Etanol, a alternativa renovável brasileira



Introdução
Desde que a primeira muda de cana-de-açúcar chegou ao Brasil, poucos imaginaram o que ela representaria para o futuro da nação. Foi visto, naquele momento, uma oportunidade de cultivar uma planta que como produto final tinha o açúcar, tido como uma especiaria. O Brasil apresentava condições favoráveis, de clima e solo, e era um território virgem, ocupado apenas por indígenas, que respeitavam a mãe natureza.
Hoje o cultivo da cana se transformou, e sua única semelhança com o passado é que ainda se planta cana. Porém, todo o processo de plantio, colheita e fabricação de açúcar e todos os produtos dela extraídos (e hoje tantos outros subprodutos além do açúcar, tais como o Etanol, ração animal a partir da levedura, co-geração de eletricidade a partir do bagaço da cana, plástico biodegradável, medicamentos, insumo para cosméticos, etc.), passou por um processo evolutivo que a coloca entre as mais modernas do agronegócio, se não a mais moderna.
Por anos, ou por séculos, ela se manteve na economia brasileira com certa discrição, sendo uma cultura importante e expressiva em termos numéricos, mas sem muito destaque perto das outras culturas. Às vezes vista com descaso pelo cansaço de existir desde sempre, sendo os novos setores vistos como a solução para a economia nacional deslanchar rumo ao progresso e ao reconhecimento internacional, e para ganhar espaço no comércio exterior.
No entanto, quando a destruição do meio ambiente foi alardeada e o mundo inteiro parou para repensar suas atitudes e buscar alternativas e soluções para os problemas apontados, eis que surge um subproduto daquela antiga cana-de-açúcar capaz de mostrar a saída para parte do problema. Este produto é o Etanol, que foi apontado como substituto da gasolina na combustão dos motores veiculares. Mas não é simples assim, tudo o que é novo ? para os outros países e não para o Brasil, neste caso ? tem que ser pesquisado, testado e comprovado, antes de ser aceito.
E passamos por todas essas fases, estando agora o Etanol em fase de comprovação, pelo mundo, de que é mesmo a alternativa renovável mais indicada para redução de emissão de gás carbônico na atmosfera, ao contrário da tão difundida gasolina, grande emissora deste poluente. E nesse momento, as atenções, nacionais e internacionais, se voltam para este setor, que não para de surpreender e segue apresentando produtos inovadores ao mercado.
Essa passagem rápida pelo tempo é o que motivou este estudo, que tem como objetivo apresentar os benefícios do Etanol, analisando desde sua produção até seus impactos ecológicos e econômicos, para entender o motivo de ser elevado ao patamar de fonte de energia renovável, e de ser apresentado ao mundo como alternativa viável. Não é intenção do presente estudo apoiar ou não sua utilização, e sim apresentar os motivos de sua indicação como combustível ecologicamente correto e sua importância para a economia brasileira.
Este tema poderia ser abordado de várias formas, incluindo várias discussões pertinentes como o estudo aprofundado da comparação do Etanol produzido a partir do milho e a partir da cana-de-açúcar, ou um aprofundamento na cadeia de subprodutos da cana-de-açúcar a fim de mostrar a versatilidade do setor comprovando sua importância para a economia nacional, ou até mesmo uma comparação com os outros países produtores de Etanol da cana ? mas vale lembrar que o foco deste estudo é o Brasil ? entre outras, mas pela necessidade de dar um foco mais específico para o trabalho, as discussões escolhidas serão apresentadas abaixo.
No capítulo um, a fim de mapear e retratar o que é o setor, o que ele representa para o Brasil, a evolução pela qual passou e a competitividade do país, será apresentada a participação do setor do agronegócio no PIB brasileiro e dentro deste, do grupo de produtos da cana-de-açúcar, para se ter a real dimensão de sua importância para o país; quanto o setor sucroenergético gera em termos de renda e emprego para a economia; a evolução tecnológica pela qual passou o setor, a fim de mostrar que não se trata de um setor atrasado, que estagnou no tempo e ainda funciona aos moldes do antigo engenho; apresentação de dois subprodutos atuais que prometem revolucionar a imagem do setor; e por fim, este capítulo termina com seis razoes pontuais que justificam a competitividade do Brasil.
No capítulo dois, o foco escolhido é o estudo mais aprofundado do Etanol proveniente da cana-de-açúcar, a fim de comprovar que este produto é de fato uma boa alternativa na substituição dos combusteis fósseis, principais causadores do aquecimento global. Para tanto, o estudo se propõe a brevemente contextualizar as discussões sobre o meio ambiente no mundo e conceitualizar o termo sustentabilidade, de acordo com o entendimento da autora; esclarecer o que é o efeito estufa e o aquecimento global, para que sejam bem entendidos a fim de melhorar a compreensão das conclusões e intenções do estudo, além de expor dados e informações sobre o ciclo produtivo do Etanol da cana-de-açúcar. Os últimos tópicos contemplarão a oferta nacional e mundial de Etanol e sua demanda, com foco nas barreiras à demanda do Etanol brasileiro e uma abordagem sobre a crescente participação de capital estrangeiro dentro do setor e suas implicações.



















Capítulo 1 ? Mapeamento setor sucroenergético no Brasil
1.1 Participações no PIB
Inicialmente, é válido definirmos o conceito de Produto Interno Bruto (PIB). Ele representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos, em valores monetários, em uma determinada região, durante um período determinado. Nesta conta entram apenas os bens e produtos finais, excluindo-se os bens de consumos intermediários a fim de evitar dupla contagem. Há diferença entre PIB nominal e PIB real. No primeiro, o valor do PIB é calculado em valores correntes do período calculado e no segundo, utiliza-se um período de preços base a fim de eliminar o efeito da inflação. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o responsável pelo cálculo do PIB no Brasil.
Há diferença na metodologia de cálculo do PIB para o IBGE e para o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). No primeiro, é utilizado o critério de preços constantes, que o critério utilizado mundialmente para indicar expansão ou retração do volume produzido por um setor ou na economia como um todo. No segundo, são analisadas as produções a preços reais para avaliar a renda real do setor em pauta.
Deve-se salientar que a partir do segundo semestre de 2008, a crise financeira aparece como uma preocupação cada vez maior em todas as avaliações econômicas. Para o Agronegócio existem alguns agravantes em termos de fragilidades, por sua rentabilidade depender das variações do clima, das safras e por ser um setor ainda dependente de Capital interno e externo, ou seja, é um setor vulnerável.
De acordo com um artigo publicado pelo Centro de Referência de Agronegócio da região Sul (CERAGRO) "desafios e oportunidades do agronegócio brasileiro frente à crise financeira internacional", o agronegócio é um traço marcante da economia brasileira, por representar 36,7% das exportações, 28% do PIB e 37% da geração de emprego. Ou seja, uma desaceleração no setor é grave para a nossa economia, mas segundo a autora do artigo, há oportunidades dentro da crise que devem ser exploradas: (I) o mercado internacional é dependente de alimentos e matérias-primas e (II) poucos países têm terra fértil e disponível como o Brasil.
Em Outubro de 2008, em entrevista para o Portal do Agronegócio, Eugênio Stefanello afirmou que o setor do agronegócio já havia sido afetado pela queda dos preços internacionais das commodities, o que gera um efeito negativo na receita do produtor. Outro ponto negativo da crise seria a diminuição da oferta do crédito para o custeio das lavouras dos médios e grandes produtores e para as exportações. Porém, o lado positivo da crise seria o aumento na taxa de câmbio, pois o setor exporta mais do que importa.
O estudo mais completo do setor foi realizado com dados de 2008 pela Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (FUNDACE) , o qual contou com uma equipe de seis pesquisadores e foi coordenado por Marcos Favas Neves, Vinícius Gustavo Trombin e Matheus Alberto Cônsoli. Ele merece destaque neste trabalho, pois nos mostra a real dimensão do setor Sucroenergético no Brasil em 2008. (Tabela 1).
Tabela 1: Setor Sucroenergético (Receita Bruta em 2008)

Fonte: FUNDACE, 2008.
Através do mapeamento e da quantificação da receita gerada pela interação do setor sucroenergético e todos os seus elos (insumos agrícolas e industriais, usinas e destilarias, processo de distribuição do produto final e com os agentes facilitadores), será analisada a Receita Bruta do setor em 2008. Dividindo-o em partes, será analisado o Elo de Insumos Agrícolas em primeiro lugar, chamado pelos autores de Antes das Fazendas. (Tabela 2).
Tabela 2: Antes das Fazendas

Fonte: FUNDACE, 2008. (Adaptado pelo autor)


De acordo com o estudo, a venda de fertilizantes gerou USD 2.259,09 milhões; a venda de defensivos gerou USD 768,44 milhões; a venda de corretivos gerou USD 50,56 milhões e a indústria de Auto-Peças e serviços de Manutenção ligada ao setor teve uma Receita de USD 2.851,19 milhões. A venda de colhedoras, tratores, caminhões, carrocerias, reboques e semi-reboques geraram USD 1.312,11 milhões. O setor de implementos faturou USD 425,66 milhões e a venda de óleo diesel e lubrificante gerou uma receita de USD 1.054,01 milhões no ano de 2008. Por fim, a venda de Equipamentos de Proteção Individuais (EPI) gerou USD 53,80 milhões e a Receita das Revendas e Cooperativas na venda de defensivos foi de USD 477,54 milhões.

A Receita Total do Elo de Insumos agrícolas foi de USD 9.252, 42 milhões, o que representou aproximadamente 10,6% da Receita Bruta do Setor Sucroenergético, estimada em USD 86.833,00 milhões.
A parte do estudo caracterizada como Nas Fazendas teve uma Receita de USD 11.509,75 milhões (representando aproximadamente 13,2% do total), e nela está incluída a produção de Cana-de-açúcar própria e de fornecedores.

Tabela 3: Equipamentos (Elo Após as Fazendas).

