RESENHA EXTRAÍDA DO LIVRO:O MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE



NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Coleção Trans. 2001, 120p.
RESENHA EXTRAÍDA DO LIVRO:O MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE
Rosa Suzana Batista Farias1
Amarildo Menezes Gonzaga2


1 CREDENCIAL DO AUTOR


Basarab Nicolescu é romeno e um dos mais atuantes e respeitados físicos teóricos no cenário científico contemporâneo como a Universidade Pierre e Marie Currie, em Paris, onde foi fundador do Laboratório de Física Teórica e de Altas Energias. Nicolescu é especialista na teoria das partículas elementares e autor de diversos livros e centenas de artigos publicados em revistas especializadas e livros científicos coletivos na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil. É também presidente do CIRET, Centro Internacional de Pesquisas e Estudos Transdisciplinares, fundado na França em 1987. Na última década, Nicolescu tem produzido diversos textos que procuram desvendar as relações entre arte, ciência e tradição propondo novos modelos de pensamento que possam resgatar à cultura e à sociedade um ser humano mais completo, capaz de enfrentar os desafios da complexidade ? a intricada teia de relações entre conhecimentos, disciplinas e sistemas (naturais, culturais e econômicos) que caracteriza o mundo contemporâneo.

2 SÍNTESE DA OBRA

O MANIFESTO DA TRANSDISCIPLINARIDADE

Nicolescu (2001) ao escrever o livro sobre o manifesto da transdisciplinaridade diz que é a "transgressão das fronteiras entre as disciplinas" e
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1 Aluna do curso de mestrado em Ensino de Ciências na Amazônia;; Especialista em Gestão Escolar pela Universidade do Estado do Amazonas ? UEA; Graduada em Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Federal do Amazonas ? UFAM; Professora concursada da SEDUC-AM; Coordenadora da Editora UEA; Profª do curso de tecnologia em Gestão Pública - UEA.
2 Doutor em Educação ? Currículo e Avaliação Educacional ? Universidad de Valladolid (2002); Mestre em Ciências Humanas ? UFAM (1998); Especialista em Metodologia do Ensino Superior ? UFAM (1995); Licenciado em Letras ? UFAM (1990). Atualmente é professor do Mestrado em Ensino de Ciências da Amazônia-UEA.

