EMENDATIO LIBELLI E MUTATIO LIBELLI NAS AÇÕES PENAIS PRIVADAS



Primeiramente, é importante diferenciar a Ementatio Libelli da Mutatio Libelli. A primeira está consagrada no art. 383 do CPP que diz:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave.

Neste caso, é sabido que o réu no processo penal se defende não da tipificação do delito na peça acusatória, seja a Queixa, seja a denúncia. O réu se defende da descrição fática, assim sendo o juiz no momento em que vai julgá-lo poderá condenar o acusado em um tipo penal mais grave do que aquele que foi colocado pelo acusador, sendo que a defesa não poderá alegar surpresa uma vez que, como já foi dito, ela se defendia não da capitulação legal dada, mas dos eventos delituosos descritos na Queixa ou na Denúncia. Com outras palavras, o juiz atribui uma nova classificação jurídica ao fato descrito, sem acrescentar ao mesmo qualquer circunstância ou elemento que já não estivessem descritos na inicial, e portanto, que o réu já não tenha se defendido previamente. Assim, o que ocorre é apenas uma emenda à peça acusatória para lhe dar a classificação que julgar mais correta. Isso é consagrado pela jurisprudência dominante no ordenamento brasileiro:

"HABEAS CORPUS. 1 . O acusado defende-se dos fatos narrados na denúncia, e não de sua capitulação. Assim, é permitido ao Tribunal dar ao fato definição jurídica diversa daquela apontada na denúncia, ainda que, em conseqüência, tenha que aplicar pena mais grave (CPP, art. 383). 2. "Habeas Corpus" conhecido; pedido indeferido. (STJ. HC 10105/SP, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, 5ª Turma, julgado em 23/11/1999. DJ13/12/1999.

Na hipótese de Mutatio Libelli, ocorre uma alteração da narrativa acusatória, dela implica em uma nova prova que faz com que altere a narrativa dos eventos delituosos relatados na incial. Essa hipótese está consagrada pelo art. 384 do CPP, senão, vejamos:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente

