Serviço Social da Indústria ou Serviço da Inclusão Social?



RESUMO

Serviço Social da Indústria ou Serviço da Inclusão Social ?

O atual contexto brasileiro caracteriza um tipo de sociedade diferente de 1946, ano no qual o Sesi-SP foi criado. Os efeitos trazidos no rastro do fenômeno da globalização fizeram o trabalhador da indústria, beneficiário da missão da Entidade, conviver com as conseqüências do desemprego industrial causado particularmente pelo desenvolvimento tecnológico, que substitui a força de trabalho humano por máquinas capazes de aumentar a produtividade, tão desejada pelos empresários nestes tempos de intensa competitividade. Despojado de seu emprego formal, e diante da incapacidade de se incluir na nova estrutura ocupacional do mercado de trabalho que exige competências diferenciadas, o trabalhador da indústria é compelido a buscar alternativas ocupacionais precarizadas e dentro da informalidade, contribuindo para um iminente processo de exclusão social e de um futuro sem perspectivas.
Este texto sobre a Entidade evidencia que a sua atuação como uma organização de serviços dentro de um cenário específico de demandas, coloca o Sesi na obrigação de se contextualizar no tocante ao rol de programas oferecidos à sociedade, sabendo que se defronta com um lobby contrário à manutenção da receita compulsória oriunda do setor industrial, que sustenta sua existência até hoje por força de Decreto-Lei. Para isto faz-se necessário o rompimento de paradigmas presentes dentro de sua cultura corporativa, e o engajamento em alianças e parcerias estratégicas com setores da sociedade que possam efetivamente contribuir com o processo de inclusão social desta categoria de trabalhadores, que de repente perdeu o emprego, o salário e as esperanças. Assim, a Entidade responderá com um novo conceito de atuação, onde a responsabilidade social é o aval para que assuma uma posição de importância que o Brasil do século XXI necessita para conviver com as incertezas desta sociedade globalizada.

Palavras-chaves: Globalização, Desemprego, Inclusão Social
















ABSTRACT

Social Service of the Industry or Service of the Social Inclusion ?

The present Brazilian context characterizes a different kind of society that of 1946, the year in which SESI-SP was created. The effects brought about by the phenomenon of globalization leaves the factory worker, beneficiary of the mission of the Entity, to cope with the consequences of industrial unemployment caused particularly by technological development, which replaces manpower by machines capable of increasing productivity, fulfilling a wish much longed for by businessmen in these times of intense competition. Stripped of his formal job, and facing the inability to include himself in the new occupational structure of the labor market which demands diversified competence, the factory worker is compelled to seek precarious occupational options in the informal sector, which contributes to a process of imminent social exclusion and a future without perspectives.
This text on the Entity which gives evidence of its performance as a service organization within a specific scenery of demands, reveals how the Sesi is obliged to contextualize itself concerning the role of programs offered to society, taking into account that it is confronted by a lobby which is opposed to the maintenance of revenue arising from of the industrial sector, and which even today sustains its existence by force of Decree-Law. For this reason, not only should the paradigms present within this corporate culture be broken, but engagement in alliances and strategic partnerships with sectors of the society should also be made, which could significantly contribute towards the process of social inclusion of this category of workers, who suddenly lost their jobs, their salary and their hope. Therefore the Entity will respond with a new concept of performance, in which social responsibility is the guarantee that it will assume the important position that Brazil of t he XXI century needs, in order to cohabit with the uncertainties of this globalized society.

Keywords: Globalization, Unemployment , Social Inclusion
















1. Introdução

Refletir o Serviço Social da Indústria, como uma organização de integração social, requer inseri-lo dentro do contexto de uma sociedade com características bem diferentes de quando foi formalizado por Decreto-Lei em 1946. Ao contrário da época de sua criação, ou seja, uma sociedade industrial caracterizada pela distribuição dos lucros, a sociedade pós-moderna (Habermas, 1990), ou a sociedade de riscos, como entende Beck (1995), passou a distribuir os riscos e incertezas do mundo globalizado.

E quando falamos em sociedade de risco (Beck,1995), tendo como referencial os aspectos relacionados dentro da discussão do fenômeno da globalização, pensamos em seus efeitos nas empresas privadas porque são justamente estas que estão sofrendo as maiores conseqüências da destruição das tradições na esfera econômica. No entanto, a globalização é um fenômeno que desencadeia mudanças em várias dimensões. Conforme acentua Beck (1999), "significa a experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil, e também o acolhimento de algo a um só tempo familiar mas que não se traduz em um só conceito, que é de difícil compreensão mas que transforma o cotidiano com uma violência inegável....." (Beck , 1999 :46).

