Psicologia das massas nas redes sociais




RESUMO
De acordo com a psicologia social, em grupo os indivíduos perdem sua individualidade em nome da identificação com os outros membros do grupo e seus ideais, e para Freud em grupo os indivíduos regridem a uma condição primitiva da mente, pois passam a agir por instintos, dando vazão aos desejos até então reprimidos. O que dizer então de um grupo num ambiente virtual? Onde tudo parece possível... Uma investigação neste sentido se faz justificar para compreender como muitos dos conceitos originais do pensamento freudiano são atemporais e contribuem para o entendimento de questões atuais. Para tanto este trabalho propõem uma analise da psicologia de massas presente nas redes sociais como o "Orkut".

Palavras-chaves: psicologia social, ambiente virtual, redes sociais.

A escolha deste tema deve-se principalmente a necessidade de entender o fenômeno pelo qual passa a sociedade moderna nos últimos anos, que é a popularização dos contatos humanos em ambiente virtual. Esses relacionamentos crescem a cada ano e se dão preferencialmente através das redes sociais, sejam elas profissionais ou de entretenimento. De acordo com os últimos números publicados na imprensa, quase quatro em cada cinco brasileiros, com acesso a Internet entram no "Orkut" todo mês, a rede mais popular no Brasil, criada em 2006 e atualmente com 30,3 milhões de visitantes únicos. É a maior penetração em redes sociais no mundo. Outros números surpreendentes são os acessos à rede que chegam a uma média de 37 vezes por mês feita por usuários brasileiros que passam cerca de cinco horas conectados a rede por dia. Destes "internautas" brasileiros, 32,7% são jovens entre 25 e 34 anos e formam a primeira faixa etária no "Orkut". Chama atenção esse fenômeno, pois dentre tantas outras redes com objetivos mais específicos, voltados para estudantes, para carreira profissional, até mesmo para o próprio trabalho não tem tanta popularidade, embora cresçam a cada dia, quanto essa rede de relacionamento pura e simples. Será o brasileiro realmente mais sociável que outros povos? Será que a quantidade de acessos equipara-se a qualidade destes acessos? Será a necessidade de fazer amizade maior que a de contatos profissionais? Será a busca pela fama e pelo reconhecimento, sinal de nossos tempos? Muitas outras questões além destas são levantadas e respondidas por sociólogos, antropólogos, economistas, jornalistas, pesquisadores em comunicação, psicólogos sociais entre outros. Neste trabalho tentaremos entender o mistério das redes sociais pelas vias da psicanálise, com a contribuição especial das ideias de Freud, identificando a psicologia das massas nas redes e destacando as três visões de mundo presentes no ambiente virtual.
É importante, para iniciar, melhor definir o tema a ser explorado, que neste caso são as redes sociais. De acordo com uma definição simples retirada da enciclopédia livre Wikipédia, lê-se o seguinte conceito:
Uma rede social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Uma das características fundamentais na definição das redes é a sua abertura e porosidade, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes. (...) Muito embora um dos princípios da rede seja sua abertura e porosidade, por ser uma ligação social, a conexão fundamental entre as pessoas se dá através da identidade. (...) Um ponto em comum dentre os diversos tipos de rede social é o compartilhamento de informações, conhecimentos, interesses e esforços em busca de objetivos comuns. A intensificação da formação das redes sociais, nesse sentido, reflete um processo de fortalecimento da Sociedade Civil, em um contexto de maior participação democrática e mobilização social.
Portanto, uma rede social é um tipo de relacionamento entre pessoas com objetivo comum, fortalecido pela identidade entre os membros deste grupo social, formado e efetivado num ambiente virtual. Simplificando mais uma vez o conceito já teríamos bastante material para análise e relação à teoria freudiana, pois uma rede social é um agrupamento humano. E aqui faz necessário entender como Freud concebe um agrupamento humano. Ele se questionou a respeito deste assunto no texto de 1921, "A psicologia das massas e análise do eu" e procurou respostas nas ideias de Le Bon e McDougall entre outros para entender a formação de um grupo. A característica mais marcante de um grupo psicológico destacada por Le Bon é a transformação da mente individual em uma mente coletiva pois em grupo os indivíduos pensam, sentem, agem diferente de quando estão isolados, perdendo suas característica individuais e adquirindo novas características, deixando se levar muito mais pelas emoções do que pela razão. A sugestão e o contágio descritos por Le Bon seriam causas pelas quais um indivíduo se modifica num grupo, sendo o prestígio, o poder misterioso que um líder tem e aparecendo como fator de adesão neste grupo. Freud enxerga nessas novas características adquiridas pelos indivíduos em grupo como a manifestação do inconsciente e indaga sobre o elemento de união de um grupo que não é revelado por Le Bom, que poder misterioso teria um líder? Freud diz ainda que tudo que resta como peculiar no pensamento de Le Bon são as duas noções do inconsciente e da comparação com a vida mental dos povos primitivos. A citação de Le Bon abaixo revela o destaque de Freud dado a seu pensamento:
Além disso, pelo simples fato de fazer parte de um grupo organizado, um homem desce vários degraus na escada da civilização. Isolado, pode ser um indivíduo culto; numa multidão, é um bárbaro, ou seja, uma criatura que age pelo instinto. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo dos seres primitivos.

