A instauração de inquérito policial mediante prisão em flagrante embasada exclusivamente em testemunho de policiais
HABEAS CORPUS ? NULIDADES PROCESSUAIS ? FALTA DE EXAME DA MATÉRIA PELO TRIBUNAL A QUO ? SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA ? EXCESSO DE PRAZO ? CULPA EXCLUSIVA DA DEFESA ? PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO ? INEXISTÊNCIA DE TESTEMUNHAS CIVIS ? FLAGRANTE PREPARADO ? INVIABILIDADE DO EXAME DA TESE NA ESTREITA VIA DO HABEAS CORPUS ? REFUTAÇÃO ? FUNDAMENTAÇÃO SATISFATÓRIA NA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE RELAXAMENTO ? PRIMARIEDADE, BONS ANTECEDENTES, RESIDÊNCIA FIXA E OCUPAÇÃO LÍCITA. ORDEM DENEGADA. (...) O auto de prisão em flagrante delito prescinde de testemunhas civis para se manter formalmente perfeito. (...)
(HC 81193 / GO, relatora Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), DJ 17/09/2007)
Vale ressaltar também que o relator não considerou as afirmações da defesa de que suas alegações não foram examinadas pelas instâncias ordinárias relativas à liberdade provisória.
Ocorre que, ao tomar tal decisão, no que tange à dispensa das testemunhas civis, a Turma não levou em consideração certos preceitos que se encontram petrificados na Constituição Federal, além de outros fatores que envolvem a reputação e conduta dos policiais militares, que serão expostos a seguir.
Primeiramente, uma das maiores críticas acerca do tema diz respeito ao caráter inquisitivo que é atribuído a casos como este. Isso porque ao se prosseguir com a prisão em flagrante delito apenas com base no depoimento de policias, a parte tem o seu direito lesado, não tendo acesso às garantias fundamentais do contraditório e ampla defesa, ferindo assim o devido processo legal. Tal restrição dá margem para instauração de um inquérito pautado no autoritarismo, sendo conduzido com base apenas em juízos de valor do delegado responsável pelo caso, julgando o que achar pertinente ou não dentro do que lhe foi apresentado e assim, proceder com as investigações, realizando as diligencias do modo como lhe aproveita.
Cumpre ressaltar que os princípios constitucionais referentes ao contraditório e ampla defesa não são aplicáveis à fase inquisitorial. A privação da liberdade, in casu, está adstrita a depoimentos cujo teor possui presunção de veracidade.
Em segundo lugar, pode-se dizer que decisões como esta também deveriam ser tomadas com mais cautela por parte dos magistrados ao se levar em conta a falta de preparação que atinge grande parte dos nossos militares. Não raramente, convivemos com diversas situações onde é nítido o abuso de poder por parte dos policiais, que às vezes poderiam resolver os conflitos de maneira contenciosa, mas preferem recorrer à injustiça. Acabam por muitas vezes, prendendo alguém que não tem culpa do fato pelo qual é considerado suspeito por mero despreparo, ainda mais quando essa pessoa não tem direito de se defender, já que o inquérito policial será instaurado tendo por base, apenas, afirmações policiais.
Essa atitude também ilustra uma grande afronta ao princípio da presunção de inocência, ocorrendo uma generalização e um preconceito diante de todos que chegam a uma delegacia, vez que em inúmeras situações o acusado deve ficar a mercê da justiça em uma cadeia pública junto a bandidos já condenados, ignorando-se o fato de ter ou não residência fixa, ser réu primário, estar ou não comprovada a autoria, dentre outros fatores, ocasionando transtornos irreparáveis ao indiciado com base, tão somente, nos depoimentos policiais. Isso sem falar dos diversos casos onde policiais distorcem a verdade para se beneficiarem de alguma forma, ou meramente por abusar do exercício da autoridade que detém, ultrapassando os limites da fé pública que lhes é confiada. Quanto a essa presunção de veracidade, corrobora a jurisprudência:
"O VALOR DE DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE SERVIDORES POLICIAIS ESPECIALMENTE QUANDO PRESTADOS EM JUÍZO, SOB A GARANTIA DO CONTRADITÓRIO - REVESTE-SE DE INQUESTIONÁVEL EFICÁCIA PROBATÓRIA, NÃO SE PODENDO DESQUALIFICÁ-LO PELO SÓ FATO DE EMANAR DE AGENTES ESTATAIS INCUMBIDOS, POR DEVER DE OFÍCIO DA REPRESSÃO PENAL. O DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTE POLICIAL SOMENTE NÃO TERÁ VALOR QUANDO SE EVIDENCIAR QUE ESSE SERVIDOR DO ESTADO, POR REVELAR INTERESSE PARTICULAR NA INVESTIGAÇÃO PENAL, AGE FACCIOSAMENTE OU QUANDO SE DEMONSTRAR - TAL COMO OCORRE COM AS DEMAIS TESTEMUNHAS - QUE AS SUAS DECLARAÇÕES NÃO ENCONTRAM SUPORTE E NEM SE HARMONIZAM COM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS IDÔNEOS" (HC 73.518-5, REL. CELSO DE MELLO - DJU - 18.10.96, P. 39.846).
Por todo o exposto, restou comprovado o quanto esse tema deve ser tratado de maneira mais cautelosa, vez que ao prosseguir com a prisão e consequente instauração do procedimento do inquérito, pautado única e exclusivamente no depoimento de policiais, muitas vezes pode se verificar não somente injustiças, vez que restringe, e muito, a possibilidade de defesa do investigado, como também uma verdadeira afronta ao principio da dignidade da pessoa humana.
Autor: Julia Vidal Nohmi
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