Sargento Getúlio e a questão do narrador/narratário



Por: Marlon Borges²

RESUMO: Dentre as diversas formas/critérios de se analisar uma obra literária o presente artigo tem como objetivo identificar/descrever no plano da enunciação a questão narrador/narratário em Sargento Getúlio (1971) de João Ubaldo Ribeiro.

PALAVRAS CHAVE: Narrador; Autor; Narratário; Leitor; Distinção; Descrição.

Partindo do principio incontestável de que qualquer fato contado exige a existência de um narrador, e uma vez demonstrado que, num texto literário, o narrador não é o autor, mas uma personagem que assume tal papel, resta agora verificar a tipologia dos narradores... (Salvatore D?onofrio. Teoria do texto 1: prolegômenos e teoria da narrativa. SP: Ática, 1995, p. 59).

Como o narrador, o narratário é um dos elementos da situação narrativa, e coloca-se necessariamente, no mesmo nível diegético; quer dizer que não se confunde mais, a priori, com o leitor (mesmo virtual) de que o narrador com o autor, pelo menos não necessariamente. (Gerard Genette. Discurso da narrativa. Lisboa: Veja, s/d).

INTRODUÇÃO

De antemão, embora existam diversas formas de narrar, não descreveremos neste artigo as tipologias do narrador nem do narratário. O artigo está dividido em duas partes, sendo que a primeira será feita uma definição do narrador/narratário e a segunda uma identificação do tipo do narrador/narratário em Sargento Getúlio, ou seja, iremos analisar quem narra e para quem narra.
Ao falar da questão narrador/narratário lembremos que esses dois elementos inerentes à narrativa são tão antigos quanto à fala, ou seja, mais antigos do que a própria escrita. Estudos comprovam que mesmo antes da escrita já existia uma literatura oral de autoria anônima. Com o povoamento da terra e a conseqüente interação dos povos, principalmente os nômades e mais tardes também com os sedentários, o narrador (que não era assim chamado na época) era representado por aqueles que vinham de longe e traziam notícias, conhecimentos, portanto, saber. Como conseqüência tinha uma posição social (que não era estatus) de contar ou trazer para o local aquilo que era de fora. Esses nômades com o tempo também se fixaram, e mesmo fixos, não tinham mais conhecimentos, mas, tinham suas próprias histórias de vida para contar. Seus conhecimentos, suas experiências.
Esse comportamento do homem primitivo nos mostra o interesse do homem de se fixar através dos tempos não de uma forma material, mas, ideológica e cultural. Para Walter Benjamin "a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte a que recorreram todos os narradores". Depois de muito tempo a realidade do narrador toma projeção literária e todo o contexto que está atrelado a ele ampliaram-se, sistematizaram-se, a figura, tanto daquele que conta (narrador) como do ouvinte (narratário) não é mais aceita de uma forma passiva do que era antes.


A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num meio de artesão ? no campo, no mar e na cidade -, é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o "puro em si" da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. (Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. 7ª ed. SP: brasiliense, 1994. pág. 204).


Com a globalização tira-se do narrador a exclusividade de conhecer o mundo o que faz consequentemente com que o ouvinte (narratário) assuma uma posição mais questionadora, atuante no discurso ouvido. Diante disso, para ser ouvido o narrador adota diversas formas de narrar. Tal dinamismo reflete na compreensão da mensagem de uma obra fictícia.
Mas, como antes, uma coisa permanece inalterável: todo discurso, todo texto de uma forma geral, seja ele literário ou científico tem uma função utilitária.

Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida ? de qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos. (Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. 7ª ed. SP: brasiliense, 1994. pág. 200).

Pois então, feito essa retrospectiva histórica da narratividade e com essa intenção utilitária ratificada é preciso enfatizar que, por meio desses dois elementos inerentes à narrativa é possível fazer uma análise mais profunda de um texto literário, ou como foi dito, de qualquer discurso. Uma vez que, ambos, "narrador/narratário podem assumir diversas posições e funções e que tais variações refletem na compreensão da mensagem.
Autor: Marlon Borges Araújo


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