DIREITO E A MORAL: UMA ANÁLISE JUSFILOSÓFICA



Ao estudar as relações entre o Direito e a Moral, encontra-se diante de uma das questões mais difíceis de serem resolvidas e também das mais belas da Filosofia Jurídica, a qual foi trabalhada ao decorrer desta pesquisa, cuja problemática se baseou em: Como se distinguem o Direito e a Moral? O objetivo geral da pesquisa se norteou em investigar as definições de Direito e Moral procurando, principalmente, destacar em quais pontos estes se distinguem. Vale salientar acerca dos procedimentos que foram alcançados para que o objetivo geral fosse atingido. Então, têm-se os objetivos específicos que consistiram em analisar a compatibilidade do Direito e da Moral nas relações jurídicas; discutir se as questões morais interferem na formação do Direito; observar como os grandes preceitos morais são também preceitos jurídicos; analisar o conteúdo Moral presente nas leis, e por fim ressaltar a relevância da interdisciplinaridade em trabalhos científicos. Cabe salientar que o intuito principal deste artigo científico foi oferecer uma resposta ao problema de pesquisa, que por sua vez é o núcleo de investigação. A estratégia de pesquisa adotada neste estudo científico correspondeu-se à análise de dados dogmáticos, confrontando-os com a realidade social. Ademais, este trabalho foi executado por meio de uma pesquisa teórica, que visou um levantamento de dados bibliográficos acerca do assunto; utilizando, assim, fontes primárias como, por exemplo, legislação, e também, fontes secundárias como, por exemplo, doutrinas. Em suma, uma reflexão constante sobre como de distingue o Direito da Moral, conclui-se à medida que esse tipo de procedimento teórico contribui para a formação de novas gerações de juristas e também para a crítica dos conhecimentos adquiridos por eles.

Palavras-chave: Direito. Moral. Interdisciplinaridade. Filosofia Jurídica.

O Direito é uma ciência que estuda as normas necessárias para a manutenção da vida em sociedade. São as regras que viabilizam a convivência humana, pois ditam a forma de como se deve processar, bem como proíbe certas atitudes que "dificultam" a vida em sociedade (NADER, 1996).
Cabe agora indagar ao decorrer desta análise científica, se realmente o Direito limita-se a abranger regras puramente de cunho Moral. De fato, existem normas jurídicas que nascem de preceitos morais estabelecidos pelos costumes de um determinado povo e em determinada época. Não se pode olvidar, entretanto, que há um campo comum em que o Direito e a Moral correlacionam-se; uma área comum que contém regras que, concomitantemente, apresentam qualidade jurídica e caráter Moral, ou seja, há um grande número de questões sociais que se incluem, ao mesmo tempo, nos dois setores, como, por exemplo, a assistência devida aos ascendentes que é um preceito de ordem jurídica e, simultaneamente, de ordem Moral. É interessante notar como os "grandes" preceitos morais são também preceitos jurídicos, e preceitos morais de hoje poderão transformar-se em novos preceitos jurídicos de amanhã (REALE, 2001).
Existem preceitos que são seguidos livre e conscientemente, tomando-os como valores subjetivos para a satisfação de um bem individual, ou para a realização de uma vontade de espírito. As normas da Moral não são regras imperativas, muito menos coercivas, sendo o seu cumprimento, ou não, dependente do caráter de cada pessoa. Os valores morais encontram-se dentro da consciência de cada indivíduo, cabendo a este julgar o que considera certo ou errado, tolerável ou intolerável. Por outro lado existem normas que os indivíduos são obrigados a cumprir, visto que possuem um caráter imperativo, pois versam sobre condutas consideradas essenciais para o funcionamento normal da vida gregária. São regras que visam à satisfação do bem coletivo, o equilíbrio das relações humanas e a manutenção da ordem na esfera comunitária, portanto, não estando sujeitas ao livre arbítrio da vontade individual. Neste propósito pode-se afirmar que o Direito impõe regras de conduta que devem ser observadas, valendo-se até mesmo da força coercitiva para assegurar o seu cumprimento (REALE, 2002).
Na análise do tema, pôde-se perceber a existência de demasiado interesse social pela compreensão e desenvolvimento da pesquisa, visto que as pessoas almejam pela criação de leis mais justas, visando o equilíbrio social. Ademais, existe uma preocupação em saber em até que ponto os valores pessoais podem interferir no Direito, uma vez que é o próprio indivíduo o hermeneuta das regras obrigatórias que disciplinam a convivência social humana.
Vale ressaltar, contudo, a relevância científica que tal estudo traz em si, porque aborda uma temática de suma complexidade, contribuindo, então, para a compreensão do fenômeno jurídico, visto que a norma jurídica é resultado da própria realidade social. Por conseguinte, este artigo deseja promover o avanço científico de tal área em questão, além de fornecer embasamento intelectual para o próprio aluno/pesquisador, e contribuir didaticamente para os estudos científicos já realizados anteriormente.


