DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DE PRÁTICAS DE LEITURA



UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES

ILHÉUS-BAHIA
DEZEMBRO DE 2008

Atividade enviada a Professora Doutora Patrícia Pina da Disciplina Teoria da Literatura II ? LTA 083 - da Universidade Estadual de Santa Cruz como requisito avaliativo.


LIVRO: A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS.

Vivemos num mundo banalizado. Os hábitos foram banalizados, as orações foram banalizadas. A novidade não dura mais que um átimo de segundo, para em seguida ser rumor, ou nem isso. Mas eis que apesar de as livrarias hospedarem muitas publicações banais, a felicidade sorri e encontramos um autor, Marcos Zusak, que poderia ser considerado abusado por tratar de assuntos tão angustiantes como o nazismo, a guerra, a censura, com uma linguagem tão líquida e encantadora.
Neste livro, a narrativa é mesclada e mistura elementos. Nas personagens, temos Liesel Meiminger como protagonista e as secundárias, que são muitas, dentre elas: Hans Hubermann; Rosa Hubermann; Max Vandenburg; Rudy Steiner; Frau Holtzapfel; Frau Diller; Ilsa Hermann. O tempo neste trabalho vai e volta, porque a Morte, narrador da história, vai situando o leitor sobre alguns fatos do passado. O espaço é a cidade perto de Munique, Molching, a Rua Himmel e as que Liesel costumava apanhar a roupa suja dos clientes para os quais Rosa, sua mãe adotiva, era lavadeira. O espaço também é a guerra, a tenebrosa guerra dos nazistas, numa Alemanha que não deixou saudade.
A menina que roubava livros é Liesel Meiminger. Ela encontrou e enganou a morte três vezes. A morte, então, decide contar sua história e se mostra uma narradora crítica, "lúcida até a alma". Por vezes, até, bem humorada. Tal história é cheia de perdas, danos, cicatrizes, mas excita, pois é permeada pela poesia. Além de excitante, a narração é comovente, porque na guerra todos sofrem, mas ás crianças sobra a parte mais difícil: elas exercem pouco o direito de serem crianças. Na guerra, elas abafam a competência ? dom inato ? do riso fácil e da alegria gratuita.
Podeis imaginar o que á guerra? E mais, podeis imaginar o que deve ter sido ser criança na guerra de Hitler, o FÜHRER? É nesse clima que uma menina cresce; entre a angústia e o medo. Entre o não poder e o nada, quase. Mas Liesel não é pessoa comum. Despistou a morte três vezes, viu seu irmão morrer, teve que se acostumar com a lembrança de uma mãe que se viu obrigada a deixá-la, para ter chance de sobrevivência. E sobreviveu. A Rua Himmel, nº 33 foi a sua rua, o seu lar, a sua praça, seu palco e sua escola.
É na Rua Himmel que Liesel conhece Max, um judeu que se esconde por quase dois anos no porão. Uma pessoa que nunca vai sair da vida dela, mesmo que ele não esteja presente por um bom tempo. É que Max decide partir para não prejudicá-los. Max vai ajudá-la na prática de leitura e escreverá um livro para ela.
A Morte faz uma apresentação muito original, fala das cores e as mistura com suas impressões e fatalisa: "Você vai morrer". [9] Continuando, acrescenta que ela "pode ser tudo, menos injusta". Mostra-se emotiva, quando diz que "o pior é olhar para os sobreviventes". Um desses sobreviventes foi Liesel, para a Morte, "trata-se de uma especialista em ser deixada para trás". [10] E há o convite ao leitor: "vou lhe mostrar uma coisa". [19]
Essa "coisa" é a história de uma menina que havia acabado de perder seu irmão, Werner, quando sua mãe os levava para adoção. Em seu enterro, Liesel se vê instigada a roubar um livro, o primeiro de sua coleção de livros roubados: O Manual do Coveiro: "Havia uma coisa preta e retangular abrigada na neve. Só a menina viu. Ela se curvou, apanhou-a e a segurou firme entre os dedos. O livro tinha letras prateadas". [26]
Uma síntese sobre as Diferentes Representações de Práticas de Leitura:
Roger Chartier e Guglielmo Cavallo garantem que "um texto existe porque existe um leitor para dar-lhe significação". No estudo A História da Leitura No Mundo Ocidental, os autores fazem uma viagem pela vida do livro e das práticas de leitura. Desde a cultura oral na Antiguidade grega, passando pela escrita em rolo na época Helenística, chegando a Roma.
Depois, o rolo é trocado pelo códex, um livro com páginas. As práticas de leitura são renovadas, porque até então, tinham se limitado aos interiores das Igrejas, das celas, dos refeitórios, dos claustros, sempre direcionadas às Sagradas Escrituras.
Nos séculos XI e XIV, com o renascimento das cidades, surgem as escolas. É nelas onde começa a se desenvolver a alfabetização, então, há o aparecimento de uma nova literatura. Aparecem as Bibliotecas, onde se deve fazer extremo silêncio para a realização da leitura, surge o livro vulgar, escrito, muitas vezes, pelos leitores e caminhamos para a Idade Moderna.
Quando aportamos na Idade Moderna, a prática da leitura se volta para a alfabetização, religião e processo de industrialização. O livro é transformado num instrumento de trabalho intelectual. A leitura silenciosa é eleita, porque é intimista e aconchega o leitor ao livro dinamizando a leitura. Basicamente, o leitor aparece nesse momento com certo olhar crítico. Pode-se dizer que o Romance nasce aí.
Precisei relatar os eventos acima, para situar o que quero discutir:

AS DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DE PRÁTICAS DE LEITURA NO ROMANCE A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS.

Quando lemos: "Havia uma coisa preta e retangular abrigada na neve. Só a menina viu", [p.20] percebemos que o livro causa em Liesel a vontade de se aproximar. Aquele objeto-livro onde moram algumas palavras, muitas das quais, Liesel só iria entender seus significados, muito tempo depois daquele momento. Mas eis um texto, e "um texto existe porque existe um leitor para dar-lhe significação".
Podeis imaginar o que á guerra? E mais, podeis imaginar o que deve ter sido ser criança na guerra de Hitler, o FÜHRER? É nesse clima que uma menina cresce; entre a angústia e o medo. Entre o não poder e o nada, quase. Mas Liesel não é pessoa comum. Driblou a morte três vezes, viu seu irmão morrer, teve que se acostumar com a lembrança de uma mãe que se viu obrigada a deixá-la, para ter chance de sobrevivência. E sobreviveu. A Rua Himmel, nº 33 foi a sua rua, o seu lugar, seu lar, o seu ambiente, a sua praça, seu palco e escola.
A vida de Liesel recomeça na casa dos Hubermann. Hans, seu pai adotivo é um homem paciente e bom. Ele decide, depois de ter acudido Liesel em repetidas noites de pesadelo, ler o primeiro livro roubado dela: O Manual do Coveiro. "O homem, a menina, o livro". [58] Os dois começam aprendizados que nunca se dão por acabados: o da amizade e o do conhecimento.
Encontra-se aí, grande parte da poesia da história: A construção da leitura, baseada numa cumplicidade graúda entre pai e filha e o fio da vida de Liesel começa ser desembaraçado.
A prática aderida foi a de leitura no quarto, na cama, em plena madrugada. Pouca luz e silêncio, quebrado apenas pela voz de Hans decifrando as palavras daquele livro roubado. Uma diversão, "ampliada pela quietude da noite". O livro, "uma rajada de vento". [60] E Liesel sentiu a alegria de saber, quais palavras moravam dentro daquela capa preta com letras prateadas.
Aqui podemos citar que "a leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos" (CHERTIER, 1998), por isso a necessidade de haver um acordo de como praticar a leitura, no sentido de que aconteça o reconhecimento daquele assunto.
Lembremos que, apesar de ser lugar de alfabetizar, a leitura não é uma prática escolar, uma pessoa pode aprender a ler sem ter ido à escola. Liesel aprendeu a ler fora da escola e teve contato com os livros, antes de freqüentá-la. É mais ou menos assim com boa parte das pessoas. O que falta, efetivamente, é a figura Hans. Ele lia para Liesel e depois de algum tempo, passou a ajudá-la na escrita, no porão de casa.
Após cada pesadelo as aulas meia-noite aconteciam. E numa certa quinta-feira perto das três da tarde, Hans e Liesel começaram outra prática de leitura: "Livro, lixa de parede e lápis". [63] Quando o tempo estava bom eles iam ao Amper à tarde. Quando o tempo estava ruim, era o porão. Eles tentaram a cozinha, mas não teve jeito. [65]
O material "livro" deveria ser encaminhado aos alunos, nas escolas, de forma mais incrementada, pois a leitura não deveria ser algo que se faz por obrigação, deve ser feito porque é bom fazê-lo, porque é interessante, porque ler acrescenta.
Ler para Liesel foi uma forma de se manter distante daquela realidade pétrea do nazismo de Hitler. No mundo literário, ela se refazia, se reconfortava, ampliava seu conhecimento e pôde entender sobre o significado de todas as palavras que a inquietavam.
Numa dessas aulas, ele dispensou a lixa e pegou um pincel. No porão não havia luz, "de modo que eles levavam uma lamparina de querosene e aos poucos, entre a escola e a casa, do rio ao porão, dos dias bonitos aos de mau tempo, Liesel foi aprendendo a ler e escrever". [65] Hans aproveitava de todos os instrumentos para o letramento de Liesel. Ele dizia uma palavra e "a menina tinha que soletrá-la em voz alta e pintá-la na parede, desde que acertasse". [65]
Na escola, a leitura de Liesel não era das melhores. A prática era antiga, a leitura na frente da mesa na frente de todos. O silêncio angustiante dos colegas, uns risinhos baixos. Tanto que a menina fez de conta que estava lendo o livro proposto pela professora. "Ela começou a ler, mas não o livro à sua frente. Era alguma coisa do Manual do Coveiro. "[69]
Isso nos faz sugerir que sejam repensados os modos de alfabetização, e que os sujeitos devam acessar diferentes tipos de texto. É necessário provocar o encantamento pelo processo de leitura e diminuir o tempo de contato das crianças com o livro.
O contato com o texto escrito é uma experiência mágica. Na medida em que o ser encontra o sentido daquele texto, tal mágica se realiza. O brilho da vida se ascende em outras perspectivas. Ler e escrever habilita o sujeito para novas experiências, Liesel se habilitava por entre aqueles dias friorentos, debaixo das cobertas, escrevendo palavras na parede do porão, com tinta, pincel e lixa.
Num dado momento do romance, aparece um judeu, filho de um amigo de Hans e se hospeda no porão durante um bom tempo. Hospedar um judeu em pleno nazismo? Nada mais perigoso. Mas Max permanece com eles durante vinte e dois meses e não demora em Liesel e Max serem grandes amigos; trocarão pesadelos e palavras.
Há o momento em que a menina se depara com uma biblioteca enorme, na casa de Ilsa Herman, mulher do prefeito. "Havia toda sorte de estilos e letras diferentes". [123]
Liesel começa outra prática de leitura, lia no chão da biblioteca do prefeito. Terminado o Manual do Coveiro, continuaria com seu segundo livro roubado de uma fogueira hitleriana: O Dar de ombros.
Depois das leituras, Liesel acaba por escrever seu próprio livro: A menina que roubava livros, mas acaba se perdendo dele, a Morte o recolhe quando este é lançado para um caminhão de lixo e até o dia de carregar Liesel com ela. Guarda carinhosamente aquela obra. Pratica a leitura daquela história enquanto escreve a história de Liesel.
O livro nasce quando a leitura é realizada, sem isso, o livro é algo material, mas não nascida. Eles precisam ser lidos.
As práticas de leitura devem percorrer o caminho do encantar, do trazer para perto e embora a época atual, digitalizada, pareça desconstruir a leitura, não devemos pensar que, por isso a prática da leitura esteja em perigo. Existem leitores para todos os tipos de textos e práticas de leitura igualmente. No mais, as práticas se renovam, e assim deve ser.
A menina que roubava livros buscava palavras vivas, Hitler costurava palavras fumarentas. Enquanto Max percebia o poder da amizade, a narradora Morte trabalhava sem parar naquela Alemanha cinza e triste. Enquanto Rosa e Hans Hubermann asilavam um judeu, a Alemanha os matava.
O romance trata de questões como a dor e a perda, as injustiças da guerra nazista, o poder da amizade e da leitura. O autor Markus Susak, consegue construir uma história nova sobre um tema bastante usado, traz a novidade dentro da falta de novidade. Uma menina que acaba sendo salva pela leitura, que ama as palavras e que sabe o poder da amizade.


BIBLIOGRAFIA:
CHARTIER, Roger. A ordem dos livros. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 1998.
CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Conversações com Jean Lebrun. 1ª reimpressão. Editora UNESP: São Paulo, 1998.
CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger (Org.). História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática, 1999.
SOLÉ, Isabel. Estratégias da leitura. Editora Artmed: Porto Alegre, 1998.
ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. Editora: Intrínseca. Rio de Janeiro, 2007.
Autor: Solineide Maria Oliveira


Artigos Relacionados


Toda Leitura Tem Preço Ou O Preço Da Leitura Na ''menina Que Roubava Livros''

Anne Frank De ''o Diário De Anne Frank'' E Liesel Meimger De ''a Menina Que Roubava Livros''

Roubar E (tentar) Ser Feliz - Markus Zusak, A Menina Que Roubava Livros

A MissÃo Do Professor No Ensino Da Leitura

Um País Com Sede De Leitura

Os Encantos Da Leitura

Livros,quer Uma Dica?