ENTRE OS DISCURSOS E OS FATOS: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO EM PORTO ALEGRE (1975-1976)



MEMÓRIAS SUBVERSIVAS : UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE GENTRIFICAÇÃO EM PORTO ALEGRE (1975-1976)

Luis Carlos Borges dos Santos

Resumo:
O presente artigo visa problematizar o processo de gentrificação ocorrido na cidade de Porto Alegre-Rs, em meados da década de 1970, pretendemos através das fontes primárias e secundárias, trabalhar as relações de poder através dos discursos jornalístico. Entendemos que essas ferramentas colaboraram com o processo de segregação sócio-espacial, contribuindo com as expulsões paulatinamente dos trabalhadores das regiões afetada.
O nosso objetivo é problematizar as questões referentes às análises dos discursos presente no regime militar. Temos como apreciação as representações do poder do discurso presente nos periódicos da época.
Palavras chaves: Análise do Discurso. Regime Militar.

Abstract:
This article aims to problematize the process of gentrification that occurred in the city of Porto Alegre-Rs in the mid-1970s, we aim through the primary and secondary sources, developing the relationships of power through the discourse of journalism. We believe these tools cooperative wih the process of socio-spatial segregation, contributing to the expulsion of workers gradually affected regionsOur goal is to discuss issues relating to analysis of the speeches in this regime. We considered as representations of the power of this discourse in the journals of the time.

Key-words: Discourse Analysis. Military Regime.



INTRODUÇÃO

Este artigo pretende problematizar o processo de segregação sócio-espacial ocorrido na cidade de Porto Alegre-Rs, em meados da década de 1970. Pretendemos através das fontes primárias e secundárias, trabalhar as relações de poder através dos discursos jornalístico. Entendemos que essas ferramentas colaboraram com o processo de segregação sócio-espacial, no que tange a não visibilidade das massas acerca do processo urbanístico, para melhor compreensão explicaremos os processo político e econômico em âmbito nacional e logo encadearemos as conjunturas em âmbito regional.
O Brasil estava vivendo em processo de Industrialização da história nacional. Para um recorte temporal, iniciamos nossa análise a partir da terceira etapa do desenvolvimento industrial no Brasil, com a seguinte justificativa: a economia brasileira já se havia implantado alguns anos antes com o Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1956-1960).
Com a fase da Industrialização o Brasil apresentava sumariamente, uma política deliberada de substituição de importação, formando-se no Brasil um domínio industrial forte. Desde a primeira fase da industrialização o campo começou a sentir um forte êxodo rural, a vinda de agricultores para as grandes cidades, na procura de melhores condições de vida .
Durante os governos militares (1964/1985), o Brasil manteve-se direcionado ao palco político da nação, ou seja, tornar-se-ia necessário manter a "aparência de bom moço" ,uma das características dos governos militares presentes em seus discursos eram de bem-estar, traduzido no acesso a questões básicas, tais como: moradia, educação, trabalho, lazer e segurança. No entanto esse processo dialético causado pelo Sistema , acarretará do ponto de vista governamental a expulsão paulatina das populações locais, deslocando as pessoas que moravam ao entorno do centro para as regiões periférica da cidade.


Em 1ª de Abril de 1964, o Brasil ingressara numa fase de profundas transformações, tanto na área política quanto econômica, ou seja, o regime militar surgiu para "transformar" a sociedade brasileira, os objetivos principais do regime era manter uma boa imagem fora do País, devido aos investimentos internacionais neste período.
De acordo com Barros:
A alternativa dos golpistas para as reformas sociais era uma modernização conservadora, que afastasse as pressas às massas e permitisse a expansão da economia associada as maiores liberdade para o capital externo e para a grande propriedade em geral. (1998.p.17)

Quando pensamos na ditadura militar remetemo-nos logo na coerção imposto pelos militares durante o regime, repressão esta que fora sentida nos meios intelectuais brasileiros, que lutaram por um País mais justo e igualitário . No entanto não foi somente nas classes abastadas da sociedade que a repressão atuara , mais, sobretudo nos moradores de regiões periféricas das cidades, ou seja, os governos utilizaram-se hipoteticamente das ações ocorridas no Chile a "gentrificação ". Temerário seria utilizar dessa expressão para explicar o processo urbanístico no período militar, apesar disso a doutrina militar pregava que para a formação do Brasil tornava-se importante "limpar" os centros urbanos.
A periferia, vista pelos olhos das instituições e dos governos, seria o lugar por excelência da desordem. Durante o regime militar o objetivo principal era manter uma boa aparência das metrópoles, onde as representações de um governo atuante e próspero ficavam internalizadas no imaginário popular. Ao longo do regime militar a periferia foi representada de forma pejorativa no imaginário urbano, como foco de doença, "vileiros" inimigos do trabalho duro e honesto, ou seja, de população sem moral .

