Tutela Antecipada Ex Officio



Pela inteligência do artigo 273 , caput, do Código de Processo Civil, vislumbra-se que a intenção do legislador foi a de restringir expressamente a concessão da tutela antecipada às hipóteses em que haja o requerimento da parte nesse sentido, mas desde que presente, além da prova inequívoca que induza à verossimilhança das alegações: o periculum in mora, o abuso do direito de defesa, ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Dessa feita, numa análise prévia do artigo 273, caput, I e II, do códex processual civil, percebe-se com claridade que não há nenhuma menção a eventual possibilidade de concessão ex officio da antecipação dos efeitos da tutela por parte do magistrado, mesmo em se tratando de caso no qual tenha restado caracterizado o abuso do direito de defesa, ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Tal vedação "tácita" à possibilidade da concessão da antecipação de tutela ex officio pelo Juiz deve-se à observância do princípio da congruência - aplicado à conjectura em tela -, corolário dos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil.

Todavia, em determinados casos, o pedido de antecipação dos efeitos da tutela se reputa "implícito", fato este que faculta ao magistrado a concessão da medida in limine de ofício, sem a necessidade de requerimento expresso formulado pela parte. Nesta toada, veja-se o entendimento de Fredie Didier Jr. a respeito do assunto:

Há casos em que o pedido de concessão da tutela antecipada se reputa como implícito, como, por exemplo, o pedido de fixação de alimentos provisórios em ação de alimentos (art. 4º da Lei Federal n. 5.478/1968). No âmbito do processo penal, permite-se a concessão de habeas corpus de ofício (art. 654, § 2º, Código de Processo Penal). As medidas provisionais previstas no art. 888 do CPC, de nítido conteúdo satisfativo, podem ser concedidas ex officio pelo magistrado, sem maiores oposições doutrinárias a respeito. Podem, então, ser concedidas como tutela antecipada.

Especificamente nos casos citados na transcrição retro, como dito, ausente o requerimento expresso da parte, a concessão da tutela antecipada ex officio pelo juiz seria a única forma de preservar a utilidade prática e o resultado útil do processo judicial, não havendo que se falar em violação ao princípio do dispositivo. Entretanto, tal possibilidade de concessão da medida de ofício apenas existiria nos casos acima delineados, previstos em Lei.

Doutra banda, uma corrente doutrinária mais audaciosa, aqui representada por Cássio Scarpinella Bueno e José Roberto dos Santos Bedaque, defende que a medida urgente pode ser concedida ex officio em vários outros casos, desde que presentes apenas os requisitos legais constantes no artigo 273 do CPC, mesmo ausente o requerimento da parte. Veja-se:

Se o juiz vê, diante de si, tudo o que a lei reputou suficiente para a concessão da tutela antecipada menos o pedido, quiçá porque o advogado é ruim ou irresponsável, não será isso que o impedirá de realizar o valor efetividade, sobretudo naqueles casos em que a situação fática reclama a necessidade de tutela jurisdicional urgente (art. 273, I). Se não houver tanta pressa assim, sempre me pareceu possível e desejável que o juiz determine a emenda da inicial, dando interpretação ampla ao art. 284. Não que um não-pedido de tutela antecipada enseje a rejeição da inicial; evidente que não. É que essa é uma porta que o sistema dá para que a postulação jurisdicional seja apta no sentido de produzir seus regulares efeitos, se o caso, antecipadamente.

Ainda que dúvida possa existir quanto à possibilidade de antecipação ex officio, a situação regulada pelo art. 273 tem, em tudo e por tudo, natureza cautelar. Rege-se, pois, pelas regras dessa modalidade de tutela. Nessa linha de pensamento, não há porque afastar a incidência do art. 798. Tem o juiz o poder de adequar os possíveis efeitos a serem antecipados às necessidades da situação de direito material.

Contudo, levando-se em consideração primordialmente a interpretação sistemática que deve ser inferida ao códex processual civil, o qual se estrutura visivelmente no princípio da congruência, bem como o fato de que "a efetivação da tutela antecipada dá-se sob responsabilidade objetiva do beneficiário da tutela, que deverá arcar com os prejuízos causados ao adversário, se for mantida a decisão" , perece mais plausível entender-se - por que não dizer, de forma formalista - pela impossibilidade da concessão da medida in limine ex officio, a fim de se evitar que a parte beneficiária da tutela antecipada venha a sofrer futuros prejuízos em decorrência da medida que lhe foi concedida sem seu prévio requerimento.

Afinal, quem assumiria o risco por eventual revogação posterior da medida liminar, já que esta não foi pleiteada pela parte? A quem caberia o ônus de indenizar a parte prejudicada, caso esta reste vencida no processo? O Juiz? Evidente que não.

Por isso, preferimos o entendimento formalista de que, mesmo em sendo verificado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela ex officio pelo juiz encontra forte óbice no caput do artigo 273 do CPC, salvo os casos previstos em lei, como supramencionado.

Como medida alternativa para o imbróglio em tela, sugerimos ao magistrado, dependendo do caso, que proceda ao julgamento antecipado da lide, como forma de coibir os atos vis do réu e para fins de efetividade da prestação jurisdicional. Ademais, em havendo o requerimento da parte a qualquer tempo antes da sentença, poderia o juiz antecipar os efeitos da tutela dentro da própria sentença, como forma de afastar o efeito suspensivo da apelação, o que daria eficácia imediata ao julgado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: tutelas sumárias de urgência. 3ª Ed. São Paulo, 2003.

BUENO, Cássio Scarpinella. Tutela Antecipada. São Paulo: Saraiva, 2004.

DIDIER JR, Fridie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. 2ª Ed. Salvador: Editora Podiym, 2008.
Autor: Thiago Carvalho


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