SERVIDÕES PREDIAIS



Sumário
1) Conceito
2) Princípios
3) Classificação das servidões
4) Constituição das servidões
5) Prédio dominante
6) Prédio serviente
7) Extinção das servidões.

1) CONCEITO:

Trata-se a servidão predial de um direito real estabelecido sobre um prédio serviente em benefício de um segundo prédio, denominado dominante. Neste sentido, a servidão pode ser definida como um encargo que deve suportar o prédio serviente.
Ainda, segundo definição de Maria Helena Diniz, ??servidão é um direito real de fruição ou gozo de coisa imóvel alheia, limitado e imediato, que impõe um encargo ao prédio serviente em proveito do dominante, pertencente a outro dono?? (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 4, Direito das Coisas, 25 ed. Editora Saraiva, São Paulo ? 2010, p. 404).
Nesta mesma linha, nosso Código Civil determina em seu artigo 1.378 que ??A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis??.
Referido direito encontra fundamento na valorização do prédio dominante, apesar de causar a desvalorização do prédio serviente, que restará gravado perpetuamente. De fato, o encargo não recai sobre a pessoa do proprietário do prédio, e sim sobre o próprio imóvel. Desta forma, a servidão serve à coisa, não se extinguindo em razão de transferência da propriedade ou domínio da mesma.
Não se devem confundir as servidões com as restrições legais ao uso e gozo da propriedade estabelecidas pelo direito de vizinhança, cujo objetivo é solucionar conflitos entre vizinhos. Além disso, enquanto as servidões nascem, em regra, a partir de acordo entre as partes, as restrições supracitadas decorrem de determinações da lei.

2) PRINCÍPIOS DAS SERVIDÕES:

São estes princípios norteadores decorrentes tanto de seu conceito quanto de sua regulamentação jurídica:
1 - A servidão é sempre relação entre dois prédios distintos. De acordo com seu próprio conceito, a servidão estabelece um ônus para o prédio serviente em benefício do prédio dominante. O benefício ou o ônus incorpora-se à propriedade e transmite-se com ela
Em regra, os prédios são vizinhos, embora a contigüidade não seja requisito essencial.
2 - Sempre deverá recair sobre prédios de proprietários distintos. Assim, nunca haverá servidão sobre coisa própria. Se isso fosse possível não haveria ônus nem benefício, o dono apenas estaria usufruindo de seus direitos.
3 - A servidão serve a coisa e não o dono: O proprietário do imóvel serviente assume apenas uma obrigação negativa frente ao prédio dominante, qual seja, a de abstenção, tolerância ao ônus assumido. Portanto, para o dono do prédio serviente, a servidão não caracteriza obrigação de fazer.
4 - É inalienável, isto é, não pode ser transferida, cedida ou gravada. Impossível também constituir servidão sobre outra já existente, ou seja, o dono do prédio dominante tampouco pode ampliá-la a outros prédios distintos.
5 - A servidão não se presume, desta forma, havendo dúvidas entende-se inexistente. Isso porque deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
6 - Trata-se de direito real e acessório, incidindo sobre imóveis e não se extinguindo com a sua alienação.
7 - É indivisível, conforme disposto pelo artigo 1.386 do Código Civil. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves: "Só pode ser reclamada como um todo, ainda que o prédio dominante venha a pertencer a diversas pessoas. Significa dizer que a servidão não se adquire nem se perde por partes" (Direito Civil Brasileiro, volume V, Direito das coisas, 3. Ed ? São Paulo: Saraiva, 2008, p. 427:).
8 - É perpétua, já que se constitui por tempo indeterminado e apenas desaparece quando se da alguma das causas legais de extinção. Por isso, não será servidão se for constituída por tempo limitado.

3) CLASSIFICAÇÃO DAS SERVIDÕES:

