CORA CORALINA



CORA CORALINA: MULHER DE L UTA E POESIA

SEU NOME: Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretãs - CORA CORALINA - nome que assumiu com a única intenção de não ser confundida com outra Ana qualquer - "mais bonita do que eu " - das muitas que existiam em Goiás Velho, numa homenagem à padroeira da cidade.
NASCIDA há mais de cem anos "numa rebaixa de Serra, entre serras e morros, longe de todos os lugares, numa cidade onde levaram o ouro e deixaram a pedras"
..."Um velho tio que assim me via
- dizia:
"- Esta filha de minha sobrinha é idiota Melhor fora não ter nascido!"
Melhor fora não ter nascido... Feia, medrosa e triste, criada à moda antiga,
- ralhos e castigos.
Espezinhada, domada.
Que trabalho imenso dei à casa
para me torcer, retorcer,
medir e desmedir.
E me fazer tão outra.
diferente,
do que eu deveria ser.
Triste, nervosa e feia
Amarela, de rosto empapuçado. De pernas moles, caindo à toa Retrato vivo de um velho doente Indesejável entre as irmãs.
Sem carinho de mãe Sem proteção de pai .
- melhor fora não ter nascido
O TEMPO "Venho do século passado. Pertenço a uma geração ponte entre a libertação dos escravos e trabalhador livre, entre a Monarquia caída e a República que se instalava."
"Sou a mulher mais antiga do mundo,
a mais velha de todas.
Posso ter a idade da terra,
ou trago comigo todas as idades.'




A INFÂNCIA? "Criança , no meu tempo de criança , não valia mesmo nada. Todo o ranço era presente. A brutalidade, a incompreensão, a ignorância".
SEUS ESCRITOS "Versos... não. Poesia... não. Um modo diferente de contar histórias."
O modo de Cora Coralina . desde os primeiros rabiscos feitos quase às escondidas em Goiás Velho , graças aos ensinamentos de "uma velha mestra que já havia ensinado uma geração antes da minha " e com as letras que 'aprendi em livros superados que ninguém mais fala". Com essas ferramentas rudimentares Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretãs, menina "Triste, nervosa e feia", nascida em 20 de agosto de 1889, começou a colocar métrica e ritmo à realidade que conhecia, trazendo para uma poesia simples e comovente o sabor da vida, num eterno balanço de si mesma e de seu mundo.
"Apenas a autenticidade de minha poesia arrancada aos pedaços do fundo de minha sensibilidade. E este anseio: Procuro superar todos os dias minha própria personalidade, renovada, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto".


Quando se fala em Cora Coralina., quantas imagens são despertadas, quantas lembranças - esquecidas às vezes na memória - afloram , as imagens tomam forma, adquirem consistência, odores, gostos, texturas...
A infância, os quintais. Natureza
Conversa ao pé do fogo, cheiro sabor gostoso da fruta no pé,
tachada de doce
Intimidade
A porta da rua, entardecer na calçada,
sombras, mistérios da noite.Solidões.
Passado e presente se confundem no soar contínuo ininterrupto do relógio.
tempo.
Cora se identifica com sua casa, ponto de partida e de chegada. Referencial
de onde observa e entende o mundo.
As mulheres e suas casas. Afazeres, responsabilidades, segredos e desejos.
A casa de infância, antes enorme, esconderijo - refugio de medos e descobertas, se apequena. E a dolorosa tomada de consciência do mundo, tão maior que os limites conhecidos e seguros da casa. da rua. Alçar voo.
Cora Coralina resgata de seu tacho de poesia - como se fosse mágica - todo o encantamento contido nas coisas simples, corriqueiras. Recupera das sombras, através do ingrediente extraordinário de sua sensibilidade feminina a luminosidade e transcendência do cotidiano, oculto em meio à fumarada da faina diária, da poesia, do corre-corre
Poesia e vida se completam
Persistência, teimosia das pedras Dureza e doçura. Vida de mulher
'Minha Poesia ... já era viva e eu, sequer nascida. Veio escorrendo num veio longínquo de cascalho. Meus versos: Pedras quebradas no rolar e bater de tantas pedras". E foi no bater de tantas e tantas pedras que Cora somente aos 75 anos de
idade conseguiu chegar à sua primeira noite de autógrafos com o livro "POEMAS DOS
BECOS DE GOIÁS E ESTÓRIAS MAIS?