Fonte: FUNDACE, 2008. (Adaptado pelo autor)


No Elo Após as Fazendas, encontramos uma rede complexa e interligada de negócios, que será analisada a seguir. De acordo com a Tabela 3, a Receita com venda de equipamentos para a indústria da cana-de-açúcar foi de USD 3.400,99 milhões. Dentre esses equipamentos estão: gerador de vapor, recepção e extração, destilaria, indústria de açúcar, gerador de energia, outros para montagem e equipamentos para manutenção. Dentro dos insumos industriais ainda temos um gastos de USD 269,76 milhões com o setor de Automação e Instrumentação; USD 366,00 milhões com o setor de Instalações Elétricas; USD 594,75 milhões com Construção Civil; USD 1.100,35 milhões com Serviços de Montagem e Manutenção; USD 463,82 milhões com produtos químicos; USD 94,19 milhões com óleo combustível e lubrificante; USD 45,42 milhões com sacarias; USD 14,67 milhões com Big Bags; USD 15,46 milhões com materiais de laboratório e USD 38,96 milhões com Equipamentos de Proteção Individuais (EPI).
A soma dos valores gerados para cada ramo dos insumos industriais mencionados acima foi de USD 6.614,39 mm, o que representou 7,6% do total.
Tabela 4: Usina/Destilaria (Elo após as Fazendas).

Fonte: FUNDACE, 2008. (Adaptado pelo autor)
A receita das usinas e destilarias (Tabela 4) foi de USD 22.639,17 milhões, sendo essa receita proveniente da venda do Etanol, do açúcar, da bioeletricidade, de leveduras e aditivos e recebida através dos créditos de carbono. O Etanol foi responsável pela maior parte da receita (USD 12.417,36), somadas as vendas para mercado interno e externo. O açúcar esteve em segundo lugar, com um total de vendas de USD 9.765,08 milhões (mercado externo e interno). A bioeletricidade já ocupa um lugar interessante somando USD 389,63 milhões, as leveduras e aditivos para indústria de ração tanto de mercado interno como externo somam USD 63,61 milhões e o setor ainda faturou USD 3,48 milhões com créditos de carbono. O bioplástico não entrou nesse estudo por falta de escala comercial. Este elo representou 26,1% do total.
No processo de distribuição do Etanol (tabela 5) o setor gerou uma receita de USD 19.738,56 milhões (22,8% do total), sendo USD 8.624,05 na venda para o distribuidor e USD 11.114,50 na venda deste para o Posto, que atenderá o consumidor final. Os valores gerados na distribuição para a Indústria de Bebidas e Cosméticos não foram computados.
Tabela 5: Etanol (Elo Após as Fazendas).

Fonte: FUNDACE, 2008. (Adaptado pelo autor)
Por sua vez, no processo de distribuição do Açúcar (tabela 6) foram gerados USD 4.003,15 milhões, sendo a maior parte para o varejo (USD 3.259,26) e a menor para o atacado (USD 743,89). Os valores de distribuição para a Indústria de alimentos e outras não foram computados. Este elo representou 4,6% do total.
Tabela 6: Açúcar (Elos Após as Fazendas)

Fonte: FUNDACE, 2008. (Adaptado pelo autor)

Por fim, a receita gerada pela interação do setor com os agentes facilitadores (prestadores de serviço) foi de USD 13.275,58 mm, sendo distribuída da seguinte forma: USD 3.350,79 milhões para o BNDES; USD 213,52 milhões com custos portuários (Santos); USD 739,33 milhões com massa salarial; USD 916,32 milhões com Centro de Conhecimento e Trabalho Terceirizado (centro-sul); USD 79,15 milhões com P&D; USD 125,51 milhões com planos de saúde (apenas no Estado de SP); USD 539,03 milhões com fretes rodoviários para exportação (Portos de Santos e Paranaguá); USD 5,32 milhões com eventos; USD 188,26 milhões com alimentação (apenas no Estado de SP); USD 79,96 milhões com pedágios para exportação (Santos); USD 3,99 milhões com revistas e USD 6.855,41 milhões com impostos agregados no SAG. Este elo representou 15,3% do total.
Em segundo lugar, será analisada a participação do Agronegócio no PIB Brasileiro através do Índice de Preços de Exportação do Agronegócio em dólar (IPE) e do Índice de Volume de Exportação do Agronegócio (IVE). Observe que os dados de 2010 são referentes à média de janeiro a março do presente ano. (Gráfico 1).




Gráfico 1: O Agronegócio no PIB Brasileiro de 2000 a 2010.

Fonte: Cepea-Esalq/USP
De acordo com o artigo publicado pelas Doutoras Andréia Cristina de Oliveira Adami e Adriana ferreira Silva (pesquisadoras do Cepea), junto com o professor do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, Geraldo Sant?Ana de Camargo Barros , o gráfico 1, acima, representa um aumento de 66,7% no IPE praticamente contínuo até 2008, quando observamos um recuo de 8% nos preços em dólares entre 2008 e 2009. No início de 2010 há indicações de recuperação com aumento de 11% dos preços. Por sua vez, o IVE indica um crescimento de 124% no volume das exportações quando comparadas as médias de 2009 e de 2000, o que indica que o setor aumentou sua participação no PIB brasileiro em termos reais . Dividindo o setor em grupo de produtos, tem-se (Gráfico 2):
Gráfico 2: Exportações do agronegócio brasileiro por grupos de produtos (2006/2007/2008)

Fonte: Secex/MDIC, elab. Cepea/ESALQ-USP
Logo, dentro do agronegócio brasileiro, as exportações do grupo de produtos Cana e Sacarídeas representou 7% do total exportado nos anos de 2006/2007/2008, sendo o sexto grupo dentro do setor.
Uma projeção positiva para o cenário de 2018/2019 feita pela Assessoria de Gestão Estratégica (AGE) do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2008, mostra que os alimentos são os últimos itens cortados da pauta de importação diante de uma crise, como afirmou o ministro do MAPA, Reinhold Stephanes. De acordo com os estudos, a exportação do Etanol brasileiro será o item da pauta agropecuária que mais crescerá até 2018/2019, com variação de 153,8 pontos percentuais. Já o açúcar terá uma variação de 55,4 pontos, como segue abaixo na Tabela 7.
Tabela 7: Exportações do Agronegócio em 2007/2008 e projeção para 2018/2019, por produto.

Fonte: Mapa, 2008.