A sociedade atual caracteriza-se por um mundo de perturbação e incerteza, um mundo descontrolado, onde esse descontrole foi extremamente facilitado pelo desenvolvimento da tecnologia. Este desenvolvimento vem criando novos cenários e exigindo novas competências, atingindo todos (governos, empresas, indivíduos), e gerando um processo crônico de exclusão para aqueles incapazes de competir. O Sesi-SP hoje encontra-se inserido em um cenário bem diferente daquele em que foi criado em 1946. A realidade mudou e surgiram outras demandas sociais. A questão que se coloca é: Está o Sesi-SP inserido neste contexto? A sua missão, políticas e metas estão adequadas a ele?

















2. Uma ONG por Decreto

Embora o Sesi não possa ser conceituado como uma Organização Não Governamental, pois para isto precisaria estar completamente desvinculado de qualquer nível de instância de governo, podemos dizer que na prática foi a primeira organização dotada de características para que efetivamente viesse a cumprir na sociedade atribuições que no futuro estariam sendo desenvolvidas por aquelas organizações que passaríamos a denominar de Organizações Não Governamentais, ou simplesmente ONG?s. O Sesi, como uma Organização Paraestatal (que trabalha ao lado do Estado), ao contrário, possui uma ligação com o governo, pois além de ter sido por ele criado em função de um Decreto-Lei, ainda se obriga a prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU) da utilização dos recursos que aufere, por intermédio da contribuição das indústrias do Estado de São Paulo. Possui, no entanto, características em comum com as ONG?s: uma função social na comunidade, uma estrutura formal e legal, e não persegue lucros financeiros.


3. Questionamentos e Análise

Por que o Sesi tendo sido um instrumento social de grande alcance, hoje tem a sua atuação discutida? Quais fatores fizeram com que a Entidade se distanciasse de seu público beneficiário?

Primeiramente destacamos que este trabalhador, sujeito para quem o Sesi foi criado pelo Decreto-Lei de 1946, vem sistematicamente perdendo seu espaço ocupacional nas indústrias e concorrendo para aumentar a fila de desempregados.
Na tentativa de buscar uma nova fonte de renda que mantenha ele e sua família em condições de sobreviver, o trabalhador acaba se voltando para o mercado informal, ou para funções terceirizadas, ou passa ainda a trabalhar como temporário. Em todos os casos com um significativo decréscimo em sua renda mensal.

O ingresso no mercado informal faz com que o trabalhador da indústria também perca os direitos trabalhistas assegurados por lei, quando comparados com aqueles trabalhadores que são registrados formalmente.








As inúmeras dificuldades que encontra de se recolocar em outro setor de trabalho devido à sua baixa qualificação, e ainda considerando o atual contexto sócio-econômico no qual está inserido, concorrem para o aumento de um contingente populacional que passa a viver marginalizado e desassistido, resultando em um processo crônico de exclusão social. Como conseqüência, este alto índice de não-assalariados acaba repercutindo para o incremento da violência e das favelas urbanas.

Os efeitos deste desemprego tecnológico e a iminência de um processo gradual de exclusão social, faz com que a ex-industriário busque soluções que possam resolver o problema que ele e sua família atravessa. O trabalhador da indústria, sem seu trabalho formal, e com um futuro sem esperanças, busca Entidades, ONG?s, que possam ajudá-lo no processo de inclusão neste mercado de trabalho que se tornou competitivo, onde apenas poucos irão encontrar espaços, e assim mesmo com remuneração bem abaixo de quando estavam empregados em suas respectivas indústrias. Conseqüentemente a missão de atender o trabalhador da indústria preconizada quando da criação da Entidade, começa a ser posta em dúvida, e necessitando ser revista.

O fato de ter sido uma organização constituída por um decreto governamental gera um processo interno de acomodação por parte da liderança e funcionários.
A constituição política da organização, aliada a um ambiente de negócios de não competitividade, propiciaram o fortalecimento de um peculiar estilo de cultura corporativa, caracterizada por uma rigidez e por uma inflexibilidade para mudanças. Permite o fortalecimento de uma cultura corporativa que se fecha, se isola, e que não percebe ou, mesmo percebendo, não se abre às novas conjunções que há muito já se desenham no ambiente da sociedade globalizada e da qual ela é parte integrante.

