POLICARPO QUARESMA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL




Elionete Barreto Rocha
Erlian Pereira de Souza
Merice Rocha Barreto
Pabrízia Silvestre de Araújo
Joabson Lima Figueiredo
RESUMO

Esse artigo apresenta como objetivo principal analisar o personagem Policarpo Quaresma, personagem central da obra, O triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915 destacando suas principais características como: patriota extremado, idealizador, visionário que o tornou símbolo da revalorização dos ideais nacionais e da construção da identidade nacional.

PALAVRAS-CHAVE: Policarpo Quaresma; construção da identidade nacional; patriotismo; desilusão.

Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida se vai fazendo inexoravelmente com a sua brutalidade e fealdade.
(BARRETO, Lima. O Triste Fim de Policarpo Quaresma:2006, p.123)

1- INTRODUÇÃO
Este artigo tem por finalidade mostrar a luta incansável de um brasileiro fanático, antes de tudo, nacionalista, visionário, na busca da construção da identidade nacional e de um Brasil justo. Trata-se, do major Policarpo Quaresma, patriota ao extremo, da obra de Lima Barreto, O Triste Fim de Policarpo Quaresma. Procura-se entender quem é esse personagem e como suas características o fizeram símbolo da luta do nacionalismo e da construção da identidade nacional.
A obra foi publicada com recursos do proprio autor, inicialmente em folhetins do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, entre 11 de agosto e 19 de outubro de 1911, e em livro quatro anos mais tarde. ( Dias, Carmen Lydia de Souza. Quaresma/Ressurreição. In: Barreto, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Ática, 1999).
Seu enredo se desenvolve na cidade do Rio de Janeiro, em 1893, período em que o Brasil era governado por militares. Apresenta a sociedade carioca do começo do século, principalmente os mais humildes que moravam nos suburbios. Registra a atmosfera política da primeira República, deixando vísiveis as suas mazelas: a burocratização das repartições públicas, o clientelismo, a bajulação e as muitas injustiças sociais. Inclui ainda uma irônica figura do presidente Floriano Peixoto.
Iremos analisar a trajetória da vida do personagem que corresponde basicamente aos três estágios da obra.
A primeira parte retrata o patriotismo extremado do personagem, mostrando seu sublime interesse por coisas nacionais, essa parte da obra está diretamente ligada à cultura nacional. A segunda mostra a esperança de Policarpo Quaresma em construir um país melhor através da reforma da agricultura brasileira, o personagem, tem uma desilusão com a política brasileira, é multado indevidamente por não querer participar de uma fraude da política local, se engana ao ter certeza que é através da política que teremos um país melhor e mais justo, não consegue ter lucros com a venda de seus produtos e tem a plantação devastada por saúvas e na terceira parte o personagem deixa o sítio do sossego sob os cuidados de sua irmã, se alista para servir a pátria, lutar pela república e, é nessa parte da obra também, que ele se desilude com tudo, é preso, acusado de traição e deixado na ilha das cobras esperando o seu triste fim.
O livro também rendeu uma adaptação para o cinema que aconteceu no ano de 1998, que contribuiu ainda mais, para difundir a história que está prestes a completar cem anos de escrita.

2-POLICARPO QUARESMA, VALORIZAÇÃO DA CULTURA NACIONAL E A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA IDENTIDADE
Ao analisar o nome Policarpo Quaresma, percebe - se que "Poli" significa muito, "carpo" sofrimento; dor e o sobrenome "Quaresma" se refere ao período de 40 dias de penitências e resguardo que acontece logo após o carnaval, na tradição da Igreja Católica. O nosso personagem emblemático já carregava no nome a má sorte.
Policarpo Quaresma era funcionário público do Arsenal da guerra, morava com sua irmã, Dona Adelaide, era de poucos amigos e mantinha os mesmos hábitos há quase trinta anos, conhecido por todos devido ao seu nacionalismo fanático e extremado e pela sua pontualidade.
Lima Barreto, assim o descrevia:
Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava pince-nez, olhava sempre para baixo, mas, quando fixava alguém ou alguma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma da pessoa ou da coisa que fixava.(Idem, 2006, p. 08).

