Direitos Humanos E Aids



INTRODUÇÃO

Abordar-se-á neste trabalho, aspectos concernentes e relevantes aos Direitos Humanos, visando como foco, examinar as políticas que preconizam e detalham a forma jurídico-social, de como vem sendo tratadas às questões dos portadores da Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida, a AIDS, e seus fatores, através de instrumentos jurídicos nacionais e internacionais.

Interessou-nos este tema, por conta das novas perspectivas pelas quais, governos vêm sendo pressionados a dar cumprimento aos tratados internacionais por eles ratificados. Para que sejam implementadas medidas que garantam os Direitos de Liberdade Individual e efetivem os Direitos Sociais e Econômicos, com vistas a atingir as raízes dessa questão que causa tanto antagonismo e ao mesmo tempo, fere tão veementemente legislações e princípios já plenamente consolidados.

A intervenção com base no instrumental e na lógica dos Direitos Humanos implica linhas gerais que:

a) As Normas Jurídicas sejam sempre interpretadas em favor dos mais necessitados de proteção e aplicadas medidas que remedeiem os efeitos do desequilíbrio (ações afirmativas), prevalecendo sempre à norma mais favorável à vítima da violação, seja ela nacional ou internacional.

b) Se rompa com a rígida distinção entre público e privado, buscando intervir nas diversas fontes de violações de Direitos, quer sejam nas relações interindividuais (como por exemplo, na violência doméstica), quer seja nas relações Indivíduos/Entes Estatais, Indivíduos/Grupos Econômicos, Indivíduos/Estados.

c) Que os Indivíduos e Grupos Populacionais violados possam levar suas reivindicações aos tribunais e organizações internacionais, quando o sistema interno de seu país for incapaz de proteger e garantir Direitos básicos. Especificidades e diferenças sejam consideradas e respeitadas nas intervenções de saúde, buscando o equilíbrio real nas relações sociais.

Cada vez mais nos tempos que correm, se apresenta um imperativo de se versar sobre Direitos Humanos. Conhecê-los, considerá-los, interpretá-los e fazê-los aplicar perante as mais diversas situações e cenários, são de uma necessidade extrema e continua.

Direitos Políticos, Econômicos, Sociais, Culturais e mesmo relacionados à Ecologia, são importantes nestes contextos e se suma relevância tendo nisso sua razão de existirem. Estão escritos, e teoricamente aceitos pela generalidade dos Estados, mas havendo sérias e fervorosas resistências. Os argumentos a favor da sua não aplicação, conseqüentemente são de fato, empecilhos lógicos pra a concretização dos mesmos. Desta forma e em causa destas resistências, sempre haverão vítimas: homens, mulheres e crianças principalmente as portadoras do HIV.

A questão do caráter absoluto ou da relatividade da aplicação dos Direitos Humanos tem estado e continua a estar na ordem do dia. E aqui não só os motivos culturais e religiosos apresentam-se como predominantes para as reticências levantadas. Mas também, a questão da "ocidentalização" dos Direitos Humanos, que continua em cima da mesa e encontra-se fortemente relacionada com a anterior, esquecendo-se de tirar do papel milhões de soluções que são plausíveis e aplicáveis em nosso entender, mas que apenas figuram no plano dos ideais que nunca se concretizarão.

Levando-se em consideração e debate o entorno da problemática dos Direitos Humanos, não é de hoje. A sua evocação pode sempre predominar mais em algumas alturas que em outras, conforme também as características da evolução do processo histórico, mas o atendimento à questão é antigo. No século XX, foi que se deu um novo impulso e fôlego, a essas questões, principalmente em se tratando de nosso tema, mas as raízes destas discussões são bem anteriores.

É esta a abordagem que nos propomos sistematicamente a fazer. Sendo que na História dos Direitos Humanos se tem buscado progressivamente afirmá-los e materializá-los em instrumentos legislativos específicos. Essa dita especificidade impõe-nos aqui deste modo, a fazer uma abordagem crítica, mas de maneira ilustrativa, para que se vislumbre a real situação de descaso e preconceito, no qual vivem os cidadãos que são portadores do HIV, em confrontamento com a pregação epistemológica de como os líderes mundiais e os nossos tratam à síndrome.

Além de verificar as perspectivas históricas, acerca dos Direitos Humanos, dispomo-nos também a dar uma ênfase a Declaração Universal dos Direitos do Homem e acerca de alguns de seus aspectos sobre o nosso tema, como também, observar sua implicação na contemporaneidade. Para atender a este escopo, utilizamo-nos como fonte de dados, à pesquisa bibliográfica.

A relevância deste tema consiste em situar os fundamentos e preceitos dos Direitos Humanos, estes primordiais e imprescindíveis instrumentos para a perpetuação das positivas relações sociais agregadas à espécie humana e mais, para que todos os indivíduos sejam realmente iguais em acordo com a teoria iluminista que inspirou todas as constituições vigentes no mundo inteiro.

O estudo está divido em cinco capítulos. O primeiro trás consigo os aspectos conceituais e históricos sobre a temática dos Direitos Humanos, no segundo analisa-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, discutindo e avaliando algumas variáveis contidas em suas estruturas, o terceiro capítulo contempla algumas questões sobre Direitos Humanos e atualidades na conjuntura do tema, no quarto, tocamos em questões sobre a evolução, sistematização de políticas contra a AIDS e os Direitos Humanos no Brasil e no quinto preconizaremos e faremos comentários sobre o ordenamento específico e alguns Direitos adotados no tratamento e na humanização da SOROPOSITIVIDADE, na tentativa de denotar uma solução mais justa a este dilema. Após a demonstração destes capítulos tecemos as considerações finais.

 


CAPÍTULO I

OS DIREITOS HUMANOS, UM BREVE ESBOÇO HISTÓRICO

Uma definição que explica o que seria os Direitos Humanos consiste "nas faculdades ou condições de existência e posses que são reivindicadas por um indivíduo pelo fato de ser humano" ["Human Rights: powers, conditions of existence, and possessions to which an individual has a claim or title by virtue of being human", The Random House Encyclopedia, New York, 1990, p. 2289] Uma mera constatação empírica, através da História Universal, pode ajudar, mas não parece conclusiva para se entender o que significa "ser humano" ou que o autorize a atribuir tais Direitos a uma suposta "natureza humana". Esta parece ser antes de tudo, uma questão filosófica.

Embora não seja necessariamente anterior aos eventos históricos ou à observação de fenômenos empíricos, a filosofia moral, sempre procurou justificar os costumes e as crenças dos povos, para a mera instrumentalização de mitologias e da institucionalização sacramental de tradições religiosas. Assim, pode-se compreender a história universal dos Direitos Humanos e buscar entender, a razão de se defender tais Direitos, impregnando a eles legitimidade e racionalmente justificar sua pretensa universalidade. Desse modo, a filosofia pode ajudar melhor a definir o que são, afinal, "Direitos Humanos".

Costuma-se atribuir aos babilônios antigos às primeiras formulações e codificações dos Direitos Humanos, notavelmente no celebrado Código de Hammurabi (séc. XVIII antes da era cristã). Várias culturas, religiões e civilizações antigas atestam à importância de sedimentar, normatizar e codificar as práticas de coexistência social de forma a garantir a vida, as posses e as relações entre membros de uma comunidade, tribo, clã ou cidade.

O próprio Torah, a Lei Judaica antiga (também denominada "Pentateuco" em alusão aos cinco primeiros livros da Bíblia), também contribuiu de maneira decisiva para a sedimentação de tais Direitos em nossos processos civilizatórios. Em especial, nos Dez Mandamentos (o Decálogo) que se encontra um embasamento moral para a vida comunitária de um povo.

