Habeas Data e o Acesso à Justiça



Habeas Data e o Acesso à Justiça
por Aline Trevisan Soares

Habeas Data é um remédio constitucional¹ específico, destinado a proteger um único direito líquido e certo, qual seja o acesso às informações pertinentes à pessoa do impetrante, que pode ser tanto pessoa física quanto pessoa jurídica. Informações estas contidas em bancos de dados de órgãos públicos ou de instituições privadas mas com caráter público. Deste modo, a ação de habeas data visa à proteção da privacidade do indivíduo contra abuso no registro e/ou revelação de dados pessoais falsos ou equivocados.
O habeas data é um instituto trazido pela Constituição da República de 1988, quando em seu artigo 5°, inciso LXXII determinou que será concedido habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo. Da mesma forma cumpre ressaltar que esta é uma ação mandamental, cujo rito é sumário e de caráter cível, regulamentada pela Lei n° 9.507, de 12 de novembro de 1997.
A senda jurídica que deu amparo à recepção desse writ constitucional ao ordenamento jurídico brasileiro remonta aos princípios informadores da administração pública, mais especificamente ao princípio da publicidade dos atos administrativos. De acordo com o princípio da publicidade, a administração pública tem o dever de transparência em relação atos que pratica, assim, caso o dever de transparência não seja observado, é assegurado ao particular interessado buscar o acesso às informações que lhe dizem respeito utilizando como amparo processual o habeas data.
Para tanto, de acordo com a legislação específica, quando do momento da impetração desse writ, é necessário que a petição inicial esteja instruída com prova: a) da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; b) da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou c)- da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2° do art. 4° ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão; conforme dispõe o parágrafo único, do artigo 8°, da Lei n° 9.507/1997.
Ainda, há a Súmula n° 02, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, pela qual foi consolidado o entendimento que: "não cabe o habeas data (CF, art. 5., LXXII, letra "A") se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa". Sentido no qual também vem decidindo os Tribunais do país, conforme se depreende dos acórdãos abaixo.


DECISÃO: ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer da ordem. EMENTA: HABEAS DATA. PRETENSÃO DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES RELATIVAS A PLEITO DE TRANSFERÊNCIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO PRETÉRITO NA VIA ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. ORDEM NÃO CONHECIDA.
(TJ/PR ? 5ª Câmara Criminal ? Habeas Data n° 0487557-4 ? Relatora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira ? Julgamento 29/05/2008)


CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. VIÚVA DE MILITAR DA AERONÁUTICA. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA E ATIVA. NÃO-OCORRÊNCIA. OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO CARATERIZADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A autoridade coatora, ao receber o pedido administrativo da impetrante e encaminhá-lo ao Comando da Aeronáutica, obrigou-se a responder o pleito. Ademais, ao prestar informações, não se limitou a alegar sua ilegitimidade, mas defendeu o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança, assumindo a legitimatio ad causam passiva. Aplicação da teoria da encampação. Precedentes.
2. É parte legítima para impetrar habeas data o cônjuge sobrevivente na defesa de interesse do falecido.
3. O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros existentes; (b) direito de retificação dos registros errôneos e (c) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.
4. Sua utilização está diretamente relacionada à existência de uma pretensão resistida, consubstanciada na recusa da autoridade em responder ao pedido de informações, seja de forma explícita ou implícita (por omissão ou retardamento no fazê-lo).
5. Hipótese em que a demora da autoridade impetrada em atender o pedido formulado administrativamente pela impetrante ? mais de um ano ? não pode ser considerada razoável, ainda mais considerando-se a idade avançada da impetrante.
6. Ordem concedida.
(STJ ? 3ª Seção ? Habeas Data n° 147/DF ? Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima ? Julgamento 12/12/2007)


No entanto, ao consolidar o entendimento de que se faz necessário o esgotamento da via administrativa, de modo que é obrigatória a instrução da petição inicial do habeas data com a recusa do pedido administrativo, verifica-se que a legislação infra-constitucional e o posicionamento adotado pelos tribunais vão em desacordo com o próprio princípio constitucional do Acesso à Justiça.
Isto porque de acordo com o artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988 "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito". Assim, tem-se positivado no próprio texto constitucional a garantia de acesso irrestrito à justiça para todo aquele que se encontre em lesão ou ameaça de direito, cabendo ao Estado a obrigação da prestação jurisdicional efetiva.
Desta forma, vincular o direito de impetrar um habeas data ao fato de esgotamento ou recusa da via administrativa é senão uma forma deliberada de restringir o acesso à justiça, garantido pelo próprio texto constitucional.

¹ Remédios constitucionais são garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos para a defesa de direitos líquidos e certos.
Autor: Aline Trevisan Soares


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