Na década de 1970, quando o processo urbanístico foi acentuado, o discurso militar enfatizava que a periferia era "um complexo coesivo, extremamente forte em todos os níveis; família, associação voluntária e vizinhança" (BOSCHI, 1970, p.22).
Assim, os governos militares estereotipavam os moradores das periferias, sempre de acordo com um contexto histórico específico , os moradores retirados dos centros urbanos para as margens da cidade eram vistos como um "fantasma", ou seja, estava sendo construído de acordo com o tipo de cidadão urbano, presidida pelo higienismo, e pelo desenvolvimento urbano.
A política habitacional do governo brasileiro a década de 1970 está intimamente ligada à criação do sistema financeiro de habitação (SFH), uma vez que este sistema tornara-se bastante propagandístico durante os governos militares.
Para Barros:
Aliados aos capitais estrangeiros que se intensificaram sua participação na economia do país, os militares agiam como garantia de ordem para minimizar os distúrbios sociais causados pelo violento processo de industrialização. (...) de inicio o SFH atuou no campo de infra-estrutura, resolvendo questões pontuais como esgoto, pavimentação. (1998, pp.22-23).


Com o fim do milagre econômico a ditadura militar utilizou sabiamente a questão habitacional para de imediato aplacar a tensão por moradia dentro da cidade. No que pertence a gentrificação a socióloga Ruth Glass foi enfática em elaborar o conceito com base em estudos desenvolvido em Londres.

Um por um, muitos dos quarteirões de Londres habitados pela classe trabalhadora foram invadidos pela alta e baixa e classe média. Estrebarias e pequenas casas em estados de ruína, do tipo duas peças em cima e duas peças em baixos, foram tomadas quando os seus contratos de aluguel expiraram, para tornarem-se residências elegantes e caras. (1964, p.5)


Os estudos desenvolvidos por Glass remetem-nos para a seguinte observação: ao fazer sua opção classe média, a ditadura impossibilitou que a real massa da população tivesse acesso à habitação particular, ou seja, criando um imaginário de "bem estar", para a Nação.
A retirada paulatinamente, dos moradores pobres dos centros urbanos das grandes cidades, ocasionou um grande fluxo de pessoas em território afastados do centro, ou seja, estes movimentos possibilitaram as formações de associações de moradores, e grupos de debates acerca das propostas do governo.
Os militares não aceitaram as organizações de moradores nas periferias, alegando que ali encontravam-se pessoas subversivas, que iriam contra as propostas de bem-estar, criada pelo governo.
Com isso, no contexto do AI-5, o Presidente assina o Decreto E. n°3.330, onde destacava que:
Finalidade especifica das associações de moradores a representação dos interesses comunitários perante o governo [...] reconhece existências apenas de uma associação, em cada comunidade, condicionando tal reconhecimento ao cumprimento de uma série de exigências . (Fortuna & Fortuna, 1974, p. 106)

No entanto, se no plano político o governo já optara pelo controle dos excluídos, bastava o regime militar manter as boas aparências presentes nos meios midiáticos, logo em seguida destacaremos alguns fatores presentes, nos periódicos no que tange a urbanização e os poderes alicerçados em seus discursos.
ENTRE OS DISCURSOS E OS FATOS .

Todos os que procuram reconstruir a história do ponto de vista dos trabalhadores, dos excluídos, conhecerem suas trajetórias, suas vicissitudes, sua cultura e suas práticas cotidianas, sabem que estão desafiando algumas regras. Na verdade, esse tipo de pesquisa procura desvendar a história dos homens simples que foram proibidos de fazer e escrever sua própria história. (SPOSITO, 1993, p.27)