Assim como se encontra a chamada "regra de ouro" no judaísmo, no budismo e no cristianismo, em suas versões negativa "Não devemos fazer a outrem aquilo que não queremos que nos façam" e positiva "Fazei aos outros, o que quereis que vos façam" o princípio de universalização do judaísmo "Em ti serão benditas todas as nações da terra" e do cristianismo "Em Cristo, somos todos um", viria a desafiar a constante intolerância dos povos, sobretudo nas perseguições aos grupos minoritários e nas guerras religiosas.

Na Grécia e na Roma antigas, se encontra também vários exemplos de tais codificações jurídicas, em escritos literários, filosóficos e jurídicos. As filosofias estóicas e as antropologias filosóficas de Platão e Aristóteles deram uma importante contribuição para as discussões medievais que resultariam no humanismo renascentista e na reformulação dos chamados Direitos Naturais.

Na interpretação desses ordenamentos anteriores, no âmbito do Jusnaturalismo Clássico, pode-se vislumbrar o que estes povos antigos chamavam de Direitos Universais, na acepção do que hoje denominamos de "Direitos Humanos". Mas a atual concepção político-jurídica universal está voltada, sobretudo, para a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, seguindo as importantes revoluções e respectivas declarações de 1688 (Revolução Gloriosa inglesa), 1776 (Declaração de Independência americana) e 1789 (Déclaration des droits de homme et du citoyen, quando da Revolução Francesa).

Desde S. Tomás de Aquino e Guilherme de Ockham, até Thomas Hobbes e John Locke, assisti-se a uma interativa transformação de tradições e concepções da natureza humana e dos Direitos Humanos. Tais entendimentos são atestados por importantes documentos como a Magna Carta (1215), a Petition of Right (1628) e a Bill of Rights (1689) na Grã-Bretanha, antecedendo a Constituição dos Estados Unidos (1789), sua Bill of Rights (1791) e os inúmeros textos abolicionistas que resultaram na abolição da escravidão nas Américas na segunda metade do século XIX.

Esta pesquisa, contudo, dá ênfase como marco temporal a modernidade, isto é, do período que se inicia com as grandes descobertas geográficas dos séculos XV/XVI até a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948. Neste período, ocorreu um gigantesco fenômeno histórico: a expansão da civilização européia, que de maneira geral, da civilização ocidental, sobre o resto do mundo, fazendo com que pela primeira vez, a história de uma civilização particular se identificasse progressivamente com a história do mundo.

Este é o âmbito e macro-histórico que deve nortear nossas interpretações, que condiciona a nossa análise das teorias e das práticas que contribuíram para a formação do corpus filosófico e jurídico dos Direitos do Homem. Estes, nascidos no contexto da civilização européia, como momento da sua história, foram, desde o começo, intimamente relacionados com todo o processo que fez da história da Europa a história do Mundo.

Os povos do Novo Mundo foram partes integrantes, desde os primórdios, da moderna história do Ocidente, mas a sua integração sempre foi, até os dias de hoje, uma integração subordinada, dependente, ao mesmo tempo includente e excludente (DUSSEL 1995). O primeiro grande encontro, ou melhor, desencontro, entre a Europa e os povos "descobertos", deu origem ao maior genocídio de que se tem memória na história da humanidade. (MCALISTER 1985; TODOROV 1999). A característica constitutiva desta história é o seu caráter complexo, ambíguo, dualista, ao mesmo tempo de emancipação e opressão, de inclusão e de exclusão, eurocêntrico e cosmopolita, universal e particular.

A Europa e o Ocidente aparecem, assim, como o espaço onde progressivamente, ainda que com contradições, se forja a emancipação do homem, que é, posteriormente, estendida a toda a humanidade como modelo a ser seguido. O resto do mundo constitui o agente passivo, marginal, é o "outro" que não é "descoberto", mas "ocultado" como afirma Enrique Dussel (DUSSEL 1993; TODOROV 1993) e recebe o verbum dos Direitos Humanos do Ocidente civilizado.

De fato, a modernidade projeta sobre o mundo uma universalidade que é, ao mesmo tempo, includente e excludente e não há recurso possível a uma "astúcia da razão" ou a uma "dialética histórica" que possa oferecer o momento da sua superação e reconciliação, pelo menos até o presente momento. Feitas estas observações preliminares, se pode dedicar agora a uma reconstrução, ainda que indicativa e sumária, da história conceitual dos Direitos Humanos que procure enfrentar algumas destas questões.

1.1 Liberdade

Na constituição da doutrina dos Direitos do Homem, os ditos Direitos Humanos, assim como se conhece hoje, pode-se identificar a confluência de várias correntes de pensamento e de ação, entre as quais as principais são o liberalismo, o socialismo e o cristianismo social.

Ao analisarmos esta doutrina dos Direitos Humanos, vemos que ela enseja uma aquisição da modernidade e especificamente do pensamento liberal. Uma opinião amplamente difusa e que faz parte da imagem que o Ocidente tem de si, sendo que a mesma se projeta sobre o resto do mundo (BOBBIO 1992, p. 113-130).

A doutrina filosófico-jurídica que funda os Direitos Humanos é o jusnaturalismo moderno, isto é, a teoria dos Direitos Naturais, que rompe com a tradição do direito natural antigo e medieval, sobretudo a partir do filósofo inglês Thomas Hobbes, no Século XVII. As características principais do que Norberto Bobbio define como "modelo jusnaturalista ou Hobbesiano" (BOBBIO/BOVERO 1986) são as seguintes:

a) O Individualismo. Existem (ora como dado histórico, ora como hipótese de razão) indivíduos que vivem num estado de natureza anterior ao da criação do Estado e que gozam de Direitos Naturais intrínsecos, tais como o direito à vida, propriedade, liberdade, segurança e igualdade, frente às necessidades e morte;

b) O Estado de natureza. É um pressuposto comum a todos os pensadores deste período, ainda que eles o caracterizem de modo divergente: ora como um estado de guerra (HOBBES 1983), ora como um estado de paz instável (LOCKE 1983) ora como primitivo estado de liberdade plena (ROUSSEAU 1983);

c) O Contrato Social. Este é entendido como um pacto artificial (não importa se histórico ou ideal) entre indivíduos livres para a formação da sociedade civil que, desta maneira, supera o estado de natureza; pacto através do qual, todos os indivíduos se tornam súditos, renunciando à própria liberdade in parte ou in toto para consigná-la nas mãos do príncipe absolutista de Hobbes (modelo absolutista) ou do monarca parlamentarista de Locke (modelo liberal) ou da Assembléia Geral de Rousseau que representa diretamente a vontade geral (modelo republicano-democrático).

Apesar das diferenças, o que há em comum entre os autores é o caráter voluntário e artificial do pacto ou do contrato, cuja função é garantir os Direitos fundamentais do homem que, no estado de natureza, eram continuamente ameaçados pela falta de uma lei e de um Estado que tivesse a força de fazê-los respeitar;

d) O Estado. Este nasce da associação dos indivíduos livres (concepção atomista da sociedade) para proteger e garantir a efetiva realização dos Direitos Naturais inerentes aos indivíduos, que não são criados pelo Estado, mas que existiam antes da criação do Estado e que cabe ao Estado proteger. Para Hobbes trata-se, sobretudo do direito à vida, para Locke do direito à propriedade, para Kant do único e verdadeiro direito natural que inclui todos os outros, é a liberdade.