Neste caso, o acusado se defendeu durante toda a instrução de um fato, que é alterado durante a instrução por um fato novo, portanto, sob pena de nulidade, não pode o juiz condená-lo em um novo tipo penal o qual ele não se defendeu ainda. Assim, conforme prevê o art. 384 CPP deverá o acusador aditar a peça acusatória, e abre-se vista para a defesa.
Feita essa distinções, passa-se agora ao estudo da Mutatio Libelli e Emendatio Libelli nas chamadas Ações Penais Privadas. Na Emendatio Libelli, quando a mesma ocorre em uma Ação Privada, e o magistrado sem alterar aquilo que foi descrito na Queixa-Crime, decide-se por condenar o sujeito em um crime, também de Ação Privada, mas diferente daquele que estava previsto inicialmente na peça acusatória da vítima, cabe ao juiz aplicar o disposto no art. 383 do Código de Processo Penal brasileiro, que o individuo poderá ser julgado em crime diverso daquele em que lhe é atribuído na Queixa, desde que a mesma não seja alterada, uma vez que, como já foi frisado anteriormente, o autor dos fatos se defende dos fatos que lhe são imputados, e não da capitulação legal que lhe foi atribuído. Além disso, ao meu ver, a Emendatio Libelli nada mais é do que uma faculdade do magistrado em alterar a capitulação do artigo em que o réu foi inicialmente acusado, e que o mesmo poderia fazer uso dessa faculdade sendo Denúncia, Queixa subsidiária ou mesmo a Queixa-Crime advinda de uma Ação Penal Privada exclusiva, já que o próprio artigo faz menção clara à possibilidade de se alterar a tipificação dada pela Queixa-Crime.
No entanto, o que ficou nebuloso no Código de Processo Penal brasileiro, é como se deve proceder em casos de Mutatio Libelli nas Ações Penais de natureza privada, já que no caso da Ementatio Libelli o artigo 383 CPP declara claramente que o que está disposto no mesmo cabe também para as Queixas-Crime. Mas no que diz respeito a Mutatio Libelli o artigo que a consagra que é o 384 do CPP não faz qualquer menção as Ações Penais Privadas. O que é totalmente plausível de acontecer, como por exemplo: suponha-se que exista uma Queixa-Crime conferindo o delito de injúria, na peça acusatória narra que o querelado chamou o querelante de ladrão. Mais tarde, fica evidenciado, ao longo da instrução criminal, que na verdade o autor dos fatos disse que a vítima havia "furtado seu celular", atribuição essa falsa uma vez que o aparelho nunca saiu de seu poder. Nesta hipótese não poderá o juiz condenar o querelado por calúnia, pois este estaria reconhecendo fato específico, fato este que o réu jamais se defendeu. Portanto configurando a hipótese da Mutatio Libelli , e não Emendatio Libelli, em uma ação penal privada.
A Lei 11.719/2008 que alterou as feições jurídicas dos institutos da Mutatio e Emendatio Libelli, quando se trata de Ação Penal Pública, é necessário que a denúncia feita pelo Ministério Pública sofra um aditamento, sendo irrelevante se a pena do novo crime é menor, maior ou igual a daquele que ele foi inicialmente denunciado. Contudo, o legislador não faz menção a Queixa-Crime, apenas à denúncia e Queixa-Crime subsidiária, uma vez que como expressamente diz o artigo em questão que "o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou Queixa, no prazo de 05 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública". Ante o exposto, conclui-se que não qualquer previsão legal para nortear a providência adequada em caso de se tratar de uma Ação Penal Privada exclusiva.
Assim, parte da doutrina considera que o art. 384 CPP é muito específico dando autorização apenas para que o Ministério Público realize o aditamento da denúncia ou Queixa- Crime subsidiária, e que destarte não há previsão legal para os crimes de Ação Privada exclusiva, até porque, explica essa parte da doutrina, essa possibilidade iria ferir os princípios basilares da Ação Penal Privada e da Queixa-Crime, quais sejam, os da disponibilidade e oportunidade, já que se não foi de iniciativa do querelante trazer ao judiciário todo o fato a fim de ser examinado, não seria tarefa do juiz fazê-lo.
Contudo, a parte da doutrina majoritária entende que é o caso de abrir o prazo de 05 (cinco) dias para que o querelante faça uso da mesma faculdade que é permitida ao Promotor de Justiça, isso porque, segundo a doutrina no Processo Penal é permitido que haja analogia, em outras palavras, para a maior parte da doutrina é autorizado, em analogia ao art. 384 CPP, que abra-se vista ao querelante para que o mesmo altere sua peça acusatória diante de fatos novos ocorridos ao longo da instrução criminal que alteraram a capitulação e os fatos narrados na Queixa. No entanto, essa hipótese só se verificará em caso de não ter ultrapassado o prazo decadencial, isto é, só será aberto o prazo para aditamento da Queixa-Crime em caso não ter passado o prazo de 6 meses da ciência do fato ou autoria, denominado de prazo decadencial.
Há também a possibilidade de o réu ter inicialmente acusado por um crime de Ação Penal Pública, e ao longo da instrução verifica-se que tratava-se na verdade de um crime de Ação Penal exclusiva, neste caso, o Ministério Público não terá legitimidade para propor a Ação Penal, diante disso, mais uma vez pelo uso da analogia aplica-se ao caso o art. 267 do CPC extinguindo o processo sem análise do mérito por falta de legitimidade das partes. Se tudo isso ocorrer dentro do prazo de 6 meses de conhecimento do fato ou da autoria, a vítima poderá propor uma nova Queixa-Crime, contudo, passado esse prazo, a querelante não poderá fazer nada uma vez que seu direito já terá decaído. Existe ainda, uma outra corrente doutrinária que afirma que a denúncia feita pelo Ministério Público será aproveitada pelo querelante, se tudo isso ocorrer dentro do prazo decadencial, uma vez que a denúncia apenas é uma narrativa dos fatos, e dessa forma privilegiando o princípio da economia processual, o que não nos parece a saída mais adequada sob o ponto de vista formal, e além disso, a narrativa dos fatos são para os fatos ocorridos que ensejavam uma ação penal pública, e não a privada.
Ante todo o exposto, caberá a Mutatio Libelli para a as ações penais privadas exclusivas, sendo a omissão do legislador um erro, já que pelo princípio da isonomia e analogia que embasam o processo penal, a Mutatio Libelli caberá à estas ações. Inclusive, pois, seria uma afronta ao direito da vítima uma vez que, tudo sendo feito dentro do prazo decadencial, é um direito da querelante, e sendo um fato novo desconhecido pela mesma, não teria como a mesma inserir em sua Queixa-Crime previamente, consagrando até o princípio processual penal da busca pela verdade real. Aplica-se isso também para aqueles casos em que um sujeito é denunciado pelo crime de ação penal pública, e por fatos, que eram desconhecidos, verifica-se que tratava-se de um crime de Ação Penal Privada.









REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de direito processual penal. 3. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2009. 954 p

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 12. ed. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. xl, 741p

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 1ª Ed. São Paulo: Editora Método, 2009. 1201 p.

Autor: Julia Ferraz


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