1.1 Distinções entre Direito e Moral

A idéia desta pesquisa surgiu devido à problemática: Como se Distingue o Direito da Moral?
Um dos temas mais interessantes abordados pela Filosofia Jurídica abrange a questão de como se distingue o Direito da Moral. Este estudo possui como objetivo, estimular a reflexão do aluno/pesquisador a respeito de tal assunto. Existem muitas teorias que tratam de tal distinção, porém autores, como por exemplo: Miguel Reale, Hans Kelsen, Emmanuel Kant, Maria Helena Diniz, Mário Bigotte Chorão, Paulo Nader e Hermes Lima, seguem por si uma linha de raciocínio demonstrando quais são seus conceitos, suas respectivas visões de mundo. Para concretizar esse intuito, o assunto será abordado de forma acessível e objetiva, citando exemplos de casos práticos, quando possível.
Mesmo sabendo que a estratégia de pesquisa adotada neste trabalho científico baseia-se no estudo de dados dogmáticos, faz-se imprescindível relatar que o pesquisador crítico deve evitar uma análise exclusiva dos dogmas jurídicos, procurando as respostas de seu problema não só lei, na doutrina ou na jurisprudência, mas principalmente na realidade social onde está inserido seu objeto de estudo. Neste mesmo propósito, cabe ressaltar que o objetivo principal de uma pesquisa científica foi oferecer uma resposta ao problema que por sua vez é o núcleo de investigação; testando, logo em seguida, a veracidade da hipótese de trabalho.
Para que se possa elaborar uma pesquisa que ao mesmo tempo ofereça resquícios futuros como, por exemplo, o de prosseguimento da análise até então elaborada, faz-se conveniente projetá-lo em autores que possuam notável saber jurídico e também autores que dêem orientações técnico-científicas. Portanto, metodologicamente, um trabalho científico é uma continuação ideológica advinda de outro pensador, ou seja, não existe uma pesquisa científica sem um embasamento teórico pertencente a outrem.
Faz-se conveniente ressaltar que este projeto é dotado de viabilidade, visto que a sociedade contemporânea oferece recursos para que a pesquisa possa ser realizada com êxito, ou seja, têm-se recursos materiais como, por exemplo, bibliografia, (...) e ao mesmo tempo, recursos humanos, como por exemplo, possibilidade de coleta de dados, sejam por meio de entrevista, seminários e/ou outros. Ou seja, existem condições de acessibilidade aos locais necessários à realização da pesquisa.
Concomitantemente, é sabido pelos pesquisadores a relevância da interdisciplinaridade de um trabalho científico. Com isso, esta pesquisa baseia-se no setor do conhecimento interdisciplinar, que por sua vez se condiz na análise do tema sob perspectiva de dois ou mais ramos do conhecimento humano relacionando-os entre si.
Para abordar com afinco esta análise é preciso enfatizar o que há de comum entre o Direito e a Moral. É bom alertar que o Direito não consegue se abstrair totalmente da Moral, e que os dois permanecem sempre em contato. No momento em que o art. 219 do Código Penal, revogado pela lei nº. 11.106 de 28.03.2005, previa como crime a conduta descrita a seguir, "Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso. Pena: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos"; ao utilizar a expressão mulher honesta, o jurista deixa uma abertura discursiva e significacional à disposição da defesa e do convencimento do juiz, para a condenação ou absolvição do réu. Assim, o juiz poderá traçar como preocupação fundamental de seu julgamento, uma vez que o elemento do tipo o permite, a apreciação da moralidade, da honestidade e da conduta sexual da vítima mulher. Aqui se comprova a relevância do princípio moral para a própria organização, manutenção e credibilidade cívica dos serviços públicos. O que é moralmente recomendável tornou-se juridicamente exigível do funcionalismo público.
Outro exemplo de como o Direito e a Moral relacionam-se dicotomicamente, baseia-se na preocupação constitucional com o princípio da moralidade pública, expressa no art. 37, da Constituição Federal, redação dada pela EC nº. 19, de 4.6.1998: "A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...". Aqui se comprova a relevância do princípio moral para a própria organização, manutenção e credibilidade cívica dos serviços públicos. O que é moralmente recomendável tornou-se juridicamente exigível do funcionalismo público.
O Professor Miguel Reale, como guiador principal deste projeto de pesquisa, acredita que desde os pré-socráticos até os estóicos, passando pelos ensinamentos de Platão e Aristóteles, as relações entre o Direito e a Moral desde já, eram vistas sobre diferentes parâmetros. Acredita-o, também, que os juristas romanos vislumbravam a existência de um problema a ser resolvido: sobre como se distingue o Direito e a Moral. Daí terem dito que "ninguém sofre pena pelo simples fato de pensar e, por outro lado, que nem tudo que é lícito é honesto" (IBIDEM, 2001, p. 53).