Tais doutrinas surgiram nos séculos XVII e XVIII, no período de ascensão da burguesia que estava reivindicando uma maior liberdade de ação e de representação política frente à nobreza e ao clero. Elas forneciam uma justificativa ideológica consistente aos movimentos revolucionários que levariam progressivamente à dissolução do mundo feudal e à constituição do mundo moderno.

O jusnaturalismo moderno, sobretudo através dos iluministas, teve uma importante influência sobre as grandes revoluções liberais do século XVII e XVIII: A Declaração de Direitos (Bill of Rights) de 1668, da assim chamada, "Revolução Gloriosa" que concluiu o período da "revolução inglesa", iniciado em 1640, levando à formação de uma monarquia parlamentar; A Declaração dos Direitos (Bill of Rights) do Estado da Virgínia de 1777, que foi a base da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América (em particular os primeiros 10 emendamentos de 1791); A Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão da Revolução Francesa de 1789 que foi o "atestado de óbito" do Ancien Régime e abriu caminho para a proclamação da República. (TRINDADE 1998, p. 23-163).

Os Direitos da tradição liberal têm o seu núcleo central nos assim chamados "Direito de Liberdade", que são fundamentalmente os Direitos do Indivíduo (burguês) à liberdade, à propriedade, à segurança. O Estado limita-se a garantia dos Direitos Individuais, através da lei sem intervir ativamente na sua promoção. Por isto, estes Direitos são chamados de Direito de Liberdade Negativa, porque tem como objetivo a não intervenção do Estado na esfera dos Direitos Individuais.

Apesar da afirmação de que "os homens nascem e são livres e iguais", uma grande parte da humanidade permanecia excluída dos Direitos. As várias declarações de Direitos das colônias norte-americanas não consideravam os escravos como titulares de Direitos tanto quanto os homens livres.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Revolução Francesa não considerava as mulheres como sujeitas de Direitos iguais aos dos homens. Em geral, em todas estas sociedades, o voto era censitário e só podiam votar os homens adultos e ricos; as mulheres, os pobres e os analfabetos não podiam participar da vida política.

Deve-se também lembrar que estes Direitos não valiam nas relações internacionais. Com efeito, neste período na Europa, ao mesmo tempo em que se proclamavam os Direitos Universais do Homem, tomava um novo impulso o grande movimento de colonização e de exploração dos povos extra-europeus; assim, a grande parte da humanidade ficava excluída do gozo dos Direitos.

É oportuno relembrar também que a criação de um mercado mundial foi possível graças à pilhagem e a drenagem de enormes recursos dos povos colonizados e a reintrodução, em ampla escala, da escravidão, que havia sido abolida desde os tempos da queda do Império Romano.

Fenômenos que contribuíram para o processo histórico da acumulação primitiva do capital, que deu o grande impulso à criação e expansão do sistema capitalista mundial. A escravidão foi implantada na época Moderna pelas "potências cristãs", tendo Portugal o monopólio do que na época era um lucrativo tráfico, em uma forma brutal e injustificável de conseguir mão-de-obra para a mineração e mais tarde para as lavouras de monocultura.

Havia com tais posturas, abertamente um contraste entre a doutrina da liberdade e igualdade natural de todos os homens da tradição cristã secularizada pela modernidade. E, se os antigos discriminavam os "bárbaros", foram os modernos que inventaram o racismo na sua forma específica como um produto "novo" do etnocentrismo e do cientificismo europeu que a Antigüidade não conheceu.

1.2 Igualdade

Na época em que entra a cena política o socialismo encontra suas raízes naqueles movimentos mais radicais da Revolução Francesa que queriam não somente a realização da liberdade, mas também da igualdade.

A tradição liberal dos Direitos do Homem - que domina o período que vai do Século XVII até a metade do Século XIX, quando termina a era das revoluções burguesas - mostrava-se insuficiente para resolver os novos problemas criados pelo capitalismo. (HOBSBAWM 1982)

O socialismo, sobretudo a partir dos movimentos revolucionários de 1848 (ano em que foi publicado o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels), reivindica uma série de Direitos Novos e diversos daqueles da tradição liberal. A bandeira da Revolução Francesa era somente (e parcialmente) a igualdade dos cidadãos frente à lei, mas o capitalismo estava criando novas e grandes desigualdades econômico-sociais, e o Estado não intervinha para pôr remédio a esta situação.

Os movimentos revolucionários de 1848 constituem um acontecimento chave na história dos Direitos Humanos, porque conseguem que, pela primeira vez, o conceito de "Direitos Sociais" seja acolhido na Constituição Francesa, ainda que de forma incipiente e ambígua. Já nas "Declarações" sucessivas à de 1789, e que constituem o preâmbulo às duas Constituições elaboradas durante o período revolucionário, aparecem os primeiros "Direitos Sociais": à assistência pública aos pobres e necessitados (considerada "um direito sagrado"), ao trabalho, à instrução primária universal e gratuita; Direitos que não tiveram maiores conseqüências na época, mas que reaparecerão com mais efetividade na constituição Francesa de 1848 (COMPARATO 1999, cap. 5°, 6°).

Estava, assim, aberto o longo e tortuoso caminho que levaria progressivamente à inclusão de uma serie de Direitos Novos e estranhos à tradição liberal: direito à educação, ao trabalho, à segurança social, à saúde, que modificam a relação do indivíduo com o Estado. Na sua luta contra o absolutismo, o liberalismo considerava o Estado como um mal necessário e mantinha uma relação de intrínseca desconfiança: a questão central era a garantia das Liberdades Individuais contra a intervenção do Estado nos assuntos particulares.

Agora, ao contrário, tratava-se de obrigar o Estado a fornecer certo número de serviços para diminuir as desigualdades econômicas e sociais e permitir a efetiva participação de todos os cidadãos à vida e ao "bem-estar" social. Este movimento, que marca as lutas operárias e populares do século XIX e XX, tomará um grande impulso com as revoluções socialistas do Séc. XX. Antes da Revolução Soviética, a Revolução Mexicana de 1915/17, havia colocado claramente em primeiro plano a necessidade de garantir os Direitos Econômicos e Sociais; (COMPARATO 1999, p. 160-178), e com as experiências social-democráticas e laboristas européias.

De fato, através das lutas do movimento operário e popular, os Direitos Sociais, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, começam a ser colocados nas Cartas Constitucionais e postos em prática, criando assim o chamado "Estado do Bem-estar Social" (WelfareState) nos países capitalistas (sobretudo europeus) e garantindo uma série de conquistas econômicas e sociais nos países socialistas. É oportuno assinalar que o processo não foi tão linear e simples como parece nesta sumária exposição. Na verdade, nunca foi fácil colocar em prática, ao mesmo tempo, os Direito de Liberdade e os Direito de Igualdade.

Nos países de regime socialista, a garantia dos Direitos Econômico-Sociais foi acompanhada por uma brutal restrição, ou até eliminação, dos Direitos Civis e Políticos individuais. É oportuno também lembrar que deste avanço dos Direitos Sociais continuaram excluídos os países submetidos à dominação colonial ou neocolonial que representavam a grande parte da humanidade.

1.3 Fraternidade

Antes de se chegar à contemporaneidade, é preciso dizer algo a respeito de um outro ator social que desenvolveu um papel importante na história conceitual e social dos Direitos Humanos, isto é, o cristianismo social, e, em particular, à doutrina social da Igreja Católica. A mensagem bíblica contém um forte chamamento à fraternidade universal: o homem foi criado por Deus a sua imagem e semelhança e todos os homens são irmãos porque tem Deus como Pai; o homem tem um lugar especial no Universo e possui uma sua intrínseca dignidade.

