Citação por Hora Certa no Porcesso Penal: Celeridade anti-garantista



Vinícius Orleans Calmon de Passos Oliveira


RESUMO: O presente trabalho tem como precípuo escopo analisar a recente alteração no Código de Processo Penal pela lei 11.719/08, a qual trouxe para o mesmo a possibilidade de citação por hora certa, verificando ademais, se esse tipo de citação poderá ser admitido no processo penal, tendo em vista a justificação por muitos de que a mesma viola direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, estando assim inquinada por uma inconstitucionalidade material.


PALAVRAS-CHAVE: citação por hora certa; processo penal; contraditório; ampla defesa; direitos e garantias fundamentais.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DOS ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL. 2 A CITAÇÃO NO PROCESSO PENAL. 3 A CITAÇÃO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL. 4 A CITAÇÃO POR HORA CERTA NO PROCESSO PENAL: CELERIDADE ANTI-GARANTISA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO


Hodiernamente, a possibilidade da citação por hora certa no processo penal tem sido alvo de muitas análises e críticas por penalistas, pois alguns acreditam que essa espécie de citação na seara penal é eivada de inconstitucionalidade material por transgredir princípios fundamentais.
Importante dizer que a CF/88, Carta Suprema do nosso Estado Democrático de Direito, no seu art. 5º, inciso LIV, garante a todos o devido processo legal para que exista qualquer tipo de privação à liberdade ou bens dos indivíduos.
Tratando-se de cerceamento da liberdade ambulatorial, bem jurídico de relevada importância, o princípio do devido processo legal deve ser observado com muito mais atenção.
Corolário desse princípio, decorre o disposto no art.5º, inciso LV da CF/88, o qual assegura a todos em processos judiciais e administrativos o direito ao contraditório e a ampla defesa.
Esse direito, entretanto, só poderá ser exercido no processo de forma plena quando a parte acusada tiver ciência de que existe contra ela uma pretensão, o que ocorrerá, normalmente, através da citação. Por isso que essa é imprescindível para o perfazimento da relação jurídica processual.
Ademais, buscando dar celeridade ao processo e atender assim ao disposto no art.5º, inciso LXXVIII da Carta Magna, o legislador trouxe alterações no Código de Processo Penal, permitindo a existência de citação ficta nos casos em que supostamente o réu se oculta para não ser citado, correndo assim o processo sem a presença do mesmo, apenas com a nomeação e acompanhamento de um advogado dativo.
Ocorre que, a declaração de que o réu se oculta para não ser citado dá azo a algumas perfídias no processo, pois é muito fácil um oficial de justiça apenas fazê-la sem qualquer tipo de fundamentação, o que pode ser pernicioso para o processo, pois dá ensejo à violação de direitos e garantias fundamentais que alicerçam o Estado Democrático de Direito.
Por esses motivos alguns acreditam que a busca na seara penal por celeridade processual e duração razoável do processo, acaba por ferir frontalmente o princípio do contraditório e ampla defesa, que também é uma garantia fundamental, pois se o acusado porventura não for efetivamente citado, o que não se pode provar, não terá como exercer sua defesa em sua plenitude, ficando a mesma à mercê do defensor dativo e que a fará de uma forma genérica.
É cediço, todavia, que os direitos fundamentais não são absolutos, podendo existir casos em que alguns serão elididos em proveito de outros que sejam de maior importância para o nosso ordenamento jurídico.
Essa fundamentação, porém, para muitos não merece prosperar, pois o direito ao contraditório e ampla defesa, consectário de devido processual legal, jamais poderá ser suplantado pelos operadores do direito para oferecer ao processo uma celeridade maior.
Destarte, a dúvida que paira hodiernamente na seara jurídica penal é justamente essa: Em que medida a possibilidade de citação por hora certa no processo penal viola direitos e garantias fundamentais?
A parte majoritária dos doutrinadores acredita que a admissão da citação por hora certa no processo penal vai de encontro a princípios previstos no CF/88, os quais efetivamente são garantias fundamentais dos indivíduos, pois estão presentes no Título II da Carta Magna.
A explicação chave trazida por eles é que a citação por hora certa, por permitir que o processo siga à revelia do acusado que foi presumidamente citado, o que é um absurdo, apenas nomeando para o mesmo um advogado dativo, fere indubitavelmente o princípio da ampla defesa, pois o causídico, não tem um efetivo conhecimento dos fatos imputados e portanto não poderá exercer a defesa do acusado em sua plenitude.
Contudo, para responder esse pergunta da forma mais acertada possível, torna-se necessário o estudo aprofundado do instituto da citação por hora certa no processo penal, para verificar se realmente essa infringe garantias fundamentais, devendo assim ser ou não acoimada inconstitucional, o que será constatado no desenvolvimento do presente trabalho.