1.1.1 Exterioridade e Interioridade

Analisando o Direito, pode-se perceber que ele é um conjunto de regras obrigatórias que visam de maneira imediata e prevalecente o bem social, ou os valores de convivência, sendo, o mesmo, uma ciência jurídica específica. Contudo, observa-se que ao seu lado existe uma outra norma que regula a conduta dos homens para com seus semelhantes; norma de caráter Moral, que por sua vez cuida do foro íntimo, onde ninguém pode interferir para obrigar o indivíduo a cumprir determinada ação (REALE, 2002).
Comentando os quesitos de foro íntimo e foro externo, Reale (2001) afirma que o Direito só deve cuidar da ação humana depois de exteriorizada, já a Moral trata do foro íntimo que se esconde no plano da consciência. Neste mesmo intuito, vale enfatizar que o Direito possui uma estrutura axiológica sendo, portanto, imprescindível o estudo da ética e da moral.
Hans Kelsen (2000) o jusfilósofo de Praga, declarou que existe uma grande necessidade de distinção entre o Direito e a Moral. Ele se baseia em dois métodos. Dentre eles têm-se o caráter de interioridade-exterioridade. Ademais, Kelsen critica a afirmação de que o Direito prescreve somente a uma conduta externa e a Moral a uma conduta interna. Para ele, as normas das duas ordens determinam as espécies de conduta.
A virtude Moral da coragem não consiste apenas no estado de alma de ausência do medo, mas também numa conduta exterior condicionada por aquele estado. E, quando uma ordem jurídica proíbe o homicídio, proíbe não apenas a morte de um homem através da conduta exterior de um outro homem, mas também uma conduta interna, ou seja, a intenção de produzir tal resultado. (IBIDEM, 2000, p. 68)

Mário Bigotte Chorão (2000) concorda com Hans Kelsen, quando este discorda do preceito da Moral ser lei interna e o Direito lei externa. Ele define Moral como normatividade formal, e o Direito como ordenação formal. Ainda acredita que a finalidade da Moral é a perfeição e a realização individual, já a finalidade do Direito é a ordenação social segundo a justiça.
Emmanuel Kant (2000) concorda com o critério da inter e exterioridade (criticado por Kelsen) para diferenciar as normas morais das normas jurídicas, e acrescenta a estas o elemento coercível atual, invocando-o como necessário e intrínseco ao Direito. Neste sentido, cabe salientar que o dever cumprido deve sempre ser identificado como uma ação exterior.
Paulo Nader bem sintetiza o assunto, conceituando em seu livro Introdução ao Estudo do Direito, que enquanto a Moral se preocupa pela vida interior das pessoas (com a consciência), julgando os atos exteriores apenas como meio de aferir a intencionalidade, o Direito cuida das ações humanas em primeiro plano e, em função destas, quando necessário, investiga o "animus do agente".