A doutrina dos Direitos Naturais que os pensadores cristãos elaboraram a partir de uma síntese entre a filosofia grega e a mensagem bíblica valoriza a dignidade do homem e considera como Naturais alguns Direitos e Deveres Fundamentais que Deus imprimiu "no coração" de todos os homens. (MARITAIN 1999; LIMA 1999)

Deste ponto de vista, segundo certa linha de interpretação, a doutrina moderna dos Direitos Humanos pode ser considerada como uma "secularização", isto é, uma tradução em termos não religiosos, leigos e racionalistas, dos princípios fundamentais da antropologia teológica cristã que conferia a homem uma sua intrínseca dignidade enquanto criado e imagem e semelhança de Deus. Porém, o envolvimento e a identificação da Igreja com as estruturas de poder da sociedade antiga e medieval fizeram com que os ideais da natural igualdade e fraternidade humana que ela proclamava não fossem, de fato, respeitados e colocados em prática.

Com o advento dos tempos modernos a Igreja Católica, fortemente atingida, de um lado, pelas grandes reformas religiosas, sociais e políticas das revoluções burguesas, e do outro pelo avanço do movimento socialista e comunista, foi perdendo progressivamente o poder temporal e uma grande parte do poder econômico que se fundava na propriedade da terra. Este foi um dos motivos principais da hostilidade da Igreja contra as doutrinas e as praticas dos Direitos Humanos da modernidade: a Igreja permaneceu defendendo o Antigo Regime, do qual era parte fundamental, com todos os seus privilégios e reagiu contra as "novidades" da modernidade.

Ainda no Século XIX, no fim da Idade Moderna, o Papa Pio VI, em um dos numerosos documentos contra-revolucionários, afirmava que o direito de liberdade de imprensa e de pensamento é um "direito monstruoso" deduzido da idéia de "igualdade e liberdade humana" e comentava: "Não se pode imaginar nada de mais insensato que estabelecer tal igualdade e tal liberdade entre nós." (BOBBIO 1992, p. 130).

Em 1832, o Papa Gregório XVI afirmava que, é um princípio errado e absurdo, ou melhor, uma loucura, se assegurar e garantir a cada um, a liberdade de consciência. Este é um dos erros mais contagiosos, (SWIDLER 1990, p. 40). A hostilidade da Igreja Católica aos Direitos Humanos modernos começa a mudar somente com o Papa Leão XIII que, com a sua Encíclica RerumNovarum de 1894, dará início a chamada "doutrina social da Igreja". Com ela, a Igreja Católica procura inserir-se de maneira autônoma entre o liberalismo e o socialismo propondo uma via própria inspirada nos princípios cristãos.

Este movimento continuará durante todo o século XX e levará a Igreja Católica, especialmente após o Concilio Vaticano II (1961-66), a modificar sua posição de condenação dos Direitos Humanos (VATICANO II 1966: § 1045/1046). Mais recentemente o papa João Paulo II, na sua Encíclica Redemptor Hominis, reconheceu o papel das Nações Unidas na defesa dos "objetivos e invioláveis Direitos do Homem." (apud SWIDLER 1990, p. 43).

A Igreja Católica se inseriu assim, ainda que tardiamente, no movimento mundial pela promoção e tutela dos Direitos Humanos em conjunto com outras igrejas cristãs que estão engajadas nesta luta, num diálogo ecumênico aberto às outras grandes religiões mundiais. Cabe aqui citar, só a titulo de exemplo, a Declaração para uma Ética Mundial, promovida pelo Parlamento das Religiões Mundiais em Chicago em 1993 (KÜNG e KUSCHEL 1995), que se inspira no trabalho de alguns teólogos ecumênicos, como Hans Küng, "os quais proclamam a centralidade dos Direitos Humanos individuais e sociais" (KÜNG 1992 e 1999).

 


CAPÍTULO II

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUAS DIMENSÕES

A base normativa internacional dos Direitos Humanos sur­giu no período pós-guerra, tendo como marco principal a as­sinatura, no dia 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo primeiro artigo reza que: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e em Direitos . São dotadas de razão e de consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".

Os redatores tiveram a clara intenção de reunir, numa única formulação, as três palavras de ordem da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade. Como resposta imediata da recém-criada Organização das Nações Unidas aos absurdos do Holocausto. A idéia era estabelecer um consenso acerca de uma "ética universal", pela qual, todos os países compartilha­riam Valores básicos de bem comum e de garantia da dignida­de humana.

Desta maneira, a Declaração Universal reafirma o conjunto de Direitos das revoluções burguesas (sendo eles a liberdade, cíveis ou políticos) e os estende a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proíbe a escravidão, proclama os Direitos das Mulheres, defende os estrangeiros, etc.) afirmando ainda os Direitos da tradição socialista (Direitos de Igualdade, Econômicos e Sociais) e do cristianismo social (Direitos de Solidariedade) e os estende aos Direitos Culturais. Para uma reconstrução do debate que foi travado entre as várias correntes ideológicas durante a redação da Declaração, (CASSESE 1994, p. 21-49).

É oportuno lembrar que a Declaração Universal foi proclamada na plena vigência dos regimes coloniais e que, "mesmo após subscreverem a Carta de São Francisco e a "Declaração de 48", as velhas metrópoles colonialistas continuaram remetendo tropas e armas para tentar esmagar as lutas de libertação e, em praticamente todos os casos, só se retiraram depois de derrotados por esses povos". (TRINDADE 1998, p. 160).

A partir da Declaração dos Direitos Humanos, que através de várias conferências, pactos e protocolos internacionais, a grande quantidade de Direitos se desenvolveu, estes seguindo três tendências: universalização: em 1948, os Estados que aderiram à Declaração Universal da ONU eram somente 48, hoje atingem quase a totalidade das nações do mundo, isto é 184 países sobre os 191 países membros da comunidade internacional (CASSESE 1994, p. 52).

Inicia-se assim, o processo pelo qual os indivíduos estão se transformando de cidadãos de um Estado em cidadãos do mundo; multiplicação: nos últimos cinqüenta anos, a ONU promoveu uma série de conferencias específicas que aumentaram a quantidade de bens que precisavam ser defendidos: a natureza e o meio ambiente, a identidade cultural dos povos e das minorias, o direito à comunicação e a imagem; diversificação: as Nações Unidas também definiram melhor quais eram os sujeitos titulares dos Direitos.

A pessoa humana não foi mais considerada de maneira abstrata e genérica, mas na sua especificidade e nas suas diferentes maneiras de ser; como mulher, criança, idoso, doente, homossexual etc. Este processo deu origem a "novas gerações" de Direitos.

A primeira geração inclui os Direitos Civis e Políticos de maneira geral; o direito à vida, a liberdade, à propriedade, à segurança pública, a proibição da escravidão e da tortura, a igualdade de todos perante a lei, a liberdade de associação à liberdade, de participação política direta ou indireta, o princípio da soberania popular e regras básicas da democracia (liberdade de formar partidos, de votar e ser votado), a proibição da prisão arbitrária, o direito a um julgamento justo, o direito de hábeas corpus.

Em seguida, deu-se o surgimento dos Direitos de caráter de proteção individual; à privacidade do lar e ao respeito de própria imagem pública, a garantia de igualdade entre homens e mulheres no casamento, o de livre culto religioso e de expressão do pensamento, o direito de ir e vir dentro do país e entre os países, o direito de asilo político e de ter uma nacionalidade, a de imprensa e de informação.