1 DOS ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL


Importante esclarecer, ab initio, que a efetividade do contraditório e ampla defesa no processo depende diretamente das condições que o acusado possui para tomar ciência dos atos realizados no mesmo.
Por esse motivo, sem sombra de dúvida, os atos de comunicação processual merecem um estudo minudente e aprofundado.
Inicialmente iremos tratar dos pressupostos e requisitos dos atos de comunicação.
A distinção de tais elementos, para Azevedo (2008), somente é percebida no momento da realização do ato jurídico. Assim, sendo certo que o ato de comunicação processual é um ato processual, e como todo ato processual é um ato jurídico, como tal, submete-se, guardadas as devidas proporções, à teoria geral dos atos jurídicos.
Nessa senda, o referido autor ensina que os pressupostos dos atos de comunicação, citação, intimação e notificação, são: a previsão legal do ato de comunicação e a relação jurídica processual em desenvolvimento. Por outro lado, os requisitos são: o Estado-Juiz, que é o emissor da mensagem; o receptor, que pode ser o réu, autor, perito, testemunha e etc.; o conteúdo da mensagem, ou melhor, o ato processual que foi ou que será realizado e por fim, o instrumento que será utilizado para realizar a comunicação, que pode ser por exemplo, o mandado, AR, carta precatória ou carta rogatória. (AZEVÊDO, 2008).
Desse modo, extraindo os conceitos da teoria geral dos atos jurídicos, depreende-se que os pressupostos são todos os elementos que devem anteceder à realização dos atos processuais e requisitos são os elementos que devem estar presentes no momento em que o ato processual está sendo concretizado.
Concordando com a complexidade do tema, pode-se destacar ainda como fundamentos dos atos de comunicação processual os princípios da publicidade; da ampla defesa; do devido processo legal; do contraditório e da motivação das decisões.
Além disso, esses atos podem se consubstanciar sob diferentes formas, as quais serão eleitas conforme sua finalidade.
Desse modo, prelecionam Nestor Távora e Rosmar Antonni que:

[...] os atos de comunicação poderão revestir o caráter de citação, intimação ou notificação. O Código de Processo Penal não é uniforme na indicação do nome de cada um desses atos. A definição deles é dada pela doutrina. (TÁVORA; ANTONNI, 2009, p. 563).

Por conseguinte, depreende-se que, mesmo pertencentes ao gênero "comunicação dos atos processuais", notificação, intimação e citação do acusado são institutos distintos, pois cada um possui suas características com diferentes finalidades e conseqüências.
Entretanto, pode-se dizer que esses institutos, possuem um escopo imediato em comum, que é transmitir uma mensagem com sucesso, dando publicidade de um evento que já aconteceu ou que irá acontecer, a uma determinada pessoa que seja parte no processo, para que, como sobredito, seja garantida a eficácia do direito fundamental do contraditório e ampla defesa.(AZEVÊDO, 2008.)
Pelo exposto, não se pode conceber, portanto, a comunicação dos atos processuais desvencilhada do contraditório, pois é esse o direito de ser informado de todos os atos realizados no processo, para querendo, contestá-los.
Ademais, ensina Bernardo Montalvão Varjão de Azevêdo que esses atos possuem, igualmente, uma finalidade mediata ou indireta que é:

[...] deixar registrado e certificado dentro dos autos do processo que tal mensagem foi transmitida, de maneira efetiva ou fictícia, ao destinatário previsto em lei, ou seja, a finalidade indireta do ato de comunicação é dar conhecimento às demais pessoas estranhas à relação processual da mensagem que se quis comunicar. (AZEVÊDO, 2008, p. 19).

Superada a fase demonstrativa dos fundamentos e importância dos atos de comunicação processual, iremos doravante analisar as formas como esses podem se manifestar.
Enquanto a citação tem o escopo de dar ao réu ciência de que contra ele existe determinada acusação, chamando o mesmo a se defender, a intimação é a comunicação à parte de que foi praticado algum ato já consumado no iter processual.
Por sua vez, a notificação serve para comunicar à parte ou a algum interessado, de uma decisão ou despacho que determina uma conduta positiva, ou negativa; ação ou omissão, sob pena de sanção.
Necessário explanar em suma, que a citação, como dito retro, tem supedâneo no princípio da ampla defesa. Além disso, é por ela que o réu, no processo penal, toma ciência dos termos da acusação, sendo chamado a respondê-la e a comparecer a todos os atos do processo, começando assim a exercitar o seu contraditório, dando efetividade à garantia constitucional da amplitude da defesa.
Entretanto, após breves comentários em derredor da citação, torna-se mister informar que esse instituto possui na seqüência do presente trabalho, espaço reservado para um estudo mais aprofundado, tendo em vista sua íntima conexão com o tema do mesmo.
Ademais, antes de adentrarmos na análise dos institutos da notificação e intimação, necessário frisar que a lei não estabelece com clareza nenhuma distinção importante entre os mesmos, embora se reporte a uns e outros como coisas deferentes. (DUCLERC, 2009).
Por esse motivo, apesar da omissão legislativa, alguns doutrinadores têm a preocupação de distinguir tais institutos.
A intimação é para Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] a ciência que se dá a alguém de um ato já praticado, já consumado, seja um despacho, seja uma sentença, ou como diz Pontes de Miranda, é a comunicação de ato já praticado. Assim, intima-se o réu de uma sentença (note-se que o réu está sendo cientificado de uma ao já consumado, já praticado, isto é, a sentença). (TOURINHO FILHO, 2009, p. 520).

Por conseguinte, depreende-se que a intimação serve para oferecer à parte conhecimento da prática dos atos processuais realizados, para que essa, eventualmente, sendo do seu interesse, recorra dos mesmos.
Destarte, pode-se dizer em síntese que a intimação sucede um fato processual já consumado, cuja ciência ao interessado se torna necessária para o fito de serem produzidos validamente seus efeitos legais, porquanto possibilita à parte exercer seu contraditório e ampla defesa.
A notificação, por seu turno, serve para informar a alguém de que, se praticar ou não certo ato no processo, fugindo da determinação judicial, estará sujeito a determinadas conseqüências, denominadas de sanções.
Nesse pensamento, prelecionam com maestria Nestor Távora e Rosmar Antonni que:

A notificação, distintamente, é a ciência que é dada ao interessado de seu dever ou de seu ônus de praticar um ato processual ou de adotar determinada conduta, pressupondo um fazer, um comportamento positivo, tal como ocorre com a comunicação de designação de ato processual a que deva a parte comparecer. (TÁVORA; ANTONNI, 2009, p. 571).

