Relação entre Tratados Internacionais e Direito Interno





Relação entre Tratados Internacionais e Direito Interno

Uma das questões constitucionais de relevante debate, tanto hoje, quanto em tempos passados, reside em precisar o correto posicionamento dos tratados internacionais em relação ao direito interno de um Estado. Aquele prevaleceria sobre este, ou seria o contrário. De um lado, a disposição de um tratado internacional, fruto do acordo de vontades entre estados soberanos, celebrado por agentes competentes; de outro, uma disposição contida em uma lei, fruto da vontade popular, aprovada pelos legítimos representantes do povo. A qual se atribuiria mais peso, para que lado deveria pender a balança, são questões impostas ao direito desde antes da independência.

Um dos exemplos desta situação ocorreu, em 19 de fevereiro de 1810, quando Portugal e Inglaterra celebraram vários pactos, passados à história com o nome de tratados desiguais, destacando-se o Tratado de Comércio e Navegação. Em seu artigo X, instituir-se-ia uma jurisdição diversa da prevista na legislação aplicável ao Brasil, que somente atribuía aos juízes lusitanos o exercício do Poder Judiciário, em nosso território. Previa o tratado internacional, de maneira diversa, que os vassalos ingleses teriam o direito de terem seus litígios submetidos a magistrados especiais da nação inglesa, de escolha pelos cidadãos britânicos.

Previa o artigo que :

"Sua Alteza Real ?, desejando proteger e facilitar nos seus domínios o comércio dos vassalos da Grã Bretanha há por bem conceder-lhes o privilégio de nomearem e terem magistrados especiais, para obrarem em seu favor como juízes conservadores escolhidos pela pluralidade de votos dos vassalos britânicos"

Esta disposição do tratado internacional acabou prevalecendo, instituindo-se, de fato, uma jurisdição paralela à justiça brasileira, em nosso território, com a figura do juiz conservador não integrante de nosso Judiciário. Sequer previsto em nossa primeira constituição, um tratado internacional retirou o poder decisório do Poder Judiciário pátrio, quando envolvesse cidadãos britânicos. A duração da vigência desta norma perdurou até o ano de 1844. Ou seja, um tratado internacional, por muito tempo, foi de encontro à legislação interna, e prevaleceu sobre esta, criando um sistema diferenciado que privilegiava um grupo de pessoas, os vassalos ingleses, derrogando assim as normas existentes.

Outro caso, muito recorrente nos dias de hoje, versa sobre a possibilidade de prisão do depositário infiel, que é vedado pelo Pacto de San Jose da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, mas que conflita com nossa legislação interna com relação à possibilidade de prisão do depositário infiel.

Portanto, com a atual proliferação de acordos externos celebrados pelo Brasil, em todas as áreas, desde o meio ambiente até sistema financeiro internacional, com uma multiplicidade de Estados e organizações internacionais, inclusive com blocos comerciais que participamos, o Mercosul, ou não, prevalece a questão sobre a possibilidade de um tratado internacional automaticamente revogar qualquer disposição interna que lhe for contrária. Para responder a esta pergunta, analisaremos inicialmente as duas teorias que atualmente são aplicados ao tema : a dualista e a monista.

Teoria Dualista : Segundo a teoria dualista, cunhada inicialmente em 1914, por Alfred Von Verdross, e defendida depois por Karl Trippel, na Alemanha, e Dionisio Anziloti, na Itália, o Direito Interno de um Estado e os Tratados Internacionais são dois sistemas totalmente diferentes e independentes entre si.

Tripel, após examinar detalhadamente as características do sistema de direito nacional e o do sistema internacional, concluiu que as diferenças são tamanhas que impedem uma conexão entre ambas. Não haveria portanto conflito, já que são disposições com alcances distintos, restrita uma apenas ao âmbito das relações entre Estados, e a outra ao das relações internas, sem que haja qualquer dependência ou comunicação. Essa concepção alemã influenciou a italiana.

Assim teríamos um sistema jurídico englobando apenas normas internacionais, e outro sistema jurídico englobando apenas as normas internas de um estado. Daí o nome dual, ou seja, com dois elementos.

Há de se destacar que tanto a Alemanha, quanto a Itália, foram constituídas a partir da união de uma série de Estados, a maioria deles de pequenas dimensões e sofrendo a forte influência de outros países, por meio de tratados celebrados. Assim, a unificação afastou esta influência externa e consolidou uma ordem interna comum e independente. Na Alemanha, por exemplo, antes da unificação, havia 39 estados, com relações internacionais independentes, e, em 1870, passaram a integrar um único país, não mais ostentando soberania.

