Parâmetros para aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos típicos da União



FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO
FACULDADE RAIMUNDO MARINHO DE PENEDO
CURSO DE DIREITO


PARÂMETROS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS FIRMADOS PELA UNIÃO


MANOEL DA COSTA SANTOS
SAULO OLIVEIRA JÚNIOR



PENEDO
2010
MANOEL DA COSTA SANTOS
SAULO OLIVEIRA JÚNIOR


PARÂMETROS PARA APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS FIRMADOS PELA UNIÃO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade Raimundo Marinho de Penedo-AL da Fundação Educacional do Baixo São Francisco, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob orientação da Professora Especialista Paula Falcão.

PENEDO
2010
BANCA EXAMINADORA


Aprovados em: ...... / ........ / 2010.

_____________________________
Presidente: Profª. Esp. Paula Falcão

_____________________________
Primeiro Avaliador: Profª. Esp. .......


_____________________________
Segundo Avaliador: Profª. Esp. .......



DEDICATÓRIA


Dedicamos este trabalho aos incansáveis e abnegados professores da Faculdade de Ciências Jurídicas de Alagoas, pelo convívio harmonioso e construtivo, cujos frutos já estão em colheita.


AGRADECIMENTOS

A Deus pela disposição e coragem proporcionadas, fundamental na consecução deste objetivo e aos colegas de curso, pelos momentos de companheirismo e compreensão humanos, bem como pelas idéias valiosas as quais contribuíram enormemente na conclusão deste trabalho. Às nossas famílias, mormente às esposas, filhos, pais e irmãos.


EPÍGRAFE



"Se os particulares tivessem de arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. A Administração arcaria com os custos correspondentes a eventos meramente possíveis ? mesmo quando inocorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou oneroso posterior".
Marçal Justen Filho.



SUMÁRIO


INTRODUÇÃO 9
1 CONTRATO ADMINISTRATIVO 11
1.1 Conceito e Características
1.2 Princípios Constitucionais
1.2.1 Legalidade
1.2.2 Moralidade
1.2.3 Impessoalidade
1.2.4 Publicidade
1.2.5 Eficiência
1.2.6 Razoabilidade
1.2.7 Supremacia do Interesse Público
1.2.8 Motivação dos Atos Públicos
1.3 Principais Contratos Administrativos
1.3.1 Contrato de Concessão e de Permissão de Serviço Público
1.3.2 Contrato de Obra Pública
1.3.3 Contrato de Prestação de Serviços
1.3.4 Contrato de Fornecimento 11
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28

2 TEORIA DA IMPREVISÃO 30
2.1 Direito Privado
2.2 Direito Público 30
34
3 ? REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO 37
3.1 Fundamentação Legal, Doutrinária e Jurisprudencial
3.2 Modalidades de Reequilíbrio Econômico-financeiro
3.2.1Atualização Financeira
3.2.2 Reajustamento de Preços
3.2.3 Revisão Contratual
3.2.3.1 Fato da Administração
3.2.3.2 Teoria da imprevisão
3.2.3.3 Interferências ou Sujeições Imprevistas
3.2.3.4 Repactuação de Preços
3.3 Gráfico Holístico do Reequilíbrio Econômico-financeiro 37
42
42
43
45
47
48
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3.4 Dificuldades de Aplicação da Teoria da Imprevisão 57
3.4.1 Jurisprudência Quanto aos Tributos
3.4.2 Jurisprudência Quanto às Convenções, Acordos e Dissídios Coletivos
3.5 Parâmetros para Aplicação da Teoria da Imprevisão 58
60
63
CONSIDERAÇÕES FINAIS 66
REFERÊNCIAS 69



RESUMO

Tornou-se necessário investigar a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos típicos da União, em virtude de sua importância para a Administração Pública e da controvérsia em torno deste instituto. Este estudo investigativo tem o objetivo de disponibilizar, à Administração Pública da União, um paradigma que dê segurança jurídica aos seus agentes na aplicação da sobredita teoria aos contratos administrativos, sobretudo identificar os entendimentos atuais sedimentados na jurisprudência e doutrina pátrias, perante a Constituição Federal e a Lei nº 8.666/93, bem como delimitar os parâmetros balizadores para sua adequada aplicação em atos dos administradores públicos. Neste estudo, utilizou-se o método de pesquisa qualitativa, na técnica de pesquisa bibliográfica. Os resultados do estudo demonstram a necessidade de evolução, na concepção da teoria, por parte do Superior Tribunal de Justiça - STJ e do Tribunal de Contas da União - TCU, tendo em vista entendimentos cientificamente equivocados em decisões standards para os atos administrativos que denegam ou concedem o reequilíbrio econômico dos contratos administrativos. Do estudo também resultou um esquema prático que facilita o entendimento do reequilíbrio econômico financeiro na forma como se encontra na Constituição Federal, no estatuto das licitações e contratos e em outras normas infralegais. Partiu-se desse esquema como gênero, em redor do qual giram várias espécies, e destas, várias modalidades. Assim, a investigação concluiu pela necessidade de revisão dos entendimentos padrões supramencionados ou a provocação de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, por tratar-se de norma constitucional. Tal conclusão é fruto de constatada aplicação desconforme com a constituição e a lei regedora do assunto, ao conferir que os standards jurídicos misturam institutos totalmente distintos, chegando a considerar teoria da imprevisão como reajuste financeiro. Inclusive, tais decisões praticamente desprezam a modalidade de teoria da imprevisão "fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis", em clara incongruência com a lei.

Palavras chave: Reequilíbrio, teoria da imprevisão, Administração, paradigma jurídico, revisão dos contratos administrativos.












INTRODUÇÃO

Os contratos administrativos pactuados pela União e seus fornecedores de bens e serviços carecem de segurança jurídica a bem dos contratados e, mormente, do interesse público.
A percepção fenomenológica das dificuldades da Administração Pública pátria, na perpetração do equilíbrio econômico-financeiro aos contratos firmados com seus administrados, acerca dos acontecimentos imprevisíveis ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis ou do caso fortuito, força maior e fato do príncipe, nos motivou a argüir a necessidade de parâmetros estabelecidos para que a Administração Pública da União aplique, com segurança jurídica, a teoria da imprevisão. Tais acontecimentos de caráter extraordinário, onerando excessivamente uma das partes, impossibilitam ou dificultam a execução do objeto contratado comprometendo o atendimento ao interesse público determinador do objeto contratado.
Partindo de conhecimentos prévios levantaram-se duas hipóteses como respostas provisórias à questão proposta: a) os parâmetros estabelecidos para aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos seriam um instrumento norteador importante para que os agentes públicos decidam com segurança jurídica, uma vez que, o instituto, embora positivado na lei e assentado na doutrina e na jurisprudência, apresenta sensível complexidade e controvérsia quanto ao momento, circunstância e intensidade da causa ensejadora de sua concreção; b) o estabelecimento de parâmetros para aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos seria desnecessário, tendo em vista que a lei, a jurisprudência e a doutrina já dispõem de repositório sedimentado acerca do tema, exigindo, apenas, para adequada aplicação do instituto, perspicácia e conhecimento técnico-jurídico.
Para responder ao questionamento procedeu-se metodologicamente com fundamento na pesquisa qualitativa, utilizando a técnica de pesquisa bibliográfica, cujo estudo efetuou-se em fontes bibliográficas de autores estudiosos do tema, cujas argumentações deram base científica à resposta obtida. O arcabouço sistematizado procurou tornar compreensível, à luz da constituição, da Lei 8.666/93 e outras normas infralegais, da jurisprudência e da doutrina, os diversos institutos de recomposição da equação econômica: reequilíbrio econômico-financeiro (gênero); atualização financeira, reajuste e revisão (espécies); fato da administração, interferências imprevistas, repactuação e teoria da imprevisão (modalidades da espécie revisão); caso fortuito e força maior, fato do príncipe e fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis (desdobramentos da modalidade teoria da imprevisão); de cuja adequada aplicação depende a eqüidade, princípio sobre o qual cimenta-se o equilíbrio econômico-financeiro abrangedor da teoria da imprevisão.
Este trabalho fora desenvolvido numa estrutura composta de três capítulos: I - contratos administrativos; II ? Teoria da Imprevisão; e III ? Reequilíbrio Econômico-financeiro.
O primeiro capítulo cuidou de trazer à lume, a partir do estudo de conceitos e características dos contratos administrativos, a concepção hodierna dos contratos administrativos, resultando num conceito construído a partir do comprometimento tanto da Administração, quanto do particular, em busca da consecução do interesse público, daí a conclusão de que não mais persiste a idéia de subordinação do particular perante a Administração, razão pela qual trata-se de uma relação de colaboração, como também não há contrato de direito privado da Administração Pública, porque esta e o particular não poderão se afastar das prerrogativas delegadas pela lei, além das finalidades diferentes de cada natureza: o regido pelo direito privado objetiva a distribuição de riquezas, ao passo que o regido por normas de direito público objetiva o interesse público. Neste capítulo, também foram abordados os princípios constitucionais correlatos e os principais contratos administrativos avençados pela União.
No segundo capítulo foram abordados os aspectos do instituto da teoria da imprevisão no direito privado e no direito público. A teoria da imprevisão no direito privado tem prescrição no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, tal teoria encontra-se acatada, porém, com cores mais intensas ? teoria da onerosidade excessiva. O Direito Público Brasileiro institucionalizou a teoria da imprevisão na Constituição Federal, ao dispor que a Administração Pública deve garantir a manutenção das condições efetivas da proposta nos termos legais.
Já no terceiro capítulo, discorreu-se a respeito do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, concluindo com a apresentação de uma estrutura gráfica, na qual vislumbram-se todas as espécies e modalidades de reequilíbrio econômico, elegendo este instituto como gênero constitucional.
Esta estrutura propõe um entendimento sistemático da matéria, conhecendo tanto o todo como cada espécie ou modalidade. Também, neste mesmo passo, abordou-se aspectos importantes sobre as dificuldades de aplicação da teoria da imprevisão diante de entendimentos da jurisprudência pátria e concluiu-se com uma proposição dos parâmetros para a aplicação da referida teoria.


CONTRATO ADMINISTRATIVO

1.1 Conceito e Características

O Estado Brasileiro hodierno atribui inúmeras funções públicas aos entes que o compõem com o escopo de atender ao interesse público traduzido nas necessidades humanas do povo que habita seu território.
As necessidades coletivas abrangem um universo onde sobrevive o bem estar social das pessoas que necessitam de saúde, segurança, laser, desenvolvimento sócio-econômico, educação, etc. Para atender a tais necessidades, a Administração Pública recebeu do sistema jurídico pátrio incumbências acompanhadas de prerrogativas legais irrenunciáveis para melhor atingir os objetivos dispostos pelo interesse público. Essas prerrogativas indisponíveis são utilizadas pela Administração Pública quando realiza contratos administrativos com seus administrados, cuja dispensabilidade colocaria em risco o próprio atendimento do interesse público, na medida em que não garantiria a execução do objeto contratado.
Tais prerrogativas são conhecidas como "cláusulas exorbitantes" das normas norteadoras do contrato no direito privado e colocam a Administração Pública em posição privilegiada, tudo isso, por força de lei.
As necessidades públicas protegidas e atendidas pelo princípio do Interesse Público têm um caráter fundamental, razão pela qual a prerrogativa de alteração unilateral do contrato, em suas cláusulas regulamentares, cuja possibilidade é exclusiva da Administração, não afronta os princípios aplicáveis ao contrato, mormente, por ser tal alteração institucionalizada na Lei nº 8.666/93, na Jurisprudência e na Doutrina. Caio Tácito, apud Mello (2006, p.593) ensina que "A tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses para a consecução de um fim de interesse público".
O contrato administrativo possui características próprias substanciais, dentre as quais, embora externa ao contrato, a obrigatoriedade de realizar prévia licitação pública, dispensável, apenas, nos casos previstos em lei (MEIRELLES, 2005, p.211).
O princípio da dignidade da pessoa humana baliza as atividades para atendimento das necessidades do homem e o Estado deve promover as condições que possibilitem este estado de existência digna tomando atitudes que desenvolvam ou atinjam a qualidade, a condição e o nível de vida desejados pela população e propostos na Carta Magna.

São ilimitados os conceitos de contrato administrativo na doutrina pátria, tanto quanto na estrangeira, sendo quase unânime a relevância da relação de sujeição do contratado perante a Administração Pública, a existência de cláusulas exorbitantes do direito privado e o seu objeto é uma prestação de utilidade pública.
Meirelles (2005, p. 211) doutrina que "Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração". O autor continua dizendo que "O contrato administrativo é sempre consensual e, em regra, formal, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae".
Estudando a obra de Mello (2006, p. 593) observamos que assim o conceitua:

É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado.

Para Bielsa, apud Cretella Júnior (1997, p.30), contrato administrativo é "[...] aquele que a Administração celebra com outra pessoa, pública ou privada, física ou jurídica, e que tem por objeto a prestação de utilidade pública".
Tecendo o próprio conceito a respeito do tema, afirma este autor: "Para nós contrato administrativo é todo acordo oposto de vontades de que participa a Administração e que, tendo por objetivo direto a satisfação de interesse público, está submetido a regime jurídico de Direito Público, derrogatório e exorbitante do Direito comum" (CRETELLA JÚNIOR, 1997, p. 32).
Di Pietro (2006, P. 233) assevera que contratos administrativos são "[...] os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público" (grifo original).
Também a Lei nº 8.666/93, art. 2º, parágrafo único, define contrato como "Todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontade para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja por qual for a denominação utilizada".
Deve-se atentar para a definição da lei no sentido de que o contrato administrativo é todo e qualquer acordo de vontades que forme um vínculo e estipule obrigações recíprocas para as partes, não cogitando de subordinação ou supremacia de uma parte sobre a outra. O vínculo é o estabelecimento de um pacto para a consecução do objetivo indicado pelo interesse público. As obrigações recíprocas dizem respeito à responsabilidade de cada um: a Administração dispõe de forma clara sobre o objeto contratual, com suas condições de execução, tecnologia e prerrogativas, etc; o administrado contratado ao aceitar ser um colaborador da administração estará vinculado às condições dispostas pela Administração e como contra partida será devidamente remunerado, inclusive, com garantias de manutenção da equação econômico-financeira. Portanto, trata-se de um contrato de colaboração em que ambas as partes estão submetidas aos ditames da lei, que delegou prerrogativas indisponíveis a uma delas e determinou a aceitação, pela outra, do estabelecimento de um vínculo de fidelidade na execução do objeto pactuado.
Atualmente, advoga-se a existência de um contrato administrativo quando na relação estabelecida há a participação de ente ou órgão da Administração Pública, porque esta é o elemento fundamental para caracterizar a natureza do contrato, pois as partes contratantes não poderão se afastar das normas de direito público que regerão toda relação, mesmo que, subsidiariamente utilizem-se de normas do direito privado. Outra não é a moderna doutrina de Tanaka (2007, p. 122) quando afirma que "[...] o contrato administrativo caracteriza-se pelo simples fato de ter sido concluído pela Administração Pública". Continua a autora defendendo que "[...] a Administração é o elemento suficiente para qualificar os contratos como administrativos, como regidos pelas normas de direito público".
Destaca-se dentre as características do contrato administrativo, as "cláusulas exorbitantes" que são incomuns nos contratos regidos pelo direito privado (este tem a finalidade de circular riqueza; aquele tem a finalidade de atender ao interesse público), cuja compensação encontra-se na garantia do equilíbrio econômico-financeiro que o Estado instituiu em lei. Neste sentido:
A existência das prerrogativas especiais ou das cláusulas assaz de vezes nominadas de "exorbitantes", que assim se qualifiquem por serem apenas insuetas no Direito Privado, que assim se designem por serem, sobre incomuns, também inadmissíveis nas relações entre particulares, em absoluto representa aniquilamento ou minimização dos interesses do contratante no objeto de sua pretensão contratual. Pelo contrário: a outra face do problema, contraposta às prerrogativas da Administração, assiste precisamente no campo da garantia do particular ligado pelo acordo. Cabe-lhe integral proteção quanto às aspirações econômicas que ditaram seu ingresso no vínculo e se substanciaram, de direito, por ocasião da avença, consoante os termos ali estipulados. Esta parte é absolutamente intangível e poder algum do contratante público, enquanto tal, pode reduzir-lhe a expressão, feri-la de algum modo, macular sua fisionomia ou enodoá-la com jaça, por pequena que seja (MELLO, 2006, pp 594-595).

Há lógica no instituto supramencionado. De um lado encontra-se a Administração Pública, representando o interesse público que carece das prerrogativas prescritas na lei para cuja finalidade é dotá-la de instrumentos eficientes para atender às variações de interesse a que está sujeita; se assim não fosse, ficaria difícil atender a variadas demandas coletivas às quais deve atender a Administração Pública. Do outro lado, porém sem oposição, como colaborador, encontra-se o contratante particular que objetiva obter lucro, sem o qual não terá possibilidade de continuidade e desenvolvimento no ramo comercial. Por tudo isso, o ordenamento jurídico contemplou os dois interesses simplesmente para garantir a consecução do objeto contratado, haja vista sua finalidade precípua ser o inafastável atendimento ao interesse coletivo.
Outro autor pátrio ensina-nos que "É a participação da Administração, derrogando normas de Direito Privado e agindo publicae utilitatis causa, sob a égide do Direito Público, que tipifica o contrato administrativo" MEIRELLES, 2005, p.212)
Estudando as doutrinas de Di Pietro (2006), Meirelles (2005), Mattos (2002), Mello (2006), Cretella Júnior (1997) e Tanaka (2007), chegou-se a um rol de características do contrato administrativo, o qual a seguir o descrê-se:
a) em regra, necessidade de prévia licitação;
b) prerrogativas legais da Administração pública ou "cláusulas exorbitantes";
- exigência de garantia;
- alteração unilateral;
- rescisão unilateral;
- fiscalização;
- aplicação de penalidades;
- ocupação provisória;
- anulação;
- tomada do objeto;
- restrição ao uso da exceptio non adimplenti contractus;
- mutabilidade
c) presença da Administração Pública em um dos pólos contratuais;
d) finalidade pública;
e) via de regra o contrato administrativo é formal, oneroso, comutativo, sinalagmático, intuitu personae, e sempre consensual;
f) procedimento legal;
g) natureza de contrato de adesão;
h) mutabilidade;
i) submissão das partes ao Regime de Direito Público;
j) garantia do equilíbrio econômico-financeiro.