Desse modo, depreende-se que se porventura a parte notificada a praticar qualquer ato no processo, ou a se abster de determinada conduta, caso não o faça, estará sujeita, diferentemente da intimação, a uma sanção.
Além disso, analisando os institutos da notificação e intimação, necessário frisar que, como já dito que a lei não estabelece com clareza nenhuma distinção importante entre os mesmos, embora se reporte a uns e outros como coisas diferentes, apesar da preocupação doutrinária em traçar distinções entre os mesmos, não existe consenso entre esses acerca das diferenciações desses institutos.
Por derradeiro, traçadas as peculiaridades dos atos de comunicação processual, não se pode olvidar que, não obstante as distinções existentes, esses têm suma importância no processo, pois como dito supra, transmitindo com sucesso uma mensagem do processo, tornam possível o exercício da ampla defesa e contraditório consagrados como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988.


2 A CITAÇÃO NO PROCESSO PENAL


Basicamente, a citação é o ato processual pelo qual se leva ao conhecimento do acusado de que contra ele foi recebida uma denúncia ou queixa, possibilitando assim ao mesmo exercer seu contraditório.
Com acuidade, leciona Eugênio Pacelli de Oliveira que:

A citação é, portanto, modalidade de ato processual cujo objetivo é o chamamento do acusado ao processo, para fins de conhecimento da demanda instaurada e oportunidade de exercício, desde logo, da ampla defesa e das demais garantias individuais. (OLIVEIRA, 2009, p.537).

Com a devida sensatez, vale ainda ressaltar a lição de Aury Lopes Júnior sobre citação nos seguintes termos:

Trata-se de comunicação ao réu da existência de uma acusação, dando-lhe assim a informação que caracteriza o primeiro momento do contraditório. A partir dessa informação, cria-se a necessária condição da possibilidade para eficácia do direito de defesa pessoal e técnica. (LOPES JR, 2009, p. 10).