O modo como Lima Barreto descreve o personagem, se aproxima bastante de Dom Quixote de La Mancha de Miguel Cervantes, ambos são personagens emblemáticos, apaixonados por leitura, são de certa forma solitários, não tem mulher, filhos e são de poucos amigos, buscam construir uma identidade e vivem em uma época que já não mais existe, são incompreendidos e ridicularizados devido a idéias absurdas e se desiludem quando enfim descobrem que a vida real é bem diferente da que eles idealizavam.

Policarpo vive perdido em seus sonhos e projetos para grandeza da pátria, totalmente incapaz de enxergar as dimensões e contradições da realidade. Em razão dessas características, já foi chamado de Dom Quixote brasileiro. É uma personagem ridícula e ao mesmo tempo trágica.
Policarpo Quaresma desde muito cedo buscara a construção da identidade do seu país, não tinha nenhuma predileção, amava o país por inteiro, idealizava um Brasil igual aos dos livros que tanto gostara de ler, porém, a realidade era bem diferente daquela que os seus olhos de sonhador enxergara.

[...] Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa. (Idem, 2006, p. 09)
Policarpo Quaresma dedicara sua vida a estudar livros para solucionar os problemas do Brasil, acreditava que conhecendo seu país através da leitura seria capaz de remediar ao males que o assolavam.
Policarpo nacionalista extremado, tinha em casa uma vasta biblioteca em que todos os exemplares eram de autores brasileiros, Bento Teixeira, Gregório de Matos, José de Alencar e Gonçalves Dias, etc, no jardim somente flores genuinamente nacionais, vestia-se com tecido e calçados produzidos no país e a sua alimentação era na maioria das vezes de produtos da agricultura nacional, conhecia através dos livros cada palmo de terras do Brasil.
Para Zilá Bernd, a identidade se origina da consciência de sua perda e se desenvolve na busca de sua reconstrução.( Bernd, Zilá. 2003, p. 16). Lima Barreto faz uma revisão da valorização do índio, e pensa que todas essas reformas não são possíveis. Diferente de Alencar, que exaltava a perfeição do Brasil, paraíso terreal. Ele rompe com todo esse passado, com essa literatura que foi sacralizada ao longo dos tempos. E escreve Policarpo Quaresma para desconstruir tudo aquilo que a sociedade via como valor, que acaba se convertendo em desvalor.
Percebe-se, que Policarpo Quaresma na tentativa de construir essa identidade nacional agia de forma sacralizante, segundo Bernd:

Uma literatura que se atribui a missão de articular o projeto nacional, de fazer emergir os mitos fundadores de uma comunidade e de recuperar sua memória coletiva, passa a exercer somente a função sacralizante, unificadora, tendendo ao mesmo, ao monologismo, ou seja, à construção de uma identidade do tipo etnocêntrico, que circunscreve a realidade a um único quadro de referências. (BERND,Zilá. 2003, p.19 ).

O que Lima Barreto faz é resgatar através da crítica, valores e questões que estavam se perdendo ao longo do tempo. Ele ironiza uma sociedade republicana aparentemente bem sucedida e passa a mostrar suas mazelas.
Policarpo Quaresma acreditando se tratar de um instrumento nacional, dedicou - se a estudar o violão, começou a ter aulas com Ricardo Coração dos Outros para aprender a tocar modinhas, tentando resgatar essa cultura, virou motivo de chacotas por todos devido o violão ser sinônimo de malandragem na época, porém, se decepcionou ao descobrir que o instrumento havia sido trazido para o Brasil pelos europeus, e, grande quantidade dessas canções eram de origem estrangeiras.
[...] Comprou livros, leu todas as publicações a respeito, mas a decepção lhe veio ao fim de algumas semanas de estudo. Quase todas as tradições e canções eram estrangeiras; [...]. Tornava-se, portanto, preciso arranjar alguma coisa própria, original, uma criação da nossa terra e dos nossos ares.(BARRETO, Lima. 2006, p. 21).