diferencia a transdisciplinaridade da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade.
Nicolescu afirma que as duas revoluções verdadeiras que atravessaram o século XX foram a quântica e a informática, mas que essas duas revoluções não fizeram com que o homem mudasse a sua visão em relação à natureza, pois continuam com o desejo de destruir. Para Nicolescu, isso pode estar acontecendo por causa das dificuldades de compreensão do homem pela linguagem matemática.
O autor argumenta que a revolução informática poderia melhorar nosso tempo, nossa vida, mas o homem a está utilizando como meio de sobrevivência, já que ela poderia levá-lo a partilhar conhecimentos. Que o homem hoje, possui meios para se autodestruir anulando o sentido da existência e transformando-se em objeto de experiências e explorações.
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A revolução informática, que se desenrola diante de nossos olhos maravilhados e inquietos poderia levar a uma grande liberação do tempo, a ser assim consagrado a nossa vida e não, como para a maioria dos seres sobre esta Terra, a nossa sobrevivência. Ela poderia levar a uma partilha de conhecimentos entre todos os humanos, prelúdio de uma riqueza planetária compartilhada. Mas, aí também, nada acontece. Os comerciantes apressam-se para colonizar o espaço cibernético e profetas incontáveis só nos falam dos perigos iminentes. Porque somos tão inventivos, em todas as situações, em descobrir todos os perigos possíveis e imaginários, mas tão pobres quanto se trata de propor, de construir, de erguer, de fazer emergir o que é novo e positivo, não num futuro distante, mas no presente, aqui e agora?
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Mediante essas afirmações, Nicolescu divaga sobre o conhecimento científico adquirido pelo ser humano e de quanto o sentido de nossa vida e de nossa morte estejam sendo deixados de lado por causa desses conhecimentos. O autor afirma ainda, que hoje se pode modificar geneticamente a espécie humana e que isso desencadeará a destruição biológica, material e espiritual do homem, por isso, não se deve deixar para amanhã a mudança do pensar e do agir para salvar o planeta.
Nicolescu disserta sobre a mente humana obcecada pela idéia de leis e ordem que dão sentido ao Universo, que é onde se vive surgindo, assim, a noção metafísica, mitológica e metafórica de cosmo.
O autor declara ainda, que a ciência moderna nasceu de uma ruptura muito forte da antiga visão do mundo e veio com uma idéia de que o indivíduo conhecedor é separado da Realidade, propriamente dita. Esta ciência moderna estabeleceu três postulados, como: a) A existência de leis universais, de caráter matemático; b) A descoberta destas leis pela experiência científica; c) A reprodutibilidade perfeita dos dados experimentais.
A Física clássica, de Galileu, Kleper e Newton é citada por Nicolescu (2006) como a construtora de um mundo apaziguante e otimista pronto para o surgimento do progresso. A continuidade, causalidade local, determinismo, objetividade são conceitos provenientes da física clássica e usados por Karl Marx para desenvolver suas idéias, já que um ponto não pode passar a outro sem a intermediação.
A necessidade, pois, de ligar as diversas disciplinas gerou o surgimento da pluridisciplinaridade, que é o estudo de uma dada disciplina na visão de outras e da interdisciplinaridade, onde se transfere os métodos adotados por uma disciplina a outra. Contudo, apesar de pretenderem ultrapassar as disciplinas, as finalidades permanecem limitadas à pesquisa disciplinar.
O surgimento da complexidade a partir das pesquisas é relatado pelo autor. Ele discorre sobre as inúmeras disciplinas resultantes dessas pesquisas e lança a solução para o indivíduo adaptar-se aos conhecimentos adquiridos: a transdisciplinaridade.
Para Nicolescu (2001), o homem tomou conhecimento de todas as disciplinas, sem, no entanto, obter a plenitude e a totalidade desse conhecimento. A transdisciplinaridade passa por todas as disciplinas procurando a compreensão, por meio da unidade do conhecimento ultrapassando, dessa forma, o pensamento clássico. A transdisciplinaridade abarca os vários níveis de realidade obtendo a lógica do terceiro incluído e a complexidade como meios sustentáveis da pesquisa.
No livro, o autor diz que os componentes constitutivos mais importantes da transdisciplinaridade são o rigor, que busca a compreensão de dados de uma situação; a abertura, que busca o imprevisível e o desconhecido desprezando os dogmas e sistemas pautando suas referências em questionamentos em busca de respostas aceitas temporariamente. A tolerância constata a existência de idéias e verdades contrárias aos princípios fundamentais da transdisciplinaridade.
Entre os diversos níveis de Realidade, Nicolescu volta sua atenção para o terceiro incluído. O autor dá continuidade ao aspecto humano, relacionando efetividade (níveis de Realidade) e afetividade (níveis de percepção), numa necessária harmonização entre o Sujeito e o Objeto como um dos desafios atuais para o homem.
Nicolescu afirma que o Objeto transdisciplinar é formado pelo conjunto dos níveis de Realidade e sua zona complementar de não-resistência. Para a transdisciplinaridade, então, a pluralidade complexa e a unidade aberta fazem parte da mesma Realidade. Esta, por sua vez é envolvida por um Princípio de Relatividade, com vários níveis de percepção. Daí se tem o Sujeito transdisciplinar constituído pelos níveis de percepção e sua zona complementar de não-resistência. Para a comunicação efetiva entre Objeto e Sujeito, as zonas de não-resistência devem ser idênticas propiciando um fluxo de informação nos níveis de Realidade correspondente a um fluxo de consciência nos níveis de percepção.
Um dos sintomas da destruição humana é dissolver-se a sociabilidade, surgida a partir dos laços sociais desfeitos, apesar de que o homem se refaz com um crescimento interior equilibrando masculinidade e feminilidade do mundo. A atitude transdisciplinar busca pontos de ligação, ou seja, novos laços sociais com base na inteligência humana.
O Manifesto da Transdisciplinaridade contribui com idéias próprias para a educação e potencializa os quatro pilares do novo tipo de educação proposto pela UNESCO através do Relatório Delors. São eles: Aprender a conhecer, faz ligação entre os saberes, a fim de ter importância no dia a dia; Aprender a fazer, o aprendizado transpõe limites; Aprender a Conviver, respeito às normas que regem as relações entre os seres, mas que antes, devem ser compreendidas, compartilhadas e validadas pela experiência interior de cada um; Aprender a ser, um aprendizado contínuo, tanto por parte dos educadores como dos educandos.
