O Deserto



"...pois o deserto não é aquilo que vulgarmente se pensa, deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens, ainda que não devamos esquecer que não é raro encontrar desertos e securas mortais em meio de multidões.(...) deserto é dizer, Deixará de o ser quando lá estivermos."(SARAMAGO,1991: 79 e 145)

O que seria o deserto afinal? Ao que tudo indica, uma ausência, ou melhor dizendo, a percepção de uma ausência por uma evidência.
A evidência seria o Ser, tendo consciência de sua presença e da falta do Outro, ou seja, perde-se a referência do que existe de humano além de si e em-si, levando em consideração que mesmo os Outros nada mais são que uma outra esfera de nossa própria existência.
Talvez isso explique, a sensação de vazio quando não percebemos mais aquela referência semelhante a nós, imaginada como diferente por nosso olhar, manifesta-se inclusive em meio social, pois quando nos sentimos estranhos ao grupo, é como se nos alienássemos em relação a ele, o que nos tornaria em hipótese, sós dentro daquela conjuntura.
O que me faz reportar a Erasmo de Rotterdam:

"O maior erro é acreditar que a felicidade consiste nas coisas em si próprias; ela depende da opinião que delas se tiver."(ROTTERDAM,1973: 81)

É nossa percepção que irá determinar a realidade que se apresenta, ou melhor, a forma como essa realidade será apreendida, assim, seremos nós os criadores da sensação de deserto.
O deserto em si é infundado, quando estamos inseridos nele, pois em hipótese, ele se conceitua pela inexistência da presença humana, nós enquanto humanos, estaríamos anulando seu sentido ao estarmos inseridos nele. Entretanto, para que ocorra tal assimilação, precisamos reconhecermo-nos como inseridos, pois precisamos inteligir o processo a partir de nossa referência perceptiva em relação ao que objetivamos. Não basta o objeto-homem estar inserido, ou antes, para estar inserido, precisa sentir-se assim. Logo, somos o que determinamos ser e mesmo a ausência, existe quando a fazemos ser, tornando-a perceptível não por aquilo que nos falta, mas por nos abstrairmos do objeto, pois somos nós a própria falta, no grupo não são os membros que faltam, mas sim o ser que se sente fora dele, este ser-deserto é a ausência de fato, aquele que deixou de ser por uma vontade excludente.

Referências Bibliográficas:

SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo: romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

ROTTERDAM, Erasmo. Elogio da Loucura. Tradução, prefácio e notas: Maria Isabel Gonçalves Tomás. São Paulo: Publicações Europa-América, 1973.
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