A segunda geração inclui os Direitos Econômicos, sociais e culturais: o direito à seguridade social, o direito ao trabalho e a segurança no trabalho, ao seguro contra o desemprego, o direito a um salário justo e satisfatório, a proibição da discriminação salarial, o direito a formar sindicatos, o direito ao lazer a ao descanso remunerado, o direito à proteção do Estado do Bem-Estar-Social, a proteção especial para a maternidade e a infância, o direito à educação pública, gratuita e universal, o direito a participar da vida cultural da comunidade e a se beneficiar do progresso científico e artístico, a proteção dos Direitos Autorais e das patentes científicas.

A terceira geração inclui os Direitos a uma nova ordem internacional (FERREIRA 1996, p. 57): o direito a uma ordem social e internacional em que os Direitos e liberdades estabelecidos na Declaração possam ser plenamente realizados; o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente, etc.

A quarta geração é uma categoria nova de Direitos, ainda em discussão e que se refere aos Direitos das gerações futuras que criariam uma obrigação para com a geração contemporânea (atual), isto é, um compromisso de deixar o mundo em que vivemos, melhor, se for possível, ou "melhor", do que se recebeu, para as gerações futuras. Isto implica uma série de discussões que envolvem todas as três gerações de Direitos, e a constituição de uma nova ordem econômica, política, jurídica, e ética internacional.

Esta listagem é apenas indicativa, já que existe uma controvérsia sobre a oportunidade de considerar como Direitos "efetivos" os de terceira e quarta geração, porque não existe um poder que os garanta, assim como há divergência quanto à lista dos Direitos a serem incluídos nessas categorias.

A expressão "Direitos Humanos" está carregada de significações ideológicas e políticas: positivas para uns, na medida em que correspondem a um ideal de humanidade mais justa e solidária, permeada pelo respeito à diferença e pela luta pela igualdade (em seus Direitos e Deveres); negativas para outros, que a associam à promoção da impunidade, ao acum­pliciamento ao criminoso, ao desprezo à segurança e aos re­presentantes dos órgãos de segurança pública.

Em verdade, os "Direitos Humanos" referem-se a aspira­ções e parâmetros norteadores para as normas e leis jurídicas, de modo a que não abram margem para a legitimação de ne­nhuma forma de discriminação ou de criação de privilégios por conta de questões de classe, raça, sexo, crenças ou qualquer outra particularidade ou peculiaridade, sejam elas quais forem.

Toda esta lista enorme e crescente de Direitos introduz a questão dos vários e multíplices aspetos dos Direitos Humanos: na verdade, não se trata simplesmente de "Direitos" no sentido estritamente jurídico da palavra, mas de um conjunto de "Valores" que implicam várias dimensões (ZENAIDE 2000, p. 41-49).

2.1 Dimensão Ética

A Declaração afirma que "todas as pessoas nascem livres e iguais", isto indica o caráter natural dos Direitos: eles são inerentes à natureza de cada ser humano, pelo reconhecimento de sua intrínseca dignidade.

Neste sentido tornam-se um conjunto de Valores éticos universais que estão "acima" do nível estritamente jurídico e que devem orientar a legislação dos Estados.

2.2 Dimensão Jurídica

No momento em que os princípios contidos na Declaração são especificados e determinados nos protocolos, tratados, convenções internacionais, eles se tornam parte do direito internacional, uma vez que esses tratados possuem um valor e uma força jurídica enquanto assinados pelos Estados. Deixam, assim, de ser orientações éticas, ou de direito natural, para ser tornarem um conjunto de Direitos positivos que vinculam as relações internas e externas dos Estados, assimilados e incorporados pelas Constituições e, através delas, pelas leis ordinárias.

2.3 Dimensão Política

Enquanto conjunto de Normas Jurídicas, os Direitos Humanos tornam-se critérios de orientação e de implementação das Políticas Públicas institucionais nos vários setores. O Estado assume assim um compromisso de ser o promotor do conjunto dos Direitos Fundamentais, tanto do ponto de vista "negativo", isto é, não interferindo na esfera das Liberdades Individuais dos cidadãos, quanto do ponto de vista "positivo", implementando políticas que garantam a efetiva realização desses Direitos para todos.

Neste sentido, o "Programa Nacional de Direitos Humanos" do governo federal constitui um avanço na assunção de responsabilidades concretas por parte do Estado Brasileiro, fazendo com que os "Direitos Humanos" se tornem parte integrante das políticas públicas.

2.4 Dimensão Econômica

Esta dimensão não está desvinculada da dimensão política, mas é uma sua necessária explicitação. Significa afirmar que sem a satisfação de um mínimo de necessidades humanas básicas, isto é, sem a realização dos Direitos Econômicos e Sociais, não é possível o exercício dos Direitos Civis e Políticos. O Estado, portanto, não pode se limitar à garantia dos Direito de Liberdade (papel negativo), mas deve também exercer um papel ativo na implementação do Direito de Igualdade.

2.5 Dimensão Social

Não cabe somente ao Estado, a implementação dos Direitos, também a sociedade civil organizada, tem um papel importante na luta pela efetivação dos Direitos, através dos movimentos sociais, sindicatos, associações, centros de defesa e de educação, Conselhos de Direitos. É a luta pela efetivação dos Direitos Humanos que vai levar estes Direitos no cotidiano das pessoas e vai determinar o alcance que os mesmos vão conseguir numa determinada sociedade.

2.6 Dimensão Cultural

Os Direitos Humanos implicam algo mais do que a mera dimensão jurídica, isto significa que é preciso que eles encontrem um respaldo na cultura, na história, na tradição, nos costumes de um povo e se tornem de certa forma, parte do seu ethos coletivo, de sua identidade cultural e maneira de ser. Por isto, que a realização dos Direitos Humanos, é relativamente recente no Brasil e precisa de certo tempo para se afirmar e por raízes no contexto brasileiro.

2.7 Dimensão Educativa

Afirmar que os Direitos Humanos são "Direitos Naturais", que a pessoas "nascem" livres e iguais, não significa afirmar que a consciência dos Direitos, seja algo espontâneo. O homem é um ser, ao mesmo tempo, natural e cultural, que deve ser "educado" pela sociedade. A educação para a cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos Direitos, tanto na educação formal, quanto na educação informal ou popular e nos meios de comunicação.

Estas reflexões pretendem mostrar o caráter complexo dos Direitos Humanos, que implicam um conjunto de dimensões que devem estar interligadas. Por isso alguns estudiosos preferem, em lugar de falar de "gerações" de Direitos, afirmar a interconexão, a indivisibilidade e a indissolubilidade de todas as dimensões dos Direitos acima citados. Eles não podem ser vistos, de fato, como aspetos separados, mas como algo organicamente relacionado, de tal forma que uma dimensão se integra e se realiza junto com todas as outras.

Nunca è demais ressaltar a importância de uma visão integral dos Direitos Humanos. As tentativas de categorização de Direitos, os projetos que tentaram - e ainda tentam - privilegiar certos Direitos às expensas dos demais, a indemonstrável fantasia das "gerações de Direitos", têm prestado um desserviço à causa da proteção internacional dos Direitos Humanos. "Indivisíveis são todos os Direitos Humanos, tomados em conjunto, como indivisível è o próprio ser humano, titular desses Direitos" (TRINDADE 1998, p. 120).

Mesmo reconhecendo como válida e pertinente à afirmação da integralidade e indissociabilidade dos Direitos Humanos, se acredita que a categorização por "gerações" de Direitos não seja uma "indemonstrável fantasia", mas corresponda ao efetivo movimento histórico que contribuiu para a formação dos Direitos Humanos.

