Ensinar para uma cidadania emancipatória





"O passado é um intrometido... está sempre presente.
O presente é um sanduíche de nada. E o futuro?
Ah! O futuro é o que estamos fazendo agora!"
(Mário Quintana)


Em 1628, o rei Gustavo Adolfo, da Suécia, para defender-se de seus inimigos decidiu criar o mais poderoso navio de guerra. Importou exímios construtores e os cofres públicos foram sangrados para produzir uma nau invencível.
Já pronto, o rei achou pôr bem deixa-lo ainda mais invencível e mandou instalar um deque superior, com mais peças de artilharia. Batizado com o nome Vasa, singrou a baia de Estocolmo. Mas, subitamente, apenas deixando o porto, pende para bombordo e afunda. O excesso de canhões e a falta de lastro impunham-lhe o naufrágio.
A educação brasileira, arrogando um currículo irretocável, oscila pôr um viés similar. Currículos criados pôr doutos políticos sob a égide de uma ávida indústria didática imperam como o "Vasa".
Ainda não foi sepultado o último professor que se vangloria de só dar 10 ao aluno que repetir todo o seu discurso. Persistem os criadouros de "papagaio" em detrimento das oficinas para o "João-de-barro". Esta visão educacional é a mola mestra da exclusão social.
Pois não há possibilidade de uma efetiva transformação das realidades sociais sem que um processo de educação analética seja desenvolvido.
Em 1950, Richard Feynman, prêmio Nobel de Física, veio ao Brasil participar de um simpósio para professores. Ficou estarrecido: "Os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o significado de quase nada..." Meio século após, e ainda titubeamos na mesma enseada.
Para muitos, a escola tem sido um cemitério da contextualização. Sob educadores tolhidos pela avalanche curricular como áulicos do saber inerte. Apesar das mazelas institucionais é imperativo lembrar que temos o régio privilégio de "tocar as vidas" através do ensino; e como não se fazem próteses para as almas é mister que cada educador enxergue o aluno muito acima da matéria, muito além da sala-de-aula.
Imaginar um aprendizado que emancipa emergindo apenas de currículos abarrotados de informações é um fúnebre sofisma. Aguayo, filosofo cubano, mostra que "ensinar não é só instruir, senão que é também estimular e dirigir a formação do homem". Corroborando a escola herbartiana, o lúcido Gaston Mialaret vaticina: "O papel de todos os educadores não é somente de transmitir o patrimônio cultural mas também de participar da formação do homem e do cidadão!"

Perkins lembra que: "Se não aprendermos a pensar com, e a pensar sobre o que foi apresentado, com o fim de usá-lo, não há garantias de termos adquirido um conhecimento". A conexão entre a teoria e a realidade sob a égide do cognitivo do educando pode demandar tempo, mas é a única forma de outorgarmos legados indeléveis à esta nação.
Uma ação consciente de ensinar-aprender conduz o professor e o aluno a vincular o saber escolar à seus determinantes sociais a fim de que o conhecimento científico prevaleça na subjetividade e nas ações concretas do educando. Aprender a articular, e usar bem, o saber: é o viés da cidadania emancipatória. Rompendo com as seculares estruturas excludentes da sociedade brasileira: o clientelismo nas políticas públicas; o oportunismo dos atuais contratos no mercado internacional: alicerces do paradigma miserável de cidadania nacional.
É preciso coragem para romper os estorvos educacionais. Mas é aqui que se define o futuro de uma sociedade. Combatendo o vácuo de cidadania pela gestação de uma consciência crítica, e pelo desenvolvimento da capacidade questionativa que apresenta alternativas históricas ao cotidiano.
Enquanto o educador não perceber que sua real tarefa não é simplesmente "dar" conteúdos, mas desenvolver uma ação dialógica, ele será ineficaz em sua ação pedagógica. Educar é, portanto, instrumentalizar tais transformações: passo a passo, pessoa a pessoa.


Eduardo Gomes
Pesquisador e professor de História
[email protected]

Autor: Eduardo Teixeira Gomes


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