Durante toda década de 1970, é inegável o alcance das iniciativas privadas acerca do milagre econômico, uma vez que o Brasil manteve a intensificação nos setores da industrialização e urbanização, já que os militares agiam para conter a ordem e os distúrbios sociais.
Os jornais têm como matéria prima às notícias, segundo Riella e Gorkon (2002.p.18). "Informação sobre fatos que ocorrem relacionados e tratados de acordo com os interesses de quem emite a informação". O discurso como objeto teórico pela qual é possível explicar as manifestações dos governos através das estruturas de linguagem tornara-se ao longo do período militar uma ferramenta de persuasão onde o objetivo principal era manter uma boa aparência em âmbito internacional, pois foi com os investimentos externos que surgira o "crescimento econômico" ou milagre econômico.
Os discursos persuasivos durante os regimes militares, estavam em constantes transformações nos meio midiáticos, ou seja, tornar-se-ia preciso manter a sociedade calma e organizada para as modificações urbanística da cidade, pois somente nos meios de informações que o governo mantivera a boa aparência, escondendo e mascarando as questões políticas e econômicas durante o regime.
O jornal enquanto instituição destaca-se por manter sua visão acerca das problemáticas sociais em torno do cotidiano, saibamos todos que no período militar a imprensa jornalística publicava os "olhares dos militares" acerca da problemática social e neste caso a habitação.

Tanto a fotografia quanto a entrevista e a citação são recortes, escolhas. Ora, no fundamento do recorte há uma estrutura lacunar: algo está de fora, algo foi excluído, pois se trata de um viés e sempre de uma descontextualização. Trata-se aqui do fragmento valendo por, sempre outra coisa que o referenciado. Impossível sustentar a tese de apresentação de um real tal qual nessas condições. O verossímil não é aqui referencial, mas abertamente discursivo: são as regras genéricas do discurso que ditam a lei. (GOMES, 2000, p.30).


Nos meados da década de 1970 a imprensa Porto Alegrense acompanhava diariamente o desenrolar dos projetos habitacionais. Pós-milagre econômico a questão habitacional era constante nos meios midiáticos, um desses grandes projetos foi o Projeto Renascença , executado pela Prefeitura Municipal. Objetivado pelo prefeito Guilherme Socias Villela, o projeto tinha o financiamento do Banco Nacional de Habitação. Segundo o jornal Correio do Povo (1975, p.24) "uma das obras de maior envergadura da administração de Villela, será sem duvida a que se refere à urbanização da cidade, um dos crônicos problemas da cidade".
A figura do jornal neste momento por sua vez, pode ser compreendida enquanto uma espécie de memória discursiva, ou comparado a uma "bagagem ideológica". O jornal Correio do Povo publica em letras garrafais a seguinte manchete: "Prefeito da cidade apresenta à Câmara de Vereadores de Porto Alegre o projeto de uma verdadeira revolução urbana". (Correio do Povo. 1975 p.2). De acordo com Orlandi, o interdiscurso consiste em:

Saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra. O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada (ORLANDI. 2003 p.31).

Orlandi (2003) defende duas vertentes para a problemática que são: A condição de produção e a formação discursiva. A primeira é composta pelo conjunto imediato, que é a situação de produção do discurso; e pelo contexto amplo, ou seja, a circunstância sócio-histórica em tese. A segunda, por sua vez, refere-se aos fatores que em determinada situação ideologia determina o que pode, e o que não pode ser dito. Os projetos de urbanização de Porto Alegre sempre circularam nos setores administrativos, uma vez que faltara orçamento para a realização dos projetos.
Na cidade de Porto Alegre, a construção desordenada de casas populares criou um incipiente mercado imobiliário, a falta de infraestrutura nas cidades fez com que habitações construídas em regiões afastadas tornassem um novo problema para a classe trabalhadora. No jornal Zero Hora na página central o jornal publica o seguinte;

Estiveram em nossa redação na tarde de ontem 16 vendedores ambulantes, que se dedicam ao comércio de frutas nas ruas da cidade, atividade que vem a favorecer, de certo modo, parte da população que não precisa ir ao mercado adquirir frutas às vezes mais caras do que a que eles vedem. Na visita que fizeram ao jornal manifestaram os vendedores ambulantes seus descontentamentos contra certas agentes da fiscalização da prefeitura, que alem de exercer fiscalização severa contra aqueles comercio por vezes maltratados, os portadores de balaios de frutas, já tendo chegado ao ponto de espancá-los como aconteceu {...} o vendedor Ivo diz ser espancado pelos agentes em plena rua. (1975, p.9)