Por conseguinte, em conseqüência da ampla defesa e do contraditório assegurados constitucionalmente, é indispensável que os acusados sejam cientificados da existência de um processo contra eles.
Desse modo, a natureza jurídica da citação é de pressuposto processual de validez de instância, pois sem ela, não haverá validade na relação processual. Por esse motivo, o CPP no seu art. 564,III,e, ergue à categoria de nulidade a ausência de citação no processo. (AZEVÊDO, 2008).
Além disso, diferentemente do processo civil, onde a citação possui cinco efeitos, sendo três de natureza processual, que são: prevenção do juiz, litispendência e litigiosidade da coisa; e dois de natureza material: constituir em mora o devedor e interromper a prescrição, no processo penal, o efeito é apenas um: instauração da instância, pois com ela, o réu fica vinculado à instância, se sujeitando a todas as obrigações e conseqüências dela decorrentes, ficando ainda impedido de mudar se residência sem comunicar ao juiz processante seu novo endereço. (RANGEL, 2008).
Ultrapassado os conceitos, fundamentos, natureza jurídica e efeitos da citação, vale dizer que essa é determinada no processo por ato privativo do magistrado. Este ato, via de regra, é cumprido pelo oficial de justiça. Existem casos, entretanto, que a citação é cumprida por pessoa distinta, a exemplo da citação do militar, que apesar da ordem ser derivado do juiz, ela é executada por intermédio do chefe do respectivo serviço, como veremos posteriormente.
Além disso, as citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas por carta rogatória, por força do art. 369 do CPP, o qual será analisado no momento adequado.
Por esses motivos, a citação é para Duclrec (2008, p.472) "[...] ato complexo, no sentido já estudado, eis que depende de ordem do juiz, consubstanciada num mandado, que deve, contudo, ser cumprida por um oficial de justiça como regra."
Esse ato processual complexo, como sobredito, tem como principal intuito chamar o acusado no processo, para que o mesmo tenha conhecimento da demanda instaurada, e exercite, desde já, sua ampla defesa e demais garantias individuais.
Como o processo penal tem o fito de cercear a liberdade ambulatorial dos indivíduos, bem jurídico de relevada importância no nosso ordenamento jurídico e de especial proteção como dito alhures, essa pretensão punitiva do estado deve impor maior cautela no tratamento da citação, a qual, via de regra, deverá ser feita na medida do possível de forma pessoal, através do mandado de citação.
Uma vez citado pessoalmente, através da citação real, o réu fica vinculado à instância, com responsabilidade para todos os ônus daí decorrentes. Assim, se validamente citado deixar de comparecer a juízo, o processo correrá à sua revelia, nos moldes do art. 367 do CPP.
Por conseguinte, caso ocorra a decretação de revelia, o réu não mais será intimado ou notificado para qualquer ato no processo, operando assim apenas os efeitos processuais da revelia, e nunca o material, que seria a reputação de verdadeiros os fatos afirmados pelo autos, por conta da preponderância do princípio da presunção de inocência previsto no art.5º, inciso LVII da CF/88 e no art. 8, §2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Ocorre que, se for citado por edital, por força do art. 366 do CPC, caso não compareça, nem constitua advogado nos autos, o processo e o prazo prescricional serão suspensos.
Entretanto, quando o réu for citado por hora certa, mesmo sendo essa uma espécies de citação ficta como restará futuramente demonstrado, em decorrência das inovações legislativas que serão analisadas oportunamente, caso esse não compareça e não apresente resposta à acusação, o processo também correrá à sua revelia, apenas lhe sendo nomeado defensor dativo.
Destarte, pode-se afirmar que somente com a citação válida se perfaz a relação processual, pois, enquanto não citado validamente, o réu não ficará sujeito àquela série de deveres e ônus processuais.
Além disso, como já mencionado, as citações podem ser divididas em duas espécies basicamente, as reais e as fictas.
A citação real constitui a regra no processo e é feita na própria pessoa do acusado, dando a ele conhecimento do fato de seu chamamento através de mandado, carta precatória, rogatório, de ordem, ou mediante requisição.
Já a citação ficta, deverá sempre ter caráter excepcional, sendo admitida apenas nas hipóteses previstas em lei, como veremos a seguir, e se consubstanciando hodiernamente no processo penal pela citação por edital ou por hora certa.
Importante destacar que a lei 11.419, de dezembro de 2006, no seu art. 1º, §1º a informatização do processo judicial, aplicável também à jurisdição penal.
Diz ainda e mencionada lei que o envio de atos processuais em geral podem ser feitos por meio eletrônico, os quais serão admitidos apenas com o uso de assinatura eletrônica, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciária.
Como se percebe nada impedirá a utilização de meios eletrônicos para a realização de quaisquer atos processuais, incluindo as citação, desde que regularmente cadastrados os interessados.
Doravante, superada a salutar observação traçada, iremos tratar efetivamente das espécies de citação.
Como dito supra, a citação real, pelo disposto no art. 351 do CPP, via de regra é feita através de mandado.
Neste caso, ela é realizada por oficial de justiça dentro da jurisdição do juiz que determinou a expedição da ordem.
Para alguns autores o mandado de citação é revestido de requisitos intrínsecos e extrínsecos.
Em suma, pode-se dizer que os requisitos intrínsecos são aqueles que compõem a forma e o conteúdo do mandado, a exemplo do nome do juiz; o nome do réu e o fim para que é feita a citação, como exige o art. 352 do CPP; Extrínsecos são os que se encontram fora do mandado de citação, como por exemplo, a leitura do mandado pelo oficial de justiça para o acusado, como determina o art. 357 do CPP. (TOURINHO FILHO, 2009).
A citação por carta precatória tem sua vez quando o réu estiver fora da jurisdição do Juiz processante.
A precatória normalmente é expedida em forma de carta, daí se extrai a denominação carta precatória.
Deverá a mesma, conter os requisitos previstos no art. 354 do CPP que são: O juiz deprecado e o juiz deprecante; a sede da jurisdição de um e de outro; o fim para que é feita a citação e o juízo do lugar, o dia e a hora em que o réu deverá comparecer.
Expedido então o mandado de citação, este deverá ser entregue ao oficial de justiça para o seu devido cumprimento, o qual, uma vez realizado, a carta precatória deverá ser devolvida ao juiz deprecante.
Eventualmente pode ocorrer, durante o cumprimento da precatória, a constatação de que o acusado não se encontra naquela comarca, mas sim em outra, sujeita a jurisdição diversa.
Nesse caso, deverá o juiz deprecado remeter a carta ao juiz da comarca onde aquele se encontra para o cumprimento da diligência. Nesses casos, a carta precatória é denominada de itinerante.
Já a citação por carta rogatória se dá nos moldes do art. 368 do CPP, quando o acusado localiza-se no estrangeiro e em lugar não sabido, suspendendo assim o prazo prescricional até o seu cumprimento.
O pedido dessa modalidade de citação deve ser encaminhado pelo juiz ou tribunal ao Ministro da Justiça, para conseqüente envio, por vias diplomáticas às autoridades estrangeiras competentes. (OLIVEIRA, 2009).
É de grande relevo acrescentar que a lei 11.900/09 criou o art. 222-A no CPP para restringir a expedição das cartas precatórias, pois essas a partir de então, só serão expedidas quando demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, e arcando a parte requerente com os custos do envio.
Ademais, a mencionada lei estendeu a aplicação do art. 222, §§1º e 2º do CPP às citações por rogatória. Sendo assim, a expedição de carta rogatória não suspenderá a instrução criminal e findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a rogatória, uma vez devolvida, será juntada aos autos.
Por seu turno, a citação por meio de carta de ordem, consoante ensinamento de Eugênio Pacelli de Oliveria, deve ser compreendida como:

[...] a determinação, por parte do tribunal, superior ou não, de cumprimento de ato ou diligência processual a serem realizadas por órgãos de jurisdição de instância inferior, no curso de procedimento da competência originária daqueles. (OLIVEIRA, 2009, p. 544).