Classificam-se as servidões prediais quanto à natureza de seus prédios, quanto à sua origem, quanto ao modo de exercício e de exteriorização:
Quanto à natureza de seus prédios as servidões podem ser rústicas ou urbanas: As primeiras são também chamadas de servidões rurais pois se estabelecem fora da área urbana. Exemplos de servidões rústicas dados pela doutrina são: passagem de água (aquae ductus), passagem (iter), pastagem (servitus pascendi), extrair pedra (cretae lapidis eximendae), entre outras.
Já as servidões que recaem sobre prédios urbanos podem ser de: gozar de vista da janela ou terraço de casa (prospectu), não edificar além de certa altura (altius non tollendi), abrir janela na própria parede ou na do vizinho para obter luz (luminis), escoar água pluvial para o prédio vizinho (stillicidii vel fluminis recipiendi), etc.
Em relação à sua origem, as servidões são:
Legais: tratam-se de imposição da lei, como por exemplo a de passagem forçada;
Naturais: advêm da situação dos prédios, por exemplo, a servidão de escoamento de águas;
Convencionais: originam-se através da manifestação de vontade das partes, mediante contrato ou testamento.
Quanto ao modo de exercício, encontram-se os seguintes tipos de servidões:
Contínuas e descontínuas: Serão contínuas quando não for necessária ação humana para o seu exercício, ininterruptamente, como por exemplo as servidões de aqueduto. Por outro lado, serão descontínuas quando dependerem de atos humanos, como por exemplo a de retirada de água.
Positivas e negativas: Tratam-se as primeiras do direito do prédio dominante de realizar atos no prédio serviente, ao contrário das segundas, que determinam o dever de abstenção do prédio serviente, em benefício ao dominante. Por exemplo: servidão de passagem e servidão de não edificar além de certa altura, respectivamente.
Quanto ao modo de exteriorização, diz-se que as servidões são aparentes, quando podem ser vistas sinais identificadores, como por exemplo um aqueduto. Já as não aparentes não se identificam externamente, não são visíveis, assim como ocorre com as de não construir em determinado local.

4) CONSTITUIÇÃO DAS SERVIDÕES:

As servidões constituem-se mediante negócio jurídico inter vivos ou causa mortis, através de sentença judicial, por usucapião ou destinação do proprietário. Entretanto, apenas terão validade após registro no Cartório de Registro de Imóveis, ganhando efeito erga omnes.
a) Negócio jurídico inter vivos ou causa mortis:
As servidões podem constituir-se inter vivos através de contrato entre os proprietários dos prédios dominante e serviente, procedendo-se ao registro.
A constituição causa mortis é feita por testamento, momento em que o testador deixa a alguém prédio gravado em benefício de outro prédio. Neste caso, devem-se respeitar os requisitos de validade do testamento
Nos dois casos, além da capacidade genérica, para a prática de atos da vida civil, exige-se também capacidade específica, isto é, capacidade de dispor do prédio serviente. Desta forma, é permitido apenas ao proprietário, o fiduciário e o enfiteuta.
b) Sentença judicial
Tratam-se de sentenças que homologam a divisão de quinhões, nos casos de ação de divisão e demarcação previstas nos artigos 967 a 981 do Código de Processo Civil, levadas a registro.
c) Usucapião
Esta modalidade está prevista expressamente pelo artigo 1.379 do Código Civil, que dispõe: "O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos."
Desta forma, constitui-se mediante usucapião ordinária quando houver posse incontestada e contínua durante pelo menos dez anos e justo título. Em caso de ausência de justo título, a servidão se constituirá pela usucapião extraordinária depois de transcorridos vinte anos de posse.
Esta forma de constituição não se aplica as servidões não aparentes, pois a posse, elemento imprescindível, não se exterioriza nesta modalidade. A jurisprudência reconhece a possibilidade de constituição por usucapião no caso de servidão de trânsito quando, apesar de não aparente, se exteriorizem de alguma forma, através de obras, por exemplo. É o que determina a súmula 415 do Supremo Tribunal Federal: "Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória".
d) Destinação do proprietário
Ocorre quando uma única pessoa, proprietária de dois imóveis, grava um deles em benefício do outro e, posteriormente, os prédios passam a ser de donos distintos. Neste momento cria-se a servidão, desde que não haja manifestação em contrário.
Nota-se que o momento de constituição se dá quando um dos prédios passa a ser de propriedade de terceiro, por alienação ou herança. Não se cria através de contrato e sim de manifestação unilateral de vontade do proprietário.
Portanto, três são os requisitos para este tipo de constituição: que os prédios passem a ter diferentes donos, que a servidão seja aparente e que não exista manifestação contrária à sua constituição.

5) PRÉDIO DOMINANTE:

Tanto o proprietário do prédio dominante quanto aquele do prédio serviente terão direitos e obrigações a cumprir.
Resumem-se em cinco os direitos do dono do prédio dominante:
a) Direito de usar e gozar da servidão;
b) Direito de fazer obras necessárias ao seu uso e manutenção (artigo 1.380 cc), arcando, em regra, com as suas despesas;
c) Direito de renunciar à servidão, conforme estabelecido no art. 1.388, I do Código Civil;
d) Direito de exigir que a servidão seja ampliada, indenizando neste caso o dono do prédio serviente;
e) Direito de remover a servidão à outro local para aumentar suas vantagens, desde que pague as despesas e não prejudique ao prédio serviente.
Deverá também cumprir com seus deveres:
a) Arcar com as despesas das obras realizadas para conservação, desde que não se estipule referida obrigação ao dono do prédio serviente. (1.380, 1.381)
b) Exercer a servidão dentro dos limites para os que foi instituída.
c) Em caso de excesso em seu exercício, deverá indenizar o dono do prédio serviente.

