vida. Estão muito presas ao seu mundinho criado à semelhança do seu jeito de ser de acordo com seu bel prazer. E de repente quando algo deixa de existir, ou sua rotina é quebrada, o descontrole toma conta de tudo e também o desconforto. Daí decorrem as desestruturas, e toda a vida é abalada. É preciso saber como, quando , onde e por que perder para que frutos abundantes floresçam. Somente quem se dispõe esvaziar-se é capaz de tornar-se grande. Há momentos em que as perdas são inevitáveis e também necessárias para que a libertação aconteça.
Como reagimos quando nos percebemos perdendo a juventude e adicionando mais uma ruga em nossa história? Para muitos tem sido um Deus nos acuda, para outros nem tanto. Esse fato natural é apenas um constituinte para que reflitamos sobre a vida e quebremos a amarras que nos impedem de viver a simplicidade aceitando-se como seres passantes e não como eternos em nossa existência.
Quando a vida nos tira alguém querido, especial, houve perda, mas não esvaziamento perante a capacidade de conservar esse alguém vivo nas recordações de fatos compartilhados. Continuamos com a riqueza da ressurreição interior inalterada pela força da presença carimbada na alma.


Autor: Valdina Germano Soares


Artigos Relacionados


O Poder Da Perda

Aos Amigos, A Feliz Saudade.

Perdas E Danos

Entardeceu E Encontrei-me Com A Noite

Inerentes Perdas Humanas

Perder é Ruim

O Deus Que Se Oculta