1.2 Geração de Emprego e Renda
Ainda segundo o estudo "Mapeamento e Quantificação do Setor Sucroenergético" realizado pela FUNDACE, com dados de 2008, de acordo com o Ministério do Trabalho, o setor gerou no ano em questão 1.283.258 empregos formais, o que representa 2,5% dos empregos formais no Brasil. Dentre eles, 481.662 foram gerados no cultivo da cana ? sendo 55% destes trabalhadores analfabetos e com baixa instrução e 80% localizados na região Norte-Nordeste; 561.292 na fabricação de açúcar bruto; 13.791 no refino e na moagem e 226.513 na produção do Etanol. Porém, há uma peculiaridade na geração de empregos na cultura da Cana, pois 54% dos empregos gerados são sazonais devido às safras, mesmo que o setor apresente uma melhora nos números de empregos formais totais (80,9% do todo). A faixa de remuneração dos trabalhadores está entre 1,01 e 3,0 salários mínimos mensais, sendo que a região Centro-Sul apresenta um rendimento médio de R$ 1.062,55/trabalhador e a região Norte-Nordeste apresenta R$ 666,20 e, portanto, a média nacional é de R$ 942,02.
Entretanto, não é possível falar de emprego sem falar na mecanização do campo, acelerada pelo Protocolo Agroambiental de 2007 , de adesão voluntária. O problema que se coloca é a realocação do trabalhador rural que está sendo substituído pela máquina. Geralmente, esses trabalhadores têm baixo grau de instrução, ou seja, ao mesmo tempo em que o Protocolo favorece as preocupações ambientais, pode desfavorecer em grande parte as questões sociais relacionadas à empregabilidade se nenhuma ação conjunta for realizada.
A União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA), proponente do Protocolo junto com o Governo do Estado de São Paulo, se antecipou às conseqüências sociais que se desdobrariam a partir da mecanização na colheita da Cana-de-açúcar e já conta com mais de 150 iniciativas para enfrentar o cenário que se coloca. Para superar este problema é preciso dar instrução aos trabalhadores rurais para que sejam realocados dentro do próprio setor ou em outros setores da economia.
De acordo com um estudo do Instituto de Economia Agrícola (IEA), realizado pela Comissão Especial de Bioenergia do Governo do Estado de São Paulo, estima-se que a introdução de máquinas na colheita da cana desemprega cerca de 2.700 pessoas por safra, para cada 1% de área mecanizada. E o problema social se agrava porque a meta de 30% de mecanização foi superada pelas indústrias, atingindo 41%, ou seja, o processo de substituição do trabalhador pela máquina está acelerado. Ainda de acordo com os pesquisadores do IEA, ao traçarem o perfil do trabalhador eles afirmam que eles precisam passar por três fases antes da reinserção: 1- motivação do indivíduo para que entenda seu papel dentro da economia brasileira e a importância de mudar de emprego; 2- requalificação deste trabalhador na qual muitos passarão até mesmo pela alfabetização; e 3- o acesso a cursos profissionalizantes para que possam exercer novas funções.
Para o terceiro ponto, a UNICA tem um projeto com abrangência para qualificar e profissionalizar 7.000 trabalhadores por ano, em seis macrorregiões do Estado de São Paulo. Dentre os cursos oferecidos para o setor sucroenergético estão: motorista canavieiro, operador de colhedora, eletricista, mecânico, soldador, etc. Para os outros setores da economia serão oferecidos: avicultura, jardinagem, construção civil, horticultura, costura, hotelaria, apicultura, entre outros. Ou seja, há uma resposta, que embora não resolve completamente os problemas, é uma resposta importante. Esse projeto se chama Renovação e conta com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o patrocínio das empresas privadas John Deere, Syngenta e Case Ih Agriculture.
Em matéria publicada pelo Jornal Cana, consta que 81,4% dos trabalhadores da área agrícola em 2008 possuíam contratos formais, sendo que o índice geral da agricultura brasileira é de 38,8%, de acordo com a professora-doutora da ESALQ, Márcia de Moraes . Em comparação com outros setores da Agricultura, o setor sucroalcooleiro lidera o ranking, contra 64,5% do setor citrus, 57,7% da soja e 39,8% do café. De acordo com a professora, o setor é o que mais emprega dentro da Agricultura, justamente por ser intensivo em mão-de-obra, apesar do processo de mecanização atual. Ele é responsável por 22,7% dos empregos dentro da Agricultura. Ela ainda destaca que o número das demissões ocorridas devido ao cumprimento do Protocolo Agroambiental foi contrabalanceado, não integralmente, com o aumento da produção da cana em 2008.
A professora destaca que um dos motivos para o alto índice de formalidade está na exigência do mercado externo de Etanol, atuação dos órgãos fiscalizadores, conscientização dos empresários e pressão dos competidores externos.
Em uma simulação liderada pela professora e realizada pelo Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ, foi concluído que se houver substituição de 15% da gasolina C do mercado por Etanol hidratado, haverá mais 117 mil novos empregos. Isso porque o setor emprega mais do que o setor petrolífero, no qual há concentração de mão-de-obra, em locais de risco e com alta exigência de qualificação, inclusive trabalho em alto mar. Em contraposição, o setor sucroenergético gera maior massa salarial, leva desenvolvimento às regiões em que se instala (criação de bancos, escolas, hospitais, entre outros) e ainda envolve diversos segmentos do mercado.
1.3 Evolução Tecnológica
1.3.1 Histórico
Um breve histórico da evolução tecnológica do setor sucroalcooleiro se faz necessário. Há mais ou menos 40 anos atrás se iniciaram as pesquisas tecnológicas para modernização das técnicas de colheita da cana-de-açúcar e de produção de seus subprodutos. De acordo com Ferreira et al. (1985), até a década de 70 não havia um setor autônomo de pesquisa agrícola nas empresas privadas, havia apenas instituições públicas de pesquisa e universidades. O financiamento vinha de empresas privadas com recursos subsidiados do governo federal.
A partir da década de 70, de acordo com Pinazza (1991) ocorre uma reestruturação do sistema de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), além de um programa específico para a cana-de-açúcar: Programa Nacional de Melhoramentos da Cana-de-açúcar (PLANALSUCAR). Ambos dentro do setor público. E segundo Graziano da Silva (1985) dentro do setor privado há a criação do Centro Privado de Pesquisa da COPERSUCAR, com laboratórios e campos experimentais e profissionais, ainda na década de 70.
As iniciativas para as pesquisas de modernização ocorreram porque perceberam que a inércia tecnológica poderia atrapalhar a competitividade do setor, ainda de acordo com Graziano da Silva (1985). O autor relata que no Centro de Pesquisa da COPERSUCAR (CTC) eram estudadas novas variedades, novos processos produtivos e ainda prestavam assistência técnica às indústrias filiadas a cooperativa. Havia pesquisa na área agrícola industrial e em tecnologia administrativa.
Para Belik (1985), o resultado dessas buscas por modernização através do investimento em pesquisa foi uma adaptação, graças ao intercambio de tecnologia (a constante presença de estrangeiros) e a transferência de outros setores produtivos. E o importante é que os problemas eram trazidos pelos produtores através da Assistência técnica do CTC. Os autores Eid e Scopinho (1998) identificam que com todo esse auxílio, as usina viraram grandes laboratórios a céu aberto, campos de experimentação de novos equipamentos, tecnologias produtivas e gestão de trabalho. Segundo os mesmos, havia grande intercâmbio entre as unidades produtivas e os centros de pesquisa, sendo as usinas os centros receptores e difusores das novas tecnologias, vindas inclusive de países com tradição na cultura da Cana como: Cuba, Austrália, África, entre outros, sendo estas adaptadas a realidade brasileira.
O IBGE publicava em Abril de 1998 no O Estado de São Paulo que de acordo com o censo agrícola de 1985 a 1996 o setor agropecuário tinha sido o mais dinâmico da economia brasileira, com rápida absorção de tecnologia e ganhos de produtividade, e a cana-de-açúcar não escapava dessa estatística. Farina e Zylbersztajn (1998) reafirmaram o constatado acima quando disseram que a tecnologia utilizada na agroindústria da cana era madura, porém ressaltaram que não havia grande turbulência inovadora no setor, mesmo porque o processo industrial era antigo e conhecido. Já em termos de logística de transporte, embalagem e canais de distribuição eles afirmaram que a inovação tecnológica poderia contribuir muito para a redução de custos. A grande mudança estaria na mecanização da colheita.
Entretanto, não devemos nos esquecer que os sistemas produtivos e tecnológicos são heterogêneos na extensão do território brasileiro e não é possível fazer generalizações. "O setor canavieiro emprega desde tecnologias de ponta até práticas que datam no neolítico, como o uso das queimadas para facilitar a colheita" (Guevara, 1999, apud EMBRAPA, 1998, p.4). O que é possível dizer é que havia uma tendência de obsolescência da instrumentalização industrial pneumática analógica, que estava sendo substituída pela eletrônica digital nas indústrias de processo contínuo.
Uma peculiaridade do setor é o fato de que a automação ocorreu no controle dos processos de fabricação, e não no próprio processo, diferente das outras indústrias de produção em série. De acordo com Vian (1997), a partir dos anos 80 a modernização vista no setor se baseava na utilização de equipamento de controle microeletrônico do processo de produção industrial, softwares de controle da produção agrícola e de novos implementos agrícolas.
Alves e Novaes (1996) fizeram uma importante observação quando disseram que o setor havia chegado ao limite de um padrão tecnológico, que era baseado na cana queimada, e que deveria passar por uma reformulação completa do sistema, para receber a cana crua. Deveriam ser analisadas novas variedades de cana, novo modo de preparo do solo e de plantio, novos tratos culturais e novos equipamentos de corte e carregamento. Devemos observar que essa discussão ainda é atual, com os prazos de substituição da colheita manual para mecânica contidos no Protocolo Agroambiental.
Na Tabela 8, verificamos alguns resultados da evolução tecnológica ocorrida nesse no período 1975-1994.
Tabela 8: Evolução Tecnológica da Indústria Sucroalcooleira (1975-1994).

Fonte: Guevara (1999), apud Thomaz Jr. (1996).
Observamos que a capacidade de moagem é aumentada em 100%, a porcentagem de extração aumenta 4 (quatro) pontos, o tempo de fermentação diminui 4 (quatro) vezes e a eficiência aumenta em 11 (onze) pontos percentuais. O teor alcoólico do vinho para destilação e a eficiência da mesma também aumentam, junto com a recuperação geral na produção de álcool. Já o consumo de Vapor na destilação diminui e a eficiência das caldeiras aumenta de 66% para 87%. Antes, sobrava até 8% do bagaço e em 1994, conseguia-se uma sobra de até 78%.
De acordo com Guevara (1999), apud Thomaz Jr. (1996), esses ganhos só foram possíveis devido à instalação de novos equipamentos periféricos e de novas técnicas de moenda e de extração, a partir das adaptações dirigidas pelo CTC. Na automação, de acordo com Guevara (1999), merecia destaque o projeto FIELDBUS de 1997, que englobava todas as áreas de produção (geração de vapor, fabricação do açúcar e destilação do álcool). O ponto-chave deste projeto foi que ele proporcionava a integração de dispositivos de campo, com controladores lógicos e programáveis, além de softwares provisórios, promovendo maior controle dos processos. Lattaro et al (1997) viram no FIELDBUS mudanças drásticas, pois era um meio de interconexão de dispositivos de campo, com baixo custo e liberdade de configuração que proporciona economia de tempo e de investimentos.
No campo do monitoramento por Satélite, este tipo de tecnologia era utilizado pela EMBRAPA para detecção, identificação, qualificação e cartografia da cultura da cana, o que contribuiu para a agricultura de precisão (mapeamento detalhado das condições do solo e produtividade da propriedade rural). Os sensores eram instalados nas máquinas e os receptores eram um GPS instalado na central, com precisão de até 1m².
Já em termos de melhoramento genético, de acordo com Guevara (1999), a EMBRAPA e o CTC eram os realizadores das atividades em P&D de novas variações ? melhoradas ? da cana-de-açúcar. Elas buscavam modificações quanto à resistência às pragas e doenças, aumento do teor de açúcar, tempo de maturidade e ganho de produtividade, entre outros. Em 1998, o CTC havia desenvolvido novas variedades de cana, chamadas variedades SP (que vinham acompanhadas de um número de identificação).
Temos então que até meados da década de 90 essas foram as inovações que mereceram destaque. Em um balanço geral, não podemos, até aqui, generalizar a evolução tecnológica e abordá-la como um processo total do setor sucroalcooleiro, porque na verdade, ela aconteceu por setores, não tendo havido nenhuma mudança significativa no processo industrial em si.
1.3.2 A partir do século XXI
Entrando no século XXI, observamos um divisor de águas para a modernidade do setor sucroalcooleiro em 2007, com a assinatura do Protocolo Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro (de adesão voluntária), pelo Governo do Estado de São Paulo e a União da Indústria de cana-de-açúcar (ÚNICA) . A diretriz mais importante desse Protocolo foi a diminuição dos prazos para substituição da colheita manual para a colheita mecanizada. Há uma divisão entre áreas mecanizáveis e não-mecanizáveis, com diferentes prazos a serem cumpridos. As primeiras são superfícies planas, de fácil acesso para as máquinas e as segundas são geralmente terrenos íngremes, com necessidade de desenvolver novas máquinas que possam realizar o trabalho. Observe o gráfico 3 abaixo:


Gráfico 3: Prazo para a eliminação da queima da palha da cana no estado de São Paulo

