Prato Feito



Sou magra. Filha de pai e mãe magros. Neta de gente magra e sobrinha da tia Adelaide, que de magro só tem a aposentaria. Minha genética é assim, por mais que eu insufle meu estômago com guleisemas, no máximo o que ganho são gases. Já tentei simpatia, já tomei xarope e bateladas de biotônico Fontoura, sem sucesso. Fiz até musculação para adquirir massa, perdi cinco quilos em um mês, ai desisti. A mãe diz que quando eu engravidar vou ficar mais cheinha, não creio muito, a mãe voltou ao normal logo que pariu a nós 3: a Lu, o Carlos e a mim.

No mais passo horas e horas sentada, aguardando que algum cliente meta a cara por aquela porta e venha locar um filme, mas hoje a coisa tá feia. Dois guris passaram aqui para retirar o Sherek (pela décima quinta vez, eu acho), uma estudante veio atrás de um documentário de que eu nunca ouvi falar, para o trabalho de colégio e um velhinho locou um pornô por engano. Ele disse que estava a fim de ver um bang-bang tinha as lentes dos óculos espessas assim...quase mais grossas que as minhas pernas leu "Guerra..." e lascou-se, amanhã a patroa vem reclamar.

Nessas horas que agradeço poder ficar sentada, ganhando bunda e me entupindo de Coca-cola e bolacha recheada, ainda vejo de primeira mão o lançamento recém saído do cinema e levo a novidade para casa. Mas há vezes que me enrolo toda, a fila vai do balão à porta. Faço recibo. Recebo. Cato o original. Dou troco. Coloco o filme na caixinha. Digo: "muito obrigado, volte sempre", igual orientou a dona Mirta.

Um dia reclamei: "Preciso de ajuda" ela saiu lá do almoxarifado (que é a cozinha da casa dela) ficou me encarando, dava para ver o buço peludo, que nem uma caranguejeira, pensei que fosse avançar em mim. Os olhos, dois buracos negros, lembrei da bruxa do filme que havia assistido no dia anterior. "Se tu não dá conta do serviço...vou ter que arranjar outra pessoa". Fiquei muda e me dediquei mais a dar troco, receber e catar os filmes. Sai exausta e com raiva. Se eu fosse maior, cheia e redonda como a tia Adelaide ia botar medo na monstra! Mas não era e tinha que me conformar com o jeito franzino de ser. Desliguei o computador e apaguei as luzes, até deixei sob o balcão a comédia que havia separado para levar. Aquela noite não deu vontade de rir. Enquanto trancafiada a porta, sentia no meu cangote o hálito morno da vingança e isso me fez novamente perder o apetite.

Autor: Claudia Curcio


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