Neste mesmo sentido, a concepção dual tem tido uma grande aceitação, na medida em que consegue afastar interferências de nações externas mais fortes, que tentam pressionar pela assinatura de acordos que lhes são favoráveis e desvantajosos para os mais fracos. Portugal, em 1817, foi pressionado a assinar uma Convenção com a Grã-Bretanha, que impedia o tráfico de escravos. Ora, era evidente que o referido tratado era claramente favorável aos ingleses, industrializados e com mão-de-obra assalariada, e desfavorável ao Brasil que tinha a sua produção econômica baseada em mão-de-obra escrava. Em 1826, já independente a Inglaterra pressionou o Brasil pela assinatura de uma Convenção, com o mesmo teor, proibindo o comércio de escravos. Esta concepção de favorecimento a uma das partes, que vigorou nos acordos externos, fortaleceu a concepção dualista junto aos Estados mais suscetíveis de pressão.

Hoje, a tendência pela manutenção da soberania dentro de uma desigual comunidade internacional traz reservas à celebração de acordos entre países com perfis muito diferentes. A celebração de um tratado comercial com os Estados Unidos, por exemplo, se mostra bem mais difícil de se concretizar do que com outros países sul americanos. Enquanto a ALCA se arrasta por anos, sem qualquer horizonte de fechamento do acordo, temos vistos avanços em acordos regionais, como o caso do MERCOSUL, CAN (Comunidade Andina) e o CARICOM (Comunidade do Caribe). A própria Constituição traz expressa a celebração de acordos para integração, mas circunscrita apenas ao âmbito da América Latina, excluindo-se a busca de parcerias com os Estados Unidos e Europa.

Em casos como estes, pregam os dualistas que o Direito Internacional não produz qualquer efeito sobre o Direito Interno. Outro ponto a ser considerado, reforçando a corrente dual, reside no fato de que como o tratado internacional é celebrado pelo Chefe de Estado, e as normas internas são furtos de atuação do Chefe de governo e do Poder Legislativo, fica fácil evidenciarmos a diferenciação de agentes envolvidos.

Mas não é tão simples assim. Isto porque nos sistemas presidencialistas, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos, tanto um tratado internacional, quanto muitas das leis, são originadas pelo Presidente da República, que é ao mesmo tempo Chefe de Governo e Chefe de Estado. De qualquer forma, a teoria dualista não leva em consideração qualquer fator, considerando sempre separados os dois sistemas.

Desta situação, emerge logo um questionamento : se são independentes, sobre uma mesma situação, qual o direito que irá incidir : o interno ou o internacional. Para os dualistas, a norma interna é a que apresenta valor jurídico; portanto, a norma internacional para produzir quaisquer efeitos terá de ser "internada", ou seja, este terá de ser transformado em um ato normativo interno. Enquanto o tratado internacional não for convertido em uma lei interna, esta não terá validade. Resta evidenciado que para os dualistas, o primado normativo é o da lei interna sobre o tratado internacional. Os compromissos firmados no campo internacional não têm competência para gerar efeitos dentro do Estado, ou de incidir sobre os indivíduos.

Esta corrente deixa transparecer a valorização da ordem interna, e a quase nenhuma relevância atribuída à ordem internacional.

Outra consequência da teoria dualista é a inexistência de conflitos entre as duas normas, já que ambas são independentes.

A concepção dualista adotada na Itália apresentava variações, o chamado dualismo moderado, pois permitia que em certos casos, a norma internacional fosse aplicada internamente pelos tribunais sem que houvesse a sua transformação em norma interna. Outro país que a adotou foi a Inglaterra.

Há duas correntes dualistas : a extremada e a mitigada. Na extremada, somente convertendo o tratado em lei interna este produzirá algum efeito. Na mitigada (ou moderada), não se exige que o tratado seja transformado em lei, podendo ser incorporado através de um Decreto do Presidente da República. No Brasil, não adotamos a corrente mitigada, pois a Constituição obriga que todos os tratados, acordos e atos internacionais sejam submetidos ao Congresso Nacional, para que venham a ter qualquer força executiva.

Um exemplo da corrente extremada remonta ao ano de 1890, em que celebrou-se o Tratado de Montevideo. Tratava-se de uma iniciativa do então Ministro das Relações Exteriores da recém-fundada República, Quintino Bocaiuva, em solucionar um litígio antigo com os argentinos que reivindicavam o oeste dos atuais Estados do Paraná e Santa Catarina. Resolveu este celebrar um acordo que previa dividir a área ao meio, ficando cada país com sua metade. O tratado foi recebido com grande festa na Argentina, que pensava ter ganho a questão. No entanto, pela Constituição de 1891, este acordo não tinha qualquer eficácia, até que houvesse a aprovação por nosso Legislativo; e quando de sua submissão ao parlamento brasileiro, a rejeição das disposições do tratado foram unanimes, jamais tendo sido cumprido.