Isso vai ocorrer quando o citando não residir no local da sede da jurisdição do tribunal.
Por fim, a citação real feita mediante requisição, nos parâmetros do art. 358 do CPP, ocorrerá quando o citado for militar, e será realizada por intermédio do chefe do respectivo serviço.
Segundo Tourinho Filho (2009), esse tipo de citação foi criado tendo em vista as necessidades do serviço e da disciplina militar, e não como privilégio, aplicando-se assim somente a militares na ativa.
Nesse caso, cumprirá ao juiz processante expedir um ofício requisitório ao chefe do serviço onde se encontra o militar, o qual deverá conter todos os requisitos do mandado, para que assim seja feita a citação do acusado.
Doravante, iremos analisar as chamadas citações fictas.
Como dito algures, as citações fictas tem caráter excepcional e podem se manifestar através da citação por edital ou por hora certa.
A "citatio edictalis" tem como principal objetivo impedir que a ação penal fique sobrestada quando o acusado não for encontrado nos endereços disponíveis, e somente deve ocorrer segundo TÁVORA e ANTONNI (2009, p.567) "[...] em situações excepcionais, decorrentes da impossibilidade de encontrar o réu, a exemplo do que se dá com a mudança de residência."
Basicamente são quatro as situações em que se permite a citação por edital: Se o réu não for encontrado; quando inacessível, em virtude de epidemia, de guerra ou por outro motivo de força maior, o lugar em que estiver o réu; quando incerta a pessoa que tiver de ser citada, pois os dados que o promotor possui são insuficientes para identificá-la, como preceitua o art. 41 do CPP ou se o citando encontrar-se no estrangeiro, em lugar não sabido, pouco importando a natureza da infração penal.
Pertinente à segunda hipótese é importante dizer que, inobstante a lei 11.719/08 ter dado outra redação ao art.363 do CPP e silenciado assim quanto a essa possibilidade de citação por edital nesses casos, o mesmo continua eficaz, mesmo porque, nessa situação, o réu ficará impossibilitado de ser encontrado.
Por conseguinte, pode-se dizer em suma que, sempre que for certificada a impossibilidade de citação pessoal do réu, deverá o juiz determinar a sua citação editalícia com prazo de 15 (quinze) dias. Essa, assim como todas as outras, será para a apresentação de defesa escrita no prazo de 10 dias, contados a partir de término do prazo editalício.
Ocorre que, se porventura o que for citado por edital não apresentar e defesa escrita, nem constituir nos autos causídico, o processo e o prazo prescricional ficarão suspensos, entretanto, sem prejuízo de produção de provas urgentes e eventual decretação da prisão preventiva.
Desse modo, a presunção de que o réu, com a citação editalícia, está ciente da acusação a ele imputada, foi elidida pelo próprio Código de Processo Penal. (TÁVORA; ANTONNI, 2009).
Além disso, a suspensão do prazo prescricional é criticada por alguns autores a exemplo de Fernando da Costa Tourinho Filho, que preleciona o seguinte:

A nós sempre nos pareceu um absurdo a suspensão do prazo prescricional, mesmo porque a lei penal não é infensa às injúrias do tempo. Na verdade, decorridos alguns anos, a sociedade não mais terá interesse na repressão. Melhor andaria o legislador se fixasse, nessas hipóteses, o prazo prescricional em dobro. Faria mais sentido. (TOURINHO FILHO, 2009, p. 519).

Por fim, como já mencionado, tem-se, outrossim, como manifestação da citação ficta, a polêmica citação por hora certa, introduzida recentemente na seara penal pela lei 11.719/08 no art. 362 do CPP.
Em síntese, essa espécie de citação ocorrerá quando o Oficial de Justiça certificar, pelo motivo que seja que o réu está voluntariamente se ocultando para não ser citado.
Vale dizer que nessa modalidade de citação, caso o réu não compareça ao juízo, ser-lhe-á nomeado advogado dativo, correndo assim o processo à sua revelia.
A partir daí já se percebe que o legislador, ao permitir esse tipo de citação no processo penal, quis valorizar a celeridade processual, olvidando, entretanto, de outros direitos e garantias fundamentais, como restará provado.
Destarte, como a citação por hora certa é objeto do presente trabalho, merecendo assim maior atenção, a mesma será abordada de forma minuciosa ulteriormente.


3 A CITAÇÃO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL


Por conta do enunciado do Título II da CF/88, diversos doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais.
Para Silva (2006, p. 412) "[...] os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos [...]".
Sendo assim, os direitos podem ser entendidos como peças principais e as garantias como acessórias.
Com maestria, Paulo Rangel leciona o que segue:

A citação é direito e garantia fundamental do indivíduo, conforme consagrado na Constituição Federal e inerente ao postulado do devido processo legal (cf. art. 5º, LIV c/c LV), pois não poderá haver processo judicial válido, privando o indivíduo de sua liberdade de locomoção, sem que lhe dê o direito de defesa a de contraditar a acusação. ( RANGEL, 2008, p. 750, grifo nosso).

Assim, com a proclamação pela Constituição Federal de 1988 no seu art.5º, inciso LV que aos litigantes e acusados em processo judicial ou administrativo são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, pode-se afirmar a partir daí que a citação foi erigida à categoria de garantia fundamental, pois como já dito, a mesma serve para dar ciência ao réu, de que, contra ele existe uma pretensão punitiva do estado, possibilitando assim exercer seu direito fundamental do contraditório da forma mais ampla possível.
Segundo Carvalho (1998) o contraditório e ampla defesa concluem uma mesma garantia processual, pois não deve existir ampla defesa sem contraditório e vice-versa.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que por força do art. 5º, §2º da CF/88 tem status de emenda constitucional, também prevê no seu bojo a mesma garantia fundamental ao acusado.
Nessa compreensão, Alexandre de Moraes ensina de modo genérico que:

Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer ao processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório, é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. (MORAES, 2003, p. 124).