1.1.2 Teoria do Mínimo Ético

De acordo com Miguel Reale (2001, p. 42), em seu livro Lições Preliminares de Direito, a teoria do "Mínimo Ético" (ou dos círculos concêntricos), promulgada por Jeremy Bentham e desenvolvida por Goer Jellinek, afirma que o "Direito apresenta apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver". O Direito dá garantias específicas à Moral. Reale ainda menciona em sua obra que "tudo que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico". No contraponto desta citação, ele mostra que existem leis que, caso forem alteradas, não influem em nada na Moral, que nem tudo no mundo jurídico é ditado pela ordem Moral e que além da Moral, existe o imoral e até o amoral. Nem tudo que é legal é Moral e o próprio Direito tutela o imoral em suas lacunas.
Maria Helena Diniz, professora de Filosofia do Direito, aborda em seu livro Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito, que a Moral e o Direito têm em comum a Ética uma vez que ambas se consistem em normas de comportamento. Reale (2001, p. 33) conclui que "as leis éticas, ou melhor, as normas éticas, não envolvem apenas um juízo de valor sobre os comportamentos humanos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada numa coletividade". Ademais, a lei é algo que representa uma realidade cultural, uma realidade histórica que se situa, por conseguinte, na progressão do tempo.
Contemporaneamente, ao contrário de Diniz e Reale, Mário Bigotte Chorão trata em seu livro Introdução ao Direito, o pressuposto de que Moral e a ética são sinônimos. Acrescentando aos demais, Chorão enfatiza que a lei natural jamais deve imperar sobre a lei jurídica, reduzindo-se o Direito Natural a uma Moral social.


1.1.3 Coercibilidade e Espontaneidade

À luz das discussões, faz-se necessário, todavia, complementar que a Moral é o mundo da conduta espontânea, ou seja, o ato Moral implica a adesão do espírito ao conteúdo da regra. Reale (2001, p. 46) afirma em uma de suas obras que: "A Moral é incompatível com a violência, com força, ou seja, com a coação, mesmo quando a força se manifesta juridicamente organizado". Por outro lado a relação de coercibilidade pertence exclusivamente às normas jurídicas; a força está sempre presente no mundo jurídico, é imanente dele, e, com isso, inseparável dele.
O leitor, todavia, não pode radicalizar-se em pensar que esta teoria posta como distinção entre o Direito e a Moral é errônea, alegando que sempre existe participação de outras pessoas na execução de certo ato. "O que interessa, porém, não é a participação, mas a espontaneidade por parte do agente" (REALE, 2002, 675).
Kelsen em seu livro Teoria Pura do Direito, definiu as normas jurídicas como "ordem de conduta humana", e ainda complementa que a lei jamais obriga às pessoas ao seu cumprimento, muito pelo contrário, dá liberdade para que elas a cumpram ou não. No entanto, caso ela não a cumpra, esta fica sujeita às sanções. Nesse sentido, Reale (2001) ressalta a questão de que a crítica das leis não é facultada aos indivíduos, uma vez que todos devem agir de acordo com elas, mesmo sem lhes dar adesão ao espírito.
No que tange ao aspecto de coercibilidade, Kelsen sustenta:
Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode encontrar-se naquilo que as duas ordens sociais prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando ?como já mostramos- se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às norma e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física (IBIDEM, 2000, p. 71).