Como vai se repetir ao longo do livro, todos os projetos dão errado, e vão aos poucos ruindo a confiança desse sonhador irremediável.
O indianismo de Policarpo Quaresma desvia se do eixo de discussão que perfaz o caminho da integração das raças, para se fixar, na absorção dos valores socioculturais do índio - sua língua, seus costumes, na tentativa de desrecalcá-los.(Pereira, Ribeiro Elvya. 2001, p. 224)
O indianismo de Quaresma aproxima-se do de Alencar, que é fonte de sua motivação nacionalista. Os discursos de ambos se apóiam em uma retórica idealista, embora atinjam planos socioculturais e políticos bastante diferentes. Alencar ressalta a figura mítica do índio, idealizada a partir de modelos europeus de pureza, honra e bravura para inscrevê-lo no campo literário da nação. Já em Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto desloca o indianismo do plano imaginário, de extração literária e nacionalista, para o campo dos empates sociais e políticos do seu tempo. A retórica mítico-ufanista, com personagem Policarpo atualiza-se num plano da realidade imediata, concreta, num visionário projeto de feição reformista, mas socialmente engajado, com claras implicações políticas. Não é mais possível a presença física do índio dizimado ou excluído pelo processo colonizador, em encenações históricas: não há mais a presença de um herói; o que se evoca então na matriz indianista de Quaresma são apenas valores lingüísticos e sociais de um índio distante e marginalizado, contraposição aos valores já estabilizados do colonizador. De imediato, a atitude excêntrica do Major Quaresma vem à tona, num jogo paródico com o indianismo romântico cujo efeito cômico matiza, mas não apaga, a dimensão crítica do romance.
Talvez seu momento de maior ridículo seja quando propõe ao Congresso a substituição do português ("língua emprestada") pelo Tupi como língua oficial do Brasil.
Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobre tudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante a correção gramatical, vende-se, diariamente, surgia azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso indioma- usando do direto que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani, como língua oficial e nacional do povo brasileiro.[..] (Idem, 2006, p. 33)
Policarpo Quaresma, estudava o tupi há um ano, todas as manhãs se atracava com o dicionário da língua indígena, e acreditava que essa deveria ser a língua oficial do país, por equívoco enviou um memorando escrito em tupi ao Ministro, foi ultrajado como louco e internado em um sanatório, quando de lá saiu, completamente desiludido e com o seu projeto de levante cultural fracassado, seguiu os conselhos de sua afilhada Olga, vendeu sua casa do Rio de Janeiro e comprou um sítio no interior, deu início aí o seu segundo projeto.

3- POLICARPO E A REFORMA AGRÍCOLA
Nessa parte da obra, o autor mostra um personagem rural, otimista, acreditando que através da reforma agrícola pode obter um país justo e igual para todos os brasileiros.
Olga ficara comovida com a tristeza e o abatimento moral do seu padrinho, então tivera a idéia de que no campo ele retomaria a vontade de viver, e poderia fazer as suas culturas, ter o seu pomar, as suas hortas [...] Policarpo Quaresma então lembrara que esse era um velho projeto seu, tirar da terra o alimento, a alegria e a fortuna, então pensou que foram vãos aqueles seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era uma forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ela tinha de preencher, acreditava na grande fertilidade dos solos brasileiros, para ele os mais férteis do mundo.
Policarpo Quaresma passa a ter uma vida rural, muda-se com sua irmã Adelaide para o município de Curuzu, a duas horas de trem do Rio de Janeiro, para um sítio de nome ? "Sossego" ? cabia tão bem à nova vida que adotara, após a tempestade que o sacudira durante quase um ano.
Não era feio o lugar, mas não era belo. Tinha, entretanto, o aspecto tranquilo e satisfeito de quem se julga bem com a sua sorte. (Idem, 2006, p.48).

Policarpo Quaresma acreditava na feracidade das terras brasileiras, solos férteis e climas variados, seria com certeza o caminho para uma agricultura fácil e rendosa.
Era de vê-lo, coberto com um chapéu de palha de coco, atracado a um grande enxadão de cabo nodoso, ele, muito pequeno, míope, a dar golpes sobre golpes para arrancar um teimoso pé de guaximba. A sua enxada mais parecia uma draga, um escavador, que um pequeno instrumento agrícola. (Idem, 2006, p. 52)