Na citação de Le Bon aparece a ideia de organização que Freud procura entender melhor na obra de McDougall, pois este distingue um grupo organizado de um grupo não organizado. McDougall descreve um grupo não organizado de maneira bem semelhante à de Le Bon, mostrando que tal grupo é excessivamente emocional, extremamente sugestionável, incapaz de qualquer forma que não seja a mais simples e imperfeita das formas de raciocínio, despido de senso de responsabilidade e apto a ser conduzido pela consciência de sua própria força. O que interessou Freud na obra de McDougall foram as características de um grupo organizado, que se atender a algumas condições como ter certo grau de continuidade de existência, interagir com outros grupos semelhantes, ter tradições e estrutura definida, expressa na especialização e diferenciação das funções de seus constituintes, o grupo pode amenizar as desvantagens psicológicas das formações de grupo não organizado. Para Freud, essas condições apontadas por McDougall tidas como fator de organização de grupo, na verdade são as formas de manter no individuo suas características individuais que se extinguiram pela formação de grupo.
Na obra "A psicologia das massas e análise do eu" Freud aproxima a psicologia individual da psicologia social, pois identifica sua teoria exposta no mito do pai primevo, descrito em "Totem e Tabu" de 1913/14, que explica os mecanismos de funcionamento da mente humana, dentro dos agrupamentos humanos, assim a expectativa de Freud era provar que são os laços libidinais que caracterizam um grupo. Desta forma é importante destacar que a identificação constitui a forma original de laço emocional com um objeto, no caso o líder que representaria o pai primevo da horda primeva. Nas palavras de Freud "Assim, o grupo nos aparece como uma revivescência da horda primeva. Do mesmo modo como o homem primitivo sobrevive potencialmente em cada indivíduo...".
Toda a explanação de Freud a respeito da formação de grupo é relacionada aos mesmos mecanismos de funcionamento da mente, como se tanto individualmente quanto em grupo o ser humano esteja sob os mesmos efeitos inconscientes, provocados pelo conflito eterno entre satisfação do ego, através da manifestação dos desejos e a necessidade de identificação e aceitação, reprimindo estes desejos que são condenados pelas regras morais de convivência social. Usaremos palavras do próprio Freud em "A psicologia das massas e análise do eu" para entender melhor a mente grupal:
(...) o definhamento da personalidade individual consciente, a focalização de pensamentos e sentimentos numa direção comum, a predominância do lado afetivo da mente e da vida psíquica inconsciente, a tendência à execução imediata das intenções tão logo ocorram: tudo isso corresponde a um estado de regressão a uma atividade mental primitiva, exatamente da espécie que estaríamos inclinados a atribuir à horda primeva.

Mais adiante Freud declara:
Ainda hoje os membros de um grupo permanecem na necessidade da ilusão de serem igual e justamente amados por seu líder; ele próprio, porém, não necessita amar ninguém mais, pode ser de uma natureza dominadora, absolutamente narcisista, autoconfiante e independente. Sabemos que o amor impõe um freio ao narcisismo, e seria possível demonstrar como, agindo dessa maneira, ele se tornou um fator de civilização.