1.2 Princípios Constitucionais

A Administração Pública e seus administrados, ao firmarem contratos administrativos, devem obediência aos intransponíveis princípios constitucionais impostos pela Carta Magna. Os princípios são as balizas norteadoras da caminhada a que ambos os contratantes se propuseram, ou seja, elas delimitam o caminho que eles estão obrigados a percorrer para chegar ao objetivo do contrato, qual seja, a consecução do interesse público manifestado no objeto a executar.
Princípio, no ordenamento jurídico, significa a fonte donde nasce ou se inicia o direito. A norma princípio é a teoria do direito, enquanto a norma regra é a orientação de procedimento, cuja função é promover uma conduta humana pautada nos princípios. Por isso, as regras mudam conforme os entendimentos dos princípios e deles não podem se alijar. Os princípios orientam as regras e jamais as contrariam, entretanto, a recíproca não é verdadeira. As regras servem basicamente para administrar a tensão social hodierna com visão temporária, os princípios tem visão de orientação jurídica eterna e caráter científico. Assim, os princípios não desaparecem, no mínimo são referenciados para possibilitar conferir sua evolução quando aparentemente deixam de ser aplicados, e suas variações hermenêuticas são fruto de estudos científicos axiológicos tendo em vista não haver verdades jurídicas atemporais; as regras são invariavelmente esquecidas e alteradas conforme circunstâncias políticas, sociais ou econômicas.
Os princípios constituem os fundamentos ou padrões orientadores da ação administrativa, relegá-los significa desvirtuar a gestão da coisa pública e esquecer o que há de mais fundamental para a guarda e zelo do interesse público (MEIRELLES, 2005, p. 87).

1.2.1 Legalidade

Além de gozar do status de princípio da Administração Pública (CF, art. 37, caput), o princípio fundamental da legalidade encontra-se assim prescrito (CF, art. 5º, II): "[...] ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
A legalidade expressa na Constituição Federal como princípio de administração, vincula o administrador público, em todos os seus atos administrativos, aos ditames da lei e às exigências do interesse público e, se deles afastar-se ou desviar-se, estará praticando ato inválido e expondo-se à responsabilização disciplinar, civil e criminal (MEIRELLES, 2005, p. 87).
Di Pietro (2007, p. 33) diz que "[...] a observância da legalidade foi erigida em interesse difuso, passível de ser protegido por iniciativa do próprio cidadão".
Extrai-se dos ensinamentos de Mattos (2002, p. 87) que por este princípio finca-se a "[...] segurança jurídica da sociedade, que possui, como garantia mínima, que haverá, por parte da Administração Pública, a sujeição do administrador à lei, ao direito, ao ordenamento jurídico, às normas, aos princípios constitucionais e ao edital do certame".
A legalidade é o primeiro dos princípios a serem observados em toda atividade pública. Faz-se diferenciação entre a Administração Pública e Administração Privada afirmando que "Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza" (MEIRELLES, 2005, p. 88).
Em suma, a legalidade é uma das vigas mestras responsáveis pela existência, manutenção ou sustentação e futuro de um Estado Democrático de Direito. Se assim não o fosse, o administrador, ao invés, por exemplo, de praticar um ato administrativo discricionário, preferiria praticar um ato administrativo arbitrário impondo ao povo uma tirania de propósito pessoal.

1.2.2 Moralidade

Este princípio está previsto como fundamental para a Administração Pública (CF, art. 37, caput). Um ato administrativo em consonância com a moral observa os valores da honestidade, oportunidade, beneficência, justiça, legalidade, ética, boa-fé, por isso constiui-se pressuposto de validade. Toda conduta do administrador deve se pautar neste princípio, sob pena de incorrer em ato ímprobo e sujeitar-se às cominações legais.
Entende Meirelles que atendimento aos princípios constitucionais são pressupostos de validade de todo e qualquer ato administrativo, cuja inobservância o torna ilegítimo. Este autor, parafraseando Hauriou (autor francês) discorre sobre o assunto dizendo que:

Não se trata ? diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito ? da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". Desenvolvendo sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também á lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: "nom omne quod licet honestum est". A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum. (MEIRELLES, 2005, p. 89).

Assim, pode-se assegurar que a moralidade é um princípio constitucional, pressuposto de validade de toda conduta do agente público e tem o propósito de vincular o ato administrativo à legalidade e finalidade administrativas, sob a égide do interesse público. Em palavras mais claras, ação moral é ação honesta e legal.

1.2.3 Impessoalidade

Previsto no texto constitucional (art. 37, caput) este é o princípio que impõe ao administrador público o dever de agir em prol do interesse público, alijando qualquer sentimento de satisfação pessoal. Aqui, o que conta é o interesse público manifestado pela lei, a quem o administrador da coisa pública deve obediência, não a vontade individual sua ou de quem quer que seja, dispensando o mesmo tratamento a todos os que se dispõem a contratar com a Administração Pública. Contratar com impessoalidade é agir no procedimento licitatório sem manifestar vontades tendenciosas, dirigidas a um dos licitantes, é proceder ao desenvolvimento de um contrato consoante as condições nele e no edital estabelecidas, não olvidando das normas insertas na lei e na boa ética pautada nos valores eleitos e aceitos pela sociedade como morais.
Não é outro o entendimento de Rocha apud Mattos (2002, p. 93) ao consignar que "[...] há a ausência de rosto do administrador e a falta de nome do administrado".
Meirelles (2005 pp. 91-92) nos ensina que se trata do clássico princípio da finalidade, impondo ao administrador público que pratique qualquer ato apenas para o fim legal. O autor arremata dizendo que "[...] o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal" (MEIRELLES, 2005, p. 92). E continua asseverando que "[...] a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público" (MEIRELLES, 2005 p. 92).
O ato administrativo fora da quadra da impessoalidade comete abuso de poder na modalidade desvio de finalidade, ao tempo em que compromete sua validade no mundo jurídico. O que a lei quer é a ação administrativa sem promoção pessoal do agente ou de terceiro, bem como, sem perseguição deste, ou seja, um ato de alma pura "BOA FÉ" e finalidade pública. Não é por outra razão que a Lei nº 9.784/99 diz que nos processos administrativos serão observados os critérios de objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé; e interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação (art. 2º, parágrafo único, III, IV e XIII).

1.2.4 Publicidade

Este pilar da Administração Pública (CF, art. 37, caput) repetidas vezes encontra-se inserto na Lei nº 8.666/93, referindo-se a procedimento licitatório, a contrato ou a intimações de atos decisivos: a licitação será processada e julgada em estrita conformidade com o princípio básico da publicidade (art. 3º); não haverá licitação sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, exceto o conteúdo das propostas, até a respectiva abertura (art. 3º, § 3º); os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, deverão, no mínimo, por uma vez, ser publicados com antecedência no Diário Oficial da União, Diário Oficial do Estado ou do Distrito Federal, em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizado o objeto licitado (art. 21).
É condição de eficácia do contrato e de seus aditamentos, a publicação resumida do instrumento contratual na imprensa oficial (art. 61, parágrafo único); atos decisivos como habilitação ou inabilitação do licitante, julgamento das propostas, anulação ou revogação da licitação e indeferimento do pedido de inscrição em registro cadastral, sua alteração ou cancelamento devem ter sua intimação feita mediante publicação na imprensa oficial (art. 109, § 1º).
Mello apud Mattos (2002, p. 97) discorre sobre o assunto definindo que:

O princípio da publicidade impõe que os atos e termos da licitação ? no que se inclui a motivação das decisões ?sejam efetivamente expostos ao conhecimento de quaisquer interessados. É um dever de transparência, em prol não apenas dos disputantes, mas de qualquer cidadão. De resto, a Lei nº 8.666, no § 3º do art. 3º, estatui que a licitação não será sigilosa sendo públicas e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao conteúdo das propostas, até a respectiva abertura. Acresce que o art. 4º também menciona o direito de qualquer cidadão acompanhar o desenvolvimento do certame. Demais disto, existem outros preceptivos que facultam uma fiscalização do certame por qualquer pessoa (p. ex, arts. 15 §§ 2º e 6º; 16; 41, § 1º; e 113, § 1º).

A publicidade tem o objetivo de colocar à disposição de todos os administrados os atos da Administração Pública para que a sociedade possa fiscalizá-los e conhecê-los, proporcionando verdadeira transparência. Não é despiciendo atentar que hodiernamente, além da publicidade supramencionada, há a publicidade que galga maior eficiência na fiscalização e conhecimento públicos, publicidade por meio da internet ? rede mundial de computadores. No âmbito federal todas as licitações e contratos administrativos são divulgados neste meio de comunicação, inclusive pagamentos e acompanhamento da execução contratual.
A publicação que produz efeito jurídico é a realizada pelo órgão oficial (Imprensa Nacional) e não a realizada pela internet ou outro meio particular e abrange toda atuação estatal: os atos concluídos e em formação, os processos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, os comprovantes de despesa e a prestações de contas submetidas aos órgãos competentes (MEIRELLES, 2005, p. 95).
Diz-se que este princípio constitucional é o mais atendido em razão da internet que se encontra disponível para a maioria dos cidadãos brasileiros. Basta, é claro, esses manifestarem interesse pela coisa pública.

1.2.5 Eficiência

Um administrador público ineficiente causa mal e prejuízo aos cofres públicos tanto quanto um administrador público ímprobo. A diferença reside, apenas, na má-fé deste e na ignorância daquele.
A eficiência edificada como princípio de administração (art. 37, caput da CF), fruto da EC nº 19/98, impõe ao administrador público atitudes pautadas no zelo pelo patrimônio público. Ser eficiente é chegar à eficácia do ato pelo caminho apontado na lei, atingindo o objetivo por ela indicado, com o menor custo possível e contratando o objeto com a qualidade exigida pela necessidade pública.
Um administrador público eficiente é aquele que, sem olvidar os ditames jurídicos, alcança o objetivo público sem impor condições desnecessárias ou inúteis, agindo, quando a lei autorizar e as circunstâncias exigirem, com versatilidade e simplicidade.
Não apenas o agente público está sujeito à demonstração da eficiência, o contratado pela Administração também deve executar o objeto do contrato consoante resultado por ela esperado. Nesta perspectiva, Mattos (2002, pp. 98-99) ensina que:
Assim a eficiência, nos dias de hoje, é fundamental para manter eficazes as cláusulas e condições das avenças contratuais, pois, sem que haja eficiência na relação, não resta dúvida que haverá descumprimento de uma das obrigações do prestador do serviço, colocando em risco a sua permanência no próprio serviço.

Este princípio exige presteza, perfeição e rendimento funcional nas atividades da Administração Pública, não se contenta com o atendimento, apenas, da legalidade, publicidade, moralidade e impessoalidade, pois, o sucesso ou resultado positivo, explícito ou implícito na lei que autoriza o ato, é de fundamental importância para a satisfação das pessoas destinatárias das políticas do Estado (MEIRELLES, 2005, p. 96). Atos de resultados negativos desagradam a sociedade e colocam em dúvida os programas e políticas por ela mantidos, afigurando-se como condutas temerárias passíveis de rechaçamento público.

1.2.6 Razoabilidade

Pode-se afirmar que razoabilidade como princípio constitucional implícito é o ato praticado com bom senso e boa fé, delimitado pelos valores médios da sociedade. A razoabilidade é princípio intrínseco à discricionariedade administrativa, evitando exageros inconseqüentes e desnecessários ao bem público. Sem tal princípio, a discricionariedade transmuta-se em arbitrariedade, instituto inaceitável em nosso regime democrático de direito. Ato razoável é aquele que emprega os meios necessários aos fins colimados (MEIRELLES, 2005, p. 93).
A Lei nº 9.784/99 dispõe a respeito deste princípio (art. 2º e parágrafo único, VI), preceituando que nos processos administrativos serão observados, entre outros, o critério de "[...] adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público".
Meirelles (2005, p. 93), ponderando a respeito, discorre, advertindo que "Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque cada norma tem uma razão de ser".
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, referenciado por Meirelles (2005, p. 93), demonstra que a razoabilidade, para a prática do ato discricionário, "[...] atua como critério, finalisticamente vinculado, quando se trata de valoração dos motivos e da escolha do objeto". Isso quer dizer que, quando o agente público for praticar um ato discricionário, ele estará vinculado aos requisitos da competência, finalidade e forma. Quanto à escolha do motivo e do objeto, o agente terá discricionariedade para decidir sobre a oportunidade e conveniência, entretanto, há de observar uma harmonia entre estes e a finalidade pública, ou seja, há de se ter, sempre e sempre, no bojo do ato administrativo, razoável escolha dos requisitos discricionários que compõem o ato administrativo.



1.2.7. Supremacia do Interesse Público

A República Federativa do Brasil, Estado Democrático de Direito, edificou como seus princípios fundamentais no art. 1º, além da soberania e do pluralismo político (I e II), a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (I II e III). Isso quer dizer que a Constituição Federal atribuiu encargos sociais aos quais o Estado deve corresponder e, para tanto, numa interpretação sistêmica da Lei Maior, vê-se logo em seguida os objetivos traçados para que a sociedade construa sua própria cidadania e dignidade, bem como o reconhecimento dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Assim, o art. 3º preceitua que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Realmente, não há como pensar uma sociedade com dignidade e cidadania quando, a esta sociedade pertencem grupos humanos em estado de pobreza e marginalização, com regiões sofridas economicamente e outras abastadas, sem desenvolvimento econômico-social ou quando nela percebem-se sentimentos preconceituosos de qualquer natureza.
Diante do interesse público em desenvolver a sociedade com cidadania e dignidade, é de se pensar na necessidade que o coletivo tem de apresentar-se com privilégios sobre o individual, porém, jamais derrogando os valores fundamentais pela própria Carta assegurados.
A supremacia do interesse público sobre o privado não se traduz em aniquilamento deste em proveito daquele, isso configuraria tirania, instituto não tutelado num estado de direito. Tal princípio busca garantir a consecução dos objetivos maiores traçados na Constituição Federal, porque a edificação desses objetivos significa a dignidade e cidadania de cada um. A erradicação da pobreza e das desigualdades sociais distribui dividendos àqueles a quem, divididos, cabe uma parcela individualmente.
Educação, saúde e segurança (qualidade de vida); melhores salários e oportunidade para o empreendedorismo (nível de vida); e ambientes urbano, ou rural, tranqüilos e seguros com as intempéries naturais controladas (condições de vida), afiguram-se conquistas de todos e para todos, não a sobreposição do Estado sobre o particular. Em palavras mais simples, esta conquista sócio-econômica é a maneira mais eficaz de se praticar solidariedade pública, sem a qual os povos não se desenvolverão com dignidade humana e respeito.
Bastos, apud Mattos (2002, p. 114) grafa que:
A supremacia do interesse público não existe tão somente para esmagar o indivíduo sob uma juridicidade consagradora de privilégios injustificáveis. Essa supremacia do interesse coletivo tem que encarnar privilégios legítimos. Vale dizer, recursos jurídicos que o direito administrativo dispõe e que são absolutamente indispensáveis para o atingimento dos fins coletivos, mediante o menor custo possível para o cidadão.

Apesar da doutrina supralapidada, não raro percebe-se atos administrativos dasarrazoados sob a égide da invocação deste princípio. Nestes atos há um descompasso entre a alma interpretada pelos agentes públicos e a verdadeira alma construída no sistema jurídico pátrio, muitas vezes para satisfazer, não a vontade da coletividade, mas, aos caprichos e interesses escusos de pessoas determinadas, ou mesmo para facilitar uma Administração desprovida dos mais elementares princípios democráticos de direito.
A Lei nº 9.784/99 preceitua que a Administração Pública obedecerá ao princípio do interesse público (art. 2º, caput), e nos processos administrativos serão observados, entre outros, o critério atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei, bem como objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (parágrafo único, II e III).
O Estado existe para buscar atender ao interesse coletivo, este imanente ao princípio da finalidade, por isso, a supremacia do interesse público sobre o privado é inerente ou indispensável à atuação estatal, cuja observância manifesta-se indisponível até quando os serviços públicos forem delegados aos particulares (MEIRELLES, 2005, p. 103).
A interpretação da norma administrativa deve processar-se da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, sendo vedada aplicação retroativa de nova interpretação (Lei nº 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, XIII).
Mello citado por Meirelles (2005 p. 103-104) assegura que o "[...] princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência". E continua discorrendo a respeito dizendo que:
Assim, não se radica em dispositivo específico da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. (MELLO apud MEIRELLES, 2005, pp. 103-104)

Podemos, então, concluir que, o próprio Estado não poderá existir sem privilégios que o coloquem num status hegemônico em relação ao particular, haja vista sua finalidade de atingir o interesse geral da nação que o habita. Alhures, já abordamos que tal prerrogativa é indisponível à Administração Pública porque inerente ao Estado, sem a qual os objetivos de desenvolvimento econômico e social construidores da dignidade da pessoa humana e da cidadania não serão alcançados.