Se acreditarmos também que o conflito entre Direitos, em particular, esta tensão entre as duas classes fundamentais de Direitos, Civis e Sociais versus Econômicos e Políticos, não irão se resolver com a simples proclamação da indissociabilidade. Afirmação que, aliás, pode esconder e escamotear esta contradição fundamental que se deve, ao contrário, enfrentar, a sociedade como a vislumbramos, poderia entrar em completo colapso e pior que isso, perder a noção do que é justo e comum.

Adentra-se ainda, nos problemas e nas contradições que as modernas doutrinas dos Direitos Humanos enfrentam e que precisam, ainda que sumariamente, apresentar soluções plausíveis e incontestáveis, para se alcançar a real paz social com o intuito, da consolidação de maneira específica, dos Direitos de todos os grupos, que o mesmo se propõe a proteger.

Deve-se refutar aqui, que ao se zelar pela manutenção e criação destes Direitos, estes grupos que são tidos como minoritários, as chamadas MACRO-MINORIAS, que diferenciam a sociedade e que de maneira específica, são desamparados por ela, por possuírem caracteres não comuns, mas no entanto, não serem necessariamente diferentes das outras proporções sociais, em nosso prisma, os SOROPOSITIVOS.

 

 


CAPÍTULO III

A ATUALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Aparentemente não haveriam maiores problemas: ao redor do núcleo essencial dos Direitos Liberais, se dá uma contínua agregação de Direitos que, sem ferir os princípios inspiradores originários, vem ampliando o leque dos Direitos possíveis, acompanhando o crescimento da "consciência moral" da humanidade. (BOBBIO, 1992).

Porém, as coisas não são tão simples, há uma problemática de grande dimensão que trás consigo, vozes críticas que rompem este aparente consensum gentium, apontando problemas, que geram contradições importantes e que merecem ser analisadas. Acredita-se que, hoje, pode-se identificar algumas grandes questões em aberto, a respeito deste tema tão polêmico.

3.1 Direito de Liberdade e Direito de Igualdade

Uma crítica dirigida contra a imagem da evolução linear e progressiva dos Direitos Humanos tende a pôr em evidencia o seu caráter conflituoso pela presença de tradições de pensamento diferentes e contrastantes, o que coloca o problema de sua compatibilidade. A polarização entre "Direito de Igualdade" e "Direito de Liberdade" continua sendo uma das grandes questões não resolvidas do debate atual sobre os Direitos Humanos.

Na concepção liberal, o Estado nasce da agregação de indivíduos supostamente auto-suficientes e livres no estado de natureza, com o objetivo de garantir a liberdade (negativa) de cada um em relação ao outro. Por isso, a realização histórica dos Direitos não é confiada à intervenção positiva do Estado, mas é deixada ao livre jogo do mercado, partindo do pressuposto liberal que o pleno desdobramento dos interesses individuais de cada um - limitado somente pelo respeito formal dos interesses do outro - possa transformar-se em benefício público pela mediação da mão invisível do mercado.

O próprio contrato social funda-se no pressuposto do natural egoísmo dos indivíduos que deve ser somente controlado e dirigido para uma "sadia" competição de mercado. Neste sentido, na concepção atomista e individualista da sociedade própria do liberalismo e do neoliberalismo, o estado de natureza é superado pelo estado civil só formalmente, mas, de fato, permanece no próprio âmago da sociedade civil que tende a reproduzir e ampliar as relações mercantilistas.

Não há impedimento, entretanto, já que, o reaparecimento do estado de natureza em pleno coração da vida social, com o conflito dos interesses na sociedade civil precariamente conjurado pelo convencionalismo jurídico. (VAZ, 1988: p. 175)

Não è por acaso, entendendo-se aqui que o programa nacional de Direitos Humanos limitou sua atuação aos Direitos Civis e Políticos e ainda, nem sequer conseguiu elaborar as linhas programáticas de uma possível implantação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. "... o que, aliás, são continuamente tornados vãos pela política econômica de cunho neoliberal, implementada pelo governo" (PINHEIRO e MESQUITA 1998, p. 43-53).

3.2 Universalização dos Direitos e a Globalização da Economia.

Esta situação nacional reflete uma situação mundial. Aparece sempre mais claramente - sobretudo para quem olha o mundo do lugar social dos excluídos - que o projeto dos Direitos Humanos como hoje se apresenta, não somente não é de fato universal, mas tampouco pode ser "universalizável", porque precisa reproduzir continuamente a contradição excluídos/incluídos, emancipação/exploração, dominantes/dominados. A atual conjuntura mundial dominada pelo processo de globalização sob a hegemonia neoliberal, não faz que se acentue e exaspere a contradição entre os Direitos de Liberdade e os Direitos Sociais da democracia política e social.

De fato, a universalização dos Direitos Humanos, não caminha no mesmo sentido da globalização da economia e das finanças mundiais, que estão vinculadas à lógica do lucro, da acumulação e da concentração de riqueza e desvinculadas de qualquer compromisso com a realização do bem estar social e dos Direitos do Homem.

O processo de globalização significa um retorno - e um retrocesso - à pura defesa dos Direitos de Liberdade, com uma intervenção mínima do Estado. Nesta perspectiva, não há lugar para os Direitos Econômico-Sociais, da solidariedade da tradição socialista e do cristianismo social, por isto, "... novas e velhas desigualdades sociais e econômicas estão surgindo no mundo inteiro" (BECK 1999; HIRST e THOMPSON 1998; IANNI 1997).

3.3 Direitos Humanos: Universais ou Ocidentais

O caráter contraditório da afirmação histórica dos Direitos Humanos questiona a pretensão da consciência européia e ocidental de se considerar como o lugar histórico por excelência da emancipação universal e mostra o lado exclusivo e violento que sempre esteve presente durante toda a história moderna até o presente. Se o colonialismo, enquanto forma política acabou a "missão civilizadora" do Ocidente continua e se expressa justamente nas doutrinas universais dos Direitos Humanos.

Atualmente, qualquer intervenção política e até militar dos Estados dominantes e das organizações internacionais (por eles dominados) faz apelo à defesa dos Direitos Humanos como sua justificativa ideológica. A pretensa universalidade dos Direitos do Homem esconde o caráter marcadamente europeu e cristão destes últimos, que não podem, portanto serem estendidos ao resto do mundo onde permanecem tradições culturais e religiosas próprias, estranhas quando não contrárias e incompatíveis com as doutrinas ocidentais, tradições estas que precisam se respeitadas.

Estas críticas se inserem num debate mais amplo sobre os processos de homogeneização cultural que o Ocidente está impondo ao mundo inteiro e encontram receptividade entre todos aqueles que estão preocupados com o respeito das culturas e manifestam uma franca desconfiança para com qualquer forma de universalismo. Os Direitos Humanos arriscam assim de se tornar um "pensamento único" que justificam uma "pratica única", politicamente correta, nivelando as diferenças e as divergências. A respeito desta questão assinalamos a existência de duas grandes posições possíveis.

De um lado, uma leitura que contrapõe o eurocentrismo europeu e ocidental às culturas "outras" que lutam para preservar a sua alteridade e as suas diferenças, oriundas de uma história e de uma tradição própria e original, que nada tem a ver com a doutrina dos Direitos Humanos, ocidentais e cristãos, impostos com violências e com propagandas pelas potências ocidentais.