Desse modo, percebe-se que toda e qualquer acusação deve conter a da forma mais específica possível a tipificação estrita que coaduna a conduta à norma, não podendo assim, ser tão aberta, ao ponto de cercear o direito de defesa do acusado.
Com efeito, como exaustivamente esclarecido supra que a citação é o ato pelo qual se leva ao conhecimento do réu que contra ele foi instaurada uma ação penal, é claro que, se essa não existisse, estaria sendo retirado do acusado a garantia constitucional do contraditório e ampla defesa.
Pela leitura do art. 564, III, e do CPP, percebe-se a relevada importância da citação no processo penal, pois caso essa não exista no mesmo, esse estará eivado com uma nulidade insanável, a qual poderá ser argüida pelo réu mesmo após o trânsito em julgado da ação.
Vejamos então que nessa vereda garantista caminha o entendimento dos Tribunais Superiores, in verbis:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. AUDIÊNCIA PARA PROPOSITURA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. NECESSIDADE DE CITAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A falta de citação é causa de nulidade absoluta porque viola os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Por sua vez, a suspensão condicional do processo é ato que depende do prévio recebimento da denúncia e exige a intimação do réu para a audiência de proposição.

2. Apesar da exigência de intimação para a concessão do benefício previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, in casu, faz-se necessária a citação do réu para audiência em que se proporá a suspensão condicional do processo, em razão de sua ausência no feito, a fim de se evitar futura alegação de cerceamento de defesa por parte do réu e, em consequência, a nulidade do feito.

3. Recurso especial provido para determinar a citação do réu. (REsp 904649- RS; Rel: Min. Arnaldo Esteves Lima; STJ; DJ: 06/04/2009).

Entretanto, se a citação não existiu, ou estava inquinada de vício, suprida estará a falta de chamamento ao juízo, caso o réu, espontaneamente, compareça ao processo antes do ato se consumar, mesmo que seja para alegar a ausência, ou irregularidade da citação, pois o fim da mesma estaria alcançado. (AZEVEDO, 2008).

Nesse pensamento também marcha a jurisprudência dos Tribunais nestes termos:

EMENTA: DIREITO PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. IRREGULARIDADE. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. VÍCIO SANADO. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. INVALIDADE DO PROCESSO. APROVEITAMENTO DOS ATOS INSTRUTÓRIOS. POSSIBILIDADE.

I - Eventual irregularidade na citação editalícia é sanada pelo comparecimento espontâneo do réu ao processo, incidindo o princípio "pas de nullité sans grief", consagrado pelo art. 563, do Código de Processo Penal.

II - Em que pese ao Enunciado nº 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, que estabelece que "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu", entendimento esse corroborado, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça, a ausência do interrogatório acarreta indiscutível prejuízo ao exercício de defesa do réu, dado o seu caráter indispensável, sendo certo que a não realização do referido ato importa violação direta à garantia constitucional da ampla defesa, consectária do princípio maior do devido processo legal, além de configurar verdadeiro cerceamento de defesa, impondo-se a invalidação do processo, sem, contudo, fulminar a instrução já realizada.

III - Recurso provido, para anular a sentença, devendo os autos retornar à vara de origem para realização do ato de interrogatório, sem prejuízo dos demais atos instrutórios, que deverão permanecer incólumes, cabendo, se for o caso, a abertura de novo prazo para alegações finais às partes. (ACR 4402-RJ; Rel: Des. Federal André Fontes; TRF 2ª Região; DJU: 18/11/2008).

Pelo quanto exposto, como a citação é o instrumento propedêutico que possibilita ao acusado o exercício do direito fundamental do contraditório e ampla defesa, essa deve ser vista como garantia fundamental, uma vez que, sendo a mesma imprescindível para o perfazimento da relação jurídica processual, se ausente no processo, esse será reputado absolutamente nulo, conforme explanado supra.


4 A CITAÇÃO POR HORA CERTA NO PROCESSO PENAL: CELERIDADE ANTI-GARANTISTA


Contemplado de forma sintética e mais abrangente possível o instituto da citação, torna-se mister tecer comentários aprofundados sobre a citação por hora certa no processo penal, uma vez que essa é alvo de presente trabalho.
Como dito supra, a citação por hora certa no processo penal foi acrescentada no art.362, caput e Parágrafo único do CPP, pela lei 11.719/08 que dispõe:

"Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973- Código de Processo Civil.

Parágrafo único. Completada a citação por hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo."

Como se vê, a citação por hora certa deve obedecer precisamente os ditames dos artigos 227 a 229 do CPC, para não haver no processo qualquer alegação de nulidade, pois a forma também deve ser vista como garantia.
Desse modo, somente poderá o Oficial de Justiça realizar a citação por hora certa se, além da necessária suspeita de ocultação, tiver o mesmo comparecido ao domicílio ou residência do réu por mais de três vezes, e não o tenha encontrado.
Diante disso, intimará a qualquer pessoa da família deste, ou, na falta deste, qualquer vizinho, de que voltará no dia e hora designados, para citá-los.
Assim, como dito acima que forma é garantia, o processo poderá ser anulado, caso o Oficial de Justiça não cumpra com precisão o que foi por ele designado.
Além disso, não se pode esquecer que o interrogatório do acusado, com os novos ritos procedimentais trazidos também pela lei 11.719/08, não é mais o primeiro ato de instrução. Com isso, o acusado não deverá ser citado para comparecer à sede do Juízo, mas para apresentar resposta à acusação no prazo de 10 dias.
Por conseguinte, a citação por hora certa deve ser para o réu apresentar defesa prévia e não comparecer em juízo, como relata o parágrafo único do art.362 do CPP, devendo assim, somente na ausência de defesa ser nomeado advogado dativo. (OLIVEIRA, 2009).
Se não bastasse, essa inovação legislativa causou grande celeuma na seara jurídica penalista, pois o legiferante acreditou que possibilitando a citação por hora certa no processo penal, estaria atendendo ao princípio da celeridade processual previsto no art 5º, inciso LXXVIII da CF/88, o qual garante a todos no âmbito judicial e administrativo a duração razoável do processo, e os meios que possibilitem a celeridade de sua tramitação, esquecendo que a mesma pode acabar por ferir um direito fundamental do indivíduo, que é o do contraditório e a ampla defesa, previsto no art.5º, inciso LV da CF/88.