Teoria Monista : segundo a mesma, há apenas uma ordem jurídica, em que coexistem os dois direitos : o Direito Interno e o Direito Internacional. Ou seja, os tratados internacionais firmados incidiriam sobre os cidadãos, no mesmo status de uma lei interna, se superpondo. Para os monistas, a assinatura e ratificação de um tratado por um Estado já representa a sua aplicação na ordem interna, não sendo necessária que antes haja a sua interiorização, por meio de sua transformação em algum ato normativo.

É interessante esta concepção porque o Direito Internacional foi gerado por Estados, mais precisamente por Chefes de Estado, trazendo cada qual as particularidades de sociedades diversas, enquanto que o direito interno é gerado, em regra, pelos Poderes Executivo e Legislativo, em obediência às aspirações e características nacionais. Os monistas unificam estes dois sistemas jurídicos com diferenças e os colocam num único conjunto. Não há, portanto, duas ordens estanques , mas uma única composta de atos jurídicos internos e externos a regular a vida da sociedade. Tanto as leis quanto os tratados internacionais passam a ter aplicação sobre a população. Destacamos que este sistema é seguido pela Bélgica, França e Holanda.

Algumas questões ficam pendentes para os monistas, pois um ato externo exerce influência sobre o ordenamento interno, mas o ordenamento externo não exercerá qualquer influência sobre os demais países que ratificaram o tratado.

E no caso de colisão entre lei interna e tratado internacional, qual prevaleceria ? Existem três correntes dentro da teoria monista : a monista internacionalista, a monista nacionalista e a monista moderada.

Monista internacionalista : Quanto à primeira, esta corrente sustenta haver em caso de conflito de normas, a prevalência do direito internacional. A solução dada para o problema da hierarquia é o de sempre afastar a norma interna. O fundamento de validade será determinado pelo Direito Internacional, subordinando o direito interno ao externo.

Monista nacionalista : A segunda corrente, por outro lado, prevê que em caso de conflito de normas, a prevalência seria a da lei nacional.

Monista moderada : destacamos que alguns autores defendem uma terceira corrente, a chamada monista moderada, que atribui igual valor às normas interna e externa, devendo-se observar a ordem cronológica de sua criação, ou seja, a posterior revogaria a anterior. (lex posteriori derrogat priori).

Há de se destacar que alguns países misturam a corrente monista moderada, com a nacionalista ou internacionalista. Um exemplo é o caso alemão, onde, seja por questões históricas, como no caso da 2ª Guerra, em que o país resolveu de súbito rasgar o pacto de não agressão com a União Soviética, e realizou um ataque surpresa, seja pelo status que teve de observar com os tratados firmados após a guerra, houve a necessidade de em alguns casos, garantir diferenciações para alguns acordos internacionais.

Hoje, neste país, há a concepção de que o tratado deve prevalecer sobre a lei, mas circunscrito a algumas matérias, como a tributária, ou em tratados do tipo contratual, como são, por exemplo, os que disciplinam as relações entre estados soberanos a propósito de extradição, investimentos estrangeiros, comércio exterior, etc. Em seu conteúdo temos assim disposições que criam direitos objetivos.

Nesse contexto, a Alemanha celebrou com a França um tratado pelo qual a primeira exportaria seus rejeitos radioativos com a finalidade de serem reprocessados em território francês, ficando acertado que o resíduo final seria devolvido à Alemanha. Depois de reprocessar rejeitos alemães durante algum tempo, a França entendeu que era a hora de devolver o resíduo final acumulado, e mandou à Alemanha um trem carregado de resíduos. No entanto, surgiu um complicador no cumprimento do tratado, o forte e ativo Partido Verde alemão, que entrou no meio da questão, tentando barrar a entrada desse trem na Alemanha, através de uma lei que fez tudo para aprovar no parlamento.

Mas, para o direito alemão, ante ao caráter contratual do tratado, postulou-se pela necessidade de se proceder à denuncia do tratado, não sendo possível simplesmente negar-se a receber o resíduo nuclear final. Este exemplo, nos ajuda a entender o monismo moderado, que faz prevalecer ora o tratado, ora a lei, dependendo da data de sua produção, mas apresentando exceções em alguns sistemas jurídicos.

