GARANTIA DO CONTRADITÓRIO - DO INQUÉRITO POLICIAL À EXECUÇÃO PENAL



O inquérito policial é a forma que o Estado tem de encontrar subsídios probatórios para condenar ou absolver o acusado. Boa parte da doutrina entende que os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório deveriam ser aplicados na formação do inquérito policial, entretanto, na prática não é o que acontece.

O Art. 42 da Lei nº 2.033/71, o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a escrito. Não se trata, portanto, de procedimento judicial, haja vista, não ter se instaurado processo penal, sendo configurado como um procedimento administrativo, conduzido por policiais e não pelo judiciário. Muitas vezes o delegado tem mais poder durante o inquérito policial que o próprio juiz no desenvolver do processo.
Mesmo sendo classificado como procedimento administrativo, deveram ser resguardados ao investigado, ao longo do curso do inquérito policial, os direitos fundamentais. Sendo assim, a autoridade policial, o magistrado e o Ministério Público devem zelar para que a investigação seja conduzida de forma a evitar afrontas ao direito do acusado.
As características atividade investigatória expressam a inquisitoriedade advinda da Idade Média. Por exemplo, se o delegado de polícia tomar conhecimento da ocorrência de crime inserido no rol de delitos sujeitos a ação penal pública incondicionada, poderá instaurar o inquérito policial de ofício. Ademais, entendendo necessário, a autoridade policial terá a discricionariedade de empreender quaisquer investigações para a elucidação do fato infringente da norma e à descoberta do respectivo autor.
Outra característica inquisitiva da fase preliminar pode ser evidenciada pelo artigo 107 do CPP, que proíbe a argüição de suspeição das autoridade policiais, e pelo artigo 14, que permite à autoridade policial indeferir, com exceção do exame de corpo delito, qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado.
Sendo assim, mesmo que ao final da investigação criminal, não seja encontrado nenhum subsídio capaz de incriminar o acusado, este já terá sofrido danos irreversíveis, com a exposição de sua vida privada e em muitas vezes até mesmo a privação de liberdade. Sendo assim, devido a precariedade do sistema inquisitivo brasileiro, o suspeito já sofre os efeitos da condenação como se culpado fosse.

Outra afronta ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório é a utilização das provas angariadas durante a fase investigatigativo. O conteúdo probatório colhido no inquérito policial deveria ser útil apenas para instrução da peça inicial acusatória, já que, praticamente não há participação do investigado ou de seu defensor nesta fase.

Segundo Guilherme de Souza Nucci a finalidade precípua é a investigação do crime e a descoberta de seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o particular, conforme o caso. Nota-se, pois, que esse objetivo de investigar e apontar o autor do delito sempre teve por base a segurança da ação da Justiça e do próprio acusado. (NUCCI, 2009, p.143).

Entretanto, fica difícil falar em segurança de Justiça e até mesmo em segurança do acusado considerando que o princípio constitucional do contraditório não é levado em conta no inquérito policial, o que prejudica o exercício da defesa do acusado, pois este perde a condição de sujeito processual, convertendo-se em mero objeto da investigação.

O movimento ou teoria da processualização dos procedimentos, defendido por Fredie Diddier, Rogério Tucci, Aury Lopes Jr, é um posicionamento que consiste no afastamento do mecanismo inquisitorial do inquérito policial, defendendo da aplicação do princípio do devido processo legal aos procedimentos investigativos preliminares. Significa aplicar aos procedimentos preliminares, o contraditório e a ampla defesa.
Muitos acreditam que a admissão do contraditório na investigação criminal geraria uma espécie de burocratização do procedimento, pois o investigado teria todas as garantias do acusado em processo criminal. Entretanto é inegável a aplicação deste princípio para a preservação da integridade e direitos do acusado.
A observação de princípios constitucionais como a ampla defesa e o contraditório devem se dar em todas as fases processuais penais. Entretanto, o sistema adotado no Brasil carrega traços fortes de inquisitoriedade, até mesmo pelo fato de o código de processo penal ter sido elaborado num contexto histórico de ditadura militar, sendo, portanto, fator determinante para a inobservância de direitos fundamentais do acusado.

Para maiores esclarecimentos, no sistema inquisitivo, o juiz centraliza os poderes da investigação fazendo papel de acusação e defesa concomitantemente. No sistema acusatório o julgador não inicia o processo ex ofício, mantendo um distanciamento das partes. Atualmente, no Brasil, embora currículo haja contradições, é adotado o sistema processual penal misto. Este sistema é a união das características do sistema inquisitivo e acusatório.

Afirmar que o procedimento é inquisitório significa que a forma de gestão do procedimento está caracterizado pela concentração de poder em autoridade única. E a conseqüência desse tipo de gestão é a sua incompatibilidade manifesta com o contraditório e a ampla defesa, podendo, em muitas fases do processo, o réu se tornar mero objeto de investigações e procedimentos jurídicos.

No desenvolvimento de um processo penal, encontra-se em jogo um valor indisponível da parte, que é a liberdade, sendo importantíssimo que num Estado democrático de Direito haja a defesa de princípios constitucionais durante o desenvolvimento de um processo penal.




Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. 292p

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 8. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. 916p

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 1246 p.

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 699p.


Autor: Cicília Fidelis


Artigos Relacionados


As Incompatibilidades Do Inquérito Policial No Estado Democrático De Direito

Inquérito Policial

PrincÍpios Constitucionais E O InquÉrito Policial

O Inquérito Policial E Suas Possibilidades Constitucionais

Inquérito Policial: Aplicabilidade Dos Princípios Da Ampla Defesa E Do Contraditório

A RelativizaÇÃo Do ContraditÓrio No InquÉrito Policial...

O Princípio Do Contraditório Em Sede De Inquérito Policial