Encantos, belezas e mistérios



Encantos, belezas e mistérios

Era meia-noite. Elma não parava de pensar no que sua vizinha lhe contara. O sono não conseguia ganhá-la e o suor percorria seu corpo imóvel.
Não queria acreditar, mas algo lhe dizia que não eram nulas as possibilidades de o fato ser verdadeiro. Rezava. E, somente quando ouvia estalos pela casa, as palavras fugiam de sua boca e ela esquecia as orações.
Seu marido dormia, seus filhos dormiam e o silêncio arrebatador piorava a sensação de que os estalos eram cada vez mais frequentes.
Dona Brandina morava no lugarejo há muitos anos e conhecia seus encantos, sua beleza e seus mistérios. Os cabelos brancos e as costas curvadas mostravam de longe que o trabalho árduo da roça fizera com que, ao longo dos anos, seu corpo fosse aos poucos se entregando. No entanto, sua memória era de uma menina.
Costumava visitar Elma, pois era a vizinha mais próxima de sua casa. Suas visitas eram sempre ao entardecer, pois o trabalho ocupava todo o seu tempo durante o dia. Antes da noite, ela rumava para casa, onde vivia sozinha, já que seu filho casara há muitos anos. Dona Brandina, porém, em sua última visita, enquanto contava suas memórias, não percebeu que o tempo passara e a noite já a acompanhava. Elma a observava, enquanto ela olhava para a estrada de chão e parecia hipnotizada. Nesse momento, a velha senhora contou um dos mistérios daquele lugar.
No caminho até sua casa, havia uma árvore enorme. Tal árvore crescera sobre um antigo cemitério abandonado e, segundo ela, quem passava por ali à noite ouvia correntes arrastando, barulho de pedras sendo jogadas e crianças brincando de roda. Ninguém conseguia ver nada, apenas sentir e ouvir.
Dona Brandina despediu-se de Elma e foi embora, adentrando a noite escura que a lua não conseguia iluminar.
Elma estava estarrecida. Seu coração batia descompassado e ela, mesmo tomada pelo medo, resolveu não contar a história a ninguém, pois poderia assustar seus filhos. Foi a única noite em que não conseguiu fechar os olhos. Além do medo e do barulho que ouvia, sua imaginação não a deixava esquecer as correntes, as pedras, as crianças.
Os primeiros raios de sol surgiram e entraram pelas frestas das paredes do seu quarto. Mais um dia de trabalho na roça esperava por toda a família. Mesmo cansada pela noite mal dormida, Elma trabalhou com entusiasmo, esperando ansiosa pela visita de Dona Brandina ao entardecer.
Grande foi a surpresa quando ela não apareceu. O peito de Elma doía e o sol, aos poucos, ia embora. A vizinha dos cabelos brancos e das costas curvadas nunca chegava depois das dezoito horas. Já passava das dezoito e trinta quando Elma, servindo o jantar, resolveu vencer seu medo e visitá-la. Mesmo sem saber do mistério do cemitério, seus filhos e seu marido não aceitaram bem a ideia, pois seria mais uma noite escura em que a lua não iluminaria o caminho.
Elma pediu que seu marido fosse com ela, dizendo que estava preocupada com Dona Brandina, pois suas visitas eram frequentes, e ela não havia aparecido. O marido, prestativo e com medo de deixá-la à noite andando sozinha, acompanhou-a.
Ao sair de casa, Elma rezou e sentiu-se encorajada pela presença do marido. Seu maior medo, no entanto, era que alguma coisa pudesse ter acontecido a Dona Brandina no caminho de casa na noite anterior. Os últimos raios do sol estavam sumindo quando avistaram a velha casa. Elma passara pela árvore imaginando como seria a volta, já que a noite estava próxima, mas sua maior preocupação era com a vizinha, que também era sua amiga.
Bateram à porta e ninguém respondeu. O peito de Elma doía novamente. Bateram pela segunda vez e uma voz fraca, quase imperceptível, pediu que entrassem. Os cabelos brancos e as costas curvadas de Dona Brandina estavam sobre a cama. Ela estava resfriada e, sem muitas forças, resolvera deitar mais cedo e não visitar a amiga, como de costume, para não piorar.
O coração de Elma pulava, desta vez de alegria, ao ver que ela estava bem. Dona Brandina, mesmo gostando muito da visita, não entendeu, afinal apenas deixara de visitar Elma um único dia.
O susto havia passado, mas o medo tomou conta de Elma quando em seu pensamento novamente a imaginação trouxe a árvore, as crianças, as pedras, as correntes, a volta. Era preciso voltar. Seus filhos esperavam por eles.
O longo abraço em Dona Brandina transmitiu o medo que Elma sentia e provocou um suspiro da velha senhora seguido de um "Vão com Deus!"
E o casal seguiu pela estrada de chão do lugarejo de encantos, belezas e mistérios. Elma quase não avistou a árvore, pois a escuridão havia se encarregado de escondê-la quase por completo, e sua imaginação agora trazia ao pensamento filhos, casa, e assim, com o medo dando lugar ao alívio, sob a árvore, no meio da escuridão, finalmente avistando ao longe a luz de sua casa, pega na mão do marido e diz:
- Vamos, Ivo!
O marido responde, para não preocupar a esposa, só que alguns metros à frente: - Estou aqui!


Autor: Tatiana Bettu


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