6) PRÉDIO SERVIENTE:

Os direitos do proprietário do prédio serviente são:
a) Quando reste estipulado que este arcará com as despesas de obras de manutenção, poderá exonerar-se delas abandonando total ou parcialmente a propriedade em favor do prédio dominante.
b) Direito de remover a servidão à outro local que lhe seja mais favorável desde que não cause prejuízos ao dono do prédio dominante.
c) Direito de impedir que o dono do prédio dominante altere a destinação da servidão ou, em caso de necessidade, ser indenizado pela alteração.
d) Direito de cancelar a servidão nos casos de cessação de sua utilidade, renúncia do titular, ou nos casos de extinção previstos no artigo 1.389 do Código Civil.
Terá ainda as seguintes obrigações:
a) Respeitar os direitos do dono do prédio serviente de uso normal da servidão;
b) Respeitar também o direito do dono do prédio serviente à realização de obras necessárias, e arcar com as despesas se assim restar acordado.
c) Custear as despesas com a remoção da servidão.

7) EXTINÇÃO DAS SERVIDÕES:

Extinguem-se as servidões mediante:
a) Confusão: ocorre quando os dois prédios, dominante e serviente, passam ao domínio de uma única pessoa de forma permanente.
b) Convenção: acordo entre as partes a fim de extinguir a servidão.
c) Renúncia:o dono do prédio dominante pode renunciar ao benefício, expressa ou tacitamente.
d) Desuso: extingue-se a servidão quando não for usada durante dez anos contínuos. Nas servidões positivas o prazo começa a correr no momento em que cessa o seu exercício, enquanto que nas negativas conta-se do momento em que o proprietário do prédio serviente deixa de abster-se ou pratica aquilo que não deveria praticar.
e) Cessação de sua utilidade:decorre de mudança de estado dos lugares, alcançando os fundos dominante ou serviente (Marty e Raynaud, Droit civil, v. 2, n. 169). Exemplo de cessação de utilidade encontramos na obra de Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 4, Direito das Coisas. 25 ed, São Paulo, Saraiva - 2010, p. 425): ''A cessação de utilidade ou comodidade que determinou a constituição do ônus real, quando, exemplificativamente, a servidão for de retirada de água e o dono do prédio dominante vem a abrir poço artesiano, possibilitando a captação de água, ou for de passagem, gavendo abertura de via pública, acessível ao prédio dominante (CC, art. 1.388, II; RT, 728:252, 672:125)".
f) Perecimento: Se ocorrer a destruição de algum dos prédios ou se seu objeto deixar de existir. Assim, segundo Caio Mario da Silva Pereira, se extinguirá quando seque o manancial de onde a água é tirada (Instituições de Direito Civil, v. IV, Direitos Reais, 20 ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense - 2009, p. 244).
g) Decurso do prazo ou cumprimento da condição: Quando for constituída por prazo determinado, seu decurso extingue a servidão. Extingue-se ainda, se estiver subordinada a determinada condição, com o seu cumprimento.
h) Pela desapropriação: ''neste caso a extinção se da pleno iure, mediante o próprio ato expropriatório (CC, art. 1.387)'', conforme leciona Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 4, Direito das Coisas. 25 ed, São Paulo, Saraiva - 2010, p. 424).
i) Resgate: Dá-se quando o proprietário do prédio serviente paga ao proprietário do prédio dominate a fim de liberar-se do ônus, o que considera-se renúncia onerosa. Deve ser feito por escritura pública onde conste o acordo entre as partes e a quantia paga.
j) Resolução do domínio do prédio serviente.
Dada alguma das circunstâncias acima, deve-se proceder ao cancelamento do registro imobiliário da servidão, conforme estabelecido pelo artigo 1.389 do Código Civil.

BIBLIOGRAFIA

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 4, Direitos Reais, 20 ed. Editora Forense, Rio de Janeiro - 2009
DINIZA, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 4, Direito das Coisas, 25 ed. Editora Saraiva, São Paulo - 2010
GONÇALVES, Carlos Roberto, v. 5, Direito das Coisas, 5 ed. Editora Saraiva, São Paulo - 2010.
Código Civil Brasileiro









Autor: Bianca De Freitas Tonetto


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