Fonte: UNICA.
De acordo com a Lei Estadual número 11.241/02 , o percentual de cana colhida sem queima deveria chegar em 100% em 2021 para as áreas mecanizáveis e em 2031 para as não-mecanizáveis. Com o Protocolo assinado em 2007, esses prazos diminuíram significativamente para 2014 e 2017, respectivamente. Ou seja, há uma pressão maior para o avanço tecnológico do setor e que está sendo cumprido com seriedade pelas indústrias. Em 2008, de acordo com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente , 141 indústrias já haviam recebido o "Certificado de Conformidade Agroambiental", pelo cumprimento do Protocolo. Isso representa 90% do que é produzido no Estado de SP, que por sua vez tem 80% da Cana que é plantada em território nacional.
Atualmente, o setor conta com avançada tecnologia de monitoramento, em sua maioria controlada pelo CTC. Por exemplo, a fim de identificar de forma sistemática as perdas de açúcar durante o processamento, foi criado um sistema que avalia o montante de perda setorial através de quantificação de produto ou de valores monetários, chamado Perdas Setoriais, e através dessa identificação há um direcionamento para a melhoria da eficiência. Também existe o Acompanhamento de Safra, que foi criado com o objetivo de visualizar dados entre safras e dar um horizonte para os meses restantes da safra atual, ou seja, aumenta o controle sobre o que está dando certo e o que está dando errado. Há também o Diagnóstico Agroindustrial Online, que faz uma avaliação abrangente de 80 processos agrícolas e industriais, determinando o nível tecnológico empregado e a eficiência no uso da tecnologia, identificando gaps e classificando processos industriais em termos de tecnologia e eficiência, a fim de listar melhorias e orientar investimentos.
1.3.2.1 Evolução Tecnológica Agrícola
Alguns destaques do avanço tecnológico agrícola nos primeiros quatro meses de 2010 merecem atenção. Discussões a respeito da utilização da palha da cana para a co-geração de energia e também para adubação natural do solo se aprofundam nos anos 2000. Isso porque com a mecanização da colheita da Cana, essa palha não é queimada, formando uma camada protetora no solo, protegendo, inclusive, a micro-fauna e a micro-flora. Esse material orgânico serve de nutriente para o solo - diminuindo gastos com adubos químicos, recicla os nutrientes, protege o solo contra erosão, diminui os estragos do tráfego pesado sobre o solo, entre outros.
Porém, recentemente foi descoberta uma nova utilidade para a palha: a sua utilização, junto com o bagaço da Cana, para a co-geração de energia em um processo de queima desse material. A discussão que se coloca agora é sobre a decisão de queimar ou não essa biomassa, decidindo quanto deverá permanecer sobre o solo e quanto irá se transformar em energia, mas essa é uma decisão industrial. Em questões de melhoramento genético, justamente por ter que lidar com as novas condições de colheita da Cana, procura-se desenvolver espécies da planta que não apresentam problemas de brotação em um solo com palhada.
Incorporar a palha requer mudança de conceitos no manejo da cultura da Cana. Nesse ponto e aproveitando para exemplificar o intercâmbio tecnológico entre culturas diferentes, surgem, no mercado, adaptações tecnológicas capazes de ajudar nas mudanças necessárias. Por exemplo, hoje existe um subsolador que foi trazido da cultura da batata, que tem a finalidade de tornar o solo mais poroso e permeável e, logo, facilita a penetração de água e oxigênio (alimentos para os microorganismos decompositores da palha). Esse processo devolve ao solo fósforo, cálcio, magnésio, entre outros nutrientes.
Percebemos também que há avanço no melhoramento genético nas buscas para encontrar genes que controlam a tolerância das variedades a estresses hídricos, temperaturas elevadas, pragas e enfermidades. Hoje em dia, 57% de toda a cana plantada no país passaram por melhoramento genético . Portanto, temos espécies mais resistentes, diminuindo a vulnerabilidade do setor, anteriormente comentada.
Em termos de mecanização, o seu ponto forte é a colheita e seu ponto fraco é o plantio. Muito se avançou em tecnologia nas colhedoras, principalmente em termos de eficiência, economia, modernidade, precisão ? geralmente associada à eletrônica ? e diminuição da necessidade de manutenção (grande reclamação dos produtores). Entretanto, em termos de plantio, pouco se avançou, sendo ele ainda semimanual e, portanto, dependente de mão-de-obra.
1.3.2.2 Evolução Tecnológica Industrial
Como descrito no histórico deste tópico, até a década de 90 não se observa significativa evolução tecnológica dentro da indústria da cana-de-açúcar, somente havia na área agrícola. Porém, no século XXI as discussões a respeito da modernidade industrial são atuais e três delas merecem destaque: 1- a discussão moenda versus difusor; 2- a utilização de redutores planetários; 3- a substituição do enxofre por ozônio no branqueamento do açúcar.
Para a discussão moenda versus difusor não há ainda uma conclusão sobre qual equipamento tem o melhor custo/benefício. Ambas as defesas são muito bem sustentadas, tornando o debate ainda mais interessante. Entretanto, a mensagem subliminar que existe nessa disputa é a quebra de um paradigma, porque a moenda é o símbolo do Engenho de Cana-de-açúcar, apesar da moenda atual não ter praticamente nenhuma relação com a de séculos atrás, senão o nome. Isso mostra que o setor está preparado para se reformular e se adaptar a modernidade. Lançar um novo equipamento para a substituição da moenda foi ousadia ? o primeiro difusor foi instalado no Brasil em 1985 ? e agora a moenda encara seu maior concorrente, apesar de ainda ser a mais utilizada.
Desde a safra de 2004/2005, na qual foi utilizado o primeiro redutor planetário, mais de 1200 já foram instalados. Este redutor é um importante avanço tecnológico para aumento da eficiência da moenda, porque permite, entre outros benefícios: a diminuição no consumo de energia no acionamento da moenda, maior facilidade de montagem/desmontagem, grande diversidade de meios de acoplamento, podem ser acionados por motores elétricos, possuem dupla proteção contra sobrecargas e aumentam a extração do caldo.
A substituição do enxofre por ozônio no processo de clareamento do açúcar é outro destaque, pois possibilitará redução de custos e uma produção de açúcar mais saudável por um processo menos nocivo ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores. A diminuição dos custos com insumos chega a 50% e há diminuição também no gastos com a perda do açúcar ocasionada pela ação corrosiva do enxofre e os conseqüentes vazamentos, entre outros. Outra vantagem advinda da substituição é a produção de um açúcar mais saudável, no qual é possível adicionar nutrientes, como a vitamina A.
1.3.3 Conclusões
Analisando toda a evolução tecnológica do setor sucroalcooleiro até os dias atuais, é impossível dizer que estamos falando do mesmo setor de séculos atrás, quando tudo se iniciou. Hoje contamos com tecnologia de ponta, somos exportadores ? e não mais importadores ? dessa tecnologia. Isso mostra que o setor está cada vez mais preparado para enfrentar as pressões internacionais tanto em relação a certificações, como para atender as demandas ? que indicam ser crescentes ? dos nossos importadores.
Uma vez que os centros de pesquisas são estimulados a buscarem a modernidade e se tornam excelentes nessa busca, é mais fácil dar rápidas respostas à novas demandas. E os estímulos seguem uma tendência de aumento, pois como analisado neste primeiro capítulo, o setor é estratégico para o país e seus produtos são necessidade básica para a vida, sendo o açúcar o alimento e o Etanol o combustível renovável, que nos permitirá estar neste mundo, convivendo em harmonia com a natureza.
1.4 Subprodutos da Cana
Entretanto, com avanços recentes em pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias, também foram desenvolvidos novos produtos, ecologicamente corretos, a partir da cana-de-açúcar, dando mais dinamismo ao setor e aumentando a gama de produtos oferecidos, o que traz mais segurança para o produtor. Dentre eles, merecem destaque a Bioeletricidade e o Plástico Biodegradável.
De acordo com o livro "Etanol e Bioeletricidade", organizado por Eduardo de Sousa e Isaias Macedo, a geração de bioeletricidade é desenvolvida em um momento estratégico, no auge das discussões a respeito das matrizes energéticas e das críticas a queima de combustíveis fósseis na geração de energia através de termoelétricas. Através da queima do bagaço da cana e agora, da palha também, obtém-se a energia elétrica que irá abastecer a indústria da cana no seu período de funcionamento e o estoque ainda é exportado para as companhias de força e luz e abastecem as cidades ao seu redor. Estamos diante de uma estratégica matriz energética.
Ainda de acordo com o livro "Etanol e Bioeletricidade", a bioeletricidade chega para complementar o parque hídrico brasileiro e tem capacidade para gerar 15% da demanda do país. A complementaridade a produção hidrelétrica está também no fato de que os picos de produção se alternam, ou seja, nos períodos de seca e, logo, baixa nos reservatórios de água, há geração de bioeletricidade. Atualmente, 90% da energia elétrica do país é hídrica.
Por sua vez, o plástico biodegradável é produzido através da fermentação do açúcar da cana-de-açúcar com organismos naturais e é completamente devolvido ao meio ambiente de forma limpa e sustentável. Sua principal utilização, de acordo com a empresa Biocycle ? pioneira na produção do plástico no país ? é para produtos de uso rápido, como os descartáveis. A produção ainda é pequena, mas contratos importantes já foram fechados, como o contrato de fornecimento da brasileira Braskem para a Tetra Pak, líder mundial na produção de embalagens longa vida de papel. Empresas multinacionais também apostam no projeto, tais como a Dow Quimica, a Rhodia e a Dupont, de acordo com matéria publicada no site Nosso Impacto.
1.5 Por que o Brasil é competitivo na extração do Etanol da Cana-de-Açúcar?
Em primeiro lugar, precisa estar claro a diferença entre tipos de cultura de alimentos que têm como subprodutos álcool, neste caso, a beterraba (Europa) e o milho (EUA). Comparados em termos de produção de Etanol, temos os seguintes números (Tabela 9):
Tabela 9 ? Comparação de Produção, Eficiência e Produtividade na produção do Etanol a partir do milho, da beterraba e da cana-de-açúcar.

