Conceito e historicidade do direito moderno



Currículo da articulista:
Janete Amorim Dias Freitas
Acadêmica do 10º período de direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Unidade Betim.
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O QUE É MODERNIDADE?


De acordo com MARTINS, podemos entender a modernidade como sendo a evolução do pensamento científico, onde acontece uma ruptura com o pensamento místico e religioso. Ocorrido num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação do feudalismo e consolidação do capitalismo, não é obra de um único filósofo ou cientista, mas o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações de existência daquela época.

O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia. As transformações econômicas, políticas e culturais que se aceleram a partir dessa época colocarão problemas a inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu. A dupla revolução que este século testemunha - a industrial e a francesa ? constituía os dois lados de um mesmo processo, qual seja, a instalação definitiva da sociedade capitalista. (MARTINS, p.11).

Assim, temos que a modernidade surge com a consolidação do capitalismo, propiciando inovações capazes de contribuir grandemente para o aumento da população mundial, sendo que o pensamento foi renunciando aos poucos a visão do sobrenatural para explicar os fatos, substituindo-os por uma indagação racional. Neste sentido, afirma TEIXEIRA:

"[...] na verdade, o naturalismo e o racionalismo que caracterizaram a antropologia iluminista e a tendência para a quantificação, a simplificação e a generalização que igualmente individualizam esta forma de pensamento, conduzem, por um lado, a uma atitude eminentemente antropocêntrica, em oposição ao teocentrismo ou teologismo escolástico, e, por outro, a um conceito decididamente formal e abstractizante da razão, igual e imutável em todos os homens, tempos e lugares, qualitativamente diversa da razão de Deus, e que, conquanto tivesse nos dados dos sentidos ou na sensação a fonte ou a origem do conhecimento, era meio seguro, claro e insofismável de conhecimento e norma bastante da acção e da moralidade, que, por via puramente dedutiva, se poderia retirar dos seus princípios naturais". (TEIXEIRA, p. 39-40).

Desse modo, extinguiam-se as interpretações baseadas em supertições, abrindo-se espaço para um saber racional, que criticava fortemente as instituições feudais, desmoronando todo um sistema para dar origem à ordem burguesa. Assim, entende-se que a modernidade é a desconstrução de um paradigma medieval, baseado no sobrenatural, para a conseqüente construção de um paradigma baseado em dúvidas racionalmente orientadas.


DIREITO MODERNO

CONCEITO


Para WIEACKER, Direito Moderno é o direito emancipado da teologia moral sob a influência da nova imagem fisicalista do mundo, baseando seus postulados não na vontade do Criador, mas nas necessidades da razão e na experiência da realidade. Nestes termos:

Quando, a partir do séc. XVIII, se combinou com o iluminismo, o jusracionalismo adquiriu - na Europa central já sob o despotismo esclarecido, na França com a Revolução Francesa ? uma influência directa sobre a política do direito e a legislação. (WIEACKER, p.12).

Assim, temos que o Direito Moderno influenciou grandemente a política do direito e a legislação, negando o sagrado, posto que o mesmo se perfaz através da orientação científica da racionalidade.


SURGIMENTO


Ao iniciarmos um estudo sobre o surgimento do direito Moderno relativamente ao seu surgimento no Brasil, temos por necessário analisar as questões referentes ao jusnaturalismo português e seus desdobramentos na constituição da matriz jurídica que embasou a estruturação do Estado-nação brasileiro nas primeiras décadas do século XIX.
No que diz respeito ao direito moderno, faz-se necessário esclarecer que, num comparativo entre direito tradicional e o moderno, houve uma concepção da modernidade inacabada tanto em Portugal como no Brasil, sendo deste modo, uma modernidade fragilizada pela permanência da tradição escolástica na estrutura jurídico-social tanto em Portugal como no Brasil.
Afirma SILVA, que "Nesse sentido, a Reforma Pombalina, que ambicionou a reestruturação do direito em termos modernos, seria uma tentativa malograda pelas forças de uma tradição tardo-medieval refratária à Revolução científica que desde o século XVII ecoava pela Europa". (SILVA, p.2).
Assim, o conceito de modernidade deveria ser entendido não como oposição à tradição, mas como processo de cumplicidade. A tradição seria assim a própria condição da modernidade, o oposto necessário e legitimador das narrativas da modernidade.
Assevera SILVA, que:

O iluminismo se apresenta como um movimento de superação do escolasticismo e de toda a mística medieval, sobretudo o barroquismo do tomismo. A questão central que caracteriza esse movimento situa-se na instrumentalização de uma razão subjetivista e de um racionalismo humanista e antropocêntrico nas "ciências do espírito", a exemplo do que já ocorria desde o século XVII nas ciências naturais, nomeadamente na física galileana e newtoniana. (SILVA, p.3).