O empresário sabendo que está diante de um quadro de intensa competição global e que para sobreviver precisa reduzir ao máximo seus custos, além daquilo que já efetuou - substituindo o trabalho humano por trabalho automatizado - acaba fazendo para si mesmo uma série de questionamentos: 1 - Já não proporciona benefícios aos funcionários dentro do conceito de salário indireto, sendo estes os mesmos que o Sesi oferece? 2 - Por que seu funcionário tem que pagar por serviços nas filiais do Sesi quando sua indústria já contribuí mensalmente com o compulsório? Por que este duplo pagamento? 3 - Até que ponto sua participação está de fato contribuindo para a causa decretada em 1946? 4 - Qual é o retorno afinal que recebe?









4. Conclusão

O distanciamento da Entidade para com o industriário fica caracterizado. As mudanças no cenário sócio-econômico, entre 1946 e 2002, ao provocarem o aparecimento de novas demandas sociais, fizeram com que o industriário ficasse gradativamente alijado de seu emprego formal (Rifikin, 1995).

Diante da evolução tecnológica trazida pela globalização, conforme Beck (1999), e que culminou no desemprego tecnológico, a Entidade desconsiderou o novo quadro ocupacional do trabalhador brasileiro que passou a exigir do industriário competências diferenciadas para seu reposicionamento no mercado de trabalho (Castells, 2000).

Constituída politicamente e com garantias de uma receita sem sacrifícios, que serviram para criar uma cultura corporativa onde se privilegia o status quo e a resistência às mudanças, acabou não se contextualizando no tocante ao rol de programas oferecidos ao seu beneficiário, e continuou prestando serviços que não agregam valor ao industriário diante de um quadro de exclusão social.

Por outro lado, os projetos que desenvolve com a marca de responsabilidade social, não dão respostas aos problemas e às novas demandas sociais da sociedade, especialmente dos industriários e ex-industriários vitimados pela transformação da classe, em função das mudanças tecnológicas em curso.

No que se refere aos funcionários da instituição, alguns não questionam a missão da Entidade e seu alcance junto ao trabalhador da industria, valorizando a estratégia vigente e o status quo. Por outro lado, funcionários comprometidos com a inclusão social colocam dúvidas sobre a atuação da instituição na sociedade. Vozes pouco representativas, dentro da esfera da prestação do serviço e que estão mais diretamente ligadas às demandas do público, questionam o valor dos serviços oferecidos tendo em vista às reais necessidades do trabalhador da indústria. Estas diferentes opiniões é um aspecto positivo dentro da instituição, representando que não existe uma percepção única.













A visão assistencialista que o Sesi sempre exerceu precisa ser revista. A ótica, neste contexto de globalização, é de uma organização que se volte para um compromisso maior com foco na responsabilidade social. O Sesi precisa contribuir para a inclusão social em um país que também sofre os efeitos da globalização. Precisa evidenciar que sabe utilizar com sabedoria o montante de recursos que recebe. A problemática da nova sociedade exige que saia da inércia e repense o seu papel diante deste novo cenário.

Para tal, precisará se engajar em parcerias e alianças estratégicas, conforme Harbson e Pekar (1999), comprometidas com a mesma visão ? a inclusão social.

As competências necessárias serão adquiridas pela troca de experiências e de informações com Entidades, ONG?s e empresas que dominem conhecimentos e áreas de atuação. O Sesi possui estrutura, capital, recursos humanos, e principalmente vocação social. Precisa encontrar parceiros que dominem as tecnologias e conhecimentos necessários que componham com ela uma rede, onde as potencialidades de uma e de outra serão aumentadas pelo intercâmbio de conhecimentos, de acordo com Harbson e Pekar (1999).

O Sesi deixa uma lacuna que não pode se ignorada, e falta-lhe as competências para desenvolver um trabalho de envergadura que a causa exige. Esta causa se consubstancia na gradativa queda do emprego formal nas indústrias, e que propicia um processo de exclusão social, nunca vistos na história do Brasil. Esta exclusão vem provocando conseqüências sociais, como o aumento de favelas, o crescimento da violência sem medidas, e a delinqüência de adolescentes e jovens, conforme Singer (1998) e Bourdieu (1997).

Resgatar a sua missão de promotora e partícipe do bem-estar social da classe industriária, exigirá por parte do Serviço Social da Indústria, o repensar-se como uma instituição comprometida com a inclusão social daqueles que pertenceram à classe industriária e que, em conseqüência das profundas mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho, perderam seus postos de trabalho, sendo excluídos da sociedade.
Justifica-se, pois, pensar um Serviço da Inclusão Social.













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Autor: Hélio De Lima Senna


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