VIDA NOVA: DESAFIOS DA REALIDADE



MEMÓRIA LITERÁRIA


VIDA NOVA: DESAFIOS DA REALIDADE

Fabiana Kaodoinski

Em dezembro de 1889, nossa família decidiu partir da Polônia rumo ao Brasil. Na bagagem, trouxemos a esperança de dias melhores e de um futuro promissor.
Como foi triste despedir-se dos familiares que ficaram...
Embarcamos na longa viagem de navio. Meu marido, Pedro, estava eufórico, pois dizia que nossa vida na nova terra seria muito melhor. Era a oportunidade de ter um pedaço de chão e, trabalhando arduamente, teríamos fartura e mais tranquilidade do que em nossa querida Polônia, que passava por um período de revoluções sangrentas. Mas o motivo principal de partirmos foi a possibilidade de proporcionar um futuro melhor a nossa querida córka (filha) Wadislava, que estava com 8 anos de idade. Sonhadora, ao receber a notícia da viagem, ela brincava com sua boneca como se estivesse imitando a vida nova.
Ao chegarmos no Brasil, fomos encaminhados para longe do porto.
           À medida que nos distanciávamos da cidade do desembarque, minha curiosidade aumentava: onde seria nosso novo lar?
            No caminho, percebíamos mudanças no relevo. Deparamo-nos com rios imensos, montanhas e muita mata nativa. Em alguns locais, nem havia estrada. Eu comecei a sentir uma agonia muito grande... Esse novo tempo seria repleto de desafios, sendo o maior deles ter de nos adaptar às novas condições de vida...e prosperar em um Brasil totalmente diferente daquele idealizado inicialmente. A partir de agora, minha filha e meu marido eram meu mundo.
            O local em que nos estabelecemos era chamado Alfredo Chaves. Com o passar do tempo, percebemos que nossa maior dificuldade foi a comunicação, já que era difícil as pessoas entenderem polonês e nós tínhamos que aprender a falar português.
Para nosso bem, havia mais algumas famílias polonesas morando perto de nossa colônia. Após descobrir isso, encontrávamo-nos, às vezes, para relembrar costumes, rezar e festejar pela graça de viver...
            Foi em um desses encontros que os homens das famílias verificaram a necessidade de construir estradas para que o povoado tivesse melhor acesso a outras localidades. Eles se reuniam em pequenos grupos, saiam a pé e "abriam picadas" até locais bem distantes, chegando a ficar meses fora de casa.
Enquanto Pedro estava ausente, eu cuidava da casa, dos porcos e do gado, sendo que no final da tarde dedicava um tempo às costuras e, quando sentia muita saudade da Polônia, rememorava o passado através da arte de pintar em ovos, o passatempo preferido de Wadislava.
Certo dia, eu estava tratando o gado quando vi alguns dos vizinhos que saíram com meu marido para fazer estradas vindo em direção a nossa casa. Achei estranho, pois não fazia muito tempo que tinham partido, mas, por outro lado, fiquei feliz por voltarem antes. Quatro deles pararam no meio do caminho e Paulo veio em minha direção. Ele disse que, durante o trabalho, Pedro foi picado por uma cobra... Quando ouvi isso, fiquei muito angustiada. Esse sentimento ruim aumentou ainda mais quando ele acrescentou que todos tentaram ajudar Pedro, mas como não havia recurso médico, ele veio a falecer em um local distante...
Deixei cair a cesta de milho que eu tinha na mão. Queria gritar, arrancar os cabelos... Simplesmente não acreditei no que ouvia... Não! Não! Não podia ser verdade. Eu parecia estar louca, não sabia o que pensar... Então, corri até os outros homens. Quando vi o corpo de meu amado marido amarrado em paus rústicos, pensei que fosse desmaiar. Era a mais crua verdade. A triste realidade a ser enfrentada... Um estado de choque me abateu. Não sabia se chamava ou não Wadislava até o local. Como seria a reação da pobre menina? E pior, como seria nossa vida agora, em um país distante, sem recursos... ela sem pai e eu sem marido? O futuro melhor tão sonhado transformou-se em um pesadelo?
Pedro era extremamente dedicado, forte e honesto... Eu não conseguia assimilar a situação... Mil pensamentos invadiram minha mente... Uma nuvem negra roubou minha visão.
Quando acordei do desmaio, vi o corpo de meu amado Pedro sendo velado. Ele já estava em estado de decomposição, mas isso era o que menos importava naquela hora. Nossos vizinhos me contaram que Pedro faleceu a muitos quilômetros de distância de nosso povoado e que eles, para proporcionar um enterro descente ao amigo, trouxeram o corpo, com muita dificuldade, durante cinco dias, revezando-se devido à quantidade de instrumentos que portavam para corte das árvores.
Esse foi um dos piores momentos da minha vida...
Com o passar do tempo, foram surgindo dificuldades. Tive a graça de que todos ao meu redor foram muito solidários: contei com o apoio da comunidade polonesa e de outros vizinhos, mas a falta que um pai de família faz ? a pessoa que escolhemos para amar, respeitar e, se Deus permitir, viver para sempre juntos ? é insuportável! O sentimento da perda me imobilizou... Posso dizer que os anos que se seguiram foram de árdua luta pela sobrevivência e de uma profunda tristeza, como se cada dia nascesse cinza.
Sobretudo, olhar para Wadislava, rememorando a promessa feita por mim e meu finado marido, deu-me força para viver nessa terra, distante das origens, longe de minha família. Continuei afirmando: Sim! Minha filha terá um futuro melhor no Brasil! Assim, procurei guardar a dor da perda, a dor da saudade, a dor da desilusão... E a ela tentei mostrar que não importa quais desafios temos de enfrentar... Se ganhamos ou se perdemos também não importa... Precisamos seguir adiante, aprendendo com as situações e ressignificando nossas vidas.
Depois do que aconteceu, valorizei ainda mais cada minuto junto às pessoas que amo... Creio que seja por isso que hoje, aos 84 anos, conto sempre essa história aos meus netos, esperando que eles enfrentem os desafios, superem as perdas inevitáveis e aprendam com cada vivência.

Texto de Fabiana Kaodoinski, produzido com base na história de Florentina Kanheski Studinski, contada por sua Bisneta Terezinha Beluck de Oliveira.
Autor: Fabiana Kaodoinski


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