Diniz, (2005, p. 380) procurando responder de maneira mais eficaz às indagações feitas acerca da problemática de como se distingue o Direito da Moral, afirma que "Para responder a essa indagação é freqüente, como vemos, no meio jurídico, recorrer-se às idéias de sanção, coação, coatividade, atributividade; mas é na realidade a de autorizamento que permite solucionar esta questão".
Apesar de todas as normas serem imperativas, segundo Diniz, ao fixarem diretrizes da conduta humana, apenas a jurídica é autorizante, o que a distingue da Moral, pois a norma de direito é a única que concede ao lesado pela sua violação a permissão para exigir a devida reparação pelo mal sofrido. Autoriza o indivíduo prejudicado a acionar o poder público para que este não desfrute até mesmo da força que possui para assegurar a sua observação. Por outro lado as regras morais não possuem tal característica. Sendo assim como, por exemplo, nenhum indivíduo pode mover o Poder Judiciário para exigir que determinada pessoa conceda uma esmola a um mendigo.
Mário B. Chorão aborda, entretanto, que na Moral domina o imperativo categórico do dever pelo dever. Já no Direito é a vez do imperativo hipotético, por portar a coercibilidade. Visando responder de maneira mais eficaz às indagações feitas acerca da problemática de como se distingue o Direito da Moral, tal doutrinário afirma que:
O critério-chave da distinção entre direito e moral é o critério teológico. Segundo este, a moral visa a realização plena da pessoa humana, isto é, a perfeição ontológica do seu ser mediante a acção livre, enquanto o direito, por seu turno, tem como objectivo, conforme vimos oportunamente, a realização da justiça na vida social ou a instauração de uma ordem social justa. Assim, a norma moral dirige-se àquela perfeição última da pessoa humana (bem moral), ao passo que a norma jurídica procura ordenar a vida social segundo a justiça (bem jurídico). Por isso, à moral interessa, em vista da sua finalidade própria, toda a conduta humana e o aperfeiçoamento pessoal do homem conforme as várias virtudes. O direito, por seu turno, confina-se às condutas sociais e à consecução do justo objectivo (IBIDEM, 2000, p. 199).

O catedrático Hermes Lima define Moral em seu livro Introdução à Ciência do Direito, como o conjunto de práticas, costumes, de padrões de conduta formados na ambiência ética que se vive. Ele defende que o cumprimento da Moral não é tão voluntário, a partir do momento que a obediência não é facultativa, pois sua transgressão, apesar de ser Moral, possui uma sanção, sendo a maior delas, segundo ele, o escândalo que leva reprovação pública. Por exemplo: se o indivíduo comete um erro de natureza moral, o castigo será dado apenas por consciência: o remorso, o arrependimento, certo constrangimento em vista de uma reprovação ético-social. Ele acredita que as normas morais são menos determinadas que as normas jurídicas; com isso, a vida Moral apresenta problemas que o Direito desconhece. O catedrático ainda cita em seu livro, que o próprio Código Penal pune quem violar certos preceitos morais de algum grupo, numa alusão de que o direito defende a Moral.
A Moral, fundada na espontaneidade e insuscetível de coercibilidade, pode dispensar a rigorosa tipicidade de seus imperativos que, aliás, não devem, por sua natureza, se desdobrar em comandos casuísticos. O Direito, ao contrario, disciplinando e discriminando classes de ações possíveis, deve fazê-lo com rigor, sendo ele uma ordenação forçada da conduta humana e a mais possível lúcida de categorias e modelos normativos.
Em suma, perante a sociedade, pode-se afirmar que no plano da conduta Moral o indivíduo tende a ser o legislador de si mesmo. Deste ponto de vista, faz-se preciso salientar que quando o indivíduo recebe espontaneamente uma regra, o seu ato é Moral. Não é necessário que haja uma compreensão racional sobre aquela regra para que ela possa ser acatada pelo ato da Moral ? basta que haja uma receptividade, que pode ser espontânea e natural. Ninguém pode praticar um ato moral pela força ou pela coação. No ato da Moral a espontaneidade é essencial para que a busca do bem seja alcançada.


