Hospital Santa Maria - DF, Futuro Incerto



HOSPITAL SANTA MARIA ? DF, FUTURO INCERTO

HISTÓRICO
Em 2009 o GDF decidiu por tornar o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM) a primeira unidade de saúde a ser gerida por uma entidade privada que se enquadrasse nos requisitos da Lei que dispôs sobre o assunto. Na realidade, essa decisão não se tratava de alguma inovação, pois já havia inúmeras experiências em outros Estados da federação, com resultados e formas consolidadas de gerenciamento, de tal maneira que a opção não ofereceria maiores riscos.
A escolha recaiu sobre a Real Sociedade Espanhola de Beneficência (RSEB), entidade com 125 anos de existência e experiência substancial em gestão hospitalar desde a média até a alta complexidade.
O HRSM tinha como vocação ser um hospital geral, para atendimento de média complexidade e num território cuja população referenciada é de 1 milhão de habitantes.
Em 21 de janeiro de 2009 o GDF firmou contrato com a RSEB e, a partir daí, iniciou-se um longo período de embates de ordem judicial e política. Do lado judicial, por meio de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o principal argumento sustentado nos autos foi o fato de o contrato de gestão não haver sido precedido de processo licitatório. No entanto, em recurso de "suspensão de segurança" dirigido ao Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o Relator pautou a sua decisão em parâmetros já consagrados na doutrina brasileira e, principalmente, no termos do artigo 24, inciso XXIV, da Lei 8.666/1993 que possibilita a dispensa de licitação na celebração de contratos de gestão com as organizações sociais.
Em 23/04/2009 o HRSM foi inaugurado.

OS PRIMEIROS EMBATES
O primeiro argumento, o da ilegalidade, aos poucos foi se enfraquecendo, até porque o judiciário se manifestou com muita brevidade, sustentando nos autos a prerrogativa do poder público na escolha do parceiro privado para assinatura de Contrato de Gestão, baseado na legislação já citada.
O segundo, porém, de ordem política e dogmática, vem das instituições partidárias e das organizações de classe, por entenderem que o uso do modelo "organização social" fere o princípio da universalidade do SUS. Nessa abordagem o assunto assume contornos ilimitados, pois ele é abrangente o suficiente para permitir os mais longos delírios para apontar o modelo como o mais novo algoz da saúde pública.
Todos sabem que o SUS é um modelo de saúde inovador, principalmente pela característica de ser universal e integral, isto é, atende a todos sem distinção e sobre todos os aspectos relacionados à saúde de um indivíduo, de um grupo ou uma comunidade. Nos 22 anos de existência o SUS evoluiu muito, ao ponto de ser considerado o maior e uma das melhores arquiteturas de sistemas de saúde pública do mundo.
No entanto, os movimentos de inovação, que são facilmente constatáveis e que se mostraram como tendências mundiais, assumem contornos de ameaças e são considerados nocivos pela ótica de dirigentes de conselhos de saúde, sindicatos e outras organizações, cuja referência de "gestão" não ultrapassa aos limites do interesse político da instituição que representam.
No DF o rumo adotado foi na contramão da história e da modernidade. Talvez isso explique boa parte do caos em que vive a saúde local.

CONTRATO DE GESTÃO
É o nome que se dá ao instrumento pelo qual se firmam os compromissos tanto da parte da administração pública quanto pelo lado da organização social. As principais características estão no estabelecimento de metas e resultados a serem alcançados pela parte contratada, sempre por determinação do contratante (SES). Evidentemente que, no caso do HRSM, para o alcance dos resultados esperados pressupunha-se que as partes cumpririam integralmente aquilo que lhes competiam, o que não aconteceu por parte da SES.
Em resumo, o contrato firmado com o GDF previa a seguinte situação:
1- O GDF tinha a responsabilidade de equipar e mobiliar todo o hospital e repassar mensalmente o recurso destinado ao custeio;
2- A RSEB tinha a obrigação de gerir os recursos financeiros e humanos, aplicando-os na consecução dos objetivos fins.

QUANTO CUSTA MANTER O HRSM?
É importante entender a estrutura de custo de um hospital. É importante também lembrar que uma estimativa de custo para um hospital novo e com proposta de alcançar a excelência nos serviços prestados, não se pode prescindir de nenhum detalhe que possa significar perda da qualidade. Os valores previstos para custeio do HRSM foram calculados e estabelecidos pela própria Secretaria de Saúde (SES) e constam do Projeto Básico elaborado em 2008. A base para cálculo dos custos foi a própria rede hospitalar do DF.
Portanto, quando comentam ser o HRSM um hospital "muito caro", esquece-se de fazer algumas considerações, por exemplo:
a) a estrutura do HRSM prevê um número de profissionais que atende ao preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as sociedades médicas brasileiras e os conselhos de classe;
b) possui 70 leitos de UTI que, além de manter profissionais especializados na área, assegura a disponibilidade de todos os medicamentos e equipamentos necessários ao processo terapêutico;
c) mantém uma equipe de Direção dedicada exclusivamente ao hospital, com remuneração compatível ao que o mercado pratica;
d) dispõe de procedimentos e materiais para prevenir a infecção hospitalar e a proliferação de micro-organismos transmissores de doenças;
e) assegura aos pacientes internados todos os exames diagnósticos;
f) mantêm em condições de funcionamento todas as salas cirúrgicas, com médicos anestesistas e material cirúrgico;
g) mantém uma equipe de médicos de várias especialidades, em plantão de 24h, para atender a todas as emergências.
Isso tudo representa custo e sabemos que nem todos os hospitais da rede do DF mantêm o mesmo nível de disponibilidade de profissionais e materiais como o HRSM. Não é novidade para ninguém, basta olharmos os jornais todos os dias para constatarmos.
Por essa razão, durante o primeiro ano de funcionamento, o HRSM alcançou altíssimo nível de satisfação junto aos seus usuários, com índice superior a 85% de ótimo e bom. Conseguiu estabelecer entre os seus profissionais, principalmente médicos, um alto grau de reconhecimento do nível técnico e de boas condições de trabalho. Todas as metas quantitativas e qualitativas foram alcançadas, com exceção daquelas para as quais dependia a compra de equipamentos por parte do GDF.

