Conceitos de Constituição



OS DIFERENTES CONCEITOS DE CONSTITUIÇÃO ? BREVE ANÁLISE ACERCA DOS SISTEMAS SOCIAL, POLÍTICO E JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO

Helena Karoline MENDONÇA (1)
Sérgio Tibiriçá AMARAL (2)

(1) Discente do curso de Direito das "Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo" em Presidente Prudente/SP. Participante do Grupo de Iniciação Científica da referida Faculdade, sob orientação do Prof. Ms. Sérgio Tibiriçá Amaral.
(2) Docente e Coordenador do curso de Direito das Faculdades Integradas "Antônio Eufrásio de Toledo" em Presidente Prudente/SP - Brasil. Mestre em Direito Constitucional e Doutorando em Direito pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP - Brasil. E-mail: [email protected]. Fone: (55 18) 3901-4000.



Resumo: Não há como negar a absoluta importância de uma Constituição, uma Magna Carta estatal. Por essa razão, grandes cientistas jurídicos estudaram suas diferentes concepções e trouxeram determinados sistemas e modelos bem definidos, conforme a evolução científica e social de suas respectivas épocas. Este trabalho visa exatamente trazer à baila uma breve análise quanto a esses diferentes sistemas, que são basicamente três. Busca-se, também, em conclusão, mencionar o impasse doutrinário acerca da possibilidade de um sistema considerado ideal para se conceituar uma Constituição.

Palavras-chave: Conceito; Constituição; Sistemas;



1. SENTIDO SOCIOLÓGICO DE CONSTITUIÇÃO

No sentido sociológico, a Constituição representa o ser da realidade social. É a soma dos fatores reais de poder que regem uma nação. Não é aquilo que o homem escreve, posto que para esse mesmo homem, o texto positivo pode não passar de uma folha de papel. No entanto, se essa folha de papel corresponder fielmente com a realidade social, então se pode chamar de constituição, pois essa realidade é a verdadeira constituição.
Seu expoente é Ferdinand Lassale (séc. XIX). Interpretando a obra deste autor, Kildare Gonçalves Carvalho explicita que "na conferência pronunciada em abril de 1862, em Berlim, distingue entre Constituições reais e Constituições escritas. As primeiras residem nos fatores reais e efetivos de poder que vigoram na sociedade (estes fatores eram, na Prússia de seu tempo, a monarquia, com o Exército, a aristocracia, os grandes industriais, os banqueiros, e, também, a pequena burguesia e a classe operária, ou seja, o povo)" (2008, p. 51).
Ademais, cabe destacar que Lassale deixa claro que a Constituição escrita, a que dá o nome de folha de papel, é a que registra e incorpora aqueles fatores, que se convertem em fatores jurídicos. Quando a Constituição escrita não corresponder à Constituição real, estoura um conflito que não há como evitar e, nessas condições, ou será reformada, para se ajustar aos fatores reais de poder, ou a sociedade acaba por deslocar os pilares que sustentam a Constituição (LASSALLE, 1980).


2. SENTIDO POLÍTICO DE CONSTITUIÇÃO

Há também uma proposta política de Constituição. Em 1928, Carl Schmitt publicou uma grande obra, denominada Teoria da Constituição (traduzida para a língua espanhola). Afirmou que a Constituição deve trazer, em seu conteúdo, somente os elementos essenciais para a formação do Estado, e deve resultar da vontade política do povo, que decide acerca da sua própria organização, formação e vontade de existir. Defendia, portanto, o voluntarismo. É a vontade do povo, que decide acerca de seu próprio modo de existir, independentemente de fatores sociais, de modo que essa vontade do povo existe de maneira dissociada com os fatores reais de poder. É por isso que a proposta de Schmitt não pode ser confundida com a de Lassale.
Infelizmente, conforme explicita Carvalho, "Carl Schmitt desenvolveu uma Teoria da Constituição centrada em categorias nominalistas, como ordem total, ordem concreta, direito-situação, constituição-decisão, constituição e lei constitucional, amigo-inimigo, que acabaram por servir de pilares e suporte dogmático para a teoria do direito e do estado nacional socialista [nazista]" (2008, p. 53).
A Constituição, na proposta de Schmitt, é um conjunto de matérias, estejam ou não escritas nesse texto, mas que estão diretamente associadas à decisão política do povo. É a matéria que envolve a estrutura do Estado, a organização de seu poder e de seus órgãos e os direitos do povo, sendo que essas são as matérias essencialmente constitucionais (normas materialmente constitucionais).
Por outro lado, há matérias que podem estar previstas na Constituição, sem, contudo, ter a natureza das normas acima descritas. São as leis constitucionais, ou seja, matérias apenas formalmente constitucionais, ali dispostas para que se evite sua alteração pelas leis infraconstitucionais.
A Constituição, para ele, seria apenas a Constituição material, estejam ou não plasmadas no texto constitucional. A Constituição formal seria apenas uma lei constitucional.
Schmitt não se preocupou muito com a força normativa da Constituição, sendo esta uma previsão política. Por isso, dizia que havia normas constitucionais mesmo fora da Constituição.
O conceito de Schmitt foi essencial para se verificar a essência do poder constituinte.