Por ampla defesa, Ivan Luís Marques da Silva preleciona o que segue:

O princípio da ampla defesa somente é respeitado de forma ampla com a presença, no decorrer da ação penal, da defesa técnica e da autodefesa. Faltando uma dessas modalidades, mitigado estará o princípio e, por razões lógicas, eivada a ação penal de vício passível de anulação futura. Foi justamente para evitar este problema que a redação do art. 366 do CPP foi alterada pela Lei 9.271/1996, para evitar que o acusado fosse processado sem ter ciência disso. Vem agora o novo art. 362, com a citação por hora certa, desequilibrar, novamente, a relação processual e desrespeitar direito individual constitucional do acusado. (MARQUES DA SILVA, 2008, p. 3, grifo do autor).

Assim, de forma prudente, Christiany Pegorari Conte ensina que:

Parece-nos, contudo, inconstitucional a previsão do art. 362 do CPP, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ampla defesa abarca a defesa técnica e a autodefesa, ficando esta última prejudicada em face da continuidade do processo, cujo procedimento citatório fora por hora certa. (CONTE, 2009, grifo nosso).

A partir dessa lição, pode-se inferir que, permitir que o processo tramite à revelia do acusado, apenas nomeando para o mesmo defensor dativo, fere de forma incontestável o princípio constitucional em comento, ampla defesa e contraditório, pois além de ficar prejudicada a auto defesa no processo, a defesa técnica confeccionada pelo defensor nomeado, será inevitavelmente da forma mais genérica possível, pois o causídico, não tem um efetivo conhecimento dos fatos que acusam a réu
Ademais, prudente ressaltar que, mesmo sabendo que os direitos fundamentais são relativos, os mesmos só poderão ser elididos quando cotejados com outros, esses forem de igual ou superior magnitude para o nosso ordenamento jurídico, aplicando assim o princípio da proporcionalidade ou ponderação, onde o magistrado irá decidir da forma mais razoável possível.
Ocorre que, a garantia da celeridade processual jamais poderá ser atingida, se para isso for necessário suplantar direitos e garantias fundamentais de suma importância para o Estado Democrático de Direito, a exemplo da ampla defesa e contraditório, que dão concretude ao devido processo legal.
Desse modo, como a citação por hora certa deixa ao alvedrio do Oficial de Justiça, certificar que o réu se oculta para não ser citado, essa se torna uma forma extremamente perigosa de comunicação ao réu de uma acusação, pois em alguns casos, pode o referido servidor estar equivocado, trazendo grandes prejuízos para o acusado.
Assim, esse tipo de citação traz a possibilidade de haver um processo sem o conhecimento pelo réu da acusação que lhe é imputada, nomeando apenas para o mesmo defensor dativo, com base em critérios subjetivos do Oficial de Justiça de que o réu tem ciência da acusação, pois o mesmo poderá adotar manobras fraudulentas com o fito de prejudicar o réu.
Nesse pensamento, ensina Aury Lopes Jr. que:

É uma imensa responsabilidade que se deposita nas mãos de um Oficial de Justiça e que deve ser estritamente controlada pelo juiz, eis que se presta a todo tipo de manobra fraudulenta ou mesmo para prejudicar o réu. Deverá ter o Juiz extrema cautela em aceitar uma certidão com esse conteúdo, sendo aconselhável a repetição do ato e, se houver alguma suspeita sobre a veracidade do conteúdo, substituir o servidor. Não sem razão, a Jurisprudência construída em torna da citação por hora certa no processo civil aponta para a relativização da fé pública do Oficial de Justiça, na medida em que cede diante de prova em contrário. Com muito mais razão no processo penal, diante dos valores em jogo. (LOPES JR. 2009, p. 17).