PROBLEMAS
Vários foram os obstáculos vividos. Num primeiro momento os aspectos da legalidade, já citados. Inclusive, por várias vezes o hospital recebeu visitas de membros do MPDFT, de membros do Conselho de Saúde local e de deputados distritais, todos com o intuito declarado de encontrar alguma razão de desqualificar a forma de gestão. Sem sucesso.
Depois sobrevieram os problemas naturais pela falta de experiência do GDF na gestão de contratos dessa natureza. Mas, os principais entraves, que de fato levaram o HRSM à crise profunda foram:
1- O atraso no repasse dos recursos, que por várias vezes acumulou-se por três meses. Ora, nenhum hospital vive sem recurso financeiro e parte do sucesso do modelo está justamente em manter as contas em dia, sem atraso com fornecedores e com a garantia dos estoques de materiais e medicamentos abastecidos. A partir do momento em que o atraso passou a ser uma prática, todas as conquistas junto aos colaboradores (trabalhadores), fornecedores de produtos e serviços, foram por água abaixo;

2- A segunda, porém não menos importante, foram as duas mudanças dos titulares da Secretaria de Saúde. Eles simplesmente não reconheciam o contrato assinado, não visitaram o hospital e se diziam contrários ao modelo. Passaram a jogar literalmente contra aquilo que era uma grande conquista da população e um patrimônio da saúde pública.

FUTURO DO HRSM
A considerar pela história recente do sistema de saúde no DF não é difícil imaginar o futuro de um hospital que tinha a pretensão de ser o melhor hospital público do centro-oeste do Brasil. E para fazer essa projeção sombria não precisamos de grandes formulações.
Na última década, 2000-2010, a maioria dos Estados brasileiros fez alguma experiência com parcerias privadas, como forma de superar problemas crônicos na gestão da saúde. O modelo Organização Social certamente não é a única alternativa, mas foi o mais utilizado e também aquele que se mostrou mais eficaz, frente aos resultados alcançados. Há muita literatura a respeito que demonstra por meio de indicadores técnicos que o serviço público quando gerido por ente privado é mais eficaz, mais seguro e mais barato.
Somente em 2009 o GDF fez a primeira tentativa com o HRSM, apesar das forças contrárias, que no discurso político se diziam "defensores do SUS", agiram exatamente de forma diversa da retórica, prejudicando a população.

Entre elas está uma corrente do Ministério Público que, apesar do movimento mundial afirmativo ao modelo de parcerias privadas, ainda alegam que provocam a "incapacidade do estado de efetivar seus princípios e diretrizes fundantes, dentre eles, o princípio da universalidade" (texto extraído do discurso de um membro do MPDFT).

Ora, o Estado é dono absoluto do exercício da gestão da saúde pública, e que tem como obrigação a formulação da política de saúde e a viabilização de todos os meios capazes de oferecer à população uma vida saudável, seja pela via da assistência aos doentes, pela prevenção, pela educação em saúde ou pela preservação do meio ambiente.

Portanto, cabe ao Estado a escolha do seu melhor caminho para o cumprimento de seus objetivos, desde que lícito e sem ofensa aos princípios constitucionais sobre aquilo que é indelegável.

No entanto, os atos de gerência, podem perfeitamente ser exercidos por terceiros melhor capacitados, desde que tenha o Estado como indutor, avaliador e fiscalizador. Esse é o papel moderno de um Estado que usa a sua capacidade de gestão para pensar e agir estrategicamente.

Para concluir, esperamos que o governador eleito tenha a sensibilidade para rapidamente reconhecer que essa alternativa poderá ajudá-lo a reerguer o HRSM e até mesmo adotar essa mesma solução para outros serviços. A população do DF irá agradecer, caso contrário pode se preparar para viverem mais alguns anos de desassistência, de sofrimento, de gastos infrutíferos, de desperdícios e de mais promessas sem resultados. Lembre-se que o mal serviço também custa, e custa caro!

Ailton de Lima Ribeiro, Ex-Superintendente Executivo, período de março/2009 a julho/2010.

Autor: Ailton De Lima Ribeiro


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