Um minuto de silêncio!



Um minuto de silêncio
Roberta Chiesa Bartelmebs

Até quando se é criança? Qual a linha que demarca em nossas vidas a passagem da infância para a adolescência ou a juventude? O que gera essa ânsia de querermos estar numa outra fase da vida, sem aproveitarmos ao máximo o que esta em que vivemos nos tem a oferecer?
Geralmente quando se é criança, aspira-se a ser adulto o mais breve possível, mas isso tem uma origem, e talvez a descoberta dessa origem esteja acarretando novas reflexões para os educadores e os familiares. A infância está perdendo seu espaço no tempo da nossa sociedade, ao que parece, pois, estamos cada vez mais concentrados no ver essas crianças crescerem do que no ver essas crianças se desenvolverem.
É natural que quando pensamos em crianças, pensemos em brincadeiras, brinquedos, brincar. Mas o que sabemos a respeito dessa atividade não apenas infantil, mas humana? Será que os adultos sabem lidar com sua criança interior? E será que isso reflete na forma como permitimos ou não o brincar com as crianças que estão sob nossa responsabilidade?
A professora Tânia Fortuna (UFRGS) escreveu um artigo sobre a "Vida e a morte do brincar", o qual servirá de base para esta reflexão. Nesse artigo, ela trata das questões referentes ao brincar e ao jogar, tendo como infância principal a das crianças de classe média ? alta, partindo de uma pesquisa realizada por um canal de televisão norte americano, a partir disso ela investigou etimologicamente as palavras brincar e jogar, descobrindo sua origem e traduções, que perpassaram o tempo e chegam até nós com sentidos variados, que deixam margem a muitas interpretações. De fato as palavras jogo e brincadeira vêm carregadas de conceitos estigmatizantes em nossa sociedade, por se tratarem de coisas improdutivas do ponto de vista material, o que as tornam desqualificadas dentro de um sistema capitalista-ocidental.
Por outro lado, é com o brincar e o jogar que a criança (e não só ela) estabelece vinculo com os seus pares, interagindo socialmente, reconhecendo o outro e a si mesmo durante as atividades lúdicas. No entanto, nem sempre é possível brincar.
Assistimos diariamente a morte do brincar, e estamos tão formatados por essa imagem que não nos damos conta do que está acontecendo. Esse fato é apenas conseqüência de outros maiores que estão inerentes ao Ser da sociedade em que vivemos. A televisão tornou-se um potente aparelho do estado, que transmite sem muito esforço a ideologia do consumo, a milhares de pessoas, incluindo as crianças.
Os brinquedos vendidos pela mídia retratam exatamente essa ideologia da não criatividade e do não desenvolvimento integral de nossas potencialidades enquanto Ser Humano. Com brinquedos como os que são vendidos nas propagandas entre um desenho e outro, não se pode usar muito da criatividade. Isso porque a própria propaganda limita ou delimita o seu uso.
Para ser um brinquedo, o objeto deve necessariamente permitir múltiplos usos, múltiplas interpretações, inúmeras formas de agir ou interagir com ele. Quando esse principio é desrespeitado, o brinquedo é apenas um objeto de desejo, de consumo, e não cumpre seu papel principal na vida e no desenvolvimento da criança.
Mas isso não acontece apenas com os brinquedos vendidos pelas propagandas da mídia, ocorre nas escolas, nos jogos didáticos, nas brincadeiras com cunho moralista, enfim, ocorre sempre que se assassina o brincar em detrimento de uma ou outra atividade aparentemente lúdica que tem mais por objetivo moldar a criatura do que permitir o seu desenvolvimento através de relações e interações saudáveis com seu jogo ou brinquedo.
Na escola a Morte do brincar é um caso muito sério. O ambiente que mais valor deveria dar a essa atividade, acaba por matá-la! Brincar tornou-se antônimo de estudar, e estudar tornou-se sinônimo de crescer. Uma criança é elogiada quando brinca ou joga? Mas, uma criança é elogiada quando recebe um A ou um dez no ditado de português?
Não haverá inquérito policial para averiguar as causas da morte do Brincar. Pior que essa morte causa a destruição de muitos processos na vida de uma pessoa. Perdemos a leveza para encarar a vida, perdemos a capacidade de reflexão altruísta, perdemos o sentido da existência, perdemos (e não temos medo de afirmar isto) a capacidade de encantamento com o mundo real.
As conseqüências desse assassinato já se fazem sentir, por professores, alunos, pais, sociedade em geral, pessoas que hoje não sabem como lidar com sua antiga infância, e por isso acabam oprimindo a infância das crianças que estão sob sua responsabilidade. As conseqüências também se revelam no tipo de cidadão que estamos formando. Nos nossos discursos sempre temos por fim a formação de um cidadão crítico, criativo, capaz de inovar na resolução de problemas (ou isto será parte do discurso capitalista da formação do bom trabalhador?), mas não possibilitamos esse desenvolvimento, não oportunizamos criatividade, pelo contrário, padronizamos inclusive como devem ser as brincadeiras e os jogos.
Pedimos um minuto de atenção para a morte do brincar. O que será da infância se perdermos a capacidade de viver uma intensa relação com um boneco de pano, que pode se tornar um grande herói ou um grande bandido nas nossas viagens pela realidade da brincadeira? Para onde irão as canções de Ursinhos Pimpões, as Terras do Nunca, os Piratas, as Bruxas más, as Fadas, os Castelos, as Princesas... Para onde irão as crianças com a Morte do Brincar?

Referencia Bibliográfica:

FORTUNA, Tânia Ramos. Vida e morte do brincar. Documento Impresso. (UFRGS)

Autor: Roberta Chiesa Bartelmebs


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