Fonte: A Energia da Cana-de-Açúcar ? ÚNICA (Macedo, 2005)
Logo, podemos perceber que a produtividade (litros/hectare) da cana-de-açúcar é maior do que a das outras culturas, além de sua eficiência energética ser, no mínimo, quatro vezes maior. Em termos de custos, a cultura da Beterraba se destaca como tendo o maior custo em USD, enquanto a do milho se aproxima à da cana-de-açúcar. Chegamos à conclusão, então, de que a cana-de-açúcar oferece o melhor custo-benefício quando comparada as culturas da beterraba e do milho, sendo então a produtividade desta planta ? utilizada pelo Brasil - um fator relevante para explicar a competitividade do país no cenário internacional do Etanol.
Em segundo lugar, temos a contribuição do fator clima. No Brasil, temos um clima tropical, sendo um país próximo a linha do Equador, o que contribui para o plantio na Agricultura. Diferentemente da Europa e dos Estados Unidos, com climas mais frios e amenos, não tão favoráveis assim ? e por isso há preferência pelas culturas do milho e da beterraba. Em terceiro lugar, temos a nosso favor a extensão territorial do Brasil e as áreas ainda não cultivadas disponíveis para o crescimento da cana-de-açúcar. Em termos estratégicos, o terceiro fator favorece sobremaneira o Brasil porque se houver aumento de demanda dos subprodutos da Cana nós temos capacidade de nos adequar, crescer e atender.
Em quarto lugar, e agora fazendo uma comparação com a Índia ? país produtor de cana-de-açúcar ? a cana brasileira pode ser colhida de cinco a setes vezes antes que haja o replantio, de acordo com a UNICA. Ou seja, os ciclos de colheitas são mais longos e o aproveitamento é maior do que na Índia (três a quatro vezes). E sendo a lavoura responsável por 74% dos custos de produção, uma lavoura eficiente como a brasileira significa aumento de competitividade.
Para o quinto lugar, temos o baixo desperdício industrial no processo de transformação da Cana em açúcar, álcool e derivados. O processo de produção do açúcar envolve, genericamente, as seguintes etapas: lavagem da cana; preparo para moagem ou difusão; extração do caldo: moagem ou difusão; purificação do caldo: peneiragem e clarificação; evaporação do caldo; cozimento; cristalização da sacarose; centrifugação: separação entre cristais e massa cozida; secagem e estocagem do açúcar . Durante todo este processo, praticamente tudo é reaproveitado, inclusive a água que é tratada e volta para o ciclo de produção e no final, até o bagaço da cana volta para o solo, onde servirá de adubo e proteção para a microflora e microfauna. Já na produção do álcool, as etapas são diferentes, mas a conclusão é a mesma: o desperdício é baixo e o reaproveitamento é alto.
Em sexto e último lugar, a competitividade da cana brasileira também se justifica pelo nível tecnológico empregado no setor. Como discutido anteriormente neste trabalho, o Centro de tecnologia COPERSUCAR (CTC), a Embrapa ? atuando na área de P&D desde os anos 70, e os investidores privados em busca de seus próprios interesses ? as próprias usinas sucroalcooleiras, empresas de maquinário agrícola, entre outras ? cooperaram em grande escala para o avanço tecnológico do setor, principalmente depois das crises do petróleo, devido ao incentivo a procura de fontes alternativas de combustível. Além disso, dentre preocupações atuais com a proteção do Meio Ambiente, as técnicas ? principalmente de colheita ? foram pressionadas a sofrer mudanças, sendo a colheita manual substituída pela máquina, o que aumentou a eficiência desta etapa da produção.
Todos esses fatores somados elevam a competitividade brasileira na cultura da cana-de-açúcar. Alguns deles podem ser alcançados, copiados e ultrapassados, como é o caso da tecnologia, do baixo nível de desperdício industrial e tópicos relacionados. Entretanto, nosso clima, nossa extensão territorial e nossa eficiência na lavoura devido ao alto rendimento da nossa cana, não podem.












Capítulo 2 ? O Etanol como alternativa renovável.
2.1. Preocupações com o meio ambiente: breve histórico
Uma breve contextualização, a luz do texto "The System for Implementation Review in the Ozone Regime" de Owen Greene (1998), nos permite entender melhor o surgimento do contexto favorável para o Etanol como uma fonte renovável de energia. O tema "preocupações ambientais" emerge como principal foco e atividade internacional no final do século XX. Entender as mudanças climáticas torna-se fundamental, assim como achar as respostas para tais mudanças e traçar um plano de ação. Os conceitos desenvolvidos pelas teorias de Relações Internacionais (R.I) ajudam bastante nesse sentido, e ao mesmo tempo essas questões são um desafio para esta frente de estudo.
A partir dos anos 60, as preocupações aumentaram para a nova geração de líderes, cientistas, industriais, para a população e os governantes, porque foi a partir de então que os efeitos destrutivos ficaram mais evidentes, apesar de não serem novos porque, afinal, o homem sempre teve essa tendência de explorar como se não fosse acabar. A diferença é que antes a destruição era local, ou sua percepção era local, e então a população mudava de lugar quando o Rio estava poluído e seus problemas acabavam. Já agora, a expansão da industrialização e o rápido crescimento populacional mudaram a situação e os impactos se tornaram globais.
Existem cinco principais motivos para o meio-ambiente ter se tornado uma discussão global. Primeiro porque os gases do efeito estufa destroem a camada de ozônio não exatamente no local onde foram emitidos e sim por todo o globo, ou seja, uma atitude irresponsável na Austrália é sentida por Portugal, e assim por diante. Segundo porque há exploração dos bens de consumo comuns a todos, como os oceanos e atmosfera. Terceiro porque as grandes explorações são locais, mas estão acontecendo em muitos locais ao mesmo tempo. Quarto porque o processo de exploração está intimamente ligado a decisões políticas e ao modelo socioeconômico adotado. Quinto porque o meio-ambiente é global e transnacional, ou seja, não respeita fronteiras políticas.
A primeira aparição das discussões no contexto internacional aconteceu ainda no século XIX. A preocupação era entrar em acordo em relação ao gerenciamento dos recursos e para isso foi feito um acordo para a defesa da flora por haver, na época, uma doença devastando a Europa. Ou seja, os acordos em relação ao meio-ambiente eram em torno de outras questões que não para salvá-lo. Porém, já surgia a idéia de proteger a natureza para seu próprio bem (o da natureza) e como um recurso econômico.
Em 1960 surge de forma mais nítida uma preocupação internacional em relação à poluição e preservação, principalmente nos países desenvolvidos, como derramamentos de óleo no mar e chuva ácida. Em 60 ainda surgem as primeiras discussões informais para o desenvolvimento de uma nova lei para governar os oceanos, já apontando para a tendência de criação de leis com abrangência internacional.
Na década de 70 ocorre a Conferência de Estocolmo ("UN Conference on the Human Environment", 1972), com o objetivo de estabelecer um padrão internacional para coordenar uma política para abordar poluição e outros problemas ambientais. Essa reunião foi um marco, porque mostrou a preocupação coletiva sobre assuntos ambientais e as discussões se institucionalizaram. Ficou entendido que os governos têm a responsabilidade de cooperar com os esforços para a redução de impactos. Nessa reunião foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
Entre 1970 e 1980, dezenas de acordos se estabeleceram e muitos impulsionados pela pressão das ONGs. Isso fez com o que o papel das ONGs ganhasse ainda mais importância e passassem a ter amplo acesso/participação nos encontros intergovernamentais. Nas reuniões, essas organizações passaram a ter mais importância e expertise do que os grandes Estados e por terem acesso à mídia passaram a ditar a agenda.
No final dos anos 80 já havia um entendimento global de que as emissões antropogênicas dos gases do efeito estufa estavam afetando o balanço de energia na terra, causando rápido aquecimento global e mudanças climáticas. Em 1988, os cientistas examinaram os riscos dessa mudança e, no Relatório de 1990, na 2° Conferencia Climática de Gênova, 137 países estavam presentes e todos concordaram que uma convenção internacional era de extrema urgência.
Portanto, em 1992 aconteceu a Conferência do Rio de Janeiro (ECO-92), na qual foram estabelecidas várias instituições para promover a implementação e o desenvolvimento da Agenda 21, como por exemplo, a CSD (Commission for Sustainable Development) e a GEF (Global Environment Facility). Não se esperava que estas instituições pudessem programar a agenda diretamente, mas sim que elas pudessem ajudar a moldar os processos de um jeito útil, criando fundos para ajudar países emergentes a se preparar para a implementação do desenvolvimento sustentável, ou criando fóruns para os países prestarem conta sobre suas atividades/agendas e articulando as agendas nacionais para garantir a sustentabilidade.
A importância da Agenda 21 está no fato ser uma ousada e abrangente tentativa, em escala planetária, envolvendo todos os tipos de instituições, para promover um novo modelo de desenvolvimento, onde há a conciliação da proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. O ponto-chave deste encontro foi entender a palavra "necessidade" não somente com caráter econômico, mas também como uma demanda vinda da terra, do ar, da água, da biodiversidade, ou seja, do meio ambiente. Depois deste evento, os encontros para discussões se tornaram comuns e recorrentes, contudo poucas das metas estabelecidas nesses encontros foram alcançadas, porque geralmente influenciam de forma direta na economia dos países.
Ainda na Conferência da Terra, como também é chamada a ECO-92, foi discutida a importância da diminuição de Gás Carbônico na atmosfera, mas não foram acordados os valores, nem os prazos e, portanto, marcaram a próxima reunião que ocorreu em Kyoto, no Japão, onde foi assinado o Protocolo de Kyoto, o qual estabelecia a diminuição da emissão do CO2 em 5% para os países industrializados, com bases nos dados de 1990, entre outras metas.
Este cenário, inclusive, deu margens às discussões para metas diferenciadas de acordo com o nível de desenvolvimento dos países, isso porque os mais desenvolvidos são os que mais contribuíram para o estagio de poluição atual, e para eles são estabelecidas as mesmas metas dos "em desenvolvimento". Estes últimos alegam que os desenvolvidos hoje são denominados assim porque quando precisaram alavancar suas economias, não precisaram ser ecologicamente corretos e pedem por seus direitos de se desenvolver com menor pressão internacional para a degradação do meio ambiente.
Depois destes eventos, ocorreu a ECO-92 + 10 em Johanesburgo, na África, em 2002, com a intenção de revisar a Agenda 21 de 1992, para entender as dificuldades para implementar as mudanças nela descritas, para preencher as lacunas, para uma reformulação a fim de encontrar soluções passíveis de serem colocadas em práticas.
Portanto, a evolução da união dos povos, dos governantes, das organizações e instituições a fim de encontrar soluções conjuntas para diminuir as conseqüências da destruição causada pelo homem é nítida. Os resultados obtidos no cumprimento das metas estabelecidas não são satisfatórios quando analisados como um todo, mas houve avanços individuais significativos, por parte do Brasil, por exemplo, que é o foco deste estudo e veremos essa questão mais adiante.
2.2. Sustentabilidade
Existem várias formas de definir o termo sustentabilidade, mas este estudo o definirá como sendo um termo que surge a partir do momento em que o sistema adotado começa a ser questionado em termos políticos por ser injusto, onde há concentração de renda e abuso de poder; em termos sociais, por gerar pobreza e desigualdade social; em termos éticos, pelo desrespeito aos direitos humanos e em relação às outras espécies; em termos culturais pela alienação aos próprios valores e em termos ecológicos por ser predatório na utilização dos recursos naturais. Neste momento, o conceito de sustentabilidade entra em pauta para que ocorram mudanças.
O ser humano é autodestrutivo, pois na ganância dos valores cultivados pelo modo de vida adotado deixou de se preocupar com o amanhã, vivendo o hoje como se fosse o último dia. A acumulação de capital se tornou seu valor maior, e na sua cegueira rumo à riqueza, ele está destruindo sua fonte fecunda e finita de vida: o meio ambiente.
Desenvolver-se de forma sustentável implica criar um sistema político, econômico, social, cultural e ambiental equilibrado, no qual a utilização dos recursos naturais no tempo presente não comprometa sua utilização pelas gerações futuras. O problema é que hoje atingimos um patamar de destruição irreversível e os cientistas advertem que o que podemos ? e devemos ? fazer é desacelerar o ritmo de suas conseqüências.
Como este estudo se propõe a mostrar que a produção do Etanol proveniente da cana-de-açúcar é uma produção sustentável, e que seu produto final é considerado uma energia renovável, o termo sustentabilidade terá seu significado acoplado a ciclo produtivo sustentável, nesse caso, da cana-de-açúcar.
2.2.1. Efeito Estufa e Aquecimento Global: esclarecimentos.
Vale dizer que o efeito estufa é um fenômeno natural, sem o qual a biodiversidade do ecossistema e as atividades fotossintéticas estariam comprometidas. Parte dos raios solares que incidem sobre a atmosfera são refletidos de volta para o espaço, e do restante ? que atravessa a atmosfera ? parte é absorvida e parte é refletida em forma de radiação infravermelha. Os chamados gases estufas ? dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nítrico (N2O), hidrofluorcarboneto (HFC), hexofluorsuforoso (HS6) e perfluorcarboneto (PFC) ? têm propriedades reflexivas aos raios infravermelhos, devolvendo-os para a superfície do Planeta. Já o aquecimento global não é um fenômeno natural e é causado pelo aumento dos gases estufa na atmosfera, aumentando sua capacidade de reflexão dos raios infravermelhos.
De acordo com o Relatório "Mudança do Clima 2007: A base das Ciências Físicas" divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (Em inglês: Intergovernmental Panel on Climate Changes ? IPCC), em parceira com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), os principais responsáveis pelo aquecimento global aparecem na seguinte ordem, independente do ano analisado: 1- CO2 de combustíveis de origem fóssil e outras fontes; 2- CO2 de desmatamento e degradação; 3- CH4 da agricultura, desperdícios e energia e 4- N2O da agricultura e outras procedências (Gráfico 4).
Gráfico 4: Responsáveis pelo Aquecimento Global.