1.2.8 Motivação dos Atos Públicos

Motivar um ato vale dizer: é exteriorizar as razões de fato e de direito que levaram o agente público a produzi-lo. Essa remessa ao mundo exterior é tão importante quanto o conteúdo do próprio ato, porque possibilita à sociedade e às autoridades, apreciarem a finalidade pública e o interesse representado pelo ato. Ademais, é de fundamental importância para as pessoas que se sintam prejudicadas, uma vez que poderão procurar os meios legais necessários à sua defesa. Não basta a motivação, esta há de se coadunar com a lei em seu sentido mais amplo, sem o que carecerá de legitimidade. A própria lei (ato legislativo) é edificada sobre uma exposição de motivos fáticos e jurídicos. Também, as decisões judiciais (ato jurisdicional), sob pena de nulidade, possuem a parte de fundamentação para que o magistrado discorra claramente que o decisum encontra-se alicerçado na lei, não em valores de cunho pessoal.
Assim, não poderia ser diferente com os atos administrativos que contém o motivo como um dos requisitos de sua validade, além da competência, finalidade, forma e objeto (MEIRELLES, 2005, pp 151-153).
Vislumbras-se este princípio na Constituição Federal no capítulo que trata do Poder Judiciário: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação (art. 93, IX); e, quando menciona sobre as decisões administrativas dos tribunais dizendo que as mesmas serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros (art. 93, X). Também na Lei 9.784/99 este princípio se manifesta como fundamental para os atos administrativos ao dispor que a Administração Pública obedecerá, entre outros, o princípio da motivação (art. 3º, caput) e nos processos observará, entre outros, o critério de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão (art. 3º, VII).
A respeito do assunto em tela grafou-se que "Trata-se, de fato, do primado do interesse público. O indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em regra, ser equiparados aos direitos sociais" (CARVALHO FILHO, 2007, p. 26).
Consoante prescrição, do art. 50 da susomencionada lei, os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; decidam recursos administrativos; decorram de reexame de ofício; deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais; importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
A motivação há de ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. Quando se tratar de solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, observado o direito ou a garantia dos interessados. A exposição dos motivos que alicerçaram as decisões dos órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou do termo escrito (Lei nº 9.784/99, art. 50, §§1º, 2º e 3º).
Assim, fica clara a obrigatoriedade da motivação dos atos públicos de forma explícita, clara e congruente, para garantir, à coletividade, o livre exercício da cidadania. Aliás, a motivação do ato público garante o acesso das pessoas ao Poder Judiciário, direito fundamental protegido pela Constituição.

1.3 Principais Contratos Administrativos

Sobre a definição das espécies de contratos administrativos, não há, na doutrina, entendimento uniforme a respeito do número que varia de autor para autor. Assim, escolhemos os contratos de obra pública, concessão e permissão, de prestação de serviço público e de fornecimento.

1.3.1 Contrato de Concessão e de Permissão de Serviço Público


Estes institutos estão previstos na art. 175 da Constituição Federal que impõe a incumbência do Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Sendo uma norma de eficácia limitada, sua efetividade veio por meio da Lei 8.987/1995 que regulou os dois institutos. No texto da referida norma encontram-se conceituados (art. 2º, II, III e IV) a concessão de serviço público, a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública e a permissão de serviço público.
Consoante sobredita lei, concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; já a modalidade de concessão precedida de execução de obra pública , a norma define como sendo a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado (ex: a reforma e construção de estradas federais e estaduais pavimentadas sob a cobrança de pedágio); e, por fim, define permissão de serviço público dizendo que é a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Da lavra de Meirelles (2010, p.427) contrato de concessão de serviço público "[...] é o ajuste pelo qual a Administração delega a execução de um serviço do Poder Público ao particular, para que o explore por sua conta e risco, pelo prazo e nas condições ajustadas, mediante remuneração por tarifa cobrada dos usuários".
Tratando do contrato de concessão precedido de execução de obra pública, o supracitado autor define:
Contrato de concessão de obra pública é o ajuste administrativo que tem por objeto a delegação a um particular da execução e exploração de empreendimento público rentável a ser constituído pelo concessionário e remunerado pelos usuários, pelo prazo e nas condições contratuais (MEIRELLES, 2010, p. 448).

Continuando, a respeito da permissão de serviço público, Meirelles pondera a aplicação do instituto conforme prescrição legal e faz algumas ressalvas:

O autor, nas edições anteriores deste livro, não mencionava a permissão de serviço público, por entendê-la ato administrativo unilateral, e não contrato. Entretanto, a Lei 8.987, de 1995, conceitua permissão de serviço público: [...]. Ao contrário do que recomenda o Autor, contudo, o art. 40 da Lei 8.987, de 1995, determina que a permissão seja formalizada mediante contrato de adesão, ajuste de direito privado, que tem características próprias e que não deveria ser utilizado para fins de prestação de serviço público. Basta considerar que, embora formalizada mediante contrato, a permissão não perde seu caráter de precariedade e de revogabilidade por ato unilateral do poder concedente, idéias incompatíveis com a noção de contrato privado (MEIRELLES, 2010, pp. 450-451).
Importante observar, consoante positivação normativa, que não obstante a precariedade da permissão, esta, tanto quanto a concessão (precedida de obra ou não), deve acontecer após regular procedimento de licitação. O instituto da concessão, precedida de obra pública, atualmente é muito aplicado tendo em vista a necessidade de investimento privado diante da escassez de recursos públicos, cujo retorno do investimento o particular realizará na conformidade do regulamento disposto pelo poder executivo, mediante cobrança de tarifa (preço público) ao usuário do serviço. A concessão de serviço público deve ser precedida de licitação na modalidade concorrência, requisito não definido na permissão nem na espécie precedida de obra pública.
A delegação de serviços públicos diz respeito, apenas, à sua execução, pois, sua titularidade continua do Estado que a recebe da Constituição em benefício do interesse público. Daí, a prerrogativa da Administração Pública de regulamentar todo assunto estabelecendo condições de execução e pagamento dos serviços, inclusive com poderes para retomada dos serviços, reversão, resgate ou encampação, rescisão e anulação, tudo conforme suas justas causas.
O importante é que o Estado dispõe dos institutos para tornar a prestação de serviço público mais ágil e de qualidade, algo que fica difícil em face das demandas sociais às quais é submetido. O Estado deve ser o mais necessário e eficiente, não o maior e ineficiente, daí, a necessidade de trazer o particular para a colaboração na execução dos serviços públicos.
Assim, pode-se concluir dizendo que o Estado delega o direito ao particular para executar serviço que seria de sua competência. Esse direito, acompanhado de deveres, é limitado pelo próprio Estado que continua sendo o titular. É um direito em menor proporção, o bastante para bem executar o serviço público com eficiência e poder obter os lucros necessários à remuneração do capital investido em substituição ao Estado. Ou seja, há uma translação de direito ou bem público para que o particular o execute na perspectiva do interesse coletivo.

1.3.2 Contrato de Obra Pública

Contrato de obra pública, para Silva (apud MEIRELLES, 2010, p. 363) "[...] é o ajuste administrativo tendo por objeto trabalho de engenharia cujo resultado consubstancie alteração permanente no mundo físico".
Meirelles (2010, p. 363), em sentido técnico-administrativo restrito, define que "[...] contrato de obra pública é somente aquele que vise à execução de projeto de engenharia ou arquitetura de empreendimento imóvel". E completa seu douto entendimento afirmando que:
Por essa razão, os contratos de obra pública só podem ser firmados com empresas ou profissionais legalmente habilitados a construir, nos termos da Lei 5.194, de 24.12.1966, registrados no respectivo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), de acordo com as resoluções do Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (CONFEA), sem o que o ajuste será nulo de pleno direito, consoante dispõe expressamente o art. 15 da citada lei de regulamentação profissional (2010, p. 363).

Alicerçado no Resp 527.137-PR, 1ª Turma, Rel. Min. LUIZ FUX, (CARVALHO FILHO, 2007, p. 166) diz que "Contratos de obras são aqueles em que o objeto pactuado consiste em construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação de determinado bem público".
Tomando-se como fundamento a Lei 8.666/93 (art. 6º, I e VIII), podemos afirmar que contrato de obra pública é o ajuste cujo objeto é a construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação de bens públicos, sob a modalidade de empreitada ou de tarefa e regime de execução por preço global, unitário ou integral.
Em que pese a doutrina de Hely Lopes Meirelles, a respeito do assunto pedimos vênia para discordar da necessidade de obra pública ser a execução de projeto em empreendimento imóvel. A própria lei não menciona tal exigência e, aliás, define-a como sendo toda construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação. Ora, a fabricação não poderá ser de um bem imóvel, já que para este já está prevista a construção. Podemos tranqüilamente fabricar um bem público sob encomenda, como por exemplo, um flutuante de suporte para irrigação. Podemos licitar a fabricação de um motor específico para atender necessidades públicas. Todos estes bens são móveis. Como também, recuperação poderá acontecer em máquinas e equipamentos, não só em imóveis. Assim, ensina Rocha (apud MATOS, 2002, p. 250):

A recuperação, por seu turno, é toda obra que vise a reabilitar os equipamentos urbanos e administrativos, edifícios e bens público (sic), além de empreendimentos de utilidade pública, que se encontravam deteriorados ou sub-utilizados, tornado-os adequados à finalidade original ou a uma utilidade pública.
Por fabricação deve-se entender todo processo que importe em transformar a matéria-prima em produto final utilizável em equipamentos urbanos e administrativos, edifícios, bens públicos e empreendimentos de utilidade pública, ou, simplesmente, na prestação de serviço público.

Desta forma, é razoável, com supedâneo no estatuto das licitações e contratos administrativos, pugnar que qualquer construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação de bens públicos, sejam móveis ou imóveis, afigura-se como obra pública.







1.3.3 Contrato de Prestação de Serviços


Com supedâneo na Lei 8.666/93 (art. 6º, II) pode-se dizer que contrato de prestação de serviço é o acordo que a Administração Pública perpetra com pessoa física ou jurídica de direito privado, com o fito de obter determinada utilidade de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. Tais serviços (comuns, técnicos profissionais ou artísticos) são imprescindíveis para a realização e manutenção de suas atividades administrativas. Semelhante à execução de obra pública, os serviços pedem ser executados por empreitada ou tarefa, sendo a empreitada sob os regimes de execução: empreitada por preço global, empreitada por preço unitário e empreitada integral.
A definição de obra pública é taxativa, abrange a construção, reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, ao passo que a de serviço é exemplificativa, permitindo a conclusão de que tudo que não se enquadrar como obra, enquadra-se como serviço (DI PIETRO, 2007, p. 306).
Meirelles (2010, p. 414) propugna: "Contrato de serviço, em sentido amplo, é todo ajuste administrativo que tem por objeto uma atividade prestada à Administração para atendimento de suas necessidades ou das de seus administrados". Continua o autor doutrinando que "O que distingue, pois, o serviço da obra é a predominância da atividade sobre o material empregado e a sua continuidade, [...]. Adverte, também, que "É relevante notar que o contrato é de serviço, não de mão-de-obra, pois esta caracterizaria contratação indireta de pessoal, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal de 1988".(MEIRELLES, 2010, p. 414) (grifo original).
Os contratos de prestação de serviço têm como objeto as prestações de fazer, pactuadas com a Administração Pública, para dar suporte no atendimento do interesse público, este atendido mais diretamente através dos contratos de obras públicas, de concessão ou de permissão dos serviços públicos. Então, podemos dizer que são contratos realizados com os particulares para a execução de serviços intermediários, de manutenção e desenvolvimento das atividades administrativas, sem as quais o Estado não poderá atingir os objetivos fins.

1.3.4 Contrato de Fornecimento


A administração pública, para efetuar obras e serviços, ou mesmo os serviços de manutenção de suas atividades administrativas, realiza contratos de fornecimento para adquirir bens móveis como: gêneros alimentícios, móveis, materiais de limpeza, materiais de expediente como papel, cartuchos, canetas, etc. Em suma, esses contratos menos complexos são utilizados para adquirir bens móveis necessários ao desenvolvimento de atividades rotineiras próprias da Administração ou para executar serviços ou obras em execução direta.
Colhe-se o conceito nos termos em que "Contrato de fornecimento é o ajuste administrativo pelo qual a Administração adquire coisas móveis (materiais, produtos industrializados, gêneros alimentícios etc.) necessárias à realização de suas obras ou à manutenção de seus serviços" (MEIRELLES, 2010, pp. 415-416) (grifo original).
Da doutrina de Di Pietro (2007, p. 311) extrai-se que "Fornecimento é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública adquire bens móveis e semoventes necessários á execução de obras ou serviços" (grifo original).
Segundo Carvalho Filho (apud MATTOS, 2002, p. 265):

São aqueles que se destinam à aquisição de bens móveis necessários à consecução dos serviços administrativos. A administração, para atingir seus bens, precisa a todo memento adquirir bens da mais variada espécie, e isso pela simples razão de que múltiplas em (sic) diversificadas são as suas atividades. De fato, e apenas para exemplificar, é necessário adquirir medicamentos, instrumentos cirúrgicos e hospitalares, equipamentos etc., se o objetivo é assistência médica; material escolar, carteiras etc., se o Estado visa à atividade de educação, e assim também para as demais atividades.

Com pensamento semelhante aos supramencionados, Cretella Júnior (1997, p. 92) professa que "Contrato de fornecimento é o acordo de vontades pelo qual, mediante preço ajustado, uma pessoa de Direito Privado se compromete a entregar à Administração gêneros, mercadorias ou objetos móveis de qualquer espécie".
O contrato de fornecimento avençado pela Administração Pública pode realizar-se na modalidade integral (entrega futura de uma só vez), parcelado (o objeto é fornecido por parcelas determinadas) ou contínuo (num determinado tempo, a entrega do objeto ? bens de consumo habitual, é feita em datas determinadas, a depender da discricionariedade na escolha).
Assim podemos conceituar contrato de fornecimento como aquele cujo objeto é a aquisição, pela Administração, de bens móveis que servirão à execução de suas obras ou realização e manutenção de serviços a ela pertinentes.







2 TEORIA DA IMPREVISÃO

2.1 Direito Privado

A teoria da imprevisão, instituto tão discutido na relação contratual estabelecida entre a Administração Pública e seus administrados, é fruto da vetusta cláusula rebus sic stantibus. Esta cláusula, que remonta ao direito romano, assegurava que os fatos imprevisíveis aos quais as partes não deram causa, fora da vontade encontrada na avença, não poderiam obrigar uma das partes a executar o objeto sob o risco de ruína econômica. Com esta cláusula as obrigações insertas no contrato devem conservar uma relação jurídica com o estado das coisas à época do contrato, o que quer dizer que assim estando, assim permanecerá. Por isso, havendo fatos alheios ao pacto psicológico firmado, alcançando uma transmutação dos pressupostos fáticos que deram suporte ao negócio jurídico outrora, o direito não poderá deixar de considerá-los, sob pena de faltar com o dever de tutela jurisdicional, patrocinando a pacificação social e equidade. A observação jurídica de fatos de excessiva onerosidade a uma das partes, antes de tudo é uma questão de justiça e estabilidade jurídica dos contratos.
Este instituto de equidade há 2.700 a.C, já apresentava seu embrião com força latente, e bem objetiva, tutelando os fatos da natureza (caso fortuito), grafado em pedra, o Código de Hammurabi determinava que "Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano" (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 264).
A sobredita cláusula alcançou o ponto mais alto nos séculos XIV, XV e XVI, tendo seu declínio, quase desaparecendo, com a vigência do Código Napoleônico, com as idéias liberais em que a razão humana representada pelo ato volitivo valia muito mais que circunstâncias naturais, sociais ou políticas que afetassem a execução tratada cujo instituto prevalente passa a ser o pacta sunt servanda, trazendo de volta a imutabilidade dos contratos ao dizer que o pactuado deve ser cumprido já que faz lei entre as partes. (MELLO, 2006, p. 622).
Depois do quase esquecimento, ressurge, na França, a velha e justa cláusula rebus sic stantibus, desta quadra com a roupagem de teoria da imprevisão apregoando a obrigação de cumprimento do pactuado somente se as condições econômicas hodiernas fossem semelhantes às da época da celebração do contrato (MELLO, 2006, p. 625)
A ciência jurídica inculca teorias que se solidificam pelo convencimento da maioria e, no direito positivo, o Estado trata de torná-las lei para que todos se submetam a ela. Tudo isso nasce das relações humanas que produzem os fatos, estes observados pelos órgãos públicos legisladores e/ou jurisdicionais (jurisprudência) que os transformam em suportes fáticos. Os suportes fáticos são a base para aplicação da norma realizando a subsunção. Ou seja, suporte fático + lei = decisão. Então, conforme a necessidade de disciplinar o comportamento humano, o Estado, a partir de observações dos valores sociais, produz normas de conduta (direito) para que o interesse público prevaleça ao bem do convívio social em harmonia.
Depois de séculos de esquecimento, a velha cláusula reaparece após a 1ª Guerra Mundial, sob a denominação de Teoria da Imprevisão indicando que o acontecimento de fatos imprevisíveis, alheios à vontade manifestada pelos contratantes, de caráter extraordinário, de poder capaz de levar ao estado falimentar uma das partes, afigura situação de insuportabilidade apenas pelo atingido (MELLO, 2006, pp. 622-622).
Com a primeira grande guerra, os fatores econômicos sofreram transformações fortes, alterando drasticamente as relações negociais, além de nova concepção geopolítica global e fortes movimentos sociais exigindo, assim, um posicionamento dos Estados Europeus. Assim, o pacta sunt servanda fora repensado e a França criou a Lei Falliot, no dia 21 de maio de 1918, como bem ensina Bessone (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 265):

Na França, ainda sob o fragor das batalhas, o problema desfiava solução. A Corte de Cassação resistiu tenazmente às solicitações de revisão dos contratos. O Conselho de Estado, no entanto, cedeu logo à premência dos fatos, firmando o princípio de que o poder público só poderia exigir do concessionário o cumprimento do contrato, tornado excessivamente oneroso por conseqüência de circunstâncias novas, das quais houvessem resultado dificuldades superiores às que poderia prever, se os revisse, adaptando-os às circunstâncias do momento. Em face da resistência da Corte de Cassação, tornou-se necessária a solução da questão por meio de lei, e, a 21 de maio de 1918, promulgou-se a Lei Falliot....