O processo de urbanização estava em constante transformação nos periódicos, pois o que circulava deveria ir aos olhares dos militares, ou seja, a gentrificação causou e aumentou a exclusão social. Para análise, SOPOSITO (2000), afirma que a exclusão social é dividida em dois momentos, a Micro o Individual e o Macro o Conjunto da Sociedade. Para melhor entendermos o conceito de exclusão social, é necessário fazer uma distinção entre este e a pobreza.
Segundo o autor:
Uma distinção entre exclusão social e pobreza. Por conter elementos éticos e culturais, a exclusão social também se refere discriminação e a estigmatização. A pobreza define uma situação absoluta ou relativa. Não entendo esses conceitos como sinônimos quando se tem uma visão alargada da exclusão, pois ela estende a noção de capacidade aquisitiva relacionada à pobreza a outras condições de atitude, comportamento que não se referem só a capacidade da não retenção de bens. Consequentemente, pobre é o que não tem, enquanto o excluído pode ser o que tem sexo feminino cor negra idade avançada opção homossexual. A exclusão alcança valores culturais. Isto não significa que o pobre não possa ser discriminado por ser pobre, mas que a exclusão inclui até mesmo o abandono, a perda de vínculos, a perda das relações de convívio, que necessariamente não passam pela pobreza. (2000, p.95)

Neste entendimento pode haver pobreza sem exclusão social, durante o período de urbanização no Brasil, este processo pobreza e exclusão social, "caminharam juntos" para amenizar estas situações os meios midiáticos foram de grande importância para justificar o progresso" brasileiro, ou seja, neste período os discursos persuasivos mantiveram constante na imprensa. Por mais que as expressões se apontam ser neutras em alguns aspectos, ao se contextualizarem no espaço do anúncio passam a expor seus conceitos, idéias e valores; de maneira persuasiva expõem a sua ideologia. Conforme.

As relações entre signo, ideologia e construção do discurso persuasivo são, portanto, mais próximas do que imaginamos. Vale dizer, desde a escolha das palavras até a organização das frases, passando pela escolha e disposição dos raciocínios e dos temas ao longo dos textos, percorremos um caminho de inúmeras possibilidades para se compor à ordem persuasiva e de convencimento dos discursos. (CITELLI 2007, p.36).

A década de 1970 foi um período de grande êxodo rural, as famílias vindas do campo alojaram-se nos centros urbanos de forma precária, causando certo problema na economia de abastecimento agrícolas, devido a forte influência externa no setor industrial as famílias procuraram um lugar nas indústrias, deixando o campo para segundo plano.
No entanto, o governo promove uma campanha de abastecimento, onde no jornal Correio do Povo (1975, p.2), fica publicado da seguinte maneira: "As terras roxas do Paraná, onde tudo que planta dá, [...] o governo federal esta iniciando nesta semana uma campanha de abastecimento, priorizando os agricultores, que queiram ter lucratividade", nota-se neste aviso que o governo tentava convencer os agricultores a voltarem para o campo, ou seja, o milagre econômico causou um grande êxodo rural devido às propagandas desordenas, "o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentido por/ para os sujeitos" (ORLANDI, 2003, p. 17).
Com o aumento habitacional desordenado nas grandes cidades, referencialmente em Porto Alegre, o jornal Correio do Povo faz referência ao projeto "Renascença", onde no periódico ficam-se destacados as vantagens da cidade acerca das infraesturuas e nenhum momento cita as famílias retiradas.
Podemos mencionar o valor do empenho em transação é realmente superior à um milhão de dólares que já dissemos serão invertidos na aquisição de equipamentos para as transformações da cidade[...] não demais ressaltar a posição em virá ficar a nossa cidade com esse notável impulso urbanístico, que servirá para demonstrar o surto do progresso . ( 1976, p.3)


Após o jornal Correio do Povo noticiar as obras em Porto Alegre, enfatizando o discurso de progresso do bem estar social, o jornal Zero Hora divulga uma matéria, onde a questão do êxodo rural era fator primordial para o governo federal, ou seja, o discurso de progresso causaria para a população rural uma chance de melhorar suas condições de vida. Na página central do jornal observa-se o apelo do governo para o abastecimento agrícola.
Sob o titulo "Mobilização de Guerra " há Zero Hora, publica o seguinte:
Sob a orientação direta do Presidente da Republica prosseguem no Palácio do Governo as reuniões dos técnicos que estudam o êxodo rural. [...] o plano em longo prazo é de extrema importância para a Nação, tem as características Rooseveltianos, com o New Deal, reduzir o desnível entre campo e a cidade, estabelecendo senão uma paridade entre os espaços agrícolas e industriais [...] o êxodo rural é um dos principais objetivos, aí aparecem os exemplos das soluções Rooselvet. (1976, p.14)