Com a ajuda de Anastácio, seu empregado, que lhe ensinara a lidar na capina e a utilizar a enxada, Policarpo Quaresma com muito amor e gosto, se dedicava ao cultivo da terra e vive a tranquilidade da vida rural. Certo dia, recebe a visita do Tenente Antônio Dutra, que veio lhe sondar sobre sua posição na política local, esse, fica insatisfeito ao perceber a indiferença de Policarpo Quaresma sobre o assunto.
Depois de quase um ano de trabalho e de luta contra todos os contratempos, enfim, consegue produzir alguma coisa, entretanto, ao vender seus produtos seu lucro é praticamente zero, Policarpo Quaresma sente na pele a desvalorização do trabalhador rural, e se da conta de que os políticos pouco se importam com a vida miserável em que vive a população, e não se interessam em fazer reformas, pois, as mesmas serviam apenas para destruir seus esquemas de dominação política e social para com o povo, ele próprio, é prova disso, quando se torna vítima das intrigas que os políticos locais armam contra ele por sua imparcialidade com relação à política, para esses políticos ele com suas ideias seria um intruso, "verdadeiros estrangeiros que se vinham intrometer na vida particular e política da família curuzuense, perturbando-lhe a paz e a tranqüilidade".
Veja o modo como Policarpo foi afrontado em um jornal local, filiado ao partido situacionista:
POLÍTICA DE CURUZU

Quaresma, meu bem Quaresma! Quaresma do coração!Deixa as batatas em paz Deixa em paz o feijão. Jeito não tens para isso Quaresma, meu cocumbi! Volta à mania antiga De redigir em tupi Olho vivo. (Idem, 2006, p. 70)
.
Policarpo Quaresma agora é perseguido pelos políticos ao qual negou apoio, multado indevidamente, como poderia tocar seu projeto agrícola, sendo perseguido pelos que detinham o poder, Quaresma veio a recordar-se do seu tupi, do seu folclore, das modinhas, das suas tentativas agrícolas, tudo isso, agora já não fazia mais sentido, outra vez se desilude, percebe o quanto havia sido ingênuo com suas ideias, com seus projetos, o país precisava de muito mais, precisava de um governo forte e inteligente que olhasse para as necessidades do país e aí sim a pátria seria feliz.
[...]Quaresma veio a recordar-se do seu tupi,do seu folk-lore, das modinhas,
das suas tentativas agrícolas ? tudo isso lhe pareceu insignificante, pueril, infantil. Era preciso trabalhos maiores, mais profundos; tomava-se necessário refazer a administração, imaginava um governo forte, respeitado, inteligente [...]. (Idem, 2006, p. 82).

O que vai destruir os planos de progresso da agricultura é justamente como diz Mario de Andrade em Macunaíma, "Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil, são". A saúva termina por exterminar os ideais agrícolas de Policarpo Quaresma, como percebemos no trecho seguinte:
[...]Toda a manhã, ele ia lá e já via o milharal crescido com o seu pendão branco e as suas espigas de coma cor de vinho, oscilando ao vento; naquela ele não viu nada mais. Até os tenros colmos tinham sido cortados e levados para longe! [...] tinham sido as saúvas[...] (Idem, 2006, p. 77)
Fracassou também no seu segundo projeto, com uma deficiente estrutura agrária, não poderia obter bons resultados como agricultor e ainda teve sua plantação devastada por saúvas.
Enquanto muitos, até mesmo um de seus empregados, Felizardo, estariam fugindo do recrutamento forçado para lutar contra a esquadra que havia revoltado - se e queria a queda do presidente Floriano Peixoto - A Revolta da Armada- Policarpo Quaresma, via nessa batalha a realização do seu sonho, então lembrara daqueles seus pensamentos, de um governo forte, reformas profundas. Era chegado o momento, decide se, alistar e colocar-se à disposição da pátria.
'Marechal Floriano. Rio. Peço energia. Sigo já. Quaresma. '

4 - POLICARPO E A REFORMA POLÍTICA
Policarpo dá início ao seu terceiro projeto, acredita na força da política brasileira, chega até a escrever um manuscrito para ser entregue ao presidente expondo suas ideias de melhorias na estrutura agrária do país, mostrando todos os entraves, oriundos da grande propriedade, os altos preços dos fretes e também a violência política, porém, é ignorado pelo mesmo, que o chamou de visionário.
Policarpo Quaresma, agora comandante, se dedica a estudar artilharia e técnicas de guerra, para servir melhor a pátria que tanto ama e a defender os ideais do presidente que ele julgara ser os seus.