Desse modo, podemos observar que não existe uma ruptura radical entre as duas Escolas do Direito Natural (A Escolástica e a Racionalista) e sim uma superposição, o que nos faz pensar o iluminismo e o decorrente pensamento moderno, em Portugal com cautela, pois é preciso dar vazão às vozes e estabelecer seus pontos de contato e ruptura. Complementa, nesse sentido, SILVA:

Para entender o desenvolvimento do pensamento jurídico moderno em Portugal, deve-se levar em consideração, ainda, o ambiente mental caracterizado pelas conseqüências da Contra-Reforma e da postura refratária da Companhia de Jesus em admitir uma pedagogia à imagem de uma cosmovisão contrária ao escolasticismo reinante desde o século XVI. Esse ponto é essencial para tomarmos consciência das dificuldades políticas enfrentadas pela ilustração lusitana ao tentar romper com uma tradição que fundamentava a própria história do Estado-nação português, alinhado como esteve ao pensamento católico Tridentino. (SILVA, p.4).

O que torna complexa a análise do pensamento moderno ibérico é justamente a inexistência da dicotomia fé e razão, pois, como afirma DOMINGUES, "esse é o grande desafio do historiador que se aventura a tentar compreender a Modernidade Ibérica e Ibero-americana, pois que se depara com uma população cristã que não passou pela Reforma nem separou claramente ciência e religião" (DOMINGUES, p. 36).
Essa informação, de acordo com SILVA, é importante do ponto de vista teórico-metodológico, pois nos aponta um novo caminho para pensar o jusnaturalismo Ibérico sem cair na tentação que, até algum tempo, seduzia muitos historiadores a ver na modernidade da Península um atraso comparado à modernidade de outros países europeus como Inglaterra e França, por exemplo.
Segundo SILVA, o advento do pensamento científico e a conseqüente fissura do medievalismo, assistimos à criação de uma matematização da natureza, o que permitiu a libertação da razão humana do dogma escolástico. O entendimento acerca do direito e da justiça não poderia permanecer refratário às mudanças de mentalidade. É certo que na filosofia natural, as mudanças ocorreram pioneiramente, mas, a seu tempo, as chamadas "ciências humanas" não ignoraram o manancial teórico-metodológico oferecido pelo racionalismo, nomeadamente o cartesiano. As conseqüências dessas mudanças irão se refletir numa nova concepção do direito natural.
Segundo TEIXERA o direito natural "se pretendia universal e imutável, a cujo conhecimento todo o homem poderia ascender, pois se encontrava indelevelmente inscrito na sua razão e do seu princípio fundamental poderia retirar-se, por via dedutiva, todo o conjunto, ou sistema das suas leis" (TEIXEIRA, p. 40).
Nesse sentido também, o direito positivo tenderia a confirmar o direito natural. A partir dessas concepções fica aberto o caminho para a doutrina do direito natural moderno, caracterizado pela "evidência, generalidade, racionalidade, caráter subjetivo, tendência para a positivação" (HESPANHA, p. 148).
Para SILVA, essas vozes que vinham de longe, encontraram no ambiente seiscentista a fundamentação de que necessitavam para o desenvolvimento do método moderno, sendo que as idéias de certeza e verdade seduziram os juristas que almejavam regras jurídicas mais precisas em detrimento da concepção probabilística do aristotelismo. No lugar da probabilidade aristotélica, a ciência moderna impõe a certeza, no lugar da revelação, o método. Inicia-se assim a Escola de Direito Natural moderna. O método cartesiano que procura a verdade a partir do exercício da dúvida, do interrogar-se a si mesmo e, portanto, da evidência racional individual (subjetiva) que buscava idéias claras e distintas, terminou por conceder à filosofia do direito a possibilidade de alcançar as regras do justo pela dedução, pela extensão de princípios, desenvolvendo-se estratégias conceituais que visavam estabelecer uma teoria geral do direito, baseada num antropocentrismo em detrimento do teocentrismo medievalista.
Considera SILVA, que:

Outra decorrência do jusracionalismo, importante para esse estudo, é o fato de o direito natural não ser mais derivado da comunidade ou sociedade dos homens e sim da natureza do próprio homem individual e de seus impulsos (impetus). As conseqüências para o pensamento moderno são evidentes. O homem não tem como impetus a sociabilidade, ao contrário, como afirma Hespanha, "perante a sua necessidade de agir racionalmente ou de agir instintivamente, a sociedade aparecia até como um obstáculo, pois nela não era possível dar livre curso a estes impulsos sem chocar com os desígnios de acção dos outros" (SILVA, p.9).