Fonte: IPCC, 2007.

Portanto, temos que o principal agravante do Aquecimento Global é a emissão de CO2 proveniente da queima de combustíveis fósseis e outras fontes. De acordo com a United Nations Statics Division (UNSD), a geografia dos maiores emissores de CO2 na atmosfera se encontrava disposta da seguinte maneira em 2006 (Figura 1):
Figura 1: Emissões de CO2 em 2006.

Fonte: United Nations Statistic Division (UNSD).

Observa-se, portanto, que Estados Unidos, Alaska, Rússia, Índia, Japão e China são os maiores emissores de CO2 no mundo, entre 1.501 e 6.105 milhões de toneladas. O Brasil encontra-se na faixa mediana de emissão entre 301 e 900 milhões de toneladas. Como já sabemos que o maior responsável pela emissão desses gases é a queima de combustíveis fósseis e provenientes de outras fontes, segue abaixo uma tabela com a frota veicular no mundo, de acordo com o Anuário da Indústria Automobilística Brasileira (ANFAVEA) de 2009, com dados de até 2007 (Tabela 10):
Tabela 10: Frota de Autoveículos ? 1998/2007.

Fonte: ANFAVEA, 2009.
Conflitando os dados apresentados pelo anuário e os dados da UNSD, percebe-se que os três primeiro países com maior frota veicular são também os maiores emissores de CO2 na atmosfera: Estados Unidos, Japão e China. Apenas Alaska, Rússia e Índia não se encaixam nesse confronto de dados, mas seus casos não serão analisados neste estudo.
Sendo os combustíveis fósseis os grandes responsáveis pela emissão de CO2, uma mudança na fonte energética para a combustão motora dos veículos seria um grande avanço em busca do desenvolvimento sustentável, e neste aspecto, o Brasil sai na frente, liderando a substituição dos combustíveis fósseis (gasolina e diesel) para os renováveis (Etanol e biodiesel). De acordo com artigo publicado no O Estado de São Paulo, em 22 de janeiro de 2010, pelo presidente da UNICA, Marcos Jank, hoje os veículos flex ( que aceitam tanto a gasolina como o Etanol como combustível) já são quase 40% da frota nacional, sendo que o primeiro veículo da categoria foi lançado em 2003.
Na mesma entrevista, o presidente reafirma que o Brasil "tornou-se um notável exemplo para o mundo de substituição de petróleo e de combate ao aquecimento global". Ele ainda complementa que nos últimos três anos o consumo do Etanol cresceu 78% frente a apenas 3% da gasolina (gráfico 5), e essa discrepância ele atribui à expansão da oferta de Etanol, aos baixos preços e ao reconhecido valor ambiental do produto.
Gráfico 5: Consumo Nacional de Etanol e Gasolina (Jan 2000 ? Jul 2009)

Elaborado por: UNICA.

Para complementar a informação apresentada pelo presidente da UNICA, Marcos Jank, segue abaixo a tabela 11, referente à produção de Autoveículos por tipo e combustível em 2009, publicada pela ANFAVEA.
Tabela 11: Produção de Autoveículos por Tipo e Combustível - 2009

Fonte: ANFAVEA, 2009.

Portanto, percebe-se que no total de 3.185.243 autoveículos produzidos o Brasil em 2009, 2.543.499 foram com motores Flex, representando 80% da produção nacional. Esse valor pode chegar a 84% se desconsiderarmos as categorias Caminhões e Ônibus, nas quais não encontramos a opção de motor Flex nessa tabela.
2.3. Etanol: Alternativa renovável
A partir dos anos 70, com as crises do Petróleo (73 e 79), começam as buscas por alternativas ao combustível fóssil, primeiro porque o mundo se assusta com a escassez dessa matéria-prima, petróleo, segundo porque a economia se preocupa com a volatilidade dos preços e terceiro porque o cenário geopolítico que envolvia o petróleo era, e ainda é, conflituoso e ofensivo, trazendo instabilidade, já que o fornecimento de petróleo pode entrar em risco devido a disputas políticas armadas ? guerra ? como já aconteceu na Guerra do Golfo e nas invasões do Iraque por parte dos Estados Unidos, recentemente.
Neste contexto, o Brasil, que antes das crises produzia apenas 15% da sua demanda por petróleo, resolve desenvolver o setor alcooleiro para ter o álcool como substituto e estar protegido estrategicamente. É lançado o Proálcool ainda na década de 70 e em 10 anos a utilização da gasolina como combustível já era inferior a do Etanol, impactando, inclusive, positivamente na nossa Balança Comercial.
De acordo com Marcos Jank, presidente da UNICA, houve cinco fases bem demarcadas associadas a políticas erráticas de combustíveis que interferiram nas decisões dos consumidores pela utilização dos combustíveis . A primeira foi na década de 70 com a substituição da gasolina pelo diesel, devido à política de preços artificiais. A segunda fase, na década de 80, é marcada pela consolidação do Proálcool , com o qual se ampliou a mistura de álcool anidro na gasolina (utilizada desde 1938 para absorver estoques de Etanol) e depois do segundo choque do Petróleo de 1979, houve também a viabilização do lançamento de veículos movidos a Etanol hidratado (o sucesso dessa política se comprova pelos dados segundo os quais em 1998, 95% dos veículos produzidos no Brasil eram movidos a Etanol hidratado).
A terceira fase é marcada pela perda de competitividade dos preços do Etanol, com a queda latente dos preços do petróleo, seguida da redução dos incentivos governamentais para a oferta do produto, o que levou a retomada de posicionamento da gasolina frente ao Etanol e a crise de desabastecimento de Etanol em 1989/1990. A quarta fase, na década de 90, é marcada pelo incentivo ao uso do Gás Natural Veicular (GNV) devido ao excedente temporário do produto, em substituição ao Etanol e a gasolina.
Por fim, a quinta fase, vivida até hoje, se inicia em 2003 com o lançamento do primeiro carro flex no Brasil. A diferença agora é que o consumidor não tem mais que escolher o combustível que será utilizado no ato da compra do veículo, e sim ao abastecer, ganhando autonomia frente às oscilações de preços do mercado de combustíveis. Desde 2008, a venda mensal do Etanol superou a da gasolina, sendo esta última considerada o "combustível alternativo" do Brasil.
Somado às questões de política interna, temos as preocupações ambientais e a busca por novas fontes de energia que agridam em proporções menores o meio ambiente, havendo uma oportunidade para o Etanol despontar como alternativa renovável e estratégica. Contudo, surgem também as críticas ? fundadas e infundadas ? a respeito do seu modo de produção (moderna e arcaica ao mesmo tempo), e surgem também preocupações com as conseqüências de um possível aumento no cultivo da cana-de-açúcar, principalmente relacionadas à falta de alimentos no mundo e ao desmatamento na Amazônia para a plantação da cana. Este tópico, porém, se limitará a estudar o ciclo de produção do Etanol para conclusões a respeito de ser ou não uma alternativa renovável.
De acordo com a tese de doutorado orientada pelo professor Isaias de Carvalho Macedo "Avaliação técnico-econômica de opções para o aproveitamento integral da biomassa de cana", será avaliado a seguir o ciclo produtivo do Etanol (Figura 2). O estudo realizado admite 50% da colheita manual e 50% mecanizada, e os números obtidos são quilos para mil litros de Etanol produzido e consumido.
Figura 2: Circulo Virtuoso do Etanol

Fonte: Isaias Macedo (Unicamp); Joaquim Seabra (tese de doutorado da Unicamp, 2008)

Durante todo o ciclo "virtuoso" da produção do Etanol são emitidos para a atmosfera 8.135 Kg de CO2, no entanto, nas fases de crescimento da planta e na geração da bioeletricidade são reabsorvidos 7.875 Kg de CO2, sendo o saldo de emissão igual a 260 Kg de CO2. As emissões com o uso equivalente de gasolina são de 2.280 Kg de CO2. Ou seja, a emissão de CO2 no ciclo completo de produção do Etanol é 89% inferior que a da gasolina. Isso mais do que comprova que o Etanol é uma alternativa limpa e renovável de combustível.
2.4. Oferta e demanda de Etanol
2.4.1. Oferta
A fim de quantificar a produção de Etanol (anidro e hidratado) e sua demanda, este tópico será dedicado à análise dos números do setor no Brasil e no mundo. A partir dos dados da União da Indústria de cana-de-açúcar (UNICA), percebemos a expansão da produção no Brasil, saindo de 12.623.225 mil litros na Safra de 2002/2003 para 27.512.962 mil litros na safra de 2008/2009 (Tabela 12). Ou seja, a produção mais do que duplicou em sete anos. Deste total produzido, a maior parte foi Etanol hidratado, que é o combustível, chegando a 18.176.619 mil litros na Safra 08/09, sendo o restante destinado a produção do Etanol anidro ? aditivo.
Tabela 12: Produção de Etanol (02/03 ? 08/09)
Fonte: UNICA.