O major está no interior da casa que serve de quartel, lendo. O seu estudo predileto é agora artilharia. Comprou compêndios; [...]. Ele percorre essa cadeia de ciências entrelaçadas com uma fé de inventor. Aprende um a noção elementeríssima após um rosário de consultas, de compêndio em compêndio; e leva assim aqueles dias de ócio guerreiro enfronhado na matemática, nessa matemática rebarbativa e hostil aos cérebros que já não são moços. (Idem, 2006, p.101)

Mais uma vez Policarpo Quaresma encontrava nos livros um aliado para lhe aproximar do desconhecido, como tudo que ele queria conseguia através da leitura, dessa vez não foi diferente, esse agora era o seu ideal, tornar-se um bom defensor para a sua pátria.
Policarpo teve sua primeira experiência real de guerra, matara um homem e também foi ferido, não só no corpo mais também em seus ideais. Começara a acordar e enxergar a sociedade que o rodeava, era bem diferente daquela que ele idealizava.
" Querida Adelaide [...]Eu duvido, eu duvido, duvido da justiça disso tudo, duvido da sua razão de ser[...]eu matei, minha irmã; eu matei! E não contente de matar, ainda descarreguei um tiro quando o inimigo arquejava a meus pés... perdoa-me! Eu te peço perdão, porque preciso de perdão e não sei a quem pedir, a que Deus, a que homem, a alguém enfim... Não imaginais como isso me faz sofrer [...] Além do que penso que todo esse meu sacrifício tem sido inútil[...]."
(Idem, 2006, p.122)

Policarpo Quaresma foi se recuperar no sítio, vivia só, não parava de pensar no destino, na sua vida, nas suas ideias e mais que tudo nas suas desilusões.
De volta ao Rio de Janeiro, depois de ter ido se recuperar no sítio do Sossego, achando que havia sido chamado para por em prática suas ideias, termina por trabalhar como um simples carcereiro, sem honra nem glória.
Revoltado com o tratamento dado aos prisioneiros, escreve ao presidente relatando os atos de violência que presenciara, por conta disso, é considerado traidor, justo ele que tinha dedicado a sua vida a pátria, colocava o amor à nação em primeiro plano, e completamente desiludido, pois, todos os seus projetos haviam fracassado, aquele Brasil "perfeito" só existia nos seus sonhos e nos livros que tanto gostara de ler, percebera o quanto foi ingênuo.
Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha feito ele de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade [...] como ela o condecorava? Matando-o [...]Desde os dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. [...] (Idem, 2006, p.129).

Depois de sua trajetória fica explícito que é impossível voltar às origens puras. Reescrever a história do Brasil como se os portugueses nunca tivessem chegado aqui. A nossa cultura sofreu as influências do processo de colonização e nada poderia ser como antes.
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferozes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. (Idem, 2006, p. 129).

E este foi o seu triste fim, condenado injustamente à morte e com todos os seus ideais feridos.


CONSIDERAÇÕES
Policarpo Quaresma é uma das representações ficcionais mais abrangentes do nosso quadro social, nos primeiros anos da República o romance traz aspectos relacionados a fatos sócio-históricos ocorridos quase vinte anos antes de sua publicação.
O Triste Fim de Policarpo Quaresma, foi considerado pela crítica o maior representante do pré-modernismo brasileiro, publicado no ano de 1911, o romance traz uma reflexão sobre nacionalismo, identidade e de como a sociedade é tapeada pelos que detém o poder.
Lima Barreto, em seu livro destaca dois lados de um mesmo Brasil, de um lado, o país perfeito aos olhos do seu personagem central, do outro, um país real que desconstruía essa perfeição idealizada.
Aquele Brasil real que fizera Policarpo Quaresma perceber o quanto havia sido ingênuo em relação aos seus ideais, se aproxima do atual, que também está esquecendo suas tradições, precisa de uma reforma agrária urgente e vive uma política duvidosa.

Referências

BARRETO, Lima. O Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: DCL, 2005;
BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003.
PEREIRA, Elvya Shirley Ribeiro. Lima Barreto: Um olhar deslocando-se. Légua & meia: Revista de literatura e diversidade cultural. Feira de Santana: UEFS, nº 1, 2001-2, p. 224-236.
Autor: Merice Rocha Barreto


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