CARACTERÍSTICAS


Tem-se, como característica marcante do Direito Moderno o pluralismo político, que afirma cada vez mais uma exigência de universalidade. Outra exigência, não menos importante é a democracia, que emerge como prova de irredutibilidade de certos valores à história.
O conhecimento é científico e planejado, se materializando em técnica e tecnologia.
O homem deixa de ser obra divina, passando a ser entendido como um ser natural, a humanidade não mais como um participante de um plano divino de salvação ou como participante do mundo histórico, mas como elemento de um mundo apreensível através de leis naturais.
É uma revolução cultural.

DIREITO MODERNO NO BRASIL

De acordo com SILVA,

No ano seguinte à Independência brasileira, em função das necessidades prementes de estruturação do Estado-nação, foi apresentado, pelo Visconde de São Leopoldo na Assembléia, o projeto de criação dos Cursos jurídicos no Brasil.
A fundação destes cursos e principalmente a construção dos seus Estatutos renderam longas discussões na Assembléia entre 1823 e 1827. Estes debates nos revelam o quanto era estratégica a criação dessas instituições para a consolidação do Estado de Direito nacional, carente no que se refere à diplomacia, a burocracia e a legislação, que deveria substituir as antigas Ordenações.
A característica marcante das Faculdades de Olinda e São Paulo, que por sinal possuíam os mesmos Estatutos, é a semelhança encontrada, em termos curriculares e, portanto, filosóficos, com os Estatutos da Universidade de Coimbra. É com essa orientação jurídico-pedagógica que a disciplina de Direito Natural abria os cursos em Olinda e São Paulo. (SILVA, p. 4-5).

Deste modo, temos que o pensamento moderno na jurisprudência, principalmente o jusracionalismo, é marcante na formação dos professores das faculdades de Olinda e São Paulo, o que revela a herança duradoura da Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra, que forneceu as bases para a estruturação dos Cursos Jurídicos (de feição moderna) e do próprio Estado-nação brasileiro.

CONCLUSÃO

Diante do que acima foi exposto, conclui-se que o Direito Moderno nega o sagrado, posto que o mesmo se perfaz através da orientação científica da racionalidade.
Numa perspectiva histórica, faz-se necessário esclarecer que, num comparativo entre o direito tradicional e o moderno, houve uma concepção da modernidade inacabada tanto em Portugal como no Brasil, sendo deste modo, uma modernidade fragilizada pela permanência da tradição escolástica na estrutura jurídico-social destes países.
Tem-se, como característica marcante do Direito Moderno o pluralismo político, que afirma cada vez mais uma exigência de universalidade. Outra exigência, não menos importante é a democracia, que emerge como prova de irredutibilidade de certos valores à história. O conhecimento é científico e planejado, se materializando em técnica e tecnologia.
Direito Moderno brasileiro tem suas raízes findas no Direito lusitano, posto que o Brasil fora por diversos anos, colônia de exploração de Portugal, tendo em princípio recebido as Ordenações do Reino por fonte do Direito local, e mais adiante, com a proclamação da independência, surgiu a necessidade de criar cursos jurídicos para consolidar o Estado de Direito Nacional, sendo num primeiro instante, criadas as Faculdades de Olinda e São Paulo, com orientação jurídico-pedagógica semelhante a da Universidade de Coimbra, fato que marcou o pensamento moderno na jurisprudência brasileira.

REFERÊNCIAS

DOMINGUES, Beatriz Helena. Tradição na modernidade e modernidade na tradição: a modernidade ibérica e a revolução copernicana. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ, 1996.

HESPANHA, António Manuel. História das instituições épocas medieval e moderna. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.

MARTINS, Carlos B.. O que é Sociologia? São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

SILVA, Mozart Linhares da. A reforma pombalina e o direito luso-brasileiro. PUCRS.

TEIXEIRA, António Braz. O pensamento filosófico-jurídico português. Lisboa: Biblioteca Breve Instituto de Cultura e Língua portuguesa, 1983.

WIEACKER, Franz. História do Direito Privado. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1993, 2 ed.
Autor: Janete Amorim Dias Freitas


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