Diante de exposto permite-se afirma que a hodierna teoria da imprevisão nasceu do sentimento de justiça (rebus sic stantibus) e desenvolveu-se para afigurar-se na boa-fé objetiva. Isso mesmo: o objeto contratado deverá ser cumprido nas mesmas condições encontradas no momento da celebração do pacto. Havendo acontecimentos não previstos, ou se fossem previstos o negócio não se concretizaria, extraordinários ao contrato, alheios à vontade das partes, cujo cumprimento, apesar deles, cause excessiva onerosidade ou leve à ruína uma das partes, o contrato deverá ser revisto para recomposição das condições, sob risco de a parte favorecida obter riqueza ilícita, algo não tutelado pelo direito nem objetivado pelos contratantes.
A teoria da imprevisão no direito privado tem prescrição no Código Civil de 2002, nos artigos 317, 478, 479 e 480. Também, no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078, de 11 de dezembro de 1990, tal teoria encontra-se acatada, porém, com cores mais intensas ? teoria da onerosidade excessiva, cuja inovação percebe-se quando preceitua ser direito básico do consumidor, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (art. 6ª, V). Tal intensidade tem razão de ser na medida em que essa norma considera o consumidor hipossuficiente e vulnerável às especificações dos produtos e serviços postos no mercado, cuja finalidade comercial é o consumo (NUNES, 2008, pp. 129-130).
Assim, independente de imprevisibilidade do fato superveniente, o consumidor tem direito à revisão do contrato em virtude da aplicação da teoria da onerosidade excessiva (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 273).
No Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (art. 317), o instituto da teoria da imprevisão prescreve que "Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação".
Observe-se que este artigo contempla o poder da jurisdição aplicada pelo juiz, quando sobrevierem os acontecimentos cimentadores da aplicação da teoria da imprevisão, para restabelecer o valor real da prestação que a pessoa afetada deverá adimplir.
O Código Civil Brasileiro também trata do assunto no Título V, Capítulo II, Seção IV ? Da Resolução por Onerosidade Excessiva, entretanto, também trata da revisão contratual, não obstante o nomem juris da seção. Assim, vejamos:

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

A norma supracitada trata especificamente da resolução do contrato outrora firmado em condições bastante diferentes que as atuais. Percebe-se que, equivocadamente, ela coloca como exigência a vantagem de uma parte e desvantagem de outra, demonstrando uma impropriedade, tendo em vista que o acontecimento superveniente poderá afetar ambas as partes contratantes, o que não poderá alijar o direito de resolver a avença sob a tutela da referida teoria. Os acontecimentos, além de imprevisíveis, devem apresentar caráter extraordinário, estranhos àqueles aos quais o contratante está sujeito no cotidiano da vida econômico, ou seja, devem diferenciar-se dos riscos cotidianos próprios do ramo tratado no contrato - álea ordinária (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, p. 275-276).
Continuando, a lei disciplina que a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato (art. 479). Neste passo, verifica-se a prescrição legal da revisão contratual para evitar a resolução do contrato. Veja-se que esta regra de conduta coloca, também impropriamente, a faculdade do réu oferecer-se para modificar as condições do contrato. Desta feita invoco as sábias palavras que arguem "Como conceder que a revisão da base econômica do contrato fique ao alvedrio de apenas uma das partes?" (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, pp. 276-277). O autor continua explicando o "absurdo":
A negativa dessa via ? deferida exatamente à parte que, em geral, goza de maior poder econômico ? pode significar, na prática, que ao autor da ação (devedor onerado pelo evento imprevisível) caiba, apenas, pleitear a resolução do contrato, ou seja, a dissolução do negócio, o que poderá não lhe interessar, ou, até mesmo, ser-lhe ainda mais prejudicial.
Por isso, sustentamos a inegável possibilidade, á luz dos princípios da dignidade da pessoa humana (do devedor) e da efetividade do processo, de o juiz, sem pretender substituir-se à vontade das partes, prolatar sentença revisional, corretiva das bases econômicas do negócio, mesmo com a oposição do réu (credor) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p. 277).

A teoria da imprevisão é instituto que pode ser demandado por qualquer das partes, sobretudo ao prejudicado pelos fenômenos imprevistos de álea econômica agravadores da equação econômico-financeira. Ademais, como alhures abordado, tais eventos podem afetar ambos os contratantes e a solução do contrato não ser de interesse das partes, o que os levaria a uma recomposição das condições avençadas para a consecução do escopo pretendido. Destarte, não pode o direito negar uma solução de equidade nas relações jurídicas, aliás, é um dos objetivos do Poder Judiciário na aplicação na norma de conduta produzida pelo Estado.
O próximo artigo trata da aplicação do instituto aos contratos unilaterais (as obrigações são incumbência de apenas um dos contratantes). O mencionado dispositivo preceitua que se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida na quantidade, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva (art. 480).
Observa-se a preocupação apresentada neste artigo para evitar onerosidade excessiva ao contratante único obrigado na relação, quando ele se encontrar em posição de considerável dificuldade para o adimplemento da prestação a que está sujeito. Dessa forma, fica o contratante devedor autorizado a propor ao contratante credor, a redução da prestação, ou mesmo a alteração da forma de execução. Pois é, não seria de boa-fé, num contrato onde um tem o dever e o outro o benefício (contrato de doação, por exemplo, onde não há equivalência de prestações), exigir cumprimento inflexível, radical, específico em quantidade e modo, negando ao devedor único da relação, que sofrera com acontecimentos imprevistos, a amenização das consequências para evitar onerosidade acima da que se dispôs a assumir na celebração.

2.2 Direito Público

O Direito Público Brasileiro institucionalizou a teoria da imprevisão na Constituição Federal, ao dispor que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá, além dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ressalvadas as exceções específicas e legais, ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro (equação econômica), ao assegurar que as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, caput e inciso XXI).
Ora, garantir as condições efetivas da proposta, na forma da lei (Lei 8.666/93), quer expressar que o Estado Brasileiro impõe à Administração Pública o dever de garantir, na relação contratual pactuada com seus administrados, a indispensável estabilidade jurídica e econômica, com o fito de, também, promover condições que possibilite à Administração na qualidade de contratante, a escolha da melhor proposta, haja vista a estabilidade tutelada no patamar de princípio constitucional.
A bem da verdade, tal garantia, não apenas assegura a tranqüila execução por parte do particular contratado, como também, garante que este não precise inserir nas composições de preços valores provisórios que acontecem, apenas, extraordinariamente, tanto que são imprevisíveis, via de regra.
A Carta Magna, sistematicamente, tutela os direitos fundamentais fundada no princípio republicano da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), este sendo o alicerce dos demais direitos, impõe que o contrato exerça função social, o que nos leva a entender que o direito não poderá garantir prerrogativas à Administração que possam desconsiderar eventos naturais, políticos, sociais ou econômicos que transcendem a capacidade do particular prevê-los, ou mesmo evitá-los, e levá-lo à ruína econômica.
As pessoas (físicas ou jurídicas) que se submetem, juntamente com a Administração, a atender o interesse público definido pela lei, celebra um contrato de colaboração sob o interesse essencial do lucro e de continuação no mercado, por isso, a segurança de uma equação econômica inicial até o fim do contrato é uma peculiaridade imanente aos contratos administrativos. Assim, é possível afirmar que a manutenção das condições efetivas da proposta é questão de ordem pública, das quais, nem os agentes públicos, nem os particulares poderão se abster do cumprimento, porque gozam de caráter coercitivo erga omnes.
A lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, atendeu ao pedido contido no texto acima, prevendo a teoria da imprevisão, art. 65, mormente, no seu inciso II, "d":

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
[...]
II - por acordo das partes:
[...]
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
[...]
§ 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso.

Colhe-se dos textos normativos (II, d e § 5º) alguns importantes ensinamentos: a) os objetivos da alteração são garantir o equilíbrio econômico financeiro inicial do contrato e a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento; b) os pressupostos autorizadores do restabelecimento da equação inicial do contrato são, numa concepção moderna, modalidades da teoria da imprevisão, cuja igualdade legal procurou facilitar a aplicação da teoria da imprevisão. Neste contexto temos uma espécie de equilíbrio econômico-financeiro e várias modalidades, num mesmo valor jurídico, mesmo que, segundo abalizados doutrinadores e jurisprudentes apontem algumas diferenças de características e efeitos entre os tipos. Assim, temos as modalidades (1) fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, (2) força maior, (3) caso fortuito (4) fato do príncipe; c) os fatos hão de configurar-se álea econômica, ou seja, atingir as bases econômicas iniciais convencionadas; e d) a álea econômica deve ser extraordinária, fora dos riscos ordinários aos quais deve o terceiro contratado assumir. São os riscos imprevisíveis, ou imprevistos, porém de consequências incalculáveis pelas partes na celebração do contrato.
Quer dizer que extraordinária é a álea econômica fora dos acontecimentos normais da vida, do cotidiano, como por exemplo, catástrofes, guerras, atos estatais proibitivos ou de grande repercussão econômica, etc.
Quanto ao § 5º, este trata especificamente do Fato do Príncipe, uma das modalidades da teoria da imprevisão, já mencionado (II, d), o qual caracteriza-se, também, pelo poder de repercutir, reflexamente, nos preços propostos, ensejando revisão, para mais ou para menos. Este instituto advém do Estado vestido de poder geral que influencia substancialmente as relações contratuais, não obstante a via indireta (via direta seria Fato da Administração), agravando a ponto de exigir uma recomposição dos preços para assegurar o cumprimento da obrigação.
Pode-se afirmar que, normalmente, são as leis e decretos que disciplinam as condutas impostas aos administrados de forma geral, após a apresentação da proposta do contratado, criando, alterando ou extinguindo encargos ou tributos, bem como proibindo ou restringindo práticas comerciais, de cuja afetação o particular não pode se afastar.
Não é inútil encarecer que a teoria da imprevisão no Direito Público, tanto quanto no Direito Privado, busca a equidade indispensável para garantir, no primeiro caso, a consecução do interesse público, e, no segundo, a circulação de riquezas.




















3 REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO

3.1 Fundamentações Legal, Doutrinária e Jurisprudencial

Perscrutando a Lei nº 8.666/93, atual estatuto regedor das licitações e contratos administrativos no Brasil, pode-se atentar para uma melhor compreensão deste instituto público, haja vista a percepção de confusão no seu entendimento, razão, inclusive, de inadequada aplicação. Vez confunde-se com teoria da imprevisão, vez com repactuação, vez com reajuste de preços, tudo isso por não compreender a diferença entre gênero e espécies, classificação que evitará confundir os diversos institutos jurídicos, porque jamais o gênero será contrariado pela espécie, e vice-versa.
Destarte, a partir de um conhecimento holístico das diversas modalidades de equilíbrio ou reequilíbrio econômico-financeiro, a compreensão deste torna-se bem mais clara quando lhe propõe o status de gênero, e aos demais, espécies. Explicamos: O equilíbrio econômico-financeiro é o direito do terceiro contratado, e dever da Administração Pública (além de um freio à sua atuação administrativa), à garantia da equação, de mesma natureza, formada no momento da avença quando os colaboradores (Administração e Particular) submeteram-se e comprometeram-se à consecução do interesse público manifestado no objeto do contrato administrativo. Quer isso dizer que o Estado contratante deve tutelar a estabilidade da relação pactuada desde o momento de apresentação da proposta, evitando as intempéries (naturais, políticas e sociais com reflexo econômico) advindas no decorrer do tempo de execução do objeto.
Tal direito está contemplado na Constituição Federal que obriga à Administração Pública obedecer, além dos princípios elencados no caput do artigo 37, o da Manutenção das Condições Efetivas da Proposta (CF, art. 37, XXI).
A legislação infraconstitucional cumprindo seu papel tratou de instituir suas espécies, quais sejam, atualização financeira, reajustamento de preços e revisão, esta se desdobrando nas modalidades fato da administração, teoria da imprevisão, interferências imprevistas e repactuação. Assim, tendo uma classificação definida em espécies e modalidades legais a partir de um gênero constitucional, afigura-se um método facilitador de aplicação jurídica dos diversos institutos.

Na Constituição Federal, encontra-se prescrito, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensável à garantia do cumprimento das obrigações (grifo nosso).

Na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, arts. 57, § 1º; 58, § 2º; 65, II, d e § 6º; no Dec. nº 2.271/97 e na Instrução Normativa nº 02, de 30 de abril de 2008, o gênero do equilíbrio econômico-financeiro tem sólida previsão, e suas espécies encontram-se prescritas nas normas que abaixo se indicam:
a) Atualização monetária ou financeira (art. 5º, caput e §1º; § 7º do art. 7º; art. 40, XIV, c; art. 55, III e § 8º do art. 65);
b) Reajuste de preços (art. 40, XI; art. 55, III e art. 65, § 8º);
c) Revisão, que compreende as modalidades:
Fato da Administração (arts. 57, § 1º, I, III e IV; 65, I, a e b);
Teoria da Imprevisão (arts. 57, § 1º, II, V e 65, II, d e § 5º);
Interferências Imprevistas - Responsabilidade Civil da Administração Pública (art. 57, § 1º, VI);
Repactuação de preços (art. 5º, caput, Dec. nº 2.271/97 e arts. 37 a 41-B, IN nº 02/08).
Não se afigura exagerado afirmar que a doutrina, conforme veremos a seguir, é unânime na concepção do equilíbrio econômico-financeiro como sendo um direito do particular contratado e um dever da Administração Pública, tendo em vista a equiparação das prestações às quais os contraentes estão sujeitos em virtude de prescrições legais.
A Administração goza de prerrogativas irrenunciáveis, em nome do interesse público, quando contrata com particular colaborador. Este, com objetivo de lucro, submete-se aos requisitos preestabelecidos por aquela. Ou seja, o primeiro assume uma obrigação de dar coisa certa (dinheiro), o segundo assume obrigação de dar (contrato de fornecimento) ou fazer (contrato de prestação de serviço ou execução de obra), ambos formaram, no momento da proposta apresentada e aceita, uma equação econômica que deve ser respeitada durante toda execução do contrato.
Todas as vezes que, ou em razão de ato da própria Administração (alterações unilaterais), ou em razão de fatos supervenientes e extraordinários impedidores ou retardadores da execução do objeto, houver alteração da equação financeira do contrato, há de se restaurar a relação originalmente pactuada, sob pena de exercício abusivo de autoridade em flagrante inconstitucionalidade.
A equação estabelecida no momento da apresentação e aceitação da proposta apresenta uma relação de igualdade entre os encargos assumidos pelo contratante particular e a remuneração a que se comprometeu a Administração pagar. Por isso, qualquer ato ou fato que desequilibre tal relação, ensejará uma revisão das condições atuais para restabelecer aquelas outrora firmadas.
A seguir colacionam-se ensinamentos de diversos doutrinadores dos mais referenciados na jurisprudência a respeito do instituto em tela:
"O direito ao equilíbrio econômico-financeiro assegura ao particular contratado a manutenção daquela proporção durante a vigência do contrato. Se houver aumento dos encargos, a remuneração deverá ser aumentada também" (MEDAUAR, 2010, p. 223).
O equilíbrio financeiro do contrato administrativo é a equação que os contraentes firmam inicialmente, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração pra a justa remuneração do objeto. Há uma correlação entre as prestações às quais se submetem as partes, cuja conservação perdurará durante toda execução do contrato, seja por alteração de cláusulas regulamentares, seja por alteração de cláusulas econômicas, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico do contrato (MEIRELLES, 2010, p. 264).
Em contrapartida às prerrogativas da Administração de alterar unilateralmente os contratos, corresponde o direito do contratado de ver mantido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, assim considerada a equação de igualdade estabelecida no momento da avença, entre o encargo do contratado e a remuneração assegurada pela Administração (DI PIETRO, 2007, p. 251).

[...] o princípio segundo o qual a Administração não pode, sem empenhar sua responsabilidade, romper por seu fato o equilíbrio do contrato em detrimento de seu contratado constitui uma regra defendida pela jurisprudência e fundada, por sua vez, sobre a equidade (contraprestação dos poderes exorbitantes de que dispõe a Administração na execução do contrato) e sobre o próprio interesse do serviço público, uma vez que o contratado é, definitivamente, o colaborador" (LAUBAÈRE, apud TANAKA, 2007, p. 139).

Carvalho Filho (2007, p. 181) ao tratar de revisão de preços dos contratos administrativos assevera que, de fato, havendo alteração ensejadora de ônus para o contratado "[...] a equação econômico-financeira do contrato sofre maior ou menor rompimento à medida que maior ou menor seja o encargo oriundo da alteração. E o mecanismo próprio para restaurar o equilíbrio rompido é a revisão do preço [...]".
Justen Filho diz que "O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente". O mesmo autor continua afirmado que:

A equação econômico-financeira delineia-se a partir da elaboração do ato convocatório. Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração, está consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então, essa equação está protegida e assegurada pelo Direito (JUSTEN FILHO, 2005, p. 541).

