Viajante Dos Meus Sonhos



"Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigado
E triste, e triste e fatigada eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoado,
E a alma de sonhos povoada eu tinha".

                       (Olavo Bilac, in Nel Mezzo del Camin...)

Como o cantar do poeta, assim aconteceu nosso encontro - meio encabulado. Cheguei de mansinho logo o percebi, mas tímida, meu olhar tentei desviar. Novamente, uma troca profunda de olhares; uma conversa desconversada.

Célere vagava meu pensamento, e um espanto cobria meu ser. Há poucas horas apenas, suplicava aos céus que colocasse em meu caminho uma pessoa com quem eu pudesse compartilhar meus dias, meus anseios, minhas alegrias, minhas dores, minhas tristezas; acalmar minha solidão. Agora, frente a frente, com aquele olhar sereno como a brisa fresca do mar, com uma voz cálida como o cair de gotas de orvalho na flor, fitava-me, trocava palavras desconexas, intimidava meu ser: seria aquele,  resposta ao meu clamor?

O poeta se fez presente, enquadrando-se ao meu cismar e soltei a voz:

"E, ó meu amor! Eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calmo e belo,
O olhar celeste para o meu baixando".

                        (Olavo Bilac in Soneto I da Via Látea)

Trocamos o gelo do primeiro encontro e, perguntando meu nome, disse que o seu significava viajante. Logo me pus a declinar: o que buscava então... Buscava um sonho, uma ilusão? Buscava o mesmo que eu? Um ombro amigo aonde descansar dos percalços da vida? Como saber? Só o tempo o dirá. Logo passei a questionar:

"Donde saíste? O que buscas?
Precisas de pão e abrigo?...
Viajante! Tu me ofuscas!
És um profeta?... eu te sigo!"

                        (Manuel Bandeira in Solau do Desamado)

Lembrei que para Platão a primeira virtude do filósofo era admirar-se e, assim, me vi a admirar aquela cena tão incomum para mim, e admirei aquele momento e toda aquela situação que, perplexa, não conseguia entender. Poderia apenas ser um encontro casual, assim, como "não se pode pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não pense precisamente, porque pensar é próprio do homem como tal", como nos diz Gramsci, logo passei a filosofar e dar sentido aquela experiência.

Seguiram-se momento de procura, de entendimento, depois... a despedida sem graça, o desejo de não querer partir, a vontade de perpetuar aquele momento mágico. A promessa de um novo encontro... Um até breve... Agora viajante errante:

"Já não serás tão só, nem irei tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha".

                    (Alceu Wamosy, in Duas Almas)

E assim foi... Os dias que se seguiram preenchiam o vazio da minha existência, e a lembrança tua fazia-me companhia constante. Camões visitava-me e exortava:

"Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê"
                (Camões in Soneto 70)

A expectativa de novo encontro doía então, mas de uma dor prazerosa, pelo prazer de um dia voltar a vê-lo novamente, ainda que sofismando, pois pior do que ter perdido é jamais ter encontrado.

E assim, os dias seguiam-se e em pensamentos quedava-me: - quem era aquele que fazia meu coração saltar, meu pensamento roubar; aquele que já fazia parte de meus planos.

Castro Alves, sentindo o clamor daquele coração saudoso, como o "último fantasma" a rodear alma sofrida, chega de mansinho e com interrogações encerra um ponto, que não é o final ...

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...
...
Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...

Quem és tu? Quem és tu? - És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!..."
              (Castro Alves in Último Fantasma)


Autor: Inajá Martins de Almeida


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