Sonhar é preciso



Sonhar é preciso

Todo mundo tem um sonho, pelo menos é o que a maioria das pessoas costuma dizer. Mas eu nunca tive um. Não que eu soubesse que existia dentro de mim, em algum lugar da minha cabeça ou do meu coração.
Sempre vivi a vida, ou melhor, a vida sempre viveu dentro e fora de mim sem que eu me desse conta dela. Só vivia sem saber o quê ou quem estava vivendo por mim, se era eu ou os meus sonhos de menina. Apesar de parecer confuso, sempre acreditei que a vida era bem mais do que acordar, escovar os dentes, tomar café e ir pra escola, pra aprender a viver nesse mundo esquisito e estranho.
Eu tinha a certeza de que a vida não poderia ser tão pequena e medíocre assim. Ela tinha que ser mais, maior, vibrante e cheia de magia e encantamentos. Como se eu vivesse num eterno baile da cinderela com o meu príncipe encantado.
A vida pra mim, quando criança, era algo que eu não sabia explicar sua existência, mas sabia que estava viva dentro de mim cada vez que eu sorria, correndo na rua, brincando livre com os meus colegas, pés sujos, descalços no chão, sentindo a energia da terra e o calor da natureza viva penetrando em mim, me dando vida e acendendo o meu coração de criança.
Não sei por que estou triste hoje. Acho que talvez seja porque me perdi de mim, da menina que eu fui um dia. A mulher amarga tomou conta do meu coração e da minha mente. Não dá pra ser feliz sem sonhos. Acho que é por isso que as pessoas têm medo de envelhecer, porque elas têm medo de não sonhar mais.
Não há coisa mais tenebrosa de se pensar para os últimos anos da vida. Perder a alegria, parar de ser criança e nunca mais acreditar em fantasia, contos da carochinha, castelos encantados, chuva mágica de floquinhos de neve, quer imaginar coisa mais linda pra se deixar de pensar? Eu não consigo, sinto a alma revirando de alegria e os meus olhos começam logo a inundar de lágrimas de pura felicidade.
Nada é mais triste do que ficar sentada na cama, sozinha, numa tarde de setembro, olhar distante, pensando no que passou e não volta mais ou ficar imaginado que fim triste e solitário será o nosso. Quer coisa mais triste e medonha do que essa? Pois é, eu também não posso imaginar coisa pior, mais dolorosa até que espinho cravado no peito até ele parar de bater.
Não nasci pra viver na tecnologia, na riqueza artificial das coisas da ciência, há, isso não mesmo! Foi por pura travessura do destino que eu vim pra esse lugar de armadilhas e terra sem chão firme, feito de areia movediça, que engole a gente aos poucos e tira o ar e os sonhos.
Meu pai hoje falou pra mim que nunca deveria ter voltado pra essa terra de ninguém. Talvez ele estivesse certo quando quis voltar. Retornar às suas raízes. Rever sua família, seus lugares, seus cantinhos de infância. Voltar a sonhar.
Acho que era isso que ele procurava: os sonhos que deixara pra trás, na infância de menino natureza. Acostumado à liberdade, ele não sabia mais como fazer pra viver com hora marcada, com cadeado no tempo, com as porteiras do seu coração fechadas. Menino livre e feliz não consegue viver com as porteiras do coração trancadas, porque um dia ele explode de raiva ou tristeza.
Meu pai tem muita dor nos olhos e na alma. É uma coisa triste de se ver: morrer a alma devagarzinho, sem tempo pra brincar de novo, feliz e alegre. Meu pai é um homem duro de derrubar. È feito de pedra e poeira vermelha. Seus pés são como árvores que fincaram raízes no chão pra o vento e a tempestade não arrancar. Mas não tem mais a suavidade da inocência.
Acho que a falta de lembranças de amor da infância fez com que ele quisesse apagar o tempo de criança e apressasse a maturidade do coração e da alma. O que ele não sabia é que não se pode apressar o tempo, porque ele tem tempo certo pra tudo e fica bravo quando a gente quer dominá-lo. Acaba envelhecendo a gente mais depressa do que o normal. A gente fica velho no coração e cansado na alma. E aí, não consegue mais sonhar.
Não sei o que ele viveu de tão triste na infância que ficou enrugado por dentro, como se tivesse encolhido a alma. Meu pai foi o meu herói da infância. Hoje estamos separados pela realidade. Não sou mais a criança que acredita em fantasia e ele não quer mais ser super-herói. Estamos vivendo o nosso tempo de agora. O tempo que a gente mesmo criou para as nossas vidas.
Minha mãe sempre viveu à margem dos sonhos e da realidade. Acho que ela só amofinou de tristeza e de saudades.
Não me lembro de algo mais belo e delicado do que ver a poesia de uma lágrima sentida, escorregando dos olhos tristes de minha mãe. Era tão triste que era lindo de se ver. Acho que é por isso que me enche a alma quando choro também. Aprendi a encontrar alento e beleza nas lágrimas. Elas são como bálsamo que lavam meus pecados.
Quando penso em minha mãe sinto uma dor de saudade misturada à solidão, porque eu aprendi a ser solitária como ela. Sempre sentada num canto do quintal, com o olhar comprido, viajando milhas de estrada em busca do seu povo tão amado. Seu povo, sua gente, como ela mesmo falava, era o oásis no deserto desse mundo medonho em que o homem transformou.
Hoje eu sei que a tristeza e o choro não são coisas ruins, são formas diferentes de encontrar o caminho de volta pro coração, pra saudade das coisas boas, das pequenas alegrias de uma vida simples de cidade pequena do interior. Ela me ensinou que a vida pode ser linda dentro da gente, escondida como um tesouro num baú mágico, a sete chaves, lá no fundo do coração. Mesmo que pareça tristeza, não é. È alegria grande demais que não cabe dentro do peito e explode em lágrimas, mas de saudade.
Chorar é bom. Quando a gente chora viaja de volta pra dentro dos nossos sonhos de criança. Que coisa melhor pode haver do que reviver por pouco que seja esse tempo fantástico de nossas vidas, quando éramos tudo que quiséssemos ser e tínhamos tudo que o mundo não nos pode dar hoje: paz e alegria interior!
Assim, cheguei a conclusão de que é preciso inventar sonhos todos os dias, todas as horas e minutos da nossa vida...


Autor: Magda Dantas Calíope Sobreira


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