Tanto o Correio do Povo quanto Zero Hora, publicavam como já mencionado os olhares dos militares acerca da industrialização e urbanização, ou seja, todo o discurso empregado de bem estar social, viria a ser demonstrado no decorrer das manifestações populacionais.
O jornal Zero Hora tratava com cuidado as formas de divulgação acerca das insatisfações dos moradores dos locais atingindo, no entanto como forma amenizar o sentimento de desconforto gerado pelos poucos relatos que transpareciam a situação das famílias retiradas, o jornal em 1976, por exemplo:
A pequena rua sem calçamento vai sumir. Em seu lugar, a Avenida Cascatinha. O trecho da Avenida Arlindo, que vai da Avenida Ipiranga até a Jose do Patrocínio, faz lembrar a situação das vilas periféricas de Porto Alegre. Incluída no projeto Renascença, a pequena rua sem calçamento vai desaparecer para dar lugar a futura Avenida Cascatinha. Enquanto as obras não iniciam alguns moradores resistem à pressão de abandonar o local. A maioria não tem para aonde ir e nem sabem se a Prefeitura ira ajuda-lo (...). (1976, p.6)


Os períodos recorrentes neste processo acerca das expulsões gradativamente das famílias geraram e fomentaram as futuras periferias. Vários fatores contribuíram para o avanço das periferias em Porto Alegre, a primeira onda está vinculada à mecanização da agricultura em função da monocultura da soja e da modernização dos métodos da pecuária fez com que milhares de pessoas migrassem para a capital em busca de novas profissões, vieram e ficaram muitos deles desempregados . Segundo Autor:

Um indivíduo não é mais pobre ou menos pobre porque consome um pouco menos ou um pouco mais. A definição de pobreza deve ir além dessa pesquisa estatística para situar o homem na sociedade global à qual pertence, porquanto a pobreza não é apenas uma categoria econômica, mas também uma categoria política acima de tudo. Estamos lidando com um problema social (SANTOS, 1979, p.10)
Já na década de 1970, os moradores de áreas irregulares dizem que se viram obrigados a invadir terrenos do governo porque não tinham condições de pagar aluguel. Mesmo aqueles que tinham casa própria argumentam que não tinham conseguido suportar os impostos; historicamente as origens das periferias são econômicas, desde os meados do século XX os empregos se degradam no país, principalmente aqueles ligados às atividades braçais:
O conceito de periferia não pode ser definido apenas por meio de uma noção espacial, mas também como unidade definida de maneira negativa pela dominação simbólica e econômica, mas os que dela participam podem lutar para alterar sua definição e inverterem o sentido e o valor das categorias estigmatizadas. (BOURDIEU 2006, p.11).
No entanto, os jornais publicavam as constantes reclamações acerca da falta de trabalho, entenda-se que a baixa escolaridade e a falta de formação especializada condicionam na dificuldade de encontrar serviço, o que significa não receber sequer salários mínino, quanto mais pagar um aluguel. Desse modo as áreas habitadas seriam as partes periféricas das cidades.
O estudo do processo de expansão periférica deve basear-se no entendimento do desenvolvimento capitalista no Brasil, bem como nas suas conseqüências para a estruturação do espaço urbano das cidades em geral, visto que a periferização representa a acumulação desigual de capital, refletida nas condições de moradia, fator determinante da segregação espacial urbana. (CORRÊA :1989. P.27)

As maiores partes dos habitantes retirados do centro da cidade eram proveniente do êxodo rural, o jornal Zero Hora de 1976, destaca:
Demhab sabe quantos barracos existem na cidade : Porto Alegre possui 19.326 barracos, distribuídos em 48 bairros, a informação está contida num relatório apresentado ontem ao prefeito [...] o Banco Nacional de Habitação, criado pela lei 4380 de 21 de agosto de 1964, vem sendo apontado como um exemplo mundial para o equacionamento dos problemas habitacionais, o Presidente da Republica irá participar das cerimônias em Porto Alegre, onde serão entregues 76 casas.