Tanto quanto na doutrina, o princípio constitucional do equilíbrio econômico-financeiro também encontra firme assento na jurisprudência: Justen Filho (2005, p. 549) colaciona acórdão do STJ - Superior Tribunal de Justiça analisando questão em torno da desvalorização cambial, fato ocorrido no ano de 1999, para conter fenômenos econômicos ameaçadores do plano real de estabilização econômica, rejeitando a tese de que o contratado que se dispõe a executar objeto dependente de insumos importados dispõe-se, também, a assumir o risco de eventual desvalorização da moeda pátria, reconheceu efeito desequilibrador da equação econômica do contrato. A seguir, transcreve-se a ementa do decisum:

Contrato Administrativo. Equação Econômico-financeira do Vínculo. Desvalorização do Real. Janeiro de 1999. Alteração de Cláusula Referente ao Preço. Aplicação da Teoria da Imprevisão e do Fato do Príncipe.
1. A novel cultura acerca do contrato administrativo encarta, como nuclear no regime do vínculo, a proteção do equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico de direito público, assertiva que se infere do disposto na legislação infralegal específica (arts. 57, § 1º, 58, §§ 1º e 2º, 65 II, d, 88 §§ 5º e 6º, da lei 8.666/93. Deveras, a Constituição Federal ao insculpir os princípios intransponíveis do art. 37 que iluminam a atividade da administração à luz da cláusula mater da moralidade, torna clara a necessidade de manter-se esse equilíbrio, ao realçar as ?condições efetivas da proposta?.
2. O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte?americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes.
3. Rompimento abrupto da equação econômico-finaceira do contrato. Impossibilidade de início da execução com prevenção de danos maiores (ad impossiblia nemo tenetur)..." (JUSTEN FILHO, 2005, p. 549).

O STJ noutro momento (REsp nº 169.274/sp, rel. min. Franciulli Netto), desta feita decidindo sobre alteração de cláusula de reajustamento, pontuou que "[...] é o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, na verdade, a cláusula imutável, e não a que fixa os critérios de reajustamento[...]..." (JUSTEN FILHO, 2005, p. 552).
Conforme já julgado pelo Tribunal de Contas da União:

Equilíbrio econômico-financeiro. Contrato. Teoria da Imprevisão. Alteração Contratual. A ocorrência de variáveis que tornam excessivamente onerosos os encargos do contratado, quando claramente demonstradas, autorizam a alteração do contrato, visando ao restabelecimento inicial do equilíbrio econômico financeiro, com fundamento na teoria da imprevisão, acolhida pelo Decreto-Lei 2.300/86 e pela atual Lei n.º 8.666/93.
Em se constatando acentuada discrepância de valores [...] impunha-se realizar uma revisão e readequação do contrato, visando à manutenção do seu equilíbrio econômico-financeiro, de modo a assegurar a justa remuneração do objeto pactuado, e a evitar a onerosidade excessiva para uma das partes, que no caso em tela, recaiu para a Administração Pública.
Saliente-se que, na situação vertente, o desequilíbrio resultou de fato imprevisível e estranho à vontade das partes. Nessas circunstâncias, vislumbra-se a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão, objetivando o restabelecimento da comutatividade das prestações contratuais. No caso, o princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda), defendida de forma acirrada pelos recorrentes, deixaria de ser absoluto, de modo a proteger o equilíbrio contratual.
[...].
[...] a revisão contratual visando à recomposição do seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que presentes as condições justificadoras, para tanto, não constitui ofensa aos institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Tal procedimento, como visto, encontra vasto amparo na doutrina, bem como no ordenamento jurídico pátrio (BRASIL, 2008).

Do Supremo Tribunal Federal colhem-se os arestos:

Cláusula rebus sic stantibus. A cláusula aplica-se aos contratos de empreitada. A cláusula só ampara o contratante contra alterações fundamentais, extraordinárias das condições objetivas, em que o contrato se realizou. Ela não visa, porém, eliminar riscos de negócio, riscos inerentes ao próprio sistema econômico vigente no país. No caso, o recorrente não perdeu, deixou apenas de ganhar aquilo que, pelo seu cálculo, seria seu justo lucro. Mas a doutrina da imprevisão não objetiva reajustá-lo. Ainda no caso em apreço não era imprevisível o aumento do salário mínimo. Recurso conhecido e provido para julgar a ação improcedente (BRASIL, 1964, p. 4.488).

A decisão supra admite a sedimentação da teoria da imprevisão no nosso ordenamento jurídico, porém, ainda numa concepção tradicional cujos requisitos cingem-se em elementos que alterem substancialmente o contrato, abarcando os acontecimentos extraordinários, as áleas econômicas fora da previsão do negócio, onde os efeitos são insuportáveis para o contratante. Os riscos ordinários devem ser suportados pelo empresário que assumiu o risco, inclusive, quando o lucro poder suportá-lo. Não se pode perder de vista que esta decisão data de 1964, quando ainda não existia previsão legal da teoria da imprevisão, à época o instituto regia-se pela doutrina e jurisprudência sedimentada na equidade e boa-fé.

Em outra decisão a Suprema Corte reitera a inaplicabilidade da teoria da imprevisão aos fatos anteriormente previstos, como se demonstra: "Teoria da imprevisão. Não é enquadrável no caso vertente, em que a previsibilidade, nas mutações contratuais, foi perfeitamente antevista. Embargos não conhecidos" (BRASIL, 1971). Tais mutações na relação contratual são suportadas pelo contratado, tendo em vista que o instituto não fora construído para salvar falta ou falha no planejamento comercial, apenas para proteger uma relação jurídico-econômica afetada profundamente por fatos imprevisíveis, aos quais as partes não deram ensejo, nem se comportaram com culpa para o acontecimento gravoso.

1. A Cláusula -rebus sic stantibus- tem sido admitida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda e inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio.

2. Não há margem de apelo à teoria da imprevisão, feito em 1964, para reajuste de preço fixado em 1963, com pagamento total e prévio (BRASIL, 1973).

Neste julgado o Supremo Tribunal Federal estabelece alguns requisitos para admissibilidade da teoria da imprevisão. Além do mais a admite implícita aos contratos desde que o contrato tenha natureza de trato sucessivo, sofra alteração profunda e inteira imprevisão das circunstâncias ao tempo da celebração do contrato. Recusou, também, aplicabilidade da teoria a fatos passados.

3.2 Modalidades de Equilíbrio Econômico-financeiro

Estudando o estatuto das licitações e contratos administrativos, é possível argüir que não há razão, como se percebe em obras literárias sobre o assunto, para considerar, apenas, as modalidades classificadas como de revisão contratual (teoria da imprevisão, fato da administração e interferências imprevistas) como sinônimo de equilíbrio econômico-financeiro.
Qualquer evento seja inflação, fato da administração, teoria da imprevisão, atraso no pagamento, atraso na liberação do local da obra, etc, desde que repercuta na essência do contrato, atingindo sua remuneração ajustada, entendemos ser causa de desequilíbrio, motivo pelo qual, a Constituição Federal garante a intangibilidade das cláusulas econômicas, seja via direta ou reflexa. Daí a necessidade de conceber o princípio de equilíbrio financeiro como gênero do qual se extrai as várias espécies classificadas a seguir. Tal classificação, além de desmistificar a compreensão didática do instituto principiológico, propõe uma visão holística de todo tema para, em seguida, conhecerem-se as partes especiais ? suas espécies e modalidades.

3.2.1 Atualização Financeira

Com fundamento legal prescrito nas normas indicadas no subitem 3.1 deste capítulo, esta espécie de reequilíbrio econômico financeiro, hodiernamente, é utilizada como forma de reposição ou correção monetária quando a Administração atrasa o pagamento do contratado adimplente. Para melhor compreensão, a Administração deve pagar a parcela executada em até 30 dias do adimplemento da prestação, sob pena de penalidade financeira. Até este momento há adimplemento do contratante público. Não realizando o devido pagamento, há uma obrigatória observação da inflação, cujo critério encontra-se, em regra, inserta no edital e instrumento contratual (Dec. nº 1.054/94, arts. 2º, 9º e 10).
A atualização financeira ou correção monetária não se trata de alteração contratual, apenas, mera recuperação das perdas produzidas pela desvalorização da moeda em virtude da inflação ocorrido no período de inadimplência. Aliás, só incide tal instituto porque a Administração não efetuou o devido pagamento na data avençada, o que ocasiona um dever de atualizar o valor para a atual realidade.
Justen Filho (2005, p. 558), em nota de rodapé, lembra jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, no seguinte sentido: "Administrativo. Empreiteira. Contrato para realização de obras públicas. Atraso no pagamento das faturas ? Correção monetária. Incidência, mesmo nos contratos celebrados sem previsão, em face da desvalorização da moeda pela inflação. Recurso provido (RSTJ 3/473)".
Segundo a Lei nº 8.666/93, a Administração Pública no procedimento licitatório publicará o edital indicando, obrigatoriamente, critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela (30 dias ? art. 9º, Dec. 1.054/94) até a data do efetivo pagamento (art. 40, XIV, c); os procedimentos de atualização financeira não se caracterizam como alteração contratual, o que dispensa aditamento e seu registro poderá ser realizado por apostilamento (art. 65, § 8º); a atualização monetária das obrigações de pagamento, para fins de julgamento das propostas, não será computado como valor da obra ou serviço (§ 7º do art. 7º).

3.2.2 Reajustamento de Preços

Reajuste é a espécie de reequilíbrio econômico-financeiro cujo escopo se dispõe a recompor o valor contratado corroído pela inflação, mediante índice, geral ou setorial, que represente a variação do custo de produção do serviço, obra ou fornecimento, após um ano, contado a partir da data de apresentação da proposta ou do orçamento a ela referente, previamente escolhido e previsto no edital convocatório da licitação. O reajustamento de preços tem fundamento na Lei 8.666/93 (art. 40, XI; art. 55, III e art. 65, § 8º), porém, há disciplinamento, também, nas Leis nºs 9.069/95 e 10.192/01, ambas tratando do plano real.
Observa-se que a Lei nº 8.666/93 preceitua obrigatoriedade do edital apresentar critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela (art. 40, XI). Veja-se que esta redação, anterior à lei do plano real, portanto, em plena inflação, tinha o objetivo de reparar os danos inflacionários a cada parcela adimplida pelo contratado. Entretanto, em 1995 promulgou-se a lei de estabilização econômica (Lei 9.069/95) com norma proibitiva de reajustamento de preços com prazo inferior a um ano, sem, contudo, fixar o momento inicial de sua contagem, o que veio acontecer com o advento da Lei 10.192/01.
Assim, reajuste, tanto quanto a atualização financeira são espécies proporcionadoras do reequilíbrio econômico, porém, diferem-se por terem aplicações diferentes: a primeira repõe a inflação do setor referente ao objeto contatado, num período não inferior a um ano; a segunda se propõe a repor a inflação ocorrida num período não definido, apenas detectada concretamente, entre o período de adimplemento e o efetivo pagamento, como forma de reparação pelos danos causados ao contratado adimplente que sofreu com a inadimplência temporária do contratante público.
Os critérios de atualização monetária, a periodicidade e o critério de reajuste de preços nos contratos deverão ser previamente estabelecidos nos instrumentos convocatórios de licitação ou nos atos formais de sua dispensa ou inexigibilidade (art. 2º, do Dec. nº 1.054/94).
O § 2º, do art. 2º, do Dec. nº 1.054/94, preceitua a vedação, sob pena de nulidade, da cláusula de reajuste vinculada a variações cambiais ou ao salário mínimo, ressalvados os casos previstos em lei federal ou quando se tratar de insumos importados que acompanhem os custos de produção ou do preço dos insumos utilizados.
Em comentário ao § 8º do art. 65 do estatuto das licitações, Justen Filho entende que o mesmo reconheceu, com exatidão, não haver alteração contratual quando aplicado o reajustamento de preços ou outras compensações financeiras por inflação, afirmando que "A mera atualização monetária importa apenas recuperação do valor real da moeda, deteriorado em virtude da inflação. A correção monetária mantém a identidade da moeda e não acarreta qualquer elevação dos encargos da Administração" (JUSTEN FILHO, 2005 p. 558).
Discorrendo sobre as cláusulas de reajustes de preços contratados, Mello (2006, pp. 625-627), ensina que a princípio tais cláusulas foram dispostas nas avenças a partir da convicção humana de que não se vivia em um mundo de relações estáveis, sem surpresas, cuja finalidade era evitar a invocação da Teoria da Imprevisão nos contratos administrativos, como remédio para reequilibrar o pacto estabelecido na avença administrativa. Porém, desejava-se prever o imprevisível que sempre acontece, algo que as partes não poderiam prever. Por isso, a jurisprudência passou a considerar tais cláusulas sem valor quando acontecimentos imprevisíveis ocorressem no interregno do contrato. Segundo concepção deste autor, "Para que as partes cumpram devidamente o ajuste em toda sua lisura, boa-fé e lealdade, como de direito, cumpre que atendam ao efetivamente pretendido, respeitando a real intenção das vontades que se compuseram (MELLO, 2006, p. 629).
Fica patente a necessidade da Administração Pública garantir a efetividade da proposta inicial, não deixando que a inflação corroa os alicerces do contrato firmado representados nas cláusulas econômicas. Para que a Administração exija o fiel cumprimento da prestação atribuída ao particular, fundamental que a própria cumpra a sua, também com fidelidade, baseando-se na variação de preços geral ou setorial referente ao objeto contratado.

3.2.3 Revisão Contratual

Numa mesma linha filosófica em torno do princípio solar acima exposto, cumpre conceituar a revisão contratual como a espécie detentora de quatro modalidades (fato da administração, teoria de imprevisão, interferências imprevistas e repactuação de preços) demandadas para reequilibrar os contratos administrativos em razão de fenômenos naturais (caso fortuito), administrativos (fatos da administração), políticos e econômicos (fato do príncipe e guerras) e de terceiros (força maior), que afetam de forma direta ou indireta a equação econômica avençada entre os contraentes.
Esse entendimento, mesmo que não sistematizado na forma que este trabalho pretende demonstrar, pode ser inferido, da doutrina pátria, quando consigna que a revisão do contrato, ou seja, a modificação das condições de sua execução, pode ocorrer por interesse da própria Administração ou pela superveniência de fatos novos que tornem inexeqüível o ajuste inicial. Observa-se a revisão por interesse da Administração quando esta, atendendo ao interesse público, altera o projeto ou os processos técnicos de execução do objeto contratado, com aumento dos encargos ajustados para o particular. Vislumbra-se a revisão pela superveniência de fatos novos, quando sobrevêm atos do governo ou fatos materiais imprevistos e imprevisíveis pelas partes que dificultam ou agravam, de modo excepcional, o prosseguimento e a conclusão do objeto do contrato, por obstáculos intransponíveis em condições normais de trabalho ou por encarecimento extraordinário das obras e serviços a cargo do contratado (MEIRELLES, 2010, pp. 346-347).
MELLO (2006, p. 608) discorre sobre o tema dizendo que a recomposição ou revisão de preços, aplica-se nos casos em que o reajuste de preços não for eficaz para manter o equilíbrio econômico-financeiro, por se tratar de acontecimentos novos, não corrigíveis adequadamente por esta espécie de reequilíbrio. Incluem-se não apenas as hipóteses em que a Administração modifica unilateralmente o projeto ou suas especificações, ou quando, por acordo das partes, promove-se a modificação do regime de execução obra ou serviço, ou do modo de fornecimento, mas também em quaisquer outras nas quais não haveria como corrigir as distorções recorrendo simplesmente aos reajustes contratuais, o que muitas vezes ocorrerá ante os fenômenos compreendidos no âmbito da chamada teoria da imprevisão, da denominada teoria do fato do príncipe e das sujeições imprevistas.
Esta espécie de reequilíbrio, diferentemente do reajuste de preços, não exige prazo mínimo de execução para ser efetivada. Muitas vezes é confundida com reequilíbrio ou com teoria da imprevisão que é uma modalidade de revisão contratual. Sua aplicação se deve à razão de acontecimentos imprevisíveis, ou previsíveis de conseqüências incalculáveis, seja originados de atos administrativos (fatos da administração), de terceiros ou da natureza.
Pela importância atual que apresenta, uma nova figura merece, malgrado dependente de prazo mínimo para aplicação, ser classificada como modalidade de revisão contratual, pela própria natureza que apresenta; trata-se da repactuação de preços, criada pelo Dec. nº 2.271/97, e disciplinada pela IN nº 02/08, para ser aplicado aos contratos administrativos de natureza continuada, propícios aos serviços auxiliares das atividades públicas fins; esta figura aproxima-se do reajuste pela exigência de interstício mínimo de um ano, porém se desenvolve sem previsão de índices gerais ou setoriais pré-determinados no edital.
A finalidade primeira da repactuação era ajudar destruir a indexação econômica da época de inflação. Tendo em vista que a repactuação de preços processar-se-á a partir de um fato desconhecido das partes, apenas possível, quando do estabelecimento da avença, procura-se optar pela classificação de mais uma forma de revisão contratual.
Com o intuito de orientar a diferença entre revisão e reajuste: "A revisão do preço, embora objetive também o reequilíbrio contratual, tem contorno diverso. Enquanto o reajuste já é prefixado [...], a revisão deriva da ocorrência de um fato superveniente, apenas suposto (mas não conhecido) pelos contratantes quando firmam o ajuste" (CARVALHO FILHO, 2007, p. 180).
Justen Filho (2005, p.549) pondera que:

Reserva-se expressão "revisão" de preços para os casos em que a modificação decorre de alteração extraordinária nos preços, desvinculada da inflação verificada. Envolve a alteração dos deveres impostos ao contratado, independentemente de circunstâncias meramente inflacionárias. Isso se passa quando a atividade de execução do contrato sujeita-se a uma excepcional e anômala elevação (ou redução) de preços (que não é refletida nos índices comuns de inflação) ou quando os encargos contratualmente previstos são ampliados ou tornados mais onerosos.