Diante disso, é imprescindível analisar o instituto em tela com a realidade vigorante no nosso ordenamento jurídico, onde apenas ingênuos aplicadores do direito não vislumbrarão a possibilidade do Oficial de Justiça, agindo de forma fraudulenta, certificar, através de uma perseguição pelo motivo que seja, de que determinada pessoa se oculta para não ser citada, correndo assim o processo à sua revelia.
Nesse diapasão, Conte (2009) ensina que existirá no processo dificuldades para aferição sobre a real vontade de ocultação do réu, e suspeitas em torno de quem verificará esta ocultação.
Desse modo, quando realizada a citação por hora certa e o réu não apresente resposta escrita nem constitua advogado nos autos, não deve o Juiz simplesmente nomear defensor dativo, pois essa situação, no mínimo limitará o contraditório e ampla defesa do acusado, tendo em vista que o defensor nomeado, comparado com o acusado, terá um conhecimento superficial dos fatos para defender o mesmo, e como já explicado, poderá ainda violar frontalmente os referidos direitos fundamentais, pois efetivamente o réu poderá não estar ciente da acusação.
Por conseguinte, o mais prudente nesse caso, mesmo o Juiz adotando as medidas cautelares supra transcritas, seria o mesmo determinar a citação por edital, e persistindo a inatividade processual do imputado, determinar a suspensão do processo e da prescrição, nos moldes do art. 366 do CPP.
Vale destacar que como a citação por hora certa é uma espécie de citação ficta, permitindo que o processo tramite à revelia do acusado, o legislador e os aplicadores do direito estarão dando um contorno à citação ficta semelhante ao da citação real, o que não pode acontecer, pois são institutos distintos, devendo assim ter um tratamento diferenciado de acordo com suas peculiaridades.
Essa modalidade de citação, somente poderá ter vez quando os direitos envolvidos numa prestação jurisdicional foram disponíveis, o que não ocorre no processo penal.
Destarte, pode-se dizer em suma que o novo art.362 do CPP por afrontar a CF/88 no seu art.5º, incisos LIV e LV, bem como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos no art. 8º, 2, b, a qual tem status de emenda constitucional, é flagrantemente inconstitucional no aspecto material, pois existe patente transgressão às garantias do contraditório e ampla defesa, ferindo assim, inexoravelmente, o princípio do devido processo legal. (VIEIRA SEGUNDO, 2009).
Por questões didáticas, cumpre esclarecer que, de acordo com lições de SILVA (2006), a inconstitucionalidade material ocorre quando o conteúdo da lei decretada contraria preceito ou princípio da Constituição.
Entretanto, enquanto o referido dispositivo não é objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, através do controle concentrado de constitucionalidade previsto no art. 103 da CF/88, para assim ser declarada sua inconstitucionalidade material, o mesmo deve ser debelado pelo controle difuso, devendo as partes suscitar sua ofensa à CF/88 para assim o magistrado declarar, caso a caso, a sua inconstitucionalidade.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Os atos de comunicação processual são imprescindíveis para que a parte possa exercer seu contraditório e ampla defesa, consagrados pela Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais.
A citação, espécie de ato de comunicação processual, tem, por sua vez, destacada importância para o processo, tendo em vista que, somente com a realização válida da mesma, o processo terá completado sua formação, pois irá se perfazer a relação triangular, levando ao conhecimento do acusado de que contra ele existe uma demanda, a qual no processo penal é conhecida como pretensão punitiva.
Assim, percebe-se que, tendo a citação suma importância para o processo, principalmente no processo penal, onde está em jogo a liberdade ambulatorial do indivíduo, direito indisponível da pessoa humana, essa reclama muito mais lisura na sua realização, para não acabar ferindo direitos fundamentais do acusado, eivando assim o processo de nulidade.
A partir do mês de agosto do ano de 2008 foi introduzida no processo penal brasileiro a citação por hora certa, que terá sua vez basicamente quando o Oficial de Justiça certificar que o réu se ocultar para não ser citado.
Ocorre que, essa espécie de citação, como já explicado, ao permitir que o processo siga à revelia do acusado, nomeando apenas um defensor dativo para o mesmo, fere direitos fundamentais, uma vez que o patrocínio da causa por um causídico desconhecido irá prejudicar fatalmente a ampla defesa e o contraditório do réu, pois esse possui apenas um conhecimento formal dos fatos.
Além disso, pode ocorrer que o réu efetivamente não tenha sido citado, pois o Oficial de Justiça, pelo motivo que seja, pode ter se enganado sobre a suposta ocultação do mesmo para se evadir da citação.
Assim, será muito cômodo para um Oficial de Justiça indolente alegar que o réu se oculta para não ser citado e realizar a citação por hora certa ao invés de tentar efetivamente encontrá-lo. Entretanto, essa ampla concentração de poderes nas mãos de um servidor público não deve ocorrer, pelo menos no processo penal, pois a liberdade ambulatorial de um indivíduo não pode estar à mercê da sua boa vontade e reputação incorruptível do Oficial, devendo assim, em um Estado Democrático de Direito, para que o processo siga sem a presença do acusado, ser realizada somente a citação pessoal do mesmo.
Dessa forma, como a citação por hora certa, mesmo sendo uma espécie de citação ficta, não impede que o processo tramite à revelia do réu, essa, no processo penal é considerada por muitos eivada de inconstitucionalidade material, pois afronta direitos fundamentais como a ampla defesa e o contraditório, ferindo igualmente, de forma inexorável, o devido processo legal, o que não pode ocorrer quando está em jogo a liberdade de ir e vir da pessoa humana.
Em razão disso, diante do aprofundado estudo da citação por hora certa no processo penal, não se vislumbra outra opção, a não ser concordar com a apontada inconstitucionalidade material desse instituto.
Dessa forma, como já dito, enquanto a referida inconstitucionalidade não é declarada pelo Supremo Tribunal Federal, através do controle concentrado de constitucionalidade previsto no art. 103 da CF/88, essa deve ser vencida por meio do controle difuso, onde o prejudicado irá suscitar a ofensa desse instituto aos direitos fundamentais comentados, para assim o juiz declarar seu descompasso constitucional, anulando assim o processo em que tenha existido esse tipo de citação.
Ademais, por mais absurdo que pareça, o próprio Ministério Público, mesmo atuando como acusador, não deve permitir que seja realizada esse tipo de citação nas denúncias propostas, pois antes de tudo, o parquet, por determinação constitucional, é fiscal da lei.
Por fim, considerando a patente inconstitucionalidade material da citação por hora certa no processo penal, entende-se que esse instituto não pode ser aplicado no mesmo, pois isso, além de ser um retrocesso jurídico, é um acinte ao Estado Democrático de Direito, onde os direitos e garantias individuais devem ser maximizados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Criminal nº 4402/RJ. Segunda Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal André Fontes. DJU: 18 de novembro de 2008. Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2009.



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VIEIRA SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim. Algumas palavras sobre a citação por hora certa do art. 362 do CPP, a Constituição Federal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2009.


Autor: Vinícius Orleans Calmon De Passos Oliveira


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