A ética, a estética, a sensibilidade e o cuidado com o corpo são muito importantes na educação transdisciplinar, pois mostram um novo tipo de inteligência que será capaz de contribuir na união da razão e da emoção fazendo com que o ser humano concilie efetividade e afetividade.
Nicolescu explana sobre as "mortes" advindas do mundo moderno e sobre as diversas imagens da Natureza, distinguindo-as como: A Natureza mágica (interdependência universal); a natureza-máquina (independente do homem) e a morte da Natureza (conseqüência da visão mecanicista ? processo que Max Weber chama de "desencantamento do mundo").
O autor discorre sobre a necessidade de se fazer ressurgir a Natureza e propõe três aspectos para o seu modelo transdisciplinar: natureza objetiva, interligada ao Objeto transdisciplinar e a transnatureza, que compõe o campo do sagrado numa ligação entre Objeto e Sujeito transdisciplinares. Diz ainda, que a Natureza tanto pode ser estudada pelo indivíduo por meio da ciência, como pode ser contemplada de forma independente ao homem.
No tópico Física quântica e níveis de Realidade o autor mostra como a primeira guerra mundial, a revolução russa e a mecânica quântica surgiram ao mesmo tempo, destas, duas surgem no plano da violência e a outra no plano do invisível.
Com a descoberta da física quântica por Max Planck nossa visão de mundo iria se modificar por causa da revolução que houve na Física, já que Planck descobriu a entrada de descontinuidade no campo da Física. Ninguém poderia imaginar que entre um ponto e outro não pudesse haver algo, mas o Físico provou que não há nada.
Nicolescu discorre sobre a cautela com que Planck e outros Físicos tiveram, já que sabiam a polêmica que iriam causar. A mecânica quântica passou então, a ser usada em grandes aceleradores de partículas, após a segunda guerra mundial.
O teorema de Bell surgiu para explicar a natureza de causalidade da Física quântica, com o conceito da não separabilidade, já que no mundo macrofísico, os objetos interagem e ao se afastarem deixam de interagirem. Dessa forma, no mundo quântico, as coisas são diferentes, pois os objetos ao interagirem, mesmo afastados, continuam interagindo. As previsões da mecânica quântica sempre foram, até o presente, verificadas com uma grande precisão por inúmeras experiências.
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Em nosso mundo habitual, macrofísico, se dois objetos interagem num momento dado e em seguida se afastam, eles interagem, evidentemente, cada vez menos.
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O autor esclarece, ainda, que a descontinuidade que se manifestou no mundo quântico manifesta-se também na estrutura dos níveis de Realidade e isto não impede os dois mundos de coexistirem e para provar, ele exemplifica a nossa própria existência. Nossos corpos têm ao mesmo tempo uma estrutura macrofísica e uma estrutura quântica.
Para Nicolescu (2001), o conjunto dos níveis de Realidade e sua zona complementar de não resistência constituem o Objeto transdisciplinar. Na visão transdisciplinar, a pluralidade complexa e a unidade aberta são duas facetas de uma única e mesma Realidade.
Um novo Princípio de Relatividade emerge da coexistência entre a pluralidade complexa e a unidade aberta: nenhum nível de Realidade constitui um lugar privilegiado de onde possamos compreender todos os outros níveis de Realidade. Um nível de Realidade é aquilo que é, porque todos os outros níveis existem ao mesmo tempo. Este Princípio de Relatividade dá origem a uma nova maneira de olhar a religião, a política, a arte, a educação, a vida social. E quando nossa visão de mundo muda, o mundo muda. Na visão transdisciplinar, a Realidade não é apenas multidimensional é também multireferencial.
Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano graças à existência de diferentes níveis de percepção que se acham em correspondência biunívoca com os níveis de Realidade. Estes níveis de percepção permitem uma visão cada vez mais geral, unificante, englobante da Realidade, sem jamais esgotá-la completamente.
O conjunto dos níveis de percepção e sua zona complementar de não resistência constituem o Sujeito transdisciplinar.
A transdisciplinaridade transgride a dualidade que opõe os pares binários: sujeito e objeto, subjetividade e objetividade, matéria e consciência, natureza e divino, simplicidade e complexidade, reducionismo e holismo, diversidade e unidade. Esta dualidade é transgredida pela unidade aberta que engloba tanto o Universo como o ser humano.
Para Nicolescu (2001), pelo fato da mecânica quântica haver provocado um escândalo intelectual os pares de contraditórios evidenciados por ela são realmente opostos, mutuamente, quando analisados através da grade de leitura da lógica clássica. Esta lógica baseia-se em três axiomas: a) O axioma da identidade: A é A; b) O axioma da não-contradição: A não é não-A; c) O axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de "terceiro incluído") que é ao mesmo tempo A e não-A.
Se existisse um único nível de Realidade, o segundo e terceiro axiomas seriam evidentemente equivalentes, pois o dogma de um único nível de Realidade, arbitrário como todo dogma está, de tal forma, implantado em nossas consciências, que até mesmo os estudiosos em Lógica não esclarecem que os dois axiomas são independentes um do outro.
O autor coloca seu pensamento no texto, de que se aceitamos esta lógica, os pares de contraditórios expostos pela física quântica não existem, já que não podemos dizer que existe uma coisa e seu oposto, ou seja, A e não-A. O autor coloca, ainda, exemplos para esclarecimentos ao leitor: Podemos afirmar, que a noite é o dia, o preto é o branco, o homem é a mulher, a vida é a morte?
Dessa forma, a física quântica, nos traz a compreensão de que existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A ? fica totalmente clara quando é introduzida a noção de "níveis de Realidade", ou seja, o terceiro incluído.
Nicolescu (2001) complementa o livro O Manifesto da Transdisciplinaridade evidenciando as abordagens disciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Ele afirma que a atitude de reconhecer o papel de nossa morte em nossa vida é compreender que uma pesquisa transdisciplinar pode existir e ser aplicada no mundo presente.

