Uma leitura da psicologia humanista no filme ''O Gênio Indomável''



O humanismo é um movimento cultural, europeu, que teve sua origem no século XIV e esteve ligado ao Renascimento. Daí o termo se generalizou, podendo ser aplicado a qualquer ciência que coloca o homem no centro de suas preocupações; este é o adjetivo aplicável na Psicologia Humanista ou melhor dizendo do Humanismo na Psicologia.
Quem trouxe o Humanismo à Psicologia foi o fundador do aconselhamento não diretivo ou a terapia centralizada no cliente, Carl Rogers; cujo elemento central de sua teoria é o conceito de "eu" (Self). Rogers percebeu a importância do "eu" através de suas experiências com clientes em psicoterapias, no qual o "eu" era visto por ele como um padrão organizado de percepções, sentimentos, atitudes e valores que o indivíduo acredita ser unicamente seu. De maneira geral o "eu" se refere à auto-imagem ou uma conscientização de si mesmo. Além do "eu" existe também para Rogers o "eu ideal" que se refere ao conjunto das características que o indivíduo desejaria poder reclamar como descritivas de si mesma, ou seja, significa a pessoa tal como gostaria de ser. Os indivíduos bem ajustados seriam aqueles que possuem uma correspondência muito próxima entre o "eu" e o "eu ideal".
Rogers acredita na tendência para realização, isto é, o ser humano tem tendência natural para resolver sua capacidade. Isso se faz através do esforço no sentido da congruência entre o "eu" e a experiência; a experiência neste sentido refere-se ao aspecto vivido, ativo, mutável dos acontecimentos sensoriais e fisiológicos que se produzem no organismo. Nisto o enriquecimento básico da atividade do organismo é a realização, manutenção e enriquecimento do Self. Quando existe harmonia e consistência entre o "eu" e a experiência o indivíduo se mantém congruente; mas quando não há esta harmonia o indivíduo fica no estado de incongruência; há um certo desajuste. Quanto mais há desacordo entre o "eu" e a experiência, mais o comportamento fica incompreensivo e a personalidade desequilibrada. Quando o indivíduo se encontra em estado de desacordo sem se dar conta disto, é potencialmente vulnerável à angústia, à ameaça e à desorganização. Por outro lado, em decorrência de uma experiência crítica, este estado de desacordo lhe é imposto de maneira inegável; o indivíduo se sente ameaçado e a imagem do "eu" se desintegra sob choque. Além disso, se faz necessário ver o que seria o comportamento defensivo para Rogers, que consiste em manter a estrutura do "eu", em outras palavras a defesa apresenta uma oposição a toda mudança sustentável de atenuar ou de desvalorizar a estrutura do "eu".
No campo da terapia, Rogers diz que o importante não é a ausência de diretivas, mas a presença do terapeuta, de certas atitudes em face ao cliente e de uma certa concepção das relações humanas. Em vista disso o papel do profissional nesta concepção é portanto, a de catalizador, de um agente que facilita um processo dado, mas que não determina.
Ademais, existe uma noção chave na qual Rogers salienta o indivíduo como o maior especialista de si mesmo:
O ser humano tem a capacidade, latente ou manifesta, de compreender-se a si mesmo e de resolver seus problemas de modo suficiente para alcançar a satisfação e a eficácia necessária ao funcionamento adequado. O exercício desta capacidade requer um contexto de relações humanas positivas, favoráveis à conservação e à valorização do "eu", isto é, requer relações desprovidas de ameaça ou de desafio à concepção que o sujeito faz de si mesmo.(ROGERS, Carl, 1975, p. 39-40).