O conteúdo da citação demonstra que não é descabida a classificação da repactuação como modalidade ou subespécie de revisão, inclusive, observa-se o cunho generalizado do instituto revisão contratual, desvinculado de índices inflacionários preestabelecidos.
Ainda, para dar mais sustentação à classificação da repactuação, colhe-se que a mesma assemelha-se ao reajuste, "Mas aproxima-se da revisão de preços quanto ao seu conteúdo: trata-se de uma discussão entre as partes relativamente às variações de custo efetivamente ocorridas" (JUSTEN FILHO, 2005, p. 551).
Esta modalidade de revisão contratual é de grande utilização no reequilíbrio financeiro de contratos de prestação de serviços da Administração, mormente, aqueles de trato continuado, como de vigilância e limpeza e manutenção de prédios e bens públicos. Sua aplicação traz maior eficiência administrativa, tendo em vista a possibilidade de renovação do contrato administrativo com o particular, quando se apresenta viável aos contratantes. Isso evita realização de nova licitação e uma justa readequação dos preços à realidade do mercado, porque o procedimento se dá mediante apresentação de planilhas de composição de custos que retratem a variação de preços, tanto para mais (em favor do particular), quanto para menos (em favor da Administração), sem fugir da proporcionalidade de cada item que compõe o preço, inclusive, do lucro.

3.2.3.1 Fato da Administração

Fato da Administração, modalidade de revisão de preços, cuja maior importância reside em representar parte das prerrogativas irrenunciáveis e indisponíveis ? normas de ordem pública em nome do interesse público, de que goza a Administração Pública para, dentre outras coisas, alterar unilateralmente os contratos administrativos (arts. 57, § 1º, I, III e IV; 58, I e IV, 65, I, a e b). Então, este instituto se manifesta quando a Administração, no seu interesse, pratica atos que afetam diretamente o contrato.
Di Pietro apresenta a diferença existente entre o fato da Administração e o fato do príncipe: "[...] enquanto o primeiro se relaciona diretamente com o contrato, o segundo é praticado pela autoridade, não como ?parte? no contrato, mas como autoridade pública que, como tal, acaba por praticar um ato que, reflexamente, repercute sobre o contrato" (DI PIETRO, 2007 p. 260).
Em outra doutrina acerca do tema "Considera-se fato da administração toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede sua execução. Esse fato se equipara à força maior [...], ensejando, ainda, as indenizações correspondentes" (MEIRELLES, 2010, p. 325).
Observa-se que o autor classifica, na obra citada, este instituto como um dos desdobramentos da teoria da imprevisão. Com todo respeito que merece, é possível discordar dessa classificação por motivos óbvios: a) nos desdobramentos do art. 65, II, da Lei nº 8.666/93 não se encontra contemplado como tal; b) na construção doutrinária de que o instituto deriva não o comporta, haja vista ser um ato unilateral da Administração, jamais alheio a qualquer das partes como exige a teoria da imprevisão; c) quando se trata de poder-dever da Administração que deve utilizá-lo para atender ao interesse público, por isso, irrenunciável, também, como é o caso da alteração unilateral do contrato, até mesmo o particular contratado está obrigado a cumprir o ato da administração, por que provir de norma pública.
Há que considerar uma alteração contratual de quantidade ou qualidade (do projeto) como um fato da administração, sob pena de incorrer em equívoco de interpretação da norma, como é o caso do § 1º, IV, art. 57, Lei nº 8.666/93. Como também há que se considerar como tal os diversos atos praticados pela Administração dados como exemplos pelo autor supra: a) quando a Administração deixa de entregar o local da obra ou do serviço; b) ou não providencia as desapropriações necessárias; c) ou não expede a tempo as competentes ordens de serviço; d) ou pratica qualquer ato impediente dos trabalhos a cargo da outra parte; e) ou deixa de efetuar pagamento por longo tempo (MEIRELLES, 2010, p. 325).

3.2.3.2 Teoria da Imprevisão

Na legislação administrativa pátria, pode-se conceber a Teoria da Imprevisão como um instituto propício a reequilibrar a equação econômica do contrato administrativo, afigurando-se como uma modalidade da espécie revisão contratual, cuja aplicação se dá quando se manifestam eventos excepcionais e extraordinários, nos desdobramentos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, caso fortuito, força maior e fato do príncipe, alheios à vontade dos contraentes, impregnados de onerosidade insuportável ao contratado, de tal modo que dificultam ou impossibilitam a execução do objeto contratado. (Lei nº 8.666/93, art. 65, II, d).
Dos ensinos de doutrinadores aprende-se que:

A teoria da imprevisão, que fora instaurada na França sob feição circunscrita, pois estabelecia partilha de prejuízos, assumiu novo caráter, inclusive porque se tornou evidente que os casos a serem por ela atendidos não correspondiam a fenômenos esporádicos, [...].
Daí o haver-se afigurado com intuito idôneo para ajustar a normalidade dos contratos aos ?novos padrões de normalidade dos acontecimentos?, se assim nos podemos expressar. Destarte, converteu-se em fórmula eficiente para garantir integralmente o equilíbrio econômico-financeiro avençado ao tempo da constituição do vínculo [...].
Demais disso, a condição "imprevisibilidade" tornou-se menos severa. É o que realça o nunca assaz citado Francis-Paul Bénoît. O imprevisível passou a se referir apenas ao imprevisto, ao razoavelmente não-previsto, e a indenização de imprevisão transmudou-se de ajuda parcial temporária em meio de garantia do equilíbrio econômico-financeiro estipulado por ocasião do contrato, nele incluído o lucro (MELLO, 2006, p. 625).

Justifica-se a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos quando sobrevêm fenômenos imprevistos e imprevisíveis, ou, quando previsíveis, de conseqüências incalculáveis, que desequilibrem profundamente a economia, retardando ou impedindo sua execução. A simples elevação de preços configurada em álea do próprio contrato não dá azo a invocar aplicação da teoria da imprevisão. De fato, atualmente, para normal ou ordinária alta de preços a legislação atual elegeu como modalidade especial o reajuste, cuja previsão já se fixa no edital de licitação. Ademais, a Administração Pública tem legitimidade (art. 65, II, d, Lei 8.666/93) para aplicar aludida teoria, só se justificando a demanda judicial quando o contratante se recusar a efetuá-la ou quando o contratado não aceitar os termos a ele propostos (MEIRELLES, 2010, p. 321).
A teoria da imprevisão, princípio de invocação excepcional, não pode ser confundido com as prerrogativas da Administração pública: as prerrogativas respaldam alterações unilaterais (art. 58, I, c/c art. 65, I, Lei nº 8.666/93), enquanto a teoria da imprevisão prevê ato bilateral, acordo entre as partes; esta teoria se aplica, inclusive, nos contratos de regime privado, haja vista pertencer à Teoria Geral de Direito, portanto, longe de ser exorbitante do direito privado; na alteração unilateral o fato desequilibrador da equação econômica provém da vontade da própria Administração como parte da avença, e não por acontecimentos supervenientes, alheios à vontade dos contraentes (TANAKA, 2007, pp. 168-169).
A Lei nº 8.666/93 dá tratamento uniforme aos desdobramentos susomencionados (art. 65, II, d). Esta nova concepção legislativa trouxe maior tranqüilidade na aplicação da teoria em tela, pois, acabou com a importância da diferença teórico-conceitual dos institutos criada pela doutrina, razão de dúvidas e dificuldades de efetivação de cada uma. Infelizmente, ainda há tribunais e doutrinadores com as mesmas dúvidas em torno do tema, inclusive manifestadas em decisões jurisdicionais e obras literárias.
Há uma padronização de tratamento jurídico das causas caracterizadoras da quebra da equação econômica dos contratos administrativos, não se permitindo aplicar, em nosso sistema jurídico, alguns princípios peculiares do Direito Francês (teoria da imprevisão diferente de fato do príncipe). Assim, não há utilidade nem razão para diferenciar as diversas hipóteses de caracterização da teoria da imprevisão (JUSTEN FILHO, 2005, p. 544). A seguir, para melhor compreensão, conceituam-se os vários desdobramentos da aludida teoria.
A teoria da imprevisão fora construída, desde a antiguidade até poucos anos, sobre a característica principal e absoluta de imprevisão. Nesta concepção, apenas se enquadravam os acontecimentos imprevisíveis de repercussão econômica, produzidos por forças alheias às partes, as quais quebravam o pacto psicológico econômico em torno do objeto contratado. Seria exemplo uma alta insuportável de preços de uma matéria prima de fabricação em virtude de uma guerra ou de providências externas acerca de tarifas sobre importação de um produto essencial ao cumprimento do contrato.
Esta seria a teoria da imprevisão clássica e, malgrado toda evolução legal, continua sendo aceita na Administração Pública da União e nos tribunais. No entanto, a Lei 8.666/93 que disciplina as relações contratuais públicas, tratou do tema com modernidade necessária apta a responder às vicissitudes com que o Estado se defronta para atender as necessidades públicas mediante seus serviços. Com isso, prescrevera norma para abarcar os fatos previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, permitindo inferir do legislador infraconstitucional, o objetivo de assegurar o princípio da continuidade do serviço público e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Hodiernamente, tal modalidade da teoria é o ponto de dificuldade de aplicação da teoria da imprevisão na Administração Pública e nos Tribunais pátrios, porque estes órgãos recalcitram em não aceitar norma de importância atual e imprescindível ao funcionamento eficiente do organismo estatal, em flagrante preconceito de que o contratado particular além do lucro, pretende, sempre, tirar vantagens sobre a coisa pública, desconsiderando que o contratado é um colaborador da Administração, o qual se sujeita a se unir com o compromisso de bem atender ao interesse social, recebendo em troca contraprestação justa, que lhe possibilite continuar no mercado, inclusive, distribuindo riquezas.
Há jurisprudência sedimentada denegando pedidos que se coadunam nesta hipótese legal, o que vem trazendo preços superiores aos de mercado em contratos administrativos. Vejam-se, por exemplo, os casos de aumento salarial proveniente de dissídios, acordos ou convenções coletivas de trabalho que, por serem previsíveis, porém, de conseqüências incalculáveis, não vem alcançado autorização dos tribunais para revisão contratual, como demonstrado neste aresto (STJ, REsp 134.797-DF, j. 16.5.2000): "Revisão de contrato administrativo ? Dissídio coletivo ? Aumento de salário ? Reequilíbrio econômico-financeiro ? O aumento do piso salarial da categoria não se constitui fato imprevisível capaz de autorizar a revisão do contrato ? Recurso não conhecido" (TANAKA, 2007, p. 181).
Trata-se da criação de nova modalidade/desdobramento da teoria da imprevisão, diferenciando-se do fato do príncipe, do caso fortuito e da força maior, pelo simples fato de que nestas três modalidades a imprevisibilidade afigura-se como condição absoluta para sua concreção (TANAKA, 2007, p.180).
Os fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, afiguram-se na transmutação da vetusta teoria da imprevisão, calcada nos requisitos rígidos de imprevisão, extraordinariedade ao contrato, onerosidade excessiva, posterioridade à aceitação da proposta, inimputabilidade de culpa do onerado e involuntariedade das partes, para uma hodierna concepção tuteladora dos eventos com as características antigas, entretanto, sua imprevisão flexibilizada, em nome da continuidade do serviço público e da equidade, tendo em vista as cambiáveis relações humanas no mundo contemporâneo, do qual a Administração não pode se desvincular.
Então, permite-se conceituá-los como uma modalidade ou desdobramento da teoria da imprevisão, pertencente à espécie revisão, do gênero equilíbrio econômico-financeiro, cuja concepção atual tem como imanência fundamental a tutela de acontecimentos previstos, mas que não se poderia diagnosticar com precisão as conseqüências econômicas, capazes de causar desestabilização ou quebra da harmonia econômica do contrato conforme pacto inicial.
A força maior afigura-se como fato ou acontecimento humano, imprevisível no momento da apresentação da proposta, alheio à vontade das partes e inevitável quando da sua iminência capaz de dar ensejo à alteração do contrato administrativo, porque impossibilita a execução do objeto contratado, tornando-a excessivamente onerosa. Semelhantemente ao instituto supramencionado, classifica-se como um dos desdobramento da modalidade teoria da imprevisão, espécie revisão contratual, do gênero equilíbrio econômico-financeiro.

A ocorrência de caso fortuito ou força maior pode ensejar revisão do contrato para restabelecimento de sua equação econômico-financeira original, sempre que não impossibilite sua execução, mas apenas a torne excessivamente onerosa, como previsto no art. 65, II, ?d?, da Lei (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, pp. 483-484).

Clássico conceito colhe-se do ensinamento de Meirelles (2010, pp. 321-322):

Força maior é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o contratante óbice intransponível na execução do contrato. O que qualifica a força maior é o caráter impeditivo absoluto do ato superveniente para o cumprimento das obrigações assumidas. Não é uma simples dificuldade ou a maior onerosidade advinda do ato que se erige em força maior, pois em todo negócio é de esperar-se áleas e riscos próprios do empreendimento. Assim, uma greve que paralise os transporte ou a fabricação de um produto e que dependa a execução do contrato é força maior, mas poderá deixar de sê-lo se não afetar totalmente o cumprimento do ajuste, ou se o contratado tiver outros meios ao seu alcance para contornar os efeitos da greve em relação ao contrato.
Mello e Di Pietro preferem adotar conceito diverso do clássico supracitado, entendendo que se tem força maior quando estamos diante de um evento externo, estranho à atuação das partes, imprevisível e irresistível ou inevitável. E propõem como exemplos de força maior tanto um furacão, quanto um terremoto, uma guerra ou uma revolta popular incontrolável. Continuam os autores, para consolidar tal conceito, diferenciando do caso fortuito, consignam que diversamente, caso fortuito seria sempre um evento interno provindo de uma atuação de qualquer dos contraentes, cujo resultado de tal atuação seria anômalo, tecnicamente inexplicável e imprevisível. E acrescenta que, no caso fortuito, todas as normas técnicas, cuidados com segurança, providências exigidas foram adotadas, porém, inexplicavelmente, o resultado fora diverso do previsto (AEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 484).
Talvez pela simplicidade é que o conceito anterior tornou-se um clássico na literatura administrativa do Brasil, apresentando uma proposta bem mais compreensível e aplicável aos casos concretos, além do fato de o segundo conceito não oferecer qualquer fundamento jurídico-científico capaz de comprometer todo um conceito vetusto.
As conseqüências do advento da força maior é que sendo possível e de interesse da Administração em nome da função pública, a execução do objeto contratado, o contrato deve ser revisto, mesmo que mais oneroso; ou, fundada no art. 78, XVII, da Lei 8.666/93, rescindir o contrato por sua absoluta impossibilidade de execução.
O caso fortuito tem as mesmas características da força maior com a diferença de que nesta hipótese, o acontecimento advém da natureza. Assim, classicamente conceitua-se como o evento natural que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o contratado impossibilidade intransponível de regular execução do objeto contratado, como, por exemplo, um tufão destruidor em regiões não sujeitas a esse fenômeno; uma inundação imprevisível que cubra o local da obra; ou qualquer outro fenômeno natural que impossibilite ou retarde a execução do contrato, sem culpa imputável a qualquer das partes. O contratante já em mora quando sobrevém o evento não se isenta de responsabilidade para como a outra parte, a menos que prove a ocorrência do dano mesmo que estivesse com suas obrigações em dia (MEIRELLES, 2010, p. 322-323).
A bem de um melhor entendimento, Bazilli, apud Tanaka (2007, p. 172) assevera que "[...] o impedimento resultante de caso fortuito ou de força maior não é apenas o obstáculo físico, mas o óbice intransponível à execução do contrato [...]". Porém, adverte o autor: " [...] não se há de pedir a ruína econômica da empresa para o cumprimento do ajuste que fatos imprevisíveis e inevitáveis tornaram inexeqüível, pelas dificuldades insuperáveis criadas para um dos contratantes" (TANAKA, 2007, p. 172).
Aplicam-se a este instituto as mesmas conseqüências da força maior, pois, tanto quanto este, se trata de um dos desdobramentos da teoria da imprevisão, esta classificada como uma modalidade de revisão do contrato, pertencente ao gênero reequilíbrio econômico financeiro.
O fato do príncipe é o quarto e último desdobramento da espécie teoria da imprevisão, modalidade de revisão contratual, pertencente ao gênero reequilíbrio econômico-financeiro, cuja prescrição legal encontra-se na Lei 8.666/93, art. 65, II, d e § 5º). O fato do príncipe é o evento proveniente de ato da Administração Pública na qualidade de governante, não de contratante, cuja afetação do contrato é reflexiva, inevitável, imprevisível, extraordinária, alheia à vontade das partes e onerosa, exigindo uma revisão do contrato administrativo para restabelecer o pacto como dantes.
Fato do príncipe manifesta-se como agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual, no exercício de competência de governo, mediante atos públicos de abrangência geral, cujo desempenho repercute diretamente na economia contratual estabelecida. O agravo sobre a economia do contrato não isenta o particular contratado da execução da avenca, mas, lhe atribui o direito de ver a equação econômica do contrato restabelecida como medida de equidade, porque aumenta os encargos assumidos no momento da apresentação e aceitação da proposta. Fato do príncipe não se confunde com fato da Administração, pois, este, manifesta-se a partir de ato diretamente ligado ao contrato, na condição de parte deste (MELLO, 2006, p. 616).
Fato do príncipe são os atos de ordem geral, sem relação direta com o contrato, porém, nele repercutem, quebrando comutatividade a equação econômica estabelecida na avença, em desfavor do particular contratado. É uma responsabilidade extracontratual, diversa da responsabilidade contratual produzida no bojo dos atos da administração na qualidade de contratante, quando procede-se às alterações unilaterais (DI PIETRO, 2007, pp. 259-260).

3.2.3.3 Interferências ou Sujeições Imprevistas

As interferências imprevistas são os fatos preexistentes à apresentação e aceitação da proposta de preço para execução do objeto.
Meirelles (2010, pp. 319-320) os classifica como uma das causas justificadoras de inexecução do contrato, ou seja, para ser mais específico, um dos desdobramentos da teoria da imprevisão, o que libera o contratante de qualquer responsabilidade assumida. E, para melhor explicar, conceitua o instituto dizendo que:

Interferências imprevistas [...], são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do contrato, mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos. É o inesperado para o local, ou de um lençol anormal de água subterrânea, ou de canalizações de serviços públicos não indicados no projeto e que exigem remoções especiais (MEIRELLES, 2010, p. 327).