3. SENTIDO JURÍDICO DE CONSTITUIÇÃO

Na proposta jurídica, trabalha-se com o conceito jurídico da Constituição, de modo que a Constituição é um conjunto de normas jurídicas, as quais são dotadas de fundamentalidade, posto que conferem o fundamento jurídico de validade de todas as demais normas. O grande expoente da concepção jurídica da Constituição foi Hans Kelsen, por intermédio de sua obra "Teoria Pura do Direito".
Demonstra Carvalho, que:

"Hans Kelsen concebe o Direito como estrutura normativa, cuja unidade se assenta numa norma fundamental, já que o fundamento de validade de qualquer norma jurídica é a validade de outra norma, ou seja, uma norma superior. Há uma estrutura hierárquica de diferentes graus do processo de criação do Direito, que desemboca numa norma fundamental, que, no sentido positivo é representada pela Constituição" (2008, p. 52).

Mas, além disso, Kelsen destaca vários significados de Constituição: 1. Constituição, no sentido material, compreende o conjunto de normas que regulam a criação dos preceitos jurídicos gerais e prescrevem o processo que deve ser seguido em sua elaboração; 2. Constituição, no sentido amplo, compreende as normas que estabelecem as relações dos súditos com o poder estatal; 3. Constituição, no sentido formal, consiste no conjunto de normas jurídicas que só podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, que têm por objetivo dificultar a modificação destas normas; 4. Constituição, em teoria política, refere-se às normas que regulam a criação e a competência dos órgãos legislativos, executivos e judiciários (KELSEN, 1990).
Hans Kelsen foi vítima do nazismo. Apesar de ser judeu e ter fugido da Áustria, sustentava que o sistema jurídico nazista era válido. Porque, para ele, o direito deve ser encarado como norma, como dever-ser normativo, dissociado de qualquer valor, ou seja, distante de seu próprio meio. Não ignorava valores como a justiça, a moral, a legitimidade, a democracia, mas afirmava que esses valores não interessavam à ciência jurídica, que era essencialmente uma ciência normativa. Foi a partir daí que surgiu o positivismo formalista, legalista, de norma pura, que determinava um dever-ser comportamental.
No entanto, afirmava que o direito não era somente uma norma, e sim uma pluralidade de normas, ou uma "constelação" de normas, razão pela qual criou a Teoria do Escalonamento Jurídico e, como consequência, sua famosa pirâmide normativa. No topo dessa pirâmide encontram-se as normas constitucionais, sendo estas o fundamento de validade de todas as outras normas jurídicas.
Kelsen negava a proximidade de valores com o direito, de modo que, para ele, o que importava era exatamente a posição formal da norma no sistema jurídico. Por isso, revelou-se como um formalista, e, assim, foi um grande defensor do positivismo formalista.
Para ele, as normas inferiores são válidas quando observarem seu sistema de elaboração, previsto na norma superior. Não há que se falar em inconstitucionalidade de conteúdo, para Kelsen, e sim em inconstitucionalidade de forma. Isso porque as normas jurídicas não abrem espaço para fundamentação axiológica, e somente para análise formal.


4. CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, pode-se concluir que há, essencialmente, três modelos básicos de Constituição.
O modelo sociológico foi trazido por Ferdinand Lassale e encara a Constituição como um conjunto de realidades sociais contemporâneos, dando muito mais importância ao direito real, do que "a uma folha de papel", ao direito positivado, posto que esse direito positivado, se não estiver em consonância com o direito real da sociedade, de nada valerá.
Já o modelo político, estudado por Carl Schmitt, prioriza que a Constituição deve trazer apenas conteúdos essenciais à formação do Estado, formada apenas por normas materialmente constitucionais. O doutrinador coloca sobre a positivação em textos constitucionais a vontade política do povo, considerando-a mais importante do que aquela.
Por fim, o modelo jurídico de Constituição, trazido por Kelsen, ensina que a Constituição é um conjunto de normas jurídicas dotadas de superioridade, as quais devem reger todo o ordenamento jurídico, como bem apregoa a tão conhecida pirâmide normativa de Kelsen.
Com base em todas essas concepções, a doutrina tem promovido grandes discussões acerca do caminho mais correto a se estabelecer no rumo do melhor conceito de Constituição.
No entanto, certo é que os conceitos não se exaurem nos conceitos acima explicitados, pois outras grandes concepções possuem importante relevância, como a de Miguel Reale (e sua teoria tridimensional do Direito). Assim, somente a união de tais concepções pode fazer com que cheguemos a um sistema, nas palavras de Canotilho, "ideal" de Constituição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVALHO, Kildare Gonçalves - Direito constitucional. 14. ed., rev. atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

LASSALE, Ferdinand ? Que é uma constituição? Trad. Walter Stonner. - Porto Alegre: Villa Martha, 1980.

KELSEN, Hans - Teoria geral do direito e do estado. Trad. Luís Carlos Borges. - São Paulo: Martins Fontes. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1990.




Autor: Helena Karoline Mendonça


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