Bolsa Estupro Beneficio ou Coerção?



1. INTRODUÇÃO
Historicamente as mulheres desempenharam o papel de objeto, dentro do sistema patriarcal fundador de nossa sociedade, eram dadas em casamento por seus pais em troca de dotes ou pagamento de dívidas.
No período colonial brasileiro as mulheres eram figuras invisíveis na sociedade, vivendo reclusas em suas casas desempenhando seus afazeres domésticos.
Com o passar dos anos, as mulheres começaram a lutas por seus direitos como cidadãs. No Brasil em 1827 surge a primeira lei sobre a educação de mulheres, mas tarde em 1879, elas ganham a permissão de freqüentar o ensino superior, mas as que escolhiam esse caminho eram descriminadas. Em 1928 conseguem o direito a participar das eleições, direito esse até então privilégio apenas dos homens. Em 1940 o Código Penal Brasileiro abre duas exceções para o aborto. Em 1945 é reconhecido internacionalmente o direito de igualdade entre homens e mulheres. Em 1951 é conquista o direito por remuneração igual a dos homens caso exerçam a mesma função. Em 2006 foi sancionada a Lei de proteção das mulheres vítimas de violência denominada Lei Maria da Penha. E em 2010, foi eleita a primeira mulher Presidenta da Republica.
As mulheres levaram séculos para conquistar esses direitos, mas pode estar prestes a perder o direito sobre o próprio corpo se Projetos de Lei como 1763/2007 conhecido como Bolsa Estupro, for aprovado na Câmara dos Deputados.
E é sobre ele que iremos falar mais detalhadamente.



2. BOLSA ESTUPRO
O Código Penal Brasileiro considera crime a prática do aborto, permitindo-o, apenas, em dois casos: para salvar a vida da gestante (aborto terapêutico) ou, quando a gravidez resulta de estupro, se essa for a vontade da vítima (aborto sentimental). Ainda assim, o direito ao aborto em caso de estupro, divide opiniões. Para alguns, sendo a vida um direito fundamental e inviolável, conforme determina a nossa Constituição Federal, o aborto, mesmo em caso de estupro, fere esse direito tão sagrado. Por outro lado, a mulher não deve ser obrigada a conviver com uma maternidade fruto de violência e às custas de sua honra e imagem pessoal, direitos igualmente conferidos pela Constituição Federal em seu art. 5º, parágrafo X.
Em meio a essa discussão, em 14 de agosto de 2007 o deputado Henrique Afonso (PT/AC) e a deputada Jusmari Oliveira (PR/BA) apresentaram à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no. 1763/2007 que traz a proposta de assistência às mães de filhos gerados em decorrência do estupro, propondo que:

Art. 2º Na hipótese de estupro devidamente comprovado e reconhecido em processo judicial, com sentença transitada em julgado, de que tenha resultado gravidez, deverá o Poder Público:
I ? colocar gratuitamente à disposição da mulher toda assistência social, psicológica, pré-natal e por ocasião do parto e puerpério;
II ? orientar e encaminhar, através da Defensoria Pública, os procedimentos de adoção, se assim for a vontade da mãe;
III ? conceder à mãe que registre o recém nascido como seu e assuma o pátrio poder o benefício mensal de um salário mínimo para reverter em assistência à criança até que complete dezoito anos.

Em sua justificativa, o projeto levanta a seguinte questão:


"Punir a criança com a morte por causa do estupro de seu pai é uma injustiça monstruosa. Mais monstruosa que o próprio estupro. Será justo que a mãe faça com o bebê o que nem o estuprador ousou fazer com ela: matá-la?" (p. 1)

Sem dúvida, esse á um argumento impactante. E sendo o aborto uma violência, tanto para o feto, quanto para a mulher que a pratica, um projeto de lei que ofereça uma alternativa às vítimas de estupro pode parecer uma atitude louvável. Cabe-nos porém indagar: oferecer um salário mínimo a vítimas de estupro para que elas criem seus filhos é uma oferta digna ou um modo do Estado comprar o direito de escolha das mulheres vítimas das deficiências do Estado (incompetente em oferecer segurança e proteção)?
Apesar do projeto de lei no. 1763/2007 ter como embasamento o direito do nascituro previsto no Código Civil, em seu art. 2º, onde define-se "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro", nas entrelinhas do projeto é possível identificar um discurso coercitivo, menos preocupado com a proteção à vida e mais atento ao controle sobre as liberdades individuais. Em especial porque trata-se de um direito da mulher, personagem que, historicamente, sempre foi considerada como mercadoria de troca em uma sociedade patriarcal.
Ao longo de nossa história, as mulheres conduziram-se de forma muda, por vezes invisíveis. As mais ousadas eram mal-vistas, mal-quista e malditas. E apesar de desempenharem papel importante no desenvolvimento econômico e social do país, só muito recentemente as mulheres começaram a ser tratadas como cidadãs de fato. O próprio direito ao aborto em caso de estupro é uma conquista de 1940.
Hoje, em uma sociedade em que a mulher conquistou sua independência econômica e intelectual o Estado ainda luta para manter o controle ao menos de seus corpos. O Projeto de Lei no. 1763/2007 oferece um benefício de um salário mínimo como opção ao aborto, benefício esse tem como alvo as mulheres de baixa renda, as economicamente dependentes. Isso porque as mulheres economicamente independentes já praticam o aborto conscientemente e de modo soberano.
Ao oferecer dinheiro para que as vítimas de estupro tenham seus filhos o Estado minimiza o sofrimento e a agressão sofridos por essas mulheres e colocam um preço por sua humilhação: quinhentos e dez reais por mês. Que provavelmente será depositado em contas para serem sacados com cartões eletrônicos que, popularmente já está sendo denominado de Bolsa Estupro.


CONCLUSÃO

O aborto é um assunto difícil de ser discutido e sempre que nasce em uma conversa por mais informal que seja, por vezes, provoca discussões acaloradas. E enquanto a sociedade e os legisladores debatem o tema, as mulheres, silenciosamente e na clandestinidade, praticam.
O presente trabalho não tem a intenção de defender a legalização do aborto, muito menos pretende ser um manifesto feminista. No entanto é impossível discutir um projeto de lei que tenta, ainda que de modo dissimulado, impor as mulheres vitimas de estupro uma gestação indesejada, sem levar em consideração a trajetória história de opressão à qual as mulheres sempre foram submetidas.
O objetivo deste trabalho é defender o direito a escolha que a mulher conquistou como cidadã, direito este que pode estar a um fio caso Leis como essa sejam aprovadas.
O silêncio diante de propostas como estas é o mesmo que dizer que toda lutas pelos direitos das mulheres foram em vão.

Autor: Josye Euri Muzy Fonseca Oliveira


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