1.1.4 Heteronomia e Autonomia

Quanto à forma, o Direito e a Moral se distinguem no aspecto de auto e heteronomia, onde a autonomia é vista como as regras postas pelo próprio indivíduo, ou reconhecidas espontaneamente por ele. Por outro lado, a heteronomia indica as circunstâncias de que o homem necessariamente é obrigado a obedecer a regras postas por outrem, pela vontade anônima dos costumes ou à vontade institucionalizada dos órgãos do Estado.
José Nicolau Heck em seu livro Direito e Moral: duas lições sobre Kant, comenta que este, apresentou como critérios utilizados para tal distinção a auto e a heteronomia. Esta pode ser entendida como a sujeição ao querer alheio, uma vez que são impostas por terceiros aquilo que as pessoas são juridicamente obrigadas a cumprir. Por outro lado caracterizando a Moral, tem-se a relação de autonomia, visto ter como fonte a própria natureza humana; sendo assim ela concebe à pessoa o livre arbítrio da objetivação ao bem individual.
A professora Diniz comenta que a norma Moral só é válida se o próprio sujeito aceitá-la como obrigatória. Se opondo ao raciocínio da professora, Reale (2002, p. 397) afirma que "A Moral é incompatível com qualquer idéia ou plano de natureza coercível, quer de ordem física, quer de ordem psíquica".
Posto isto, cabe então transcrever o pensamento de Reale acerca de tal questão:
Cada um de nós, no plano moral, age segundo uma norma cujos conteúdos se identificam com nossos motivos de agir. No mundo jurídico, não é indispensável essa correspondência íntima ou essa "fidelidade integral a nós mesmos", que é a nota essencial da vida moral. Pode mesmo dar-se o caso de uma conduta jurídica em conflito com os motivos reais da norma cumprida "exteriormente". Daí dizer-se que o Direito é heterônomo. Não resta dúvida que o Direito é formado de regras que não exigem sempre adesão plena da vontade individual, bastando às vezes a conformidade extrínseca, mas nem por isso há entre Direito e Moral uma contradição inevitável (IBIDEM, 2002, p. 675).

Paulo Nader segue em bases firmes o conceito de heteronomia e de autonomia, dando maior ênfase à primeira, declarando que:
Os procedimentos, os padrões de conduta não nascem na consciência de cada indivíduo. A sociedade cria essas regras de forma espontânea, natural e, por considerá-las úteis ao bem estar, passa a impor o seu cumprimento. O caráter heterônomo dessas regras decorre do fato de que obrigam os indivíduos independentemente de suas vontades. A cada um compete apenas a adaptação de atitudes de acordo com os preceitos instituídos (IBIDEM, 1996, p. 54).

Em resumo, a autonomia indica a exigência, no plano Moral, de uma adequação ou de uma conformidade absoluta entre a regra e a vontade pura do sujeito obrigado. A moralidade, sendo autônoma, não precisa se conformar com nada além da vontade pura do agente. O Direito, por sua vez, é heterônomo. Para a sua manifestação não se exige que a pessoa queira inteiramente realizar ou abstrair-se de um ato, basta que haja conformidade exterior à norma.