Extrai-se da lavra de Mello (2006, pp. 608-610), numa tentativa de classificá-las com modalidade de revisão de preços o entendimento de que as sujeições imprevistas acontecem quando dificuldades naturais insuspeitadas se antepõem à realização da obra ou serviço, exigindo acréscimo ao contrato, como é o caso da descoberta de um lençol freático insuspeitado e imprevisto no projeto básico ou executivo constante no edital licitatório. São as circunstâncias materiais ou de fato, que dificultam ou oneram a realização de uma obra já contratada e em execução, malgrado preexistentes, eram desconhecidas ou, se conhecidas, não foram dadas a conhecer ao contratado, no momento do estabelecimento das condições de execução do contrato e respectiva equação econômica.
Diante da análise dos dois posicionamentos acima dispostos, encaminha-se para o entendimento de Mello que reconhece o instituto como modalidade de revisão de preços, mesmo que merecendo algumas observações.
A falta de previsão ou omissão das reais condições técnicas fundamentais à execução do objeto afigura-se culpa administrativa por imperícia, principalmente, ou por omissão ou imprudência, quando dos estudos técnicos necessários à feitura do projeto básico ou executivo que colocou à disposição dos licitantes no edital. Se a Administração falhou, não poderá atribuir o resultado de sua torpeza ao particular que construiu sua proposta sobre o projeto aprovado por ato administrativo que goza das presunções de auto-executoriedade e veracidade.
Não há como classificar como um dos desdobramentos da teoria da imprevisão, simplesmente porque, além de não previsto como tal no art. 65, II, d, da Lei 8.666/93, não atende ao requisito de imprevisão, ou, se previsível, de conseqüências incalculáveis, já que existia antes da proposta financeira aceita pela Administração. Imprevisível ou previsível, sugere acontecimento futuro e não acontecimento desconhecido por imperícia, negligência ou imprudência.
Pode-se, sobre tais fatos, aplicar a norma do art. 57, § 1º, VI, da Lei 8.666/93, que autoriza a prorrogação de prazo, com garantia da manutenção do equilíbrio econômico financeiro, quando houver omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato. Combinando a esta norma, aplicar-se-á, também, a norma inserta no art. 58, I, que confere à Administração a prerrogativa de alterar os contratos administrativos, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado.
As interferências imprevistas poderão ser sanadas com a aplicação dos dispositivos mencionados, tendo em vista o objetivo do princípio constitucional de equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, pela modalidade da revisão, que é o de atender á continuidade do serviço público. Portanto, não há necessidade de aventurar-se numa classificação que derroga um requisito fundamental da teoria da imprevisão.

3.2.3.4 Repactuação de Preços

A repactuação de preços é uma modalidade da espécie revisão, esta pertencente ao gênero reequilíbrio econômico financeiro. Este instituto é disciplinado pelo art. 5º, caput, Dec. nº 2.271/97 e arts. 37 a 41-B, IN nº 02/2008.
Malgrado dependente de prazo mínimo para aplicação (um ano), merece ser classificada como modalidade da revisão contratual, pela própria característica que apresenta, para ser aplicada aos contratos administrativos de natureza continuada, propícios aos serviços auxiliares das atividades públicas fins; esta figura aproxima-se do reajuste pela exigência de interstício mínimo de um ano, porém se desenvolve sem previsão de índices gerais ou setoriais pré-determinados no edital. Sua finalidade primeira era ajudar destruir a indexação econômica da época de inflação. Tendo em vista que a repactuação de preços processar-se-á a partir de um fato desconhecido das partes, apenas possível, quando do estabelecimento da avença, mediante apresentação de planilha de custos detalhada que demonstre a variação dos preços, para mais ou para menos, é melhor optar pela classificação de mais uma forma de revisão contratual.
Ainda, para dar mais sustentação à classificação sugerida, colhe-se que a mesma assemelha-se ao reajuste, "Mas aproxima-se da revisão de preços quanto ao seu conteúdo: trata-se de uma discussão entre as partes relativamente às variações de custo efetivamente ocorridas" (JUSTEN FILHO, 2005, p. 551).
Os contratos administrativos cujo objeto seja a prestação de serviços executados de forma continua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada (Dec. 2.271/97, art. 5º, caput).
A IN nº 02/2008 veio resolver a questão da contagem do prazo legal para repactuação, com uma visão de justiça e aplicando os critérios requeridos pela espécie revisão de contratos, ao prescrever que o interregno mínimo de 1 (um) ano para efetuar a primeira repactuação será contado a partir: I) da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou II) da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos (art. 38, I e II, IN nº 02/2008). Esta norma fora inserta pela Instrução Normativa nº 03, de 16 de outubro de 2009, inclusive em contrariedade aos arestos do TCU e STJ.
3.3 Gráfico Holístico do Reequilíbrio Econômico-financeiro













Fig. 01 - Gráfico Holístico do Reequilíbrio Econômico-financeiro



3.4 Dificuldades de Aplicação da Teoria da Imprevisão

É latente na jurisprudência e nos procedimentos da Administração Pública a inferência de que o contratado particular é alguém que sempre quer ganhar muito e cada vez mais dos cofres públicos e o desconsidera como um colaborador que a lei o obriga ser.
Quando os Órgãos Públicos recebem demandas de revisão, mormente baseada na teoria da imprevisão, procuram toda forma de dificuldades para não atendê-las, o que vem prejudicando as pequenas empresas (em geral prestadoras de serviços continuados) e criando um ambiente de vantagens para as grandes empresas ? estas, como participam de grandes e complexas licitações, sabedoras das dificuldades de revisão contratual, já embutem na proposta valores referentes a fatos de acontecimentos excepcionais, tornando os valores superiores aos reais de mercado.
Os pequenos, tendo em vista a grande disputa de preços, porque as licitações realizadas na modalidade pregão eletrônico, contratam com preços baixos (em virtude da transparência e caráter competitivo) e, ainda por cima, quando enfrentam reajuste salarial da categoria devem suportar este impacto durante o período até completar um ano a partir da proposta.
São pontuais as dificuldades observadas na aplicação da teoria da imprevisão, concentrando-se, basicamente, na questão tributária, o que se verá adiante - porque os tribunais exigem uma onerosidade excessiva do contrato, a ponto de impossibilitar absolutamente sua execução, ou mesmo levar o colaborador à ruína; na questão de reajuste dos salários de categorias profissionais, em virtude de aumento do salário-base, em sede de dissídio, acordo ou convenção coletiva de trabalho; ou em razão de reajuste do salário mínimo mediante lei (TANAKA, 2007, p.176).
Em arestos do TCU e STJ percebe-se um certo preconceito e dificuldade na aplicação da teoria da imprevisão quanto: a) aos fatos previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, com sistemática confusão de entendimento entre reajuste e revisão, cujos conceitos são unânimes e sobejam na jurisprudência como um todo, o que, inclusive, já fora demonstrado alhures; b) ao fato do príncipe em matéria tributária.
Todas as dificuldades apontadas não encontram amparo jurídico nem na Constituição Federal, muito pouco na Lei 8.666/93, o que demonstra que as decisões que serão dispostas, adiante, como exemplos, procuram atender a conveniências administrativas, ainda carregadas de resquícios de uma inflação que amedrontava os planos econômicos no passado; a uma concepção estática da teoria da imprevisão ? que não admite seu novo e moderno desdobramento ? fatos previsíveis de conseqüências incalculáveis - além do preconceito em torno dos contratados que merecem tratamento dispensado a colaboradores da Administração Pública e a concorrentes, já que o fim primeiro é comum ? atender ao interesse público, mesmo que o particular tenha a justa remuneração (lucro) como fim secundário, porém, essencial para sua continuidade.

3.4.1 Jurisprudência Quanto aos Tributos

A orientação da Corte de Contas em torno da aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos, quando estes sofrerem reflexos de introdução ou alteração de tributos, movimenta-se no sentido do descabimento da revisão da relação jurídica contratual.
Analisando o contrato cujo objeto fora a construção do edifício do fórum trabalhista de São Paulo, o TCU rejeitou, no Acórdão nº 45/1999 ? Plenário, pedido de revisão em razão da incidência do IMPF/CPMF, sob o argumento de que se reputou irrelevante a sua dimensão econômica. A matéria teve nova análise de mesma corte na Decisão nº 698/2000 ? Plenário, desta feita impossibilitando revisão do contrato de obra pública que fora afetado por majoração do BDI em razão do aumento da COFINS e da CPMF, sob alegação do relator de que o pleito não encontra supedâneo no art. 65 da Lei 8.666/93, haja vista não haver comprovação entre a majoração dos tributos e os preços da contratada, bem assim a existência de onerosidade irresistível a possibilitar o reequilíbrio financeiro do contrato (JUSTEN FILHO, 2005, p. 546).
O mesmo autor aponta para a rediscussão a respeito do tema no Acórdão nº 1.724/2003 ? Plenário, indicando posicionamento do relator no item 03 da decisão:

No tocante ao acréscimo aplicado indevidamente ao BDI em virtude da majoração da COFINS e da CPMF, estou de acordo com que, consoante entende a equipe de auditoria, estando ausente a configuração de encargo insuportável á contratada por aumento de tributos, não há como possa sustentar-se a alteração do contrato com fundamento na necessidade de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial. Na linha dos precedentes desta Corte de Contas acerca da teoria da imprevisão nos contratos públicos, a exemplo do Acórdão 45/99 ? Plenário ? TCU e da Decisão nº 698/2000 ? Plenário ? TCU, as majorações e encargos contratuais, como os tributos COFINS e CPMF, se inserem na álea empresarial ordinária, a não ser que, além dos requisitos da involuntariedade e da imprevisibilidade do fato, reste evidenciada a onerosidade excessiva da execução contratual original em decorrência do incremento, no caso, da carga tributária (JUSTEN FILHO, 2005, p. 546).

Vislumbra-se com clareza neste aresto do TCU as dificuldades que já se apontaram: a) há flagrante afronta à Constituição Federal (art. 37, XXI) e à Lei 8.666/93 (art. 65, II, d e § 5º); b) o entendimento ainda vincula-se aos tradicionais requisitos, desconhecendo o novo pensamento do legislador e da doutrina, no qual, não há necessidade de levar o colaborador contratado ao risco de ruína econômica; c) segundo entendimento deste julgado, a majoração destes tributos não apresenta o requisito da materialidade do ônus imposto ao particular; d) as majorações desses encargos inserem-se na álea empresarial ordinária, a não ser que, além dos requisitos da involuntariedade e imprevisibilidade do fato, reste evidenciada a onerosidade excessiva da execução contratual original em decorrência do incremento, no caso, da carga tributária.
Ora, o que a constituição garante é a manutenção das condições efetivas da proposta. E nesta linha de raciocínio o estatuto das licitações e contratos é muito claro, sobretudo no § 5º do art. 65, quando assegura que quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. Exigir que o efeito de um ato administrativo de caráter geral só seja considerado quando causar uma onerosidade excessiva na relação econômica do contrato afigura-se uma insensatez temerária, inclusive para a Administração, haja vista a norma ser aplicada para revisar os valores para mais ou para menos.
Não há de se considerar justo, perante a norma pública indicada, entendimento de que só cabe alegar desequilíbrio na equação financeira quando colocar em perigo a própria continuidade da empresa colaboradora. A garantia do lucro é a força propulsora que motiva as pessoas a contratar com o Estado. Se assim não fosse, faltariam pretendentes dispostos a contratar com a Administração.
Em discordância quanto ao Acórdão nº 45/1999 e à Decisão nº 698/2000, ambos provenientes do Plenário do TCU, Justen Filho apresenta seu inconformismo quanto ao entendimento daquela Egrégia Corte, envolvendo a teoria do fato do príncipe o que, pela importância jurídica do debate, nos leva a exibir o conteúdo parcialmente:

É que, no Direito francês, a não-aplicação da teoria do fato do príncipe não significa a denegação do direito de o particular receber uma compensação. Especialmente nos casos em que a providência tem um cunho geral, a solução será a aplicação da teoria da imprevisão.
Aliás, essa orientação foi explicitamente reconhecida nos próprios acórdãos do TCU, ao citarem o pensamento do Professor Caio Tácito. [...], as duas decisões agregam:
"... entendendo que os reflexos decorrentes de leis ou regulamentos de ordem geral não se enquadram na teoria do fato do príncipe, mas na da imprevisão" (Acórdão nº 45/1999 ? Plenário, item 32).
Essa observação é extremamente importante porque, no Direito francês, os remédios jurídicos fornecidos pelas teorias do fato do príncipe e da imprevisão são diferentes. Aplicar uma ou outra das teorias resulta em solução jurídica distinta. Mas, no Brasil, o art. 65, II, "d", unifica o tratamento jurídico de ambas as teorias (JUSTEN FILHO, 2005, pp. 547-548).

Nesta parte do comentário observa-se a preocupação do autor acerca da confusão de aplicação da teoria da imprevisão, no desdobramento fato do príncipe. O TCU, segundo entendimento do autor, declara que os reflexos provenientes de norma de ordem geral não se enquadram na teoria do fato do príncipe, mas na da imprevisão. E lembra que no Direito Francês há diferenças entre as duas teorias, porém, se o fato não se enquadrar em uma, enquadra-se em outra, sem desprover de proteção o particular contratado. Ademais, o direito pátrio não dá tratamento diferente aos diversos institutos.

O segundo motivo é muito mais grave. Infere-se de algumas manifestações de unidades técnicas do TCU o pensamento de que, se um gravame apresentar a natureza de generalidade, não apenas seria inaplicável a teoria do fato do príncipe como não haveria direito á recomposição da equação econômico-financeira. Essa segunda inferência é incorreta, incompatível tanto com o Direito francês como com o Direito brasileiro.
Tal como exposto acima, a não-aplicação da teoria do fato do príncipe no Direito francês ? nos casos de generalidade do gravame ? conduz à aplicação da teoria da imprevisão.
Bem por isso, não é casual que o TCU nunca tenha afirmado que a modificação da carga tributária, por ter o cunho de generalidade, seria destituída da potencialidade jurídica de gerar o direito à revisão de preços no relacionamento jurídico entre Administração e um particular. [...]. O máximo que se poderá afirmar é que tal solução não se fundará na teoria do fato do príncipe (JUSTEN FILHO, 2005, pp. 547-548).

Continua o autor criticando o posicionamento do Egrégio Tribunal, tendo em vista que o fato de haver norma geral que afete a relação jurídica, no entendimento das unidades técnicas daquela Corte, seria inaplicável tanto a teoria do fato do príncipe, quanto não haveria direito à recomposição da equação financeira, em desarmonia com o Direito francês, como também com o brasileiro. E aponta, é o que se infere de suas palavras, como uma má-fé implícita nas decisões proferidas pelo tribunal, porque este nunca afirmou que a modificação da carga tributária, de cunho geral, seria desprovida de possibilidade jurídica de causar direito à revisão da equação econômica do contrato administrativo. O máximo que o tribunal poderá asseverar é que o gravame contratual não encontrará solução lastreada na teoria do fato do príncipe. Mas, e o princípio da fungibilidade? Negar tutela ao direito do colaborador da Administração é abuso de poder, sobre o qual o Estado exercita o enriquecimento sem justa causa.

3.4.2 Jurisprudência Quanto às Convenções, Acordos e Dissídios Coletivos

Identifica-se dificuldade em obter provimento de reequilíbrio econômico, em face de julgamentos do TCU, quando o pedido se refere a reajuste salarial de categorias proveniente de acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho, sob argumentação de que:
[...] os preços contratados não poderão sofrer reajuste por incremento dos custos de mão?de-obra decorrentes da data base de cada categoria, ou de qualquer outra razão, por força do disposto no artigo 28 e seus parágrafos da Lei 9.069/95, antes de decorrido o prazo de um ano, contado na forma expressa na própria legislação; e poderá ser aceita a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato com base no reajuste salarial dos trabalhadores ocorrido durante a vigência do instrumento contratual, desde que a revisão pleiteada somente aconteça após decorrido um ano da última ocorrência verificada (a assinatura, a repactuação, a revisão ou o reajuste do contrato) contado na forma da legislação pertinente (BRASIL, 1995).