Hans Kelsen e o Monismo : A teoria monista internacionalista teve em Hans Kelsen seu defensor de maior peso. Este jurista austríaco, como principal representante da escola positivista de direito, foi o autor da concepção de que a ordem jurídica era uma só, mas hierarquizada em uma pirâmide abstrata, o que equivale dizer que norma inferior é derrogada pela superior se houver conflito. A teoria da pirâmide kelseniana passou a ser observada por inúmeros sistemas constitucionais, sendo, a primeira, a Constituição da Áustria de 1920 (a "oktoberverfassung").

Previa a Constituição austríaca, em seu artigo 9°, que as "as regras do direito internacional geralmente reconhecidas são consideradas parte integral do direito federal".

A teoria monista nacionalista foi defendida pelos juristas alemães e franceses.

Qual das duas teorias prevalece : a monista internacionalista ou a nacionalista ? Destaca Hildebrando Aciolly que "a jurisprudência internacional tem sido invariável ao reconhecer a primazia do direito internacional. O caráter preeminente do direito internacional foi declarado, em parecer de 1930, pela Corte Permanente de Justiça Internacional, neste termos : "É princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de tratado, as disposições de lei interna não podem prevalecer sobre as de tratado."

No sentido da primazia do direito internacional, temos a posição assumida pela Convenção de Viena sobre o direito dos tratados (1969), ao fixar em seu artigo 27 :

"Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno, para justificar o inadimplemento de um tratado."

Resta evidenciado que este Tratado impõe uma solução em caso de conflito de norma interna com externa, e a solução acaba por afastar a possibilidade de não cumprimento do acordo, pela afronta à legislação interna. Alguns colocam que a Convenção está sendo coerente e não parcial, porque se o Chefe de Estado, como representante do país, celebrou de livre vontade um ajuste, seria contraditório em seguida optar pelo seu não cumprimento, em face da discordância com a legislação interna.

Mas para outros, a questão é outra, até porque a legislação é dinâmica e volátil, em face até mesmo da mudança nos padrões da sociedade, o que ampara uma superveniente recusa a norma de tratado por choque com legislação nacional.

Brasil : A Constituição Brasileira não traz expressamente, em seu texto, norma definindo sobre qual teoria seria a adotada : a monista ou a dualista, o que abre margem para discussões doutrinárias. Na Constituição de 1988 não existe qualquer cláusula que reconheça o Direito Internacional com o mesmo status do direito interno, como existe na lei fundamental alemã, que prevê, em seu artigo 25, que as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal e sobrepõem-se às leis nacionais.

No entanto, em suas disposições, a Constituição fixa que os acordos internacionais devem ser submetidos ao órgão legislativo federal, o Congresso Nacional, para resolver sobre os mesmos, abrindo assim caminho para a adoção da teoria dualista. Como destaca o Min. Celso de Mello, na ADIN 1.480-DF, a solução deve ser buscada no próprio texto constitucional, ao afirmar que "é na Constituição da República ? e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas ? que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro".

E esta tem sido a concepção brasileira desde a Constituição de 1891, que incorporou a necessidade de passagem pelo Legislativo, sem a qual o tratado não teria qualquer valor jurídico. Um exemplo famoso, já destacado por nós, foi o que ocorreu com Quintino Bocaiúva, que chefiou a pasta das Relações Exteriores no primeiro governo provisório, após a proclamação da República. Nesse posto, tentou solucionar uma velha questão de limites com a Argentina assinando o Tratado de Montevideu, em 25 de janeiro de 1890, que previa a divisão da região de Palmas entre Brasil e Argentina. Aplaudido pelos argentinos, no entanto, este acordo teve uma péssima repercussão na opinião brasileira, o que fez com que o Congresso Nacional o rejeitasse, não tendo qualquer validade este tratado. Esta questão territorial só foi resolvida bem depois, por arbitramento, tendo o Brasil saído vencedor.

A necessidade de submissão dos tratados ao Legislativo também está presente na Constituição americana, evidenciando a adesão pela teoria dualista. Durante o governo Clinton, as negociações sobre acordos de livre comércio na América eram limitadas pela ausência de fast track, mandato especial que autoriza o Poder Executivo a negociar tratados internacionais sem a interferência do Legislativo.

No entanto, tem sido de fato a jurisprudência do STF que tem definido a adoção da teoria dualista mitigada. Ou seja, através de um Decreto conseguimos internar um tratado internacional. Na Constituição federal de 1988 não existe qualquer cláusula que reconheça o Direito Internacional com o mesmo status do direito interno, como existe na lei fundamental alemã, que prevê, em seu artigo 25, que as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal e sobrepõem-se às leis nacionais.