Neste discurso como afirma Orlandi (2003, p.17). "Essa relação se complementa com o fato de que, como diz M. Pêcheux (1975), ?não há discurso sem sujeito e não a sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido?". Ou seja, para os governos militares proporcionar uma boa aparência era questão chave para a divulgação dos propósitos da "democracia", observa-se que no enunciado desse periódico no início faz alusão aos problemas habitacionais existente, e logo em seguida mostra o desenvolvimento habitacional empregado pelo Sistema.
Champagne (1997, p.75) comenta que: "a mídia faz parte integrante da realidade, ou se preferir produz efeitos de realidade criando uma visão mediática da realidade que contribui para criar a realidade que ela pretende descrever". Para tentar compreender as questões urbanas neste momento, seria necessário interrogar as pessoas comuns sobre sua vida cotidiana, acerca das suas percepção enquanto morador que sofrera devido há remoção de suas casas e recolocada em áreas periféricas.
Tomando como referência básica a realidade sóciohistórica brasileira na década de 1970 estrutura-se em um discurso argumentativo colocando para aos meios de comunicação, que o País estava crescendo devido ao "milagre econômico", ou seja, os governos não poderiam deixar transparecer que o fim do "milagre" estava próximo.
Desde as propagandas oficiais do "milagre", a curiosidade dos incrédulos se dirigiu às questões. Segundo Singer:
Alguns basearam seus ceticismos na improbabilidade de que a demanda por bens duráveis de consumo se mantenha crescendo em ritmo. Outros aventaram a hipóteses de que a poupança interna (externa) não se expandiria com velocidade suficiente para financiar o volume de investimento requerido pela continuação do "milagre". (1997.p.124)

O autor destaca que o "milagre" econômico estava chegando ao seu fim, e o governo teria que sustentar toda a propaganda desenvolvida durante este período, ou seja, a crise esta transparecendo na sociedade, Singer (1977) sustenta também que as inflações reprimidas começaram a aparecer deixando a população com a falta de produtos no comércio, como exemplo a redução de carnes nos frigoríficos como protesto contra os preços oficiais, ou seja, faltando à mesa do consumidor produtos considerados essenciais.
Esta colocação é para oportunizar uma futura discussão acerca da economia brasileira durante o regime militar, que não é o foco principal desse artigo, procurei mostrar nesta citação que o reflexo da economia atinge principalmente as classes trabalhadoras.







Considerações Finais.

Retomo, nesta breve conclusão, alguma coisa que já foi de um modo e de outro, destacado neste artigo. Minha finalidade é apenas sublinhar algumas questões, como se fosse um lembrete final.
Procurei criar neste trabalho criar um fio condutor que possibilite a interpretação da segregação sócio-espacial ocorrida durante a década de 1970, embasados em teóricos que estudam as problemáticas sociais e econômicas. Este artigo procurou mostrar de forma objetiva os fatores que levaram a gentrificação na cidade de Porto Alegre e os discursos empregados nos meio midiáticos para sustentar o imaginário de bem estar, durante o período estudado. A classificação dos jornais expõe a seguinte pergunta: para quem a Imprensa jornalística destina-se? O objetivo principal não foi em nenhum momento apontar culpado acerca das expulsões dos moradores das localidades centrais, mas sim problematizar e fazer pensar as ferramentas que se permeiam em nosso cotidiano e que de certa forma estão presente.
Contudo fica claro, que para compreender um determinado discurso é preciso não só conhecer seu contexto sócio-histórico, mas também, o que norteia ideologicamente esses discursos, ou seja, nesse caso os jornais em quanto meio de informação, neste momento pretendemos mostrar as posições discursivas desses jornais enquanto ligação política. Assim,
O discurso argumentativo, articulado pelos governos militares, esconde a opressão que os aparelhos ideológicos, representados pela sociedade capitalista exercem sobre as classes menos favorecidas. Ou seja, durante a pesquisa primária, em nenhum momento são levantados problemas relevantes, como a dupla jornada de trabalho, a falta de moradia, e nem tampouco discutida a discriminação encontrada no mercado de trabalho pelos moradores das áreas invadidas.
No fundo de tudo, o que deve continuar vivo é o eterno desafio: quem somos nós? Como nós vemos e entendemos? Quem colabora nessa nossa construção individual e social?. De minha parte, estou convencido do que escrevi e continuo buscando justificativas, cada vez mais sólidas, para afirmar e sustentar o que escrevi.



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Autor: Luis Carlos Borges Dos Santos


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