Esta decisão tornou-se standard para as demais decisões acerca do assunto, não obstante conter em sua essência equívocos conceituais misturando revisão e reajuste. Ora, a doutrina pisa e repisa a diferença entre os dois institutos, o que já demonstramos anteriormente, entretanto, o TCU continua pautando suas decisões tomando a supracitada como base. Veja-se que revisão é o instituto que deve ser aplicado à natureza do pedido, porque houve um desequilíbrio econômico sobre a relação contratual, haja vista o objeto ser serviço continuado onde prevalece o item mão-de-obra. Claro que o reajuste salarial era previsível, porém suas conseqüências são incalculáveis, porque não se sabe que percentual aplicar.
Reajuste é a espécie de reequilíbrio econômico-financeiro cujo escopo se dispõe a recompor o valor contratado corroído pela inflação, mediante índice, geral ou setorial, que represente a variação do custo de produção do serviço, obra ou fornecimento, após um ano, contado a partir da data de apresentação da proposta ou do orçamento a ela referente, previamente escolhido e previsto no edital convocatório da licitação.
O reajustamento de preços tem fundamento na Lei 8.666/93 (art. 40, XI; art. 55, III e art. 65, § 8º), porém, há disciplina, também, nas Leis nºs 9.069/95 e 10.192/01, ambas tratando do plano real.
É possível dizer, depois de estudarmos o tema que a revisão contratual é espécie de detentora de quatro modalidades/subespécies cuja função é a de reequilibrar os contratos administrativos em razão de fenômenos naturais (caso fortuito), administrativos (fatos da administração, interferências imprevistas e fatos previsíveis de conseqüências incalculáveis), políticos e econômicos (fato do príncipe) e de terceiros (força maior), que afetam de forma direta ou indireta a equação econômica avençada entre os contraentes.
O preconceito jurídico é observado quanto ao reequilíbrio de contratos cujo objeto é a prestação de serviços continuados onde prevalece na planilha orçamentária, absolutamente, o custo de mão-de-obra. Isso se deve ao fato de que o Governo Federal, à época do Plano Real, investiu todos os esforços para desmontar a inflação que assolava o país e, no embalo deste esforço os tribunais passaram a aplicar, para indeferir revisão dos contratos, uma norma que trata de prazo de reajuste contratual. Veja-se o acórdão que se segue:

[Administrativo. Representação formulada por unidade básica do TCU. Reequilíbrio econômico-financeiro.]
[VOTO]
10. Quanto à questão dos reajustes salariais em razão de convenção, acordo ou dissídio coletivo, não tenho dúvidas de que sua natureza jurídica é essencialmente distinta daquela conferida às situações de equilíbrio econômico-financeiro.
11. Na Lei 8.666/93, a questão do reequilíbrio econômico-financeiro é disciplinada no art. 65, inciso II, alínea "d", que estabelece, como condição para aplicação desse mecanismo, a ocorrência de alguma das seguintes hipóteses:
[...]
12. Por conseguinte, não custa repisar que o reajuste verificado na data-base de uma dada categoria somente poderia ocasionar o rebalanceamento da equação econômico-financeira do contrato se pudesse ser enquadrado em alguma das situações previstas em lei (BRASIL, 2004).

Com relação ao reajuste sobre o salário mínimo, deve ater-se à análise dos fatores postos como fatos concretos para se afirmar tratar-se ou não de aplicação da teoria da imprevisão, na modalidade fato do príncipe, para obter o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.
Segundo entendimento de Tanaka (2007, pp. 176-177), à época de inflação galopante em que vivia o Brasil, não se justificava revisão dos contratos sob argüição da teoria da imprevisão ? fato do príncipe, tendo em vista que já eram conhecidos os índices de reajustes mensais aos quais os trabalhadores tinham direito. Entretanto, atualmente, o ato de reajuste do salário mínimo numa economia estabilizada, poderá ocasionar um abalo nos encargos do contratado, podendo criar álea extraordinária, dando direito ao reequilíbrio da relação contratual, sobretudo tratando-se de contrato de obra ou prestação de serviço onde se emprega considerável custo de mão-de-obra.
Quanto aos fatos previsíveis de conseqüências incalculáveis, a autora supracitada, nesta quadra, aborda sobre os reajustes salariais decorrentes de dissídio coletivo, concordando não ser fato imprevisível, porém é de conseqüências incalculáveis ? posto não poder conhecer o montante a ser definido, o que os tribunais não vem autorizando, nessas hipóteses, o reequilíbrio da equação. Cita como exemplo acerca desta inaplicação ementa de decisão do STJ no REsp 134.797-DF j. de 16 de maio de 2000: "Revisão de contrato administrativo ? Dissídio coletivo ? Aumento de salário ? Reequilíbrio econômico-financeiro ? O aumento do piso salarial da categoria não se constitui fato imprevisível capaz de autorizar a revisão do contrato ? Recurso não conhecido" (TANAKA, 2007, 181-182),
A mesma autora critica tal decisão afirmando que nessa mesma esteira de entendimento, vêm os tribunais de contas (citou o TCE/PR) se manifestando:

Nota-se o absoluto descaso do que estatui a Lei 8.666/93, posto rechaçar a pretensão sob o argumento de se tratar de fato previsível; contudo, é exatamente isso o que esse diploma legal dispões no artigo ora comentado.
Verifica-se, outrossim, a freqüente confusão existente entre o reajuste e o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato decorrente da aplicação da teoria da imprevisão, que, efetivamente, não se relacionam. Exemplo de tal afirmativa encontra-se também em decisão do TCU, DC-0457-41/95-P, publicada no DOU 25.9.1995, p. 14.893. (TANAKA, 2007, p. 182).

Noutra decisão do STJ, também em sede de Recurso Especial, desta feita o Resp 668367/PR, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, DJ 05.10.2006, P. 242, demonstra o sólido entendimento desta corte, no sentido de negar aplicação da teoria da imprevisão em caso de aumento salarial em virtude de dissídio coletivo:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. AUMENTO SALARIAL. DISSÍDIO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO.
1. Não pode ser aplicada a teoria da imprevisão para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo (Lei 8.666/93, art. 65, II, d) na hipótese de aumento salarial dos empregados da contratada em virtude de dissídio coletivo, pois constitui evento certo que deveria ser levado em conta quando da efetivação da proposta. Precedentes: RESP 411101/PR, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 08.09.2003 e RESP 134797/DF, 2ª T., Min. Paulo Gallotti, DJ de 1º.08.2000. 2. Recurso especial provido. (BARBOSA, 2008, p.3).

Novamente nega-se conceber os dissídios coletivos como fatos previsíveis de conseqüências incalculáveis, afastando-se do preceito legal inserto no art. 65, II, d, da Lei 8.666/93, numa atitude iníqua que causa prejuízos aos colaboradores da Administração Pública, obrigando-os a assumir um risco que deve ser da Administração. Fica patente a petrificação do entendimento ultrapassado que o legislador objetivou superá-lo quando produziu a norma concebendo tal hipótese.

3.5 Parâmetros para Aplicação da Teoria da Imprevisão

É verdade que eles já existem na lei, na doutrina e na jurisprudência, entretanto, de forma esparsa e com alguns conflitos importantes de interpretações, ou mesmo de concepção adequada. Além do mais, tê-los sistematizados e acompanhados de um gráfico holístico elucidativo do princípio constitucional do reequilíbrio econômico-financeiro, com uma classificação clara e simples, demonstrando todas as espécies e modalidades, é algo de novo no ordenamento jurídico pátrio. A compreensão do todo e de suas partes é fundamental para se aplicar um princípio gênero, sobre o qual rodeiam várias espécies e modalidades, aos fatos concretos tutelados pelo direito.
Os parâmetros a seguir relacionados objetivam construir um caminho balizado com os requisitos que a lei, a doutrina e a jurisprudência exigem como pontos comuns. Este caminho balizado é essencial para que a Administração Pública da União possa aplicar a teoria da imprevisão aos contratos administrativos de maneira segura, sem preconceito ou medo de reprimendas produzidas pelo Poder Judiciário e pelo TCU.
Superveniência de circunstâncias imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, alheio á vontade das partes contratantes;
Evento criador de álea extraordinária, causando substancial desequilíbrio do contrato, mediante o advento de um ônus insuportável para uma das partes contratantes;
Ocorrência do fato superveniente durante a execução do contrato.
Pressupostos positivos do pleito: a) evento posterior, à formulação e aceitação da proposta; b) evento identificado como causa da onerosidade do particular; c) evento não derivado da conduta culposa do particular; d) elevação dos encargos do particular.
Pressupostos negativos do pleito: a) evento anterior à formulação e aceitação da proposta; b) evento derivado da conduta culposa do particular ? inclusive, previsibilidade do evento; c) ausência de elevação dos encargos do particular; d) falta de causalidade entre o evento e a majoração dos encargos do contratado.
Não é suficiente a alegação, por parte da Administração: a) lucro elevado do particular para suportar o prejuízo; b) vantagem em contratos anteriores; c) em eventos semelhantes o particular não pleiteou o reequilíbrio econômico.
A alteração econômica do contrato deve ser proporcional à modificação dos encargos.
Considera-se o fato anterior à assinatura do contrato, porém, posterior à aceitação da proposta.
Não se afigura possibilidade do fato, quando o conhecimento científico não for capaz de assegurar, com boa margem de acerto, a efetivação do fato.
Não há quebra da equação quando o obstáculo causado pelo fato poderia ser suprimido pela providência do particular.
Não se confundem revisão e reajuste: o primeiro é modalidade que abrange a teoria da imprevisão; o segundo é modalidade que repõe a inflação do setor, referente ao período de um ano, através de índice setorial ou geral, já inserto no edital.
O reequilíbrio deve ser pleiteado durante a execução do contrato, porque o interesse público não permite solução de continuidade dos serviços.
A argüição do fato, apenas, há que se provar o desequilíbrio da relação com a apresentação de seus pressupostos.
A teoria da imprevisão pode ser aplicada tanto em favor do particular, quanto da Administração Pública.
O prejuízo tolerável ou razoavelmente previsível, não são hipóteses de revisão, principalmente pela teoria da imprevisão.
No acontecimento futuro ordinário (álea ordinária), as partes assumem o risco; no acontecimento futuro extraordinário (álea extraordinária), alteram-se todos os cálculos realizados pelas partes, no momento da aceitação da proposta.
A Administração garante a recomposição da equação, não obstante a ausência de culpa das partes pelo evento, porque se ela executasse o objeto diretamente, teria que arcar com todos os custos. Transferir tal encargo ao seu colaborador seria enriquecimento sem causa.
A regra no Direito Público é a manutenção do contrato, tendo em vista que a teoria da imprevisão existe para garantir o princípio da continuidade do serviço público, mediante o reequilíbrio da equação econômica.
O contrato administrativo, com a vigência atual da teoria da imprevisão, só será rescindido, se o evento tornar impossível a execução do seu objeto ou comprovada inconveniência de sua continuidade.
Não cabe argüição de teoria da imprevisão durante o período entre apresentação da proposta e a assinatura do contrato. No entanto, se ocorrer qualquer hipótese, o licitante pode alegá-la para desistir da assinatura do contrato.
A teoria da imprevisão é instrumento propício aos contratos de execução continuada ou de trato sucessivo, de médio ou longo prazo de execução, bem assim aos de execução diferida. Não se aplica aos contratos de execução imediata.
A teoria da imprevisão não exige, necessariamente, o enriquecimento de um e empobrecimento de outro, tendo em vista que, as partes, querendo, poderão revisar o contrato a fim de executar o objeto.
Não há possibilidade jurídica de proibir, por cláusula contratual, a aplicação da teoria da imprevisão. Configurar-se-ia violação a preceito de ordem pública. O contrato tem função social a cumprir (art. 2035, parágrafo único, CC).
A Lei 8.666/93 trata o fato do príncipe, caso fortuito, força maior e fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de conseqüências incalculáveis, em igualdade de importância, como desdobramentos da teoria da imprevisão.
Os fatos socorridos pelas hipóteses da teoria da imprevisão retardam ou impedem a execução do objeto contratado.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, não há que se falar em relação contratual de sujeição do particular em face da Administração Pública. Existe um pacto de colaboração em que ambos se comprometem, sob a égide legal, em atender o interesse público manifestado no objeto contratado.
O contrato administrativo tem sua natureza definida pelo critério da subjetividade, este é o que melhor identifica-o. Entender-se que a Administração Pública realiza contrato regido por normas prevalentemente privadas é desconhecer, ou, pelo menos, desconsiderar, que ela, outorgada do Estado, não pode dispor das prerrogativas que a norma pública lhe atribuiu.
Quando o particular submete-se a colaborar com a Administração, este, também, mesmo que secundariamente, se investe no compromisso de colaborador de realização do interesse social, por isso, seus encargos assumidos de um lado e as prerrogativas irrenunciáveis da Administração de outro.
A hodierna teoria da imprevisão nasceu do sentimento de justiça (rebus sic stantibus) e desenvolveu-se para afigurar-se na boa-fé objetiva. Isso mesmo: o objeto contratado deverá ser cumprido nas mesmas condições encontradas no momento da celebração do pacto.
A teoria da imprevisão pode ser aplicada mesmo sendo a onerosidade para ambos os contraentes. Não prevê, necessariamente, o enriquecimento de um e o empobrecimento do outro. Assim o é porque o instituto afigura-se um instrumento de atualização do pacto econômico perpetrado no contrato, e de prevenção de iniqüidades contra o colaborador desprovido de certezas sobe certos fatos imprevisíveis.
É latente na cultura do Poder Judiciário, do TCU e da Administração Pública a hipótese de que o contratado é alguém que sempre quer ganhar muito e cada vez mais dos cofres públicos e, desconsiderando-o como um colaborador que o é.
São pontuais as dificuldades observadas na aplicação da teoria da imprevisão, concentrando-se, basicamente, na questão tributária, o que se verá adiante, porque os tribunais exigem uma onerosidade excessiva do contrato, a ponto de impossibilitar absolutamente sua execução, ou mesmo levar o colaborador à ruína; na questão de reajuste dos salários de categorias profissionais, em virtude de aumento do salário-base, em sede de dissídio, acordo ou convenção coletiva de trabalho; ou em razão de reajuste do salário mínimo mediante lei.
Partindo dos estudos realizados que fundamentaram este trabalho, conclui-se pela necessidade dessa construção ? parâmetros para aplicação da teoria da imprevisão nos contratos administrativos - que será disponibilizada aos agentes públicos como instrumento de orientação jurídica capaz de promover o esclarecimento de dúvidas a respeito do tema em discussão.
Os parâmetros para a adequada aplicação da teoria da imprevisão são muito importantes, entretanto, as decisões do TCU e STJ vêm orientando entendimentos negadores do direito constitucional a uma garantia das condições efetivas da proposta financeira. Por isso, tais parâmetros serão capazes de oferecer aos agentes públicos a segurança que o tema exige. Interpretação equivocada quanto à teoria da imprevisão vem resultando em decisões jurisdicionais e administrativas rechaçadoras de um direito fundamental indisponível, qual seja: o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo firmado pela União com seu colaborador particular, durante sua vigência, conforme garante a Constituição Federal e a Lei nº 8.666/93. Assim, por tratar-se de questão constitucional, pode-se esperar a desejada estabilidade jurídica em torno do assunto quando o Supremo Tribunal Federal se pronunciar em sede de Recurso Extraordinário.
É verdade que os parâmetros já existem na lei, na doutrina e na jurisprudência, entretanto, de forma esparsa e com alguns conflitos importantes de interpretações, ou mesmo de concepção inadequada. Além do mais, tê-los sistematizados e acompanhados de um gráfico holísticos elucidativo do princípio constitucional do reequilíbrio econômico-financeiro, com uma classificação clara e simples, demonstrando todas as espécies e modalidades, é algo de novo no ordenamento jurídico pátrio. A compreensão do todo e de suas partes é fundamental para se aplicar um princípio gênero, sobre o qual rodeiam várias espécies e modalidades, aos fatos concretos tutelados pelo direito.
Apresentam-se três conseqüências diante da dificuldade de reequilibrar a equação financeira: a) as propostas de preços são contaminadas de valores referentes a potencial acontecimento; b) por outra quadra, as propostas de preços desprovidas desse incremento, em regra, das pequenas empresas, sofrem injustiça praticada pela Administração que deveria garantir os direitos do colaborador; c) as demandas colocadas em procedimentos administrativos, sob orientação ou constrangimento pelas decisões do TCU e tribunais jurisdicionais, são indeferidas, promovendo excesso de processos no Poder Judiciário. Neste passo, os preços das obras e serviços públicos são carregados de valores indevidos, cujas pretensas causas apresentam baixo percentual de ocorrência.
O reequilíbrio é princípio constitucional gênero, do qual se irradiam as espécies: atualização financeira, reajuste de preços e revisão contratual. Esta última desdobra-se, consoante estudo e sistematização desenvolvidos em torno da lei e alguns doutrinadores (MEIRELLES e MELLO) em: fato da administração, teoria da imprevisão concebida nos quatro desdobramentos (art. 65, II, d, da Lei nº 8.666/93), interveniências imprevistas e repactuação de preços (Dec. 2.271/97 e IN nº 02/08).
O reequilíbrio quanto ao reajuste, atualização financeira ou repactuação de preços não encontram resistências por parte da Administração ou dos tribunais quando reclamado, tendo em vista as cláusulas expressas no instrumento contratual. O mesmo não se pode afirmar da revisão contratual (exceto repactuação), máxime, da subespécie ou modalidade teoria da imprevisão. É que sua aplicação depende de interpretação principiológica ? o reequilíbrio financeiro depende da verdade ou justiça decretada pelas autoridades administrativas ou jurisdicionais. Ainda persiste o ranço de que o que vale é o que está escrito no instrumento.
A teoria da imprevisão vem sendo aplicada em nosso direito de forma incompleta, tendo em vista sua nova concepção não ter sido recepcionada em nossos tribunais, ora por aparente confusão de conceitos, ora por preconceitos formados em torno dos "concorrentes" contratados, ora pelo dogma criado em torno da velha concepção da cláusula rebus sic stantibus, com seus requisitos rígidos de imprevisibilidade e onerosidade excessiva a ponto de levar o contratado à ruína econômica. Tais problemas estão basicamente focados quanto à questão tributária (fato do príncipe) e à questão de reajustes salariais (fatos previsíveis de conseqüências incalculáveis).
Vozes importantes na doutrina e jurisprudência pátrias clamam por rompimento deste teto de vidro para que a Administração trate os fatos com maior equidade e segurança jurídica, evitando, inclusive, demandas judiciais. Quando o TCU e STJ mudarem seus entendimentos, grande número de processos será resolvido administrativamente, conforme a lei preceitua e a sociedade espera. Ademais, não se percebe manifestações do Supremo Tribunal Federal em torno da nova concepção legal da teoria da imprevisão, o que poderia acontecer mediante Recursos Extraordinários, haja vista tratar-se de questão constitucional a garantia das condições efetivas da proposta. Com isso, há de se esperar dias melhores e decisões mais sensatas em defesa da equidade e do direito.














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Autor: Manoel Costa Santos


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