O referido Tribunal apreciou a questão da possibilidade de aplicação imediata na Carta Rogatória 8279, que apreciava a auto aplicação do Protocolo de Ouro Preto, firmado em complementação ao Tratado de Assunção, que criou o mercado comum do sul, em face da previsão constitucional contida no parágrafo único do artigo 4°, que previa a formação no plano internacional de integração com os demais países da América Latina.

Quanto à possibilidade de aplicação imediata das disposições de um Tratado em nosso ordenamento pátrio, ou seja, de observância da teoria monista, destacamos a decisão do STF :

CR 8279 AgR/AT ? ARGENTINA - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 17/06/1998. E m e n t a: MERCOSUL - carta rogatória passiva - denegação de exequatur - protocolo de medidas cautelares (Ouro Preto/MG) - inaplicabilidade, por razões de ordem circunstancial ? ato internacional cujo ciclo de incorporação ao Direito interno do Brasil, ainda não se achava concluído à data da decisão denegatória do exequatur, proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal - relações entre o Direito Internacional, o Direito Comunitário e o Direito nacional do brasil - princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata - ausência de previsão no sistema constitucional brasileiro - inexistência de cláusula geral de recepção plena e automática de atos internacionais, mesmo daqueles fundados em tratados de integração- recurso de agravo improvido. A recepção dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos acordos celebrados no âmbito do mercosul está sujeita à disciplina fixada na Constituição da República. - A recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional,que reside a definição do iter procedimental pertinente à transposição, para o plano do Direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos - inclusive daqueles celebrados no contexto regional do MERCOSUL - concluídos pelo Estado brasileiro. Precedente: ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. - Embora desejável a adoção de mecanismos constitucionais diferenciados, cuja instituição privilegie o processo de recepção dos atos, acordos, protocolos ou tratados celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL, esse é um tema que depende, essencialmente, quanto à sua solução, de reforma do texto da Constituição brasileira, reclamando, em conseqüência, modificações de jure constituendo. Enquanto não sobrevier essa necessária reforma constitucional, a questão da vigência doméstica dos acordos celebrados sob a égide do MERCOSUL continuará sujeita ao mesmo tratamento normativo que a Constituição brasileira dispensa aos tratados internacionais em geral.
Procedimento constitucional de incorporação de convenções internacionais em geral e de tratados de integração (MERCOSUL) - A recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de Direito Internacional Público, que passa, então - e somente então - a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. O SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO DO EFEITO DIRETO E NEM O POSTULADO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - A Constituição brasileira não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata. Isso significa, de jure constituto, que, enquanto não se concluir o ciclo de sua transposição, para o direito interno, os tratados internacionais e os acordos de integração, além de não poderem ser invocados, desde logo, pelos particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles fundados (princípio do efeito direto), também não poderão ser aplicados, imediatamente, no âmbito doméstico do Estado brasileiro (postulado da aplicabilidade imediata). - O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina. - Sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do MERCOSUL.

Quanto à hierarquia, a jurisprudência sempre foi a de atribuir o status de lei ordinária aos tratados internacionais incorporados. Com a EC 45/2004, passou a CF/88 a prever, em seu § 3º, art 5º, que os tratados sobre direitos humanos que forem aprovados por 3/5 dos membros de cada casa, em dois turnos, serão equivalentes às emendas constitucionais. Assim, passamos a ter a possibilidade de termos tratados com status de norma constitucional.

Por fim, destacamos os RE 466.343-SP e HC 87.585-TO, mudaram a posição do STF, ao dar um status de norma supra legal e infraconstitucional aos tratados internacionais sobre direitos humanos. Discutia-se o conflito entre o direito internacional e o direito interno quanto à possibilidade de prisão do depositário infiel.

Autor: Antonio Teixeira Leite


Artigos Relacionados


A Obrigatoriedade Do Cumprimento Dos Tratados Internacionais

A SistemÁtica Da IncorporaÇÃo Dos Tratados Internacionais De Direitos Humanos No Ordenamento JurÍdico Brasileiro

A Evolução Do Direito Internacional

Recepção Dos Tratados Internacionais Gerais E De Direitos Humanos

Elementos Da Responsabilidade Internacional Por Violação De Direitos Humanos

O Instituto Da Reserva Nos Tratados Internacionais

Convenção De Direito Internacional Privado - O Código De Bustamante