A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em um programa de cooperação com o MAPA, realiza três visitas às unidades de produção por safra a fim de manter atualizados os dados da área agrícola e da área industrial de cada unidade. O primeiro relatório da atual Safra (2010/2011) foi lançado em Abril de 2010 e será analisado a seguir.
De acordo com o relatório, 10 novas unidades produtivas entraram em atividade nesta safra, o que nos mostra que a lavoura de cana-de-açúcar continua em expansão pelo Brasil. A área de cana colhida estimada para esta Safra é de 8.091,5 mil hectares. A previsão é que sejam moídas 664.333,4 mil toneladas de cana, o que representa um aumento de 9,9% com relação à Safra 2009/2010. Deste total, 45,4% é destinada à produção do açúcar e 54,6% à produção do álcool, o que representa um volume total de 28.500 milhões de litros de álcool, sendo 8.359,9 de álcool anidro e 20.140,1 de álcool hidratado.
Entretanto, o Brasil não é o único produtor mundial Etanol, sendo este mercado liderado pelos Estados Unidos (Etanol proveniente do milho), e sendo o Brasil o maior produtor mundial de Etanol proveniente da cana-de-açúcar ? veremos adiante a comparação entre as culturas do milho e da cana para entender os pontos positivos e negativos de ambas. Os gráficos abaixo (Tabela 13) nos mostram a produção mundial de Etanol e biodiesel em 2008, e uma projeção para produção em 2028:










Tabela 13: Produção Mundial de Etanol e biodiesel

Fonte: Adriano Pires e Rafael Schechtman, 2009.


Sendo estes dados de 2008, no qual a produção de Etanol do Brasil foi de 27 bilhões de litros ? em 2009, segundo as previsões da CONAB chegará a 28,5 bilhões ? a produção mundial hoje é maior do que 67 bilhões de litros, seguindo a tendência de aumento contida no gráfico da esquerda.
2.4.2 Demanda
Os dados para cálculo e análise da demanda mundial do Etanol são escassos, além de serem de difícil mensuração. Com dados da UNICA, sabemos, por exemplo, que o Brasil exportou 2,75 bilhões de litros na safra de 2009/2010 (total de 23,7 bilhões produzidos), sendo 365 milhões para a Índia; pouco mais de 1 bilhão para os EUA; 1,3 bilhão para a União Européia e Ásia (Japão e Coréia) somados, e o restante para outros países como a China.
Para a safra de 2010/11, as estimativas são negativas, prevendo queda das exportações para Estados Unidos e Índia. Ainda de acordo com previsões da UNICA, apesar do aumento na produção do Etanol, chegando a 28,5 bilhões de litros, as exportações chegarão a 1,8 bilhão em um cenário otimista, sendo comparado a safra de 2003/04 (em torno de 1 bilhão exportados). Uma análise conjuntural se faz necessária para entender a previsão de queda em um mercado ascendente.
O que ocorre com o mercado indiano é que ele foi um mercado muito importante para o Brasil, porém o governo indiano está incentivando a produção do Etanol da cana-de-açúcar, para trazer mais segurança ao produtor dado à volatilidade dos preços no mercado do açúcar . Com os Estados Unidos o problema é outro, já que o país mantém um imposto de USD 0,54 por galão de Etanol, acabando com qualquer competitividade possível do produto brasileiro no mercado americano. Buscando encontrar uma saída, o produto tem entrado no país através do Caribe, que é isento de tarifas, porém isso restringe o volume exportado.
Entretanto, as expectativas japonesas são positivas. O Japão, reconhecendo que o Etanol brasileiro é uma solução para diminuir sua dependência energética dos combustíveis fósseis e alcançar as metas de redução de CO2, trabalhar para aumentar até 2020 a porcentagem de Etanol presente na gasolina, chegando a 10%, o que criaria um mercado de até 6 bilhões de litros para o setor no Brasil, de acordo com José Carlos Grubisich, presidente da ETH Bioenergia, em artigo publicado no Jornal Folha de S. Paulo, edição de 28 de Maio de 2010.
2.4.2.1. Barreiras
A grande disputa no mercado internacional para o setor é dentro da OMC, a fim de conseguir abaixar as tarifas impostas para a importação do Etanol brasileiro pela União Européia, Estados Unidos e China, principalmente. As tarifas dificultam o comércio internacional do produto, que não bastasse essa disputa, ainda luta para se tornar uma commodity e ter um contrato futuro que assegure seus preços, evitando a oscilação vivida nos dias atuais. Para isso, as práticas de produção devem seguir um padrão internacional, estando de acordo com o que é praticado no Brasil (região Centro-Sul) por ser referência internacional em boas práticas, sendo este também um grande desafio.
Percebe-se que o caminho para uma trajetória estável em preços, com reconhecimento internacional e um mercado livre de tarifas (barreiras à entrada) não será fácil de ser percorrido, porém já vemos algumas sinalizações positivas. Em Dezembro de 2009, a China reduziu sua tarifa de importação do Etanol de 30% para 5% e sendo o mercado que mais cresce no mundo, a noticia chamou a atenção no setor e pode ser promissora no futuro próximo.
De acordo com matéria publicada no Estadão , em estudo realizado recentemente pela União Européia, o Brasil é apontado como melhor opção na hora de importar combustível renovável. Isso porque os europeus têm uma meta de ter 5,6% dos seus veículos movidos à bicombustíveis até 2020. Entretanto, o estudo também comprovou que se a União Européia pretender atingir essa meta através de produção nacional, o equilíbrio ambiental será afetado sobremaneira, logo o Brasil foi reconhecido como a melhor opção. Para isso, a abertura comercial está sendo analisada, já que a União Européia pratica uma tarifa de USD 0,19 por galão, e o peso negativo nessa decisão seria o impacto para os países em desenvolvimento do bloco. Se as previsões positivas se confirmarem, para atender essa demanda o Brasil terá sua produção aumentada em 15% até 2020, ainda de acordo com o estudo.
Os Estados Unidos já vêm analisando a possibilidade de baixar a tarifa de importação até o final de 2010, que hoje se referem a absurdos USD 0,54 por galão, por reconhecerem que o Etanol da cana-de-açúcar é realmente avançado e pode ser a solução para atingir metas de redução de emissão de carbono. Entretanto, essa decisão não agrada os produtores de Etanol (do milho) americanos e essa medida ainda está em discussão. Frente a essas dificuldades e para ganhar credibilidade no mercado internacional, em abril de 2010, o Brasil zerou a alíquota de importação do Etanol, que era de 20%, tentando dar o exemplo para os outros países, entretanto os EUA já disseram em nota que esta atitude brasileira não afetará suas decisões acerca da barreira a entrada.
A OMC analisa a situação como um jogo de contrapartidas, ou seja, a União Européia e os Estados Unidos, na verdade, não estão dizendo não a queda da barreira tarifária, estão apenas esperando o que o Brasil vai oferecer em troca, para ajudar em suas balanças comerciais. E esse é o mais antigo movimento das negociações internacionais, sempre em busca de uma "win-win situation" (situação ganha-ganha). A atitude de zerar a tarifa de importação em questão este ano, apenas diminui a hipocrisia brasileira em pedir que abaixassem enquanto ele também mantinha, porém ela não trará benefícios comerciais a quem o Brasil deve agradar.
Ainda é válido dizer que o mercado externo do Etanol é diferente do mercado interno. No Brasil, é utilizado o Etanol hidratado, que é o Etanol combustível, além do Etanol anidro que é utilizado como mistura na gasolina (na proporção de 25%). No mercado externo, quase não há veículos movidos a Etanol combustível, porém, para seguirem as metas de redução de emissão de carbono, muitos países criaram leis que asseguram a mistura do anidro em diferentes proporções na gasolina. Por exemplo, nos EUA, essa lei obrigada a mistura de 10% de anidro no combustível fóssil.