Sua vida poética teve inicio aos 14 anos de idade. Seu sonho era ser poeta Apesar do curso primário incompleto, já escrevia versos que as pessoas taxavam de poesia em prosa. Desde a sua meninice , Cora já se interessava pela literatura, mas, pelas dificuldade impostas pela falta de condição de mulher e pelo próprio ambiente da cidade àquela época, sempre se viu impossibilitada de divulgar convenientemente seu trabalho. Pode-se considerar Cora Coralina precursora do Modernismo em Goiás, apesar de ter marcado sua presença poética no início do século. Dizia : "Me Hbertei da minha dificuldade poética, depois de 22. Não porque eu acompanhasse aquele movimento. Naquela época estava envolvida com meus doces, com a sobrevivência de meus filhos Era uma doméstica. Até hoje não sei explicar como estava tomada por aquele movimento modernista."
Segundo ela., tinha que ser uma forma de expressão livre, natural e autêntica . "A poesia espiritual e a imaginária estão superadas. Hoje , o poeta que fugir da realidade não terá sequer leitores, porque a poesia está indissoluvelmente ligada à realidade. Onde há vida há poesia".
Seus poemas mostram, com orgulho eobjetividade de um mestre, a literatura goiana, o além das fronteiras de seu Estado, a vida difícil do homemdo campo, da mulher simples e calejada, da mãe cheia de filhos, dosdelinquenles, dos garimpeiros, dos sem-terras, do índio, do comportamento dos jovens, da velhice, da solidão frutífera, das desigualdades provocadas pelo próprio homem, dos que não sabem escrever e daquelas que elachama de "minhas irmãzinhas as prostitutas...
"Vive dentro de mim a mulher da vida. / Minha irmãzinha.../ tão desprezada/tão murmurada. . Pisadas, espezinhadas/ameaçadas. Desprotegidas eexploradas Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito".
Não deixou também de falar dos fatos históricos e geográficos, doscostumes de sua gente, dos padrões sociais de determinadas épocas. Tudo isso compõe a pequena obra de Cora Coralina.


CORA, foi uma mulher lendária de Goiás, mulher sertaneja, mulher de pés no chão. Contava seu cotidiano emversos, passava receitas de seus doces como se estivesse tecendo um poema.
'Taça doce com amor, com fruta, com o tacho de cobre no fogão de lenha. Nem muita água, nem muito açúcar, mistura tudo isso com muita inteligência. Vá graduando no fogo. Vá despejando as porções no prato ou travessa rasa. Vá passando os pedaços de frutas cozidas em calda Deixe esfriar. Levante a tampa. O doce está pronto! Sirva-o com amor e inteligência!".
CORA CORALINA, goiana, feiticeira do verso, singela pura em seus cantares, flor do chão, nascida da terra, recendendo ao húmus fecundo que faz nascer o milharal; sempre nova como nova é a vida que lhe crepita no cansado corpo, abrigo passageiro do espirito de Aninha, há tanto nascida e hátanto e sempre renascida em cada verso ecada poema que lhe brotam do interior. Aninha rica de lembranças de gerações passadas, rica de estórias tantas vezes recontadas pelos ancestrais.
ANA-CORA, Doutora Honoris Causa, pela Universidade Federal de Goiás, doutora feita pela vida, pelo estudo incessante de tudo quanto aconteceu em seu derredor Doutora que apenas cursou os anos de escola primária, mas que jamais deixou de aprender e assimilar conhecimentos, degerar, no verso , o fruto nobre que traz a tona sempre novos conhecimentos.
CORA-CORALINA, doutora dos becos da vida, das classes da experiência cotidiana, aprendeu de tudo quanto vivenciou as lições mais entranhadas no âmago da natureza


CORA, mulher terra, mulher operária que soube através da sua poesia ampliar o seu eu e conquistar o seu espaço físico e material e se inserir na totalidade das coisas e do cosmos, mas também todas as mulheres que, caminhando sozinhas os caminhos da vida não puderam chegar ao final.
CORA CORALINA, mulher de raça forte de coragem, mulher simples que ousou ser fortaleza e cais. Mulher humilde, que abraçou os impulsos da luta, escalando montanhas , enquanto o doce de leite pipocava no fogão de lenha.
"Acorda , mulher, para os novos tempos. Pobre de ti, acorrentada entre os preconceitos e o fim do mundo. Ninguém que o teu salário de -Opróbio! As tuas lágrimas de solidão! Arranca a mordaça do mel espesso da resignação! Abre as algemas das tutelas sociais. Anda, mulher. É hora de dizer NÃO!"
E, como por instinto de sobrevivência, sustentamos a esperança de que este grito preso na garganta seja ouvido pela mulher , dona de casa; pela lavadeira., pela universitária, pela empregada doméstica, pela prostituta, pela mulher do campo, por aquela que renuncia ao direito constitucional de ser livre, se ser ela própria por opção de escolher com dignidade ávida que quer levar, de ter lucidez quanto às suas ilimitações, por aquelas, enfim, que tem nas mãos os instrumentos de mudança e nos corações a consciência do dever de fazê-la.


SUA MORTE'' Em 11 de abril de 1985
"Morta, serei árvore, serei tronco, serei fronte, e minhas raízes enlaçadas às pedras de meu berço são cordas quebradas de minha lira
Enfeitar de folhas verdes a pedra do meu túmulo, num simbolismo de vida vegetal. Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos".


BIBLIOGRAFIA
Cora Coralina, Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais., Global Editora. São Paulo.
Livro - Prémio Cora Coralina/1986: Poesias Goiânia, Cegral/UFG
Brasília. Sec. de Atividades Sócio-Culturais/Minc, Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1988.
Jornal Minas Gerais - Suplemento Literário n° 128 - Sábado -19/08/89 - fls.4/5.
Revista Semanal de informação - Visão - 23/08/89 n° 34 - Ano XXXVIII.


Autor: Tania Lucia Marques Pereira


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