Além dessa noção chave que é inerente ao homem, a menos que este tenha lesões e conflitos estruturais; faz-se necessário ver segundo Rogers as condições do processo terapêutico, que dá base para a modificação e equilíbrio da personalidade:
Que duas pessoas estejam em contato; que a primeira pessoa, que designaremos o cliente se encontre num estado de desacordo interno, de vulnerabilidade ou de angústia; que a segunda pessoa que designaremos como terapeuta, se encontre num estado de acordo interno ? pelo menos durante o decorrer da entrevista e no que se relaciona ao objeto de sua relação com o cliente; que o terapeuta experimente sentimento de consideração positiva incondicional a respeito do indivíduo; que o terapeuta experimente uma compreensão empática do ponto de referencia interna do cliente; que o cliente perceba ? mesmo que numa proporção mínima a presença da consideração positiva incondicional e da compreensão empática que o terapeuta lhe testemunha. (ROGERS, Carl, 1975, p. 182)

Essas condições são imprescindíveis para que o processo terapêutico seja eficaz e tenha êxito.
Fazendo agora uma analogia do filme "gênio indomável" dentro do contexto abordado, psicologia humanista, se faz necessário olhar de perto a personalidade de Will (Matt Damon), um jovem muito inteligente, órfão, agressivo e que apresenta conduta social bastante inadequada; por determinação legal ele precisa fazer terapias e passa por cinco analistas, mas nada funciona, pois ele debocha de todos até se encontrar com Sean e se identifica com ele. Sean é psicólogo da área humanista, isso fica bem claro em uma das cenas do filme, em que ele dando aula em uma universidade diz: "seduzem os clientes enquanto estão vulneráveis e a confiança é o fator essencial para a terapia". O termo cliente é exclusivo da psicologia humanista com isso pode-se dizer que ele seja desta área. Sean ao encontrar Will, o vê como uma pessoa que precisa ser ajudada, que precisa se encontrar enquanto pessoa, apesar deste (Will) provocá-lo, ao desvelar o mistério da gravura pintada pelo psicólogo que consistia em um barco andar errante, triste e solitário no oceano que representava a solidão e a perda de sua esposa. Este (Sean) o agarra pelo pescoço e o põe contra a parede; esta agressão só foi lícita por que o cliente entrou na intimidade do terapeuta sem sua permissão. Isso deixa o terapeuta em conflito, mas nem por isso ele deixou as cessões psicoterápicas junto ao rapaz. Já na segunda sessão o terapeuta entra na intimidade do cliente com apenas esta pergunta: "você tem medo de dizer quem realmente você é?". Neste sentido Sean descobre que Will tem uma anti-relação entre o "eu" e o "eu ideal", causa de seu desajustamento. Isso mostra que Will se encontrava em estado de incongruência pois não havia harmonia entre o seu "eu" e sua experiência individual. Isso leva a dizer as palavras de Rogers em que: "a necessidade de atenção, aprovação, amor, simpatia, respeito das outras pessoas são necessidades importantes do ser humano que pode se tornar tão poderosa que chega a suplantar as necessidades biológicas mais fundamentais do organismo". De tudo isto o garoto necessitava e por isso apresentava-se de maneira vulnerável e anti-social.
É interessante perceber que no filme acontecem as principais condições do processo terapêutico acima citados. Will sendo o cliente, se encontra em estado de desacordo interno. Este é visto pelo terapeuta como inabilidade social e visão negativa de futuro; já o terapeuta, Sean se encontra ao contrario em estado de acordo interno, com isso ele faz o papel de catalizador, fazendo com aos poucos Will aprenda a confiar nele.
O terapeuta mostra a Will, através da confiança que ele precisa experimentar plenamente certos sentimentos que até então havia deformado ou negado, é o caso de sua namorada no qual ele precisa assumir seus sentimentos em relação a ela. Com isso a imagem do "eu" de Will muda de maneira a permitir a integração de elementos em experiências negadas. Além disso, Will evolui para um estado de acordo interno que consiste na harmonia do seu "eu" com o "eu ideal". Por outro lado, entre o eu e sua experiência, produzindo uma diminuição geral do nível de tensão ? tanto psicológica, quanto fisiológica, diminuindo sua vulnerabilidade que consistia no comportamento anti-social e negativa visão de futuro. Com ajuda do terapeuta, Will aos poucos passa a ter uma consideração positiva a respeito de si mesmo; agora Will pode ser considerado como apto a controlar e dirigir seu comportamento. Ele está mais maduro e mais social.
Autor: Marcio Dos Santos Rabelo


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