2.5. A participação do capital estrangeiro
Por mais que a presença do capital estrangeiro no setor sucroalcooleiro não seja novidade, houve uma intensificação recente dessa participação, inclusive ultrapassando as expectativas dos empresários. Nota-se que o que foi apresentado ao mundo sobre a alternativa limpa brasileira para combustíveis foi comprovado pelos grandes grupos estrangeiros, de setores diversos, que hoje investem capital no setor brasileiro.
Entretanto, a participação majoritária continua sendo brasileira, diferente do que acontece em outros setores, inclusive dentro do próprio agronegócio e, caso esse cenário venha a mudar nos próximos anos, isso não é visto como negativo para a economia nacional, dado que os grupos investidores preservam as relações pré-existentes com fornecedores e toda a cadeia produtiva, e o foco do capital investido está no aumento da eficiência e da produtividade, gerando sempre saldo positivo para o Brasil, de acordo com a análise do presidente da UNICA, Marcos Jank, em matéria publicada em março de 2010.
Não somente a comprovação de que o Etanol da cana é o combustível mais indicado para substituto da gasolina, em termos de redução de emissão de CO2, é o que move o interesse dos grupos estrangeiros no setor sucroenergético. O movimento de adequação do setor ao cenário pós crise econômica mundial também é um fator relevante , além de outros como os recentes avanços na produção da bioeletricidade e a classificação do Etanol da cana como avançado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA).
Dentre as cinco transações que mais chamam a atenção do mercado nacional e internacional temos a joint venture entre Shell e Cosan, em fevereiro de 2010, que ressalta a decisão estratégica do setor petrolífero em estar presente na produção de energia renovável, se antecipando a futura crise do petróleo, além de mostrar preocupação com as questões ambientais. O acordo foi avaliado em USD 12 bilhões. A Cosan, principal produtora brasileira e mundial de Etanol de cana-de-açúcar já era detentora das marcas Esso e Mobil no Brasil, e une-se agora a uma das maiores petrolíferas do mundo.
A Shell traz para o Brasil e outros países onde também investe em energias renováveis, muito mais do que aporte de recursos, mas também tecnologia, know-how e logística para aplicação, de acordo com Eduardo Leão de Sousa, diretor executivo da UNICA . Isso se comprova pelo recente lançamento do Shell V-Power Etanol, já comercializado em alguns postos de São Paulo e que promete ser ainda 46% mais limpo do que o Etanol comum. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento neste produto chegam a R$ 20,5 milhões, de acordo com matéria publicada pela UNICA em 07/06/2010.
Recentemente, a multinacional Bunge, gigante no setor alimentício, adquiriu seis usinas do grupo Moema, através de troca de ações da Bunge na bolsa de Nova York, pelas do grupo brasileiro, segundo o Portal Exame em 24/12/2009 . Em Abril de 2010, a Bunge Brasil anunciou investimentos no valor de USD 750 milhões na produção de açúcar e Etanol no Brasil, comprovando o benefício da entrada de empresas capitalizadas no setor, destacado pela UNICA.
Seguindo a tendência, a multinacional francesa Louis Dreyfus Commodities (LDC) adquiriu 60% do segundo maior grupo sucroalcooleiro brasileiro, a Santelisa Vale. Sem transações financeiras, o grupo francês assumiu R$ 2,2 bilhões de um passivo do grupo brasileiro e ainda trará um investidor para investir R$ 400,00 milhões na nova empresa, de acordo com matéria publicada no Estadão . A brasileira ficou com 17% do grupo, sendo os restantes compartilhados com o BNDES (1%) e com os maiores bancos credores ? Itaú, Santander, Votorantim e Bradesco ? que ficaram com 15%.
A união da Brenco e da ETH criou mais um gigante em 2010. A expectativa de produção (por ano) é de 3,0 bilhões de litros de Etanol e 2.500 gigawatts-hora de energia elétrica a partir da biomassa. E o grupo Shree Renuka, principal refinadora indiana, comprou 50,8% do grupo brasileiro Equipav em fevereiro de 2010. O grupo indiano já opera no Brasil de 1999, com oito usinas, três destilarias, duas refinarias e mais instalações de co-geração de energia, enquanto a Equipav detém participação acionaria em mais de 20 empresas, de diversos setores da economia, dentro eles o sucroenergético.
Esses exemplos nos mostram a dimensão do movimento de participação do capital estrangeiro no agronegócio da cana-de-açúcar, intensificado depois dos debates ambientais e da apresentação do Etanol como combustível menos agressivo, o que foi comprovado por todos os 320 grupos estrangeiros que visitaram o Brasil com a UNICA, nos últimos três anos, para comprovar que o Etanol era realmente tudo aquilo prometido para o exterior.
De acordo com dados da UNICA, em 2007, o capital estrangeiro representava 7% do setor, controlando 22 empresas. Havia, porém, uma expectativa para que em 2012 esse número chegasse a 12%, expectativa já superada em 2009 com os 14% ao final do ano. Entretanto, com as quatro grandes movimentações do ano de 2010, o percentual já chega em 22%. Percebe-se então que saímos da fase do questionamento e entramos na fase de decisões, de acordo com Marcos Jank.
Todo esse movimento só comprova que o setor está em fase de consolidação e ascensão, tendo despertado o interesse em grandes grupos investidores capitalizados, que podem contribuir para o fortalecimento da indústria sucroenergética, e conseqüentemente, fortalecer a imagem do Brasil no exterior, abrindo portas para outros setores da economia.


















Considerações Finais
O agronegócio é um marco na economia brasileira, desde os primórdios, e este estudo comprova que continua sendo um setor-chave, representando 36,7% das exportações, 28% do PIB nacional e 37% da geração de emprego. Houve muitos avanços tecnológicos, principalmente dentro do grupo de produtos da cana-de-açúcar, que transformaram o setor, e hoje o retrato que se tem não é mais de uma moenda dentro de um Engenho com mão-de-obra escrava, mas sim uma grande indústria, com enorme diversidade de produtos, com tecnologia aplicada, com alto índice de empregos formais. Além disso, o setor sucroalcooleiro brasileiro tem dado o exemplo para grandes potências de como crescer com sustentabilidade.
Diante das preocupações globais com o meio ambiente e o estágio de degradação hoje encontrado, alarmado pelos cientistas e tido como irreversível por muitos, o Brasil sai na frente na corrida para a substituição da utilização de combustíveis fósseis para combustíveis renováveis, que evitam grandes volumes de emissão de CO2, o maior causador do aquecimento global, comprovado por este estudo através de dados. E sendo este o grande determinante, este estudo procurou dados sobre os maiores emissores de gás carbônico, encontrando justamente os mesmo países que possuem a maior frota de veículos no mundo: Estados Unidos, Japão e China. Ou seja, substituir o tipo de combustível utilizado traria ganhos significativos para o meio ambiente.
Hoje em dia existem, além do Etanol, outros combustíveis disponíveis no mercado para a substituição do combustível fóssil, como o próprio gás carbônico, o biodiesel, carros movidos a energia elétrica, entre outros. Entretanto, sua capacidade de resposta aos problemas urgentes é menor do que a Etanol, principalmente o brasileiro ? proveniente da cana-de-açúcar ? se analisamos a quantidade de terra agriculturável disponível no Brasil para a expansão da produção, sem prejudicar a produção de alimentos e sem interferir no desmatamento da Amazônia.
O Etanol é o futuro dos Biocombustíveis. A tecnologia já existe, sua produção já é em larga escala, os investimentos são crescentes, seus benefícios comprovados, e a experiência brasileira é um caso de sucesso estudado atualmente por todos os atores globais. Mas como todo novo produto que surge, o Etanol enfrenta ainda algumas barreiras, as quais vêm sendo derrubadas gradualmente.
É assim mesmo quando se apresenta um novo produto, algo desconhecido, mas todo cheio de si, afirmando ser a solução dos problemas do mundo ? em palavras exageradas. A primeira reação é o estranhamento, depois surgem dúvidas e questionamentos, a desconfiança é despertada no concorrente, aparecem teorias conspiratórias e críticas. Se houver verdade no que está sendo apresentado, as dúvidas serão sanadas, os questionamentos respondidos, a desconfiança trocada pela crença e, neste caso, a crença na promessa de um futuro melhor para todos.
Não sejamos extremistas em afirmar que substituindo o uso dos combustíveis fósseis por uma alternativa renovável não teremos mais problemas com o meio ambiente e com o futuro do planeta. Mesmo porque essa troca não seria possível em escala global ? pelo simples cálculo de oferta e demanda ? e existem tantos outros aspectos a serem resolvidos, sendo este apenas mais um, porém um importante, já que é responsável pela emissão do gás mais responsável pelo aquecimento global, o gás carbônico (CO2).
Acredito que medidas devem ser tomadas em escala mundial, em todas as esferas em que o problema esteja presente: no desmatamento, na poluição de rios e mares, na emissão do próprio CO2 pelas chaminés das indústrias, na geração de energia elétrica através de termoelétricas, na emissão do metano (CH4) nos lixões a céu aberto, entre tantos outros. E se já temos uma resposta para parte do problema, devemos usá-la com cautela, para que não causemos outros.
Para a economia brasileira, essa oportunidade é de ouro. Temos um produto, que já é reconhecido mundialmente como o futuro dos combustíveis veiculares, temos escala, temos contínuos avanços tecnológicos, temos clima favorável, temos terra para expansão, temos atratividade para o capital estrangeiro. O mundo abre os olhos, nesse momento, para o que o Brasil tem a ensinar e esse reconhecimento pode ser a porta de entrada para outros setores da economia brasileira. Esse movimento é enfatizado quando multinacionais de setores diversos entram no Brasil com investimentos na produção do Etanol, como já está acontecendo.
Acredito, porém, na força do equilíbrio. Se o que vemos hoje na natureza é conseqüência do desequilíbrio em sua utilização, devemos aprender para não errar novamente. O Brasil deve enxergar tudo de positivo que está acontecendo em torno do Etanol como combustível para aproveitar as portas que estão sendo abertas, entretanto, se a expansão da cultura de cana-de-açúcar não for controlada, caminharemos rumo à monocultura ? retrato de desequilíbrio.
E aqui temos mais um ponto forte do Brasil, pois ocupa o posto de maior produtor mundial de mamão, café, feijão, laranja, Etanol de cana-de-açúcar e outros, simultaneamente, provando que a produção de Etanol não afeta a produção de alimento ? ocupando apenas 3,5% da área agriculturável do país, de acordo com o ProCana. Conseguimos com muito esforço diversificar nossa pauta de exportação na época da industrialização e não podemos regredir agora. Todos os setores da economia devem evoluir em conjunto, aceitando-se, porém, maiores investimentos em alguns específicos, mas sem que isso signifique desvio, apenas crescimento.
E a esse respeito devemos estar tranqüilos, porque o grande capital está cumprindo seu papel. Onde há expectativas de lucros crescentes, há entrada de capital, ainda mais quando o produto tem o rótulo: sustentável. Este estudo ressalta ainda que a industrialização neste setor é crescente, sendo outro ponto de equilíbrio, ou seja, o momento pós-lavoura ? com agregação de valor na cadeia ? se tornou o elo dinâmico da produção, com grande diversidade de produtos, como já citado.
O Brasil só tem a ganhar com o atual cenário. Ganhos em termos de projeção global já estão sendo sentidos, pois o Brasil ganhou peso nas negociações ? vide Rodada de Doha promovida pela OMC, na qual o Brasil ganhou a discussão para diminuição de barreiras agrícolas -, o que mostra também que ganhou em termos de influencia política. E na era do lançamento da grande empresa, vivida pela economia internacional, o Brasil mostra que está dentro do jogo.
O Etanol é extremamente estratégico para o Brasil no presente e será no futuro. Fonte de combustível, energia elétrica, plástico biodegradável, ou seja, tudo o que o mundo procura, o Brasil tem. Algumas batalhas foram ganhas, mas a guerra ainda não acabou. Ainda há luta para que se torne uma commodity e o mercado nacional para de sofrer com as oscilações de preço, ainda há luta contra as barreiras comerciais, ainda há luta contra o Lobby do milho americano, entre tantas outras já declaradas e a declarar. Entretanto, como dito anteriormente, se o produto for mesmo tudo aquilo que promete ser, cedo ou tarde o cenário será mais favorável.


Autor: Camila Balbo Donati


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