1.1.5 Bilateralidade Atributiva e Bilateralidade

Durante muito tempo os juristas positivistas contentaram-se com algumas distinções entre Direito e Moral, porém com o decorrer dos tempos foram-se criando novas expectativas a fim de novas diferenciações.
Com base nas pesquisas realizadas, pode-se dizer que quanto à natureza do ato a Moral é bilateral, pois visa mais à intenção, partindo da exteriorização do ato. Já o Direito recebe a caracterização de bilateral atributivo, pois visa mais ao ato exteriorizado (REALE, 2002).
Com isso, Miguel Reale (2001, p. 51) desenvolveu o conceito de que "há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacionam segundo uma proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo".
Se opondo ao conceito de Reale, Diniz afirma que a norma jurídica é bilateral, pois se direciona a duas pessoas e de duas maneiras diferentes: autorizante e imperativamente. De um lado, como imperativo, as normas jurídicas impõem deveres às pessoas, dizendo o que elas devem ou não fazer; por outro lado, autorizam os lesados, por sua violação, a exigirem seu dever. As demais normas como, por exemplo, a Moral, são unilaterais, pois apenas impõem deveres, prescrevem um comportamento, porém não autorizam ninguém a empregar coação (relação de força) para obter o cumprimento delas. A autora crê que a obediência às normas morais não é essencial à preservação da sociedade, uma vez que estas normas têm em vista o bem individual. Já a violação das normas jurídicas acarretaria o aniquilamento do grupo social e o desaparecimento da sociedade, uma vez que só ela, por ser autorizante, é capaz de assegurar a paz e a ordem social.
Finalizando, pode-se dizer que a bilateralidade atributiva distingue sempre o Direito da Moral, uma vez que as relações jurídicas não tocam apenas a um sujeito isoladamente, nem ao outro, mesmo quando se trate do Estado, mas sim ao nexo de polaridade e de implicação dos dois sujeitos. Neste intuito cabe salientar que a atributividade é quando certa pessoa tem o direito de exigir o cumprimento do dever imposto pelas normas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As pesquisas científicas que tratam sobre o Direito e a Moral, destacando os pontos em que ambos se distinguem, possuem grande credibilidade por ser um dos temas mais interessantes abordados pela Filosofia Jurídica. Este artigo seguiu buscando respostas para problemas enfrentados em tal área da Filosofia Jurídica, ao mesmo tempo em que despertou para contribuição cientifica do aluno/pesquisador.
O objetivo geral da pesquisa se baseou em investigar as definições de Direito e Moral procurando, principalmente, destacar em quais pontos estes se distinguem. Vale salientar acerca dos procedimentos que foram alcançados para que o objetivo geral fosse atingido. Então, têm-se os objetivos específicos que consistiram em analisar a compatibilidade do Direito e da Moral nas relações jurídicas; discutir se as questões morais interferem na formação do Direito; observar como os grandes preceitos morais são também preceitos jurídicos; analisar o conteúdo Moral presente nas leis, e por fim ressaltar a relevância da interdisciplinaridade em trabalhos científicos. Posto isto, cabe ressaltar que o intuito principal deste artigo científico foi oferecer uma resposta ao problema de pesquisa, que por sua vez é o núcleo de investigação; testando, logo em seguida, a veracidade das hipóteses levantadas.
Mesmo sabendo que a estratégia de pesquisa adotada neste trabalho científico norteou-se no estudo de dados dogmáticos, faz-se imprescindível relatar que o pesquisador crítico deve evitar uma análise exclusiva dos dogmas jurídicos, procurando as respostas de seu problema não só lei, na doutrina ou na jurisprudência, mas principalmente na realidade social onde está inserido seu objeto de estudo.
Estudar sobre como se distingue o Direito da Moral, é de muita relevância social quanto científica, pois tal estudo traz à tona uma dentre as muitas preocupações que envolvem o saber jurídico: saber até que ponto o Direito se relaciona e/ou se abstrai da Moral.
Com o intuito de esclarecer o porquê deste estudo, faz-se imprescindível, então, citar este comentário presente no livro Lições Preliminares de Direito de Miguel Reale:
Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extrema-los um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contra posição (IBIDEM, 2001, p. 41).

Pôde-se perceber que ao decorrer deste trabalho, as análises realizadas sobre como se distingue o Direito da Moral, embora constitua tarefa das mais difíceis, é de demasiada importância para a compreensão do fenômeno jurídico. Neste sentido é imprescindível afirmar que a justiça age em alguns pontos sobre padrões da conduta moral, porém esses mesmos padrões não são de maneira alguma absolutos. Faz-se conveniente relatar que talvez certo ato, certa ação, é vista como correta por algum indivíduo e já por outro, esta mesma ação é vista como incorreta. Então cabe ao Direito delimitar limites sobre o "achismo" de cada um, impondo, assim, regras obrigatórias, pois a total violação das normas jurídicas acarretaria o aniquilamento do grupo social e o desaparecimento da sociedade, uma vez que só ela, por ser cogente e inafastável, é capaz de assegurar a paz e a ordem social.
Mesmo com tantos argumentos e teorias, a discussão sobre como se distingue o Direito da Moral está longe de acabar. Deve-se, contudo distinguir esses dois grandes segmentos normativos da vida, porém, sem separá-los em pólos extremos, pois estes são instrumentos de controle social que não se excluem, antes, se completam e mutuamente se influenciam.
Em suma, uma reflexão constante sobre como de distingue o Direito da Moral, conclui-se à medida que esse tipo de procedimento teórico contribui para a formação de novas gerações de juristas e também para a crítica dos conhecimentos adquiridos por eles.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução ao estudo do direito. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.


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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


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REALE, Miguel Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.


. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
Autor: Divino Feitosa De Amorim Junior


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