3. CONCLUSÕES DO AUTOR

Basarab Nicolescu finaliza o livro reafirmando o testemunho sobre a transdisciplinaridade e seu Manifesto que oferece a possibilidade de um desenvolvimento cultural e espiritual. O autor ressalta a relevância da flexibilidade e da reformulação de crenças epistemológicas que irão facilitar a produção do conhecimento e da educação, no sentido de promover uma mudança na forma de ensinar.

4. QUADRO DE REFERÊNCIAS DO AUTOR

NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2001.

5. APRECIAÇÃO

O autor promove uma discussão sobre o Manifesto da Transdisciplinaridade fazendo uma abordagem crítica e analítica sobre a mecânica quântica e sua influência para a aplicabilidade da transdisciplinaridade no ensino-aprendizagem.
Nicolescu é considerado um dos mais atuantes e respeitados físicos teóricos no cenário científico, além de ser especialista na teoria das partículas elementares e autor de diversos livros e centenas de artigos publicados em revistas especializadas e livros científicos coletivos na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil.
Possui ainda, uma ótica sobre a aprendizagem e ao processo de produção de conhecimento e de como, a transdisciplinaridade pode facilitar essa aprendizagem. O autor busca, por meio do texto, ressaltar a urgência de resgate do ser humano para uma cultura de vida em nosso planeta.
Basarab Nicolescu (2001) propõe o surgimento do homem com espírito investigativo e criativo para que possa situar-se e reconhecer-se perante outro como humano em sua dignidade, a fim de que a educação integral do ser humano harmonize efetividade e afetividade, sendo capaz de apontar caminhos a uma vida plena.
A obra contribui para uma reflexão sobre a relevância de novos métodos a serem utilizados por professores e pesquisadores que venham a facilitar a compreensão dos eventos a serem registrados, com os dados coletados que levam ao fazer por meio do pensar.
Autor: Rosa Suzana Batista Farias


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