Aqui cabe perguntar: como Freud analisaria a mente grupal formada numa rede social? Quem seria este líder de grupo que aparece como o fator de identificação e união? Será que o mundo virtual onde os indivíduos atuam nas redes pode ser considerado como um inconsciente coletivo? Para responder a esses questionamentos voltaremos à definição das redes sociais, como sendo ??estrutura social composta por pessoas (...) conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns (...) a conexão fundamental entre as pessoas se dá através da identidade??. Essa identidade é a chave da psicologia de grupo e pode-se associar o fenômeno das redes sociais, como o "Orkut", com a psicologia das massas, no sentido de que, em rede os indivíduos agem através dos sentimentos e emoções, a razão aparece apenas como ferramenta, para manusear uma tecnologia que proporcionará a este indivíduo, extravasar os desejos mais contidos; e encontrar neste ambiente, outros indivíduos que compactuam das mesmas necessidades e vontades, formando assim um grupo psicológico. O perfil que cada um constrói na rede representa a porta de entrada não só no mundo virtual, mas também o acesso ao inconsciente. Existem casos de perfis "falsos" em que podemos ver essa personalidade inconsciente ser levada ao extremo, ou seja, substituindo totalmente o individuo que existe no mundo real por um que na verdade ele desejaria ser, mas não o é, por ter que reprimir tais desejos, para ser aceito num mundo real cheio de normas e regras. No perfil o individuo se mostra de uma forma a atrair "amigos" e possíveis "parceiros amorosos", ele deseja se socializar na rede, para tanto deveria seguir as regras impostas pela socialização e é nesta hora que o individuo se realiza, pois não há regras. O individuo passa a viver num mundo paralelo em que tudo parece possível e em tempo real, considerado perfeitamente normal e aceito no mundo real em que ele habita. Citemos Freud aqui para comprovar essa ideia: ? Há sempre uma sensação de triunfo quando algo no ego coincide com o ideal do ego.? Veja uma outra descrição da Wikipédia sobre realidade virtual que apontam para esse mundo real e não real ao mesmo tempo:
Realidade Virtual, ou ambiente virtual, é uma tecnologia de interface avançada entre um usuário e um sistema computacional. O objetivo dessa tecnologia é recriar ao máximo a sensação de realidade para um indivíduo, levando-o a adotar essa interação como uma de suas realidades temporais. Para isso, essa interação é realizada em tempo real, com o uso de técnicas e de equipamentos computacionais que ajudem na ampliação do sentimento de presença do usuário. Além da compreensão da RV como simulação da realidade através da tecnologia, a RV também se estende a uma apreensão de um universo não real, um universo de ícones e símbolos, mas permeando em um processo de significação o espectador desse falso universo o fornece créditos de um universo real. Em suma, uma realidade ficcional, contudo através de relações intelectuais, a compreendemos como sendo muito próxima do universo real que conhecemos.

Portanto numa escala de evolução psicológica os indivíduos regridem quando estão em grupo por deixarem aflorar toda sua personalidade inconsciente voltando ao estado que Freud chamou de horda primeva. Aqui poderíamos destacar as três visões de mundo identificadas por Freud na conferência de 1932 sobre "A questão de uma Weltanschauung" pois em um ambiente virtual os indivíduos estão sob o efeito de sensações narcisistas descritas na fase animista, vive a questão do desamparo com uma intensidade talvez maior que no caso das religiões, como apresentada na fase religiosa e ainda tem a possibilidade de emancipação identificada na Weltanschauung cientifica à medida que reconhece a incerteza da qual faz parte mesmo em uma esfera virtual. Porém o que vemos nas redes sociais no ambiente virtual é a regressão a fases mais remotas da maturidade psicológica humana, pois os indivíduos se mostram extremamente narcisistas e talvez seja esta a ideia que assumiria a figura de liderança descrita por Freud como fator de união no grupo, no caso, na rede. A ideia predominante nas redes é a de "aparecer" de se colocar em evidência, de atrair a atenção, de estar fazendo parte de algo que seja popular. Poderíamos então destacar que não é uma pessoa, ou um perfil que encarna a figura do "pai primevo" na rede, mas a ideia de "evidencia", em rede a expectativa de popularidade não aparece somente como pertencimento a um grupo, mas ela coordenada todas as ações deste grupo, poderíamos dizer que não há distinção entre a causa e o efeito quando falamos em "evidencia", pois são os mesmos, quanto mais apareço mais estou em evidencia e mais, se "apareço, logo existo". Contradizendo até mesmo minhas palavras, nas redes sociais não é que não existam regras, mas a regra seria "aparecer", estar em rede, estando em rede estamos em grupo, ou seja, estamos na contramão da maturação psíquica. Mesmo num tempo e num ambiente considerado pós-moderno, mesmo estando cercados pelos benefícios da ciência e da tecnologia, não estamos suficientemente maduros mentalmente e vivemos numa "modernidade bloqueada".
É claro que aqui estamos considerando como maior exemplo o "Orkut", até mesmo o Twitter, por se tratar da rede mais popular no Brasil e por apresentar em maior grau as características estudadas nesta disciplina e descritas neste trabalho; um estudo mais amplo das redes sociais ficaria para um trabalho futuro.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund; Totem e tabu, Frankfurt, Fischer, 1999
_____; A psicologia das massas e a análise do eu, Frankfurt, Fischer, 1999
SERRANO, F; FREITAS, A. Orkut marca toda uma geração de jovens. A Gazeta, Vitória, 05 de outubro 2010. Conexão.AG.

WIKIPEDIA, Enciclopédia livre. Disponível em: . Acesso em: 10/10/2010




Autor: Pollyanna Paiva Santos Da Rocha


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