A Extinção de Punibilidade do Estado Mediante Apresentação de Certidão de Óbito Falsa
Seguindo esta toada, para determinar a extinção de punibilidade a Lei Processual Penal exige que seja apresentada ao juiz a certidão de óbito que comprove a morte do agente, após a oitiva do Ministério Público, conforme artigo 62 do CPP. Com a apresentação do referido documento probatório de óbito o juiz declarará o fim da punição do agente falecido.
Todavia, uma questão polêmica tem sido objeto de discussão entre os estudiosos da ciência penal e processual penal: como o Estado deverá proceder quando a certidão de óbito apresentada for falsa? A doutrina e a jurisprudência divergem e apresentam duas correntes em relação ao tema.
A primeira corrente entende que a morte do agente reconhecida de maneira equivocada e fundada em documentação falsa não poderá reavivar a ação penal, considerando que a sentença faz coisa julgada formal e material. Logo, para esta corrente não é possível dar prosseguimento a ação penal, ainda que a documentação não seja verídica. No entanto, outra parte da doutrina não tem o mesmo entendimento. Para esta corrente a morte do agente comprovada por meio de certidão falsa deve possibilitar continuidade da ação penal, baseada no fato de que, se a morte do agente não ocorreu, não há que se falar em coisa julgada.
Com a devida vênia, entendo ser a última corrente a mais apropriada. Analisando a redação do artigo 107 do Código Penal, verifica-se que a morte do agente é a primeira causa de extinção de punibilidade. Para atestar a morte, exige-se a certidão de óbito para que assim, a ação penal seja extinta sem análise do mérito, vez que não há mais pretensão punitiva do Estado. Por isso entendo que, se é apresentado um documento falsificado a respeito da morte do agente, não há mais que se falar em coisa julgada, visto que a sentença é explicitamente fundada em fato jurídico inexistente. Ora, se o fato é inexistente, esta decisão não possui eficácia jurídica, de modo que a ação penal deve prosseguir normalmente.
Devemos lembrar que a natureza do ato decisório para determinar a extinção da punição é uma decisão interlocutória terminativa, posto que não há sequer análise de questão meritória. Diante da inexistência do pressuposto para a declaração da extinção de punibilidade a decisão deve ser anulada, sem ofensa à coisa julgada. Assim entendem Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio M. de Almeida Delmanto, in Código Penal comentado:
"o pressuposto da declaração de extinção de punibilidade é a morte, e como esta inexiste, a decisão não adquire a força de coisa julgada. Assim, o processo pode prosseguir, salvo a ocorrência de outra causa de extinção, como a superveniente prescrição" (DELMANTO, 2000, p. 188).
Vale lembrar que a falsificação deste documento pode representar uma alternativa para o agente que pretende burlar a lei, o que gera insegurança jurídica e impunidade. Se o agente está vivo deve sim submeter-se a apuração da justiça, sendo inadmissível a utilização da própria lei para esquivar-se da punição estatal, provocando a sensação de descrença nas leis penais por parte da sociedade, bem como a sensação de impunidade. O direito penal não cumpriria seu papel preventivo para servir de exemplo para a sociedade.
Por estas razões concluo que a decisão que finda a ação penal não possui eficácia jurídica, e não faz coisa julgada em sentido estrito, cabendo reavivar a ação penal e julgar o agente conforme determina a lei processual brasileira.
Referências Bibliográficas:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. 292p
Código penal e sua interpretação jurisprudencial, volume 1, tomo 1: parte geral/ Alberto Silva Franco...let al.l , prefácio: Paulo José da Costa Jr. ? 6 . ed., ver. E ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
Jesus, Damásio Evangelista de, 1935- Direito Penal/ Damásio E. Jesus ? São Paulo: v. 1982.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 1246 p.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 1321 p.
Prado, Luiz Regis, Código Penal, Código penal anotado e legislação complementar/ Luiz Regis Prado, Cezar Roberto Bittencourt. ? São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200301900928&dt_publicacao=09/02/2004
Autor: Kellen Pavão
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