Exemplos típicos desta postura podem ser considerados os movimentos islâmicos mais radicais que reafirmam a própria tradição "contra" o Ocidente. Do outro lado, se reconhece que o processo de expansão ocidental sobre o mundo, durante esses séculos, foi tão radical, profundo e capilar que não há mais culturas ou civilizações "outras" que possam permanecer "fora" da sua esfera de influência.

A última vez que a história registrou algo de radicalmente "outro" foi com a descoberta dos índios por parte dos ibéricos no Século XIV/XV. Os europeus se defrontaram com algo absolutamente inesperado, inédito e novo. São inúmeros os testemunhos dos cronistas da época que registram o espanto, a maravilha e o encanto suscitados pelo MundusNovus. Mas em muito pouco tempo esta atitude mudou radicalmente e estas novas populações foram destruídas, aniquiladas, assimiladas, "encobertas" e o mesmo aconteceu, guardadas as devidas diferenças, com todos os povos e civilizações que entraram em contato com o Ocidente (BRUITS 1995).

Nesta perspectiva, somente não existe mais um "outro", mas as próprias categorias e os conceitos utilizados pelos povos não ocidentais para se contrapor ao Ocidente e reivindicar a sua identidade são encontradas e retiradas do arsenal conceitual do próprio Ocidente. A Liberdade, Igualdade, os Direitos Individuais, a Tolerância, a Democracia, o Socialismo, a Revolução, etc. São conceitos estranhos às tradições culturais desses povos e que só existem, na tradição ocidental.

Típicos os casos dos movimentos revolucionários dos países colonizados (como a China e o Vietnã) que enviaram suas elites a estudarem na Europa, onde aprenderam a utilizar "contra" os colonizadores as teorias socialistas e revolucionárias elaboradas na metrópole. A questão é complexa, por um lado, apesar de ter surgido no Ocidente, à doutrina dos Direitos Humanos está se espalhando a nível planetário.

A crescente ascendência da aplicação e efetivação dos Direitos Humanos pode ser medida não somente pela assinatura dos documentos internacionais, por parte de quase todos os governos do Mundo, mas igualmente pelo surgimento de um movimento não governamental de promoção dos Direitos Humanos, que constitui quase como que uma "sociedade civil" organizada em escala mundial, desde o bairro, até as Nações Unidas.

Esta dita popularização e evolução, a respeito dos Direitos Humanos está longe de ser algo universal e aceita em todas as culturas e civilizações e por isso, a questão da universalidade dos Direitos Humanos, permanece um dos problemas abertos do ponto de vista teórico e prático, logo, nem todos os chefes de Estado de alguns países, respeitam e reconhecem algumas das leis internacionais que regulam assuntos como estes.

3.4 Direitos Humanos e Geopolítica

Os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 e a guerra desencadeada pelos Estados Unidos contra o "terrorismo internacional" mostram a atualidade e a dramaticidade desta questão que, atualmente, se manifesta mais nos termos de um "crash os civilizations", defendido por Hugtington, do que nos termos de um "fim da história", defendida por Fukuyama. No plano internacional as relações entre os Estados permanecem no estado de natureza hobbesiano, da guerra de todos contra todos.

As tentativas realizadas no século passado para criar uma organização como a ONU que evitasse a guerra entre as nações e promovesse o desenvolvimento e a paz mundiais não avançaram muito. De fato, em lugar de caminhar em direção a uma autoridade, ao mesmo tempo inter e supranacional, quase como um governo mundial, não prosperaram e o mundo está de fato embora não de direito, administrado, como sempre foi, pelas grandes potências mundiais. Os Estados Unidos lideram este bloco e, após a queda do comunismo, implementam uma política de tipo imperial mantendo a hegemonia sobre o resto do mundo e intervindo quando sentem ameaçados os seus interesses "vitais".

As Nações Unidas, que, paradoxalmente, foram um "sonho" de Wilson e de Roosvelt, ambos os presidentes norte-americanos, estão hoje relegadas a um papel secundário, de mero legitimador da política ocidental. Neste contexto, a pretensão de criar uma "nova ordem mundial" que permita aos organismos internacionais e as grandes potências de defender e promover os Direitos Humanos no mundo, através de uma política de centralização e de "intervenção humanitária" que passe por cima da soberania dos Estados e possa intervir, até de forma armada.

Não se percebe, no entanto, que essa necessidade em ajudar e mesmo em serem complacentes com as outras culturas e grupos tidos como menos favorecidos, não têm credibilidade, visto que o Ocidente em especial às potências do G8, estão utilizando a "retórica" dos Direitos Humanos para encobrir os seus verdadeiros interesses, impondo ao resto do mundo a sua hegemonia político-econômica (ZOLO, 2000).

 


CAPÍTULO IV

A EVOLUÇÃO, SISTEMATIZAÇÃO DE POLÍTICAS CONTRA A AIDS E OS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Os Direitos Humanos são "caracterizados por lutas em de­fesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não de uma vez por todas" (Bobbio). Neste sen­tido, é essencial perceber a cidadania não só como a consciên­cia e o exercício de Direitos, mas também como a participação em sua construção, e sua efetivação em políticas públicas, ga­rantindo a estruturação de processos deliberativos mais demo­cráticos e contínuos.

A perspectiva que tem sido adotada pelo movimento de prevenção à AIDS no Brasil que, por meio da articulação nacional e internacional em busca de objetivos co­muns de interlocução com o Estado e com a sociedade, vem conseguindo alcançar importantes êxitos nos últimos anos.

Desde 1996, mesmo ano em que foi criado o Programa Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, foi imple­mentado o Programa Nacional de DST /AIDS, que aponta para diversos avanços na política pública de saúde, mas que tem também suas implicações políticas diante do movimento. Bas­ta dizer que existem em média 400 ONGS/AIDS no Brasil, sen­do que um grande número delas surgiu no bojo dos financia­mentos do Ministério da Saúde e do Banco Mundial por meio desse programa.

O grande risco desse processo era o de gerar enti­dades prestadoras de serviços públicos, mas sem autonomia política, e em curto prazo, o que ocorreu. No geral, o que realmente ocorreu, foi o fortale­cimento do movimento de AIDS no Brasil, por meio da conso­lidação de uma rede de articulação mais ampla, capaz de lutar pela manutenção dos Direitos dos SOROPOSITIVOS e por estra­tégias de prevenção eficazes.

As conseqüências de médio e longo prazo, mais precisamente referentes à qualida­de política e à sustentabilidade dessas entidades, tardam a ser percebidas, principalmente a partir do impacto do término do fluxo de financiamento governamental. São sempre interações instigantes e complexas, para as quais, devemos estar sempre atentos para firmar o papel e a forma de atuação dessas ONGS, que assumiram essa responsabilidade perante a sociedade civil.

É preciso estar atento a essas relações, para que elas não absorvam a lógica burocrática, tradicio­nalmente colocada pelo Estado, já que, as mesmas desempenham um papel que aos nossos olhos teoricamente, pertence ao Estado e a burocracia por ele imposta impe­de o processo democrático e de cidadania, ou seja, perde-se em um ema­ranhado de relatórios, ofícios, formulários que geram muitas vezes formalismos e desentendimentos desnecessários.

Da mesma forma, deve-se ter cuidado para não embarcar em equações por demais prag­máticas de custo-benefício, que tendem a simplificar um fenô­meno complexo como a AIDS e a norte ar os cálculos do mer­cado. E, mais ainda, é preciso nunca perder a autonomia, a li­berdade e o ativismo que são a essência do movimento social nascido da espontaneidade, da angústia e do inconformismo da sociedade civil.

Um dos pontos fundamentais do projeto de prevenção é exatamente o fortalecimento da auto-orga­nização das comunidades mais vulneráreis, a práticas de risco, por meio da conscientização de Direitos, e em específico da AIDS. Partindo dessa conscientização e através de trabalhos de resgate da auto-estima destruída pe­los estigmas gerados pela doença ou por suas especificidades sociais ("ser negro", "gay", "profissional do sexo", "favelado", "mulher", entre outras). Que como diria BRÍGIDO:

"... esse é um tra­balho árduo e custoso, que não tem impacto imediato, mas que é imprescindível, pois somente assim poderemos gerar em longo prazo mudanças criativas e auto-sustentáveis." (BRIGÍDO 2005, p. 128).

É necessário ainda perceber que o movimento de AIDS surgiu de forma peculiar, uma luta relativamente recente, se comparada aos demais "novos atores sociais" surgidos a partir da década de 1970, como a luta pela posse e pelo uso da ter­ra, a emancipação feminina, os movimentos negros, o movimento ecológico, as articulações de gays, lésbicas e travestis, entre outros.

O movimento AIDS no Brasil, surgiu em meados da década de 1980, momento em que o perfil da epidemia girava em tor­no de pessoas de maior capital escolar e poder aquisitivo - a população inicialmente mais atingida tinha a cor branca, o sexo masculino e era economicamente ativa.

Os primeiros agentes de mobilização e cobranças por Direitos e respostas do Estado foram essas pessoas que começaram o movimento para o combate à AIDS, o que conferiu teor mais pró-ativo na demanda pela elaboração de Políticas Públicas específicas, já que, as principais lideranças pos­suíam um aguçado nível de conhecimento de seus Direitos Pétreos e das estratégias e dos mecanismos institucionais para cobrá-los.

Podemos nos arriscar a dizer que as ONGS de prevenção à AIDS precisam mais do que nunca, articular-se de forma mais sistemática com outros movimentos sociais e jurídicos que, como elas, transitam transversalmente pela dimensão dos Direitos Humanos, e que já possuem vínculos orgânicos com tais populações vulneráveis (no contexto atual, por exemplo, o movimento de mulheres, o movimento de defesa dos Direito da Criança e Adolescente, as entidades rurais, e os grupos organizados das áreas de periferia e favelas).

Estima-se que, até o final de 2006, mais de 70 milhões de pessoas estarão vivendo com o HIV, um em cada 100 adultos sexualmente ativos na faixa etária de 15-49 anos de idade. Refere ainda que, desde o início da epidemia, até o ano de 2010, se nada for feito essa população de infectados pelo vírus poderá dobrar ou até mesmo triplicar nos próximos 3 anos. O Brasil está entre os quatro países de maior prevalência no mundo. O número de casos em São Paulo supera duas vezes os maiores números encontrados na Suíça e França.

Segundo a Coordenação Nacional de DST/AIDS, o Brasil possui 759.384 casos notificados até 29 de maio de 2004. E estes números não representam à realidade do país, devido às subnotificações que estão ligadas ao maior ou menor reconhecimento do caso. A faixa etária de 20-44 anos ocupa um percentual de 81% do total de infectados pelo vírus o que imprime que a epidemia se alastra principalmente entre os jovens que são considerados em linhas de reprodução, como período mais produtivo para o país.

Um dado preocupante é a progressão do heterossexualismo, onde em 1980-1988 contribuíam com 1.8% e, em 1995, com 21.0% dos casos no período. Cerca de 30 mil casos de AIDS em mulheres foram notificados no Brasil, correspondendo a 22% do total acumulado de casos. Análise realizada no Pará, de 293 casos de HIV/AIDS, demonstra que em um total de 176 homens, 99 (56%) adquiriram o HIV por ter múltiplas parceiras e que, em um total de 117 mulheres, 92(53%) informaram ter parceiro infectado com ou já doente de AIDS, buscando o ambulatório para realizar o teste do HIV.

Estes dados, aliados à faixa etária citada, evidenciam que a mulher (indicador mais concreto do aumento da transmissão heterossexual) se fértil, terá possibilidade de ter filhos infectados pelo HIV verificando-se, portanto, um aumento na AIDS Pediátrica, considerada de 0 a 13 anos, onde a transmissão vertical já acompanha o número de mulheres, com um total acumulado de 79,8% dos casos. Um dos principais agentes que tem formado uma ponte para a transmissão heterossexual, é o usuário de drogas endovenosas que compartilha seringa e agulha. Este fator de risco evidencia uma distribuição regional diferencial do HIV no país, pelos determinantes de transmissão.

Pessoas com HIV, cada vez mais, estão tendo um período maior sem sintomas clínicos da doença, devido a um maior entendimento da ciência, melhores esclarecimentos dos portadores, maior apoio da família, mais empenho de todos no combate à progressão para a AIDS. A idade parece ter um envolvimento na progressão. Em hemofílicos com 35 anos ou mais, verifica-se que o tempo médio entre a infecção pelo HIV e a AIDS é de aproximadamente 8 anos e que, os infectados ao terem menos de 35 anos, a média regular é de 12 anos. Diferentemente dos países desenvolvidos, com 16 meses. Em alguns locais do país, como o Pará, encontra-se em sete meses.

Estudos realizados por BRÍGIDO, SEREJO & IMBIRIBA, em 429 declarações de óbito de pacientes com AIDS, no período de 1997-2004, em Belém (Pará), verifica um total acumulado de 85.594 anos de vida perdidos, com 91,2% concentrados na faixa etária de 20-49 anos. E aí, é percebido o impacto que a AIDS traz para a sociedade com a diminuição da força produtiva, diminuição de nascimentos, sofrimento das famílias na perda de seus entes. Mais do que nunca, todos devem se unir para lutar contra esta pandemia.

Diferentemente dos países desenvolvidos, com 12 a 13 meses. Em alguns locais do país, como o Pará, encontra-se em 7 meses. Estudo realizado por Brígido, Serejo & Imbiriba em 429 declarações de óbito de pacientes com AIDS, no período de 1993-1997, em Belém (Pará), verifica um total acumulado de 10.594 anos potenciais de vida perdidos, com 91,2% concentrados na faixa etária de 20-49 anos. E aí, é percebido o impacto que a AIDS traz para a sociedade com a diminuição da força produtiva, diminuição de nascimentos, sofrimento das famílias na perda de seus entes.

Mais do que nunca, todos devem se unir para lutar contra esta síndrome, pois ela tem levado à negação de empregos, demissões, não aceitação de matrícula nas escolas, falta de atendimento médico, rescisão de contratos de aluguel, discriminação pelos próprios familiares de pacientes, contribuindo para uma permanência maior em hospitais por não ter residência para voltar. Os motivos estão envolvidos no desconhecimento dos modos de transmissão, presente até mesmo na classe médica. Em Belém (Pará), em avaliação a respeito da síndrome, em 1998, foi encontrado um percentual de 11.1 % de profissionais médicos referindo que o HIV atinge um grupo restrito da população e, que o indivíduo assintomático não transmite o vírus.

A Organização Mundial de Saúde tem adotado uma posição firme com face aos Direitos Humanos, demonstrando que a única forma de combater a crescente infecção, é a cooperação pública. Esta posição ressalta e defende a dignidade dos infectados pelo HIV para evitar medidas discriminatórias e de estigmatização, com programas de informação, educação e apoio social aos infectados e as seus familiares, sendo dado enfoque na Declaração de Londres, por ocasião da reunião de todos os Ministros da Saúde do mundo, que debateram e versaram sobre a prevenção