DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO



TÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS
CAPÍTULO I
DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO

1. ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTUBAÇÃO DE ATO A ELE RELATIVO
Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena ? detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.

1.1 CONSIDERAÇÕES PRELINARES

O legislador de 1940 optou por classificar em um mesmo Título os crimes contra o sentimento religioso e o crime contra o respeito aos mortos. É incontestável entre uns e outros. O sentimento religioso e o respeito aos mortos são valores ético-sociais que se assemelham. O tributo que se rende aos mortos tem um fundo religioso (BITENCOURT, 2010).
É um direito constitucional o direito à prática da religião: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e suas liturgias" (art. 5o, VI); "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção política..." (art. 5o, III). E também, o Brasil, se comprometeu pelo Pacto de São José da Costa Rica, a respeitar o sentimento religioso - art. 12.1 da Convenção (MIRABETE e FABBRINI, 2009).

1.2. BEM JURÍDICO TUTELADO

Segundo Mirabete e Fabbrini, e Bitencourt, o bem jurídico protegido é o sentimento religioso, como interesse ético-social; secundariamente, protege-se a liberdade de culto e de crença. Essa liberdade constitui atualmente uma das garantias individuais/coletivas asseguradas pela Constituição Federal (art. 5o, VI).
Capez ainda afirma que além tutelar-se a liberdade individual do homem de ter uma crença bem como exercer o ministério religioso, no escárnio de alguém publicamente por motivo de crença ou função religiosa,, tutela-se a própria religião contra o escárnio; no impedimento ou perturbação de cerimônia ou prática de cunho religioso, protege-se também a ordem pública.

1.3 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO

De acordo com Mirabete e Fabbrini, e Bitencourt, qualquer pessoa pode praticar o crime nas suas várias modalidades, independentemente de sua crença religiosa. Podem ser inclusive pastores, sacerdotes ou "ministros" de outras religiões.
Mirabete e Fabbrine dizem que, vítima do crime na primeira modalidade é sempre uma pessoa determinada (ministro, sacerdote, crente) e nas demais a coletividade religiosa (trata-se de crime vago).
Bitencourt acrescenta que, sujeito passivo imediato é a coletividade e, mediatamente, a pessoa que sofrer a ação diretamente.
Ainda segundo Bitencourt, a identificação do provável sujeito passivo está diretamente vinculado à conduta tipificada: na primeira figura, do escarnecimento, sujeito passivo é a pessoa física que sofre o escárnio; na segunda, no impedimento ou turbação da prática ou culto religioso, o sujeito passivo pode ser aquele que sofre diretamente a ação ou a coletividade religiosa; no caso do vilipêndio, o sujeito passivo é a coletividade como um todo.

1.4 TIPO OBJETIVO

O código Penal prevê três crimes (essa é a causa da dificuldade de apurar com segurança, no plano teórico, quem pode ser sujeito passivo dessas infrações penais): escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou culto religioso; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso.

1.4.1 Escárnio Por Motivo De Religião

A ação nuclear típica consubstancia-se no verbo escarnecer, que significa zombar, ridicularizar, de forma a ofender alguém em virtude de crença ou função religiosa. Crença é a fé em uma doutrina religiosa, função religiosa é o ministério exercido por quem participa da celebração de um culto. O escárnio pode ser praticado por diversas formas: oral, simbólica, escrita etc. O escárnio há de ser público (CAPEZ, 2009).
Segundo Bitencourt, não é necessário que o ofendido esteja presente ou que o escárnio se realize face a face; no entanto, deverá dirigir-se a pessoa determinada e não contra grupos religiosos em geral.
Cumpre não confundir o escárnio com o sacrilégio ou ato pecaminoso, consoante os mandamentos da religião (MIRABETE e FABBRINI, 2009).

1.4.2 Impedimento Ou Perturbação De Culto Religioso

Impedir significa evitar que comece ou paralisar cerimônia já em andamento. Perturbar é tumultuar, embaraçar ou atrapalhar culto ou cerimônia religiosa. Como se trata de crime formal livre, o meio pode ser qualquer um (BITENCOURT, 2010).
Mirabete e Fabbrini afirmam que, não basta um simples desvio da atenção ou recolhimento dos fiéis para reconhecer a perturbação do culto; é necessária uma alteração material, sensível do curso regular do ato do culto, não provocada por simples alarido.
Cerimônia é a realização de culto religioso praticado solenemente - missa, casamento, batizado etc. Prática de culto religioso é o ato religioso não solene - reza, ensino de catecismo etc. (BITENCOURT, 2010).
Ainda segundo Bitencourt, o culto ou cerimônia religiosa protegidos pela lei não podem atentar contra a moral e os bons costumes.

1.4.3 Vilipêndio Público De Ato Ou Objeto De Culto Religioso

A conduta típica é vilipendiar, desprezar, desdenhar, tratar de forma ultrajante ou vil. Pode a conduta constituir-se de palavras, gestos, escritos etc. O vilipêndio deve incidir sobre ou contra a coisa, objeto do culto, ou durante o decorrer do ato religioso. Ato religioso abrange a cerimônia e o culto religioso. Objeto de culto é toda coisa corporal consagrada, inerente aos serviços do culto ? imagens, crucifixos, altares, cálices e o próprio prédio (MIRABETE e FABBRINI, 2009).
Ainda de acordo com Mirabete e Fbbrini, necessário é que o ultraje seja praticado na presença do público. Não está incluída no tipo a simples falta de respeito.

1.5 TIPO SUBJETIVO

Segundo Bitencourt, na primeira figura, o elemento subjetivo geral é o dolo (exigido nas três figuras), e o elemento subjetivo especial do tipo representado "por motivo de crença ou função religiosa"; na segunda,o elemento subjetivo resume-se a impedir ou perturbar cerimônia ou culto religioso; na terceira figura, além do dolo, exigi-se também o elemento subjetivo especial do injusto, o propósito de ofender o sentimento religioso.

1.6. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Consuma-se o crime, na primeira figura, com o escarnecimento de pessoa determinada; na forma escrita, é permitida a tentativa; na segunda figura, consuma-se com o impedimento ou perturbação (crime material). Sendo irrelevante o fim visado pelo agente. Teoricamente é admissível a tentativa; na terceira figura, consuma- se com o vilipêndio (BITENCOURT, 2010).

1.7 CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA

Trata-se de crime comum, doloso; formal na modalidade de escarnecer; material nas formas de impedimento e perturbação; instantâneo; na figura do impedimento o crime pode ser permanente; de forma livre; unissubjetivo (BITENCOURT, 2010).

1.8 FORMA MAJORADA

O parágrafo único do art. 208 dispõe que: "Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência". Trata-se de violência física contra a pessoa ou coisa. Haverá concurso material de crimes se a violência empregada configurar por si só algum crime. Nessa hipótese o concurso dar-se-á com a forma majorada em virtude do emprego de violência (CAPEZ, 2009).
Para Bitencourt, é um grande equívoco que a violência implica concurso material de crimes, pois se ignora a verdadeira natureza desse concurso. O fato de determinar a aplicação cumulativa de penas não significa que esteja se reconhecendo concurso material de crimes, apenas se adota o sistema do cúmulo material de penas.
Ainda diz o referido autor, que nada impede que, concorrentemente, possa ocorrer concurso material deste crime com outros crimes violentos, desde que, haja pluralidade de condutas e pluralidade de crimes.

1.9 PENA E AÇÃO PENAL

As penas cominadas, alternativamente, são detenção, de um mês a um ano, ou multa. Havendo violência real, será majorada em um terço, sem prejuízo da pena correspondente à violência; a ação penal é pública incondicionada (BITENCOURT, 2010).
A suspensão condicional do processo é cabível no caput e no parágrafo único (CAPEZ, 2009).


Autor: Jéssica Simões Barros Soares


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