OS ASPECTOS DE DOMÍNIO PÚBLICO E/OU PRIVADO DA VÁRZEA COMO EIXO NORTEADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS



É fundamental compreender e discutir a "quem" pertencem as áreas de várzea, para esclarecer, principalmente, os aspectos para domínio público ou privado. Tal análise facilitará o entendimento sobre a questão do manejo dos recursos naturais delas. É importante salientar que para uma análise jurídica da várzea, é necessário levar em conta a função social e ambiental da propriedade. Esta função deve ser respeitada tanto nas atividades econômicas previstas no artigo 170 da CRFB/1988, quanto na Política Fundiária Rural elencada no artigo 186 da CRFB/1988.
Trecanni (2003) e Surgik (2003) demonstram que a legislação brasileira não trata conceitualmente de várzea. Vieira (1992, 1999) afirma que a várzea possui a mesma natureza jurídica do álveo. O artigo 9° do Decreto n. 24.643, de 10 de Julho de 1934 (Código de Águas), apresenta a seguinte definição para álveo: "é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto". A água tem, portanto, domínio hídrico sobre o álveo, tornando-se indissociável da primeira, em outras palavras, o álveo é a extensão superficial a qual as águas cobrem comumente (BENATTI, 2004). Para Vieira (1992, p.7) "[...] as várzeas se equivalem ao denominado leito maior sazonal".
A Resolução CONAMA n° 004, de 18 de setembro de 1987, no artigo 2°, letra c, conceitua leito maior sazonal como "a calha alargada ou maior de um rio, ocupada nos períodos anuais de cheia". Fica evidente que a sua natureza jurídica é a que incide em terreno da calha alargada ou maior de um rio. Corroborando com essa concepção, Soares (1977, p. 139) afirma que a várzea ? em relação à sua regularização fundiária e manejo ? tem que ser entendida sob o viés de dois elementos jurídicos: o primeiro destina-se ao esclarecimento do "recurso hídrico"; o segundo, destina-se ao entendimento das questões jurídicas que envolvem o estudo do "leito maior do rio".
Segundo a CRFB/1988, a água é um bem público. Em 1997, foi elaborada a Lei n.º 9.433 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Esta afirma que a água é um bem de domínio público, sendo considerado um recurso natural limitado e em situação de escassez; o uso prioritário é o consumo humano e a dessedentação de animais. Deve-se entender que a expressão domínio público é empregada no sentido de designar os bens afetados a um fim público, os quais compreendem os de uso comum do povo e os de uso especial. Para melhor entendimento Di Pietro (2001, p. 531), dispõem que: [...] embora a classificação adotada pelo artigo 98 do Código Civil Brasileiro abranja três modalidades de bens, quanto ao regime jurídico existem apenas duas", ou seja, os bens do domínio público do Estado e os bens do domínio privado do Estado, que são os bens dominicais, sendo portanto, estes parcialmente públicos e parcialmente privados.
Nesta mesma diapasão, Benatti (2004) afirma que: "[...] devido à determinação constitucional, a dominialidade da água vai repercutir diretamente sobre a dominialidade da várzea". De acordo com o artigo 26 da CRFB/1988, bens da União são também os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, ainda que sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham. Também o são, os contidos no artigo 20 (III e VIII) os potenciais de energia hidráulica. Ao Estado, são de sua propriedade os seguintes bens: "as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União (art. 26, 1).
Ribeiro (2003, p. 40) é conclusivo ao afirmar que a água é um bem de domínio público, ou seja, não há, portanto, águas particulares. Por ser um bem de domínio público, a água e o terreno que a suporta, o álveo e o leito maior sazonal, também o são, baseado no artigo 1°, inciso I, da Lei n. 9.433/1997. A própria CRFB/1988, artigo 20, inciso II, dispõem que: "em suas diversas maneiras de manifestações, desde que não se encontre em terrenos de propriedade da União, não banhem mais de um Estado" pertence aos Estados. Portanto, Benatti (2004) corrobora afirmando que a: [...] dominialidade da várzea é pública, podendo ser da União ou dos Estados, dependendo da propriedade das águas, se as mesmas pertencerem à União, a várzea será federal; se a corrente d?água for estadual a várzea será estadual, pois o álveo e leito alargado dos rios seguem a mesma natureza do domínio das águas. No caso de ocorrer em uma mesma área a confluência de duas ou mais águas de dominialidades distintas, terá a preferência a dominialidade da corrente d?água mais volumosa.
O acesso ao solo e aos recursos naturais da várzea somente poderá ocorrer pela cessão dos bens públicos, feita por meio de um contrato administrativo, podendo ser (Institutos Publicísticos) ? Instrumentos Públicos de outorga (consentimento de uso do bem público) para uso privado. Esses instrumentos publicísticos, podem ser: i) Concessão de uso: pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá ser sempre precedida de autorização legal; ii) Concessão de direito real de uso: [...] é o contrato solene, pelo qual se transfere, a título de direito real, o usufruto temporário, por prazo certo ou indeterminado, de terreno público ou particular [...] (Decreto-Lei n.º 271/1967). Permite a transferência da propriedade; e iii) O direito de superfície: similar à concessão de direito real de uso, regulado pelos artigos 1.369 a 1.377 do CCB/2002, e pela Lei n.º 10.257/2001, artigos 21 a 24.
A Secretaria de Patrimônio da União (SPU) está utilizando a Portaria n.º 284/2005 para fornecer Termo de Autorização de Uso de forma coletiva e individual, se há demanda local. A SPU utiliza como critérios: i) Projeto Nossa Várzea ? Regularização Fundiária em Áreas de Várzeas do SPU, as margens dos rios federais (aqueles que excedem a fronteira de um só estado); ii) Possuir uma casa no lugar da ocupação há 5 anos, dedicar-se à atividade agroextrativista, e possuir CPF e CI. A SPU incorporou dois princípios básicos: i) Cada imóvel da União deve cumprir uma função social; e ii) função arrecadadora dos imóveis. Nos três casos, o domínio do terreno de várzea será da União ou do Estado.
O Estado do Amapá apresenta leis esparsas sobre as várzeas. Há no estado uma preocupação com o uso racional dessa área e nas legislações existente fica evidenciado, também, o uso múltiplo e o manejo florestal através do plano de manejo.
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*Paulo Sérgio Sampaio Figueira. Msc. Direito Ambiental e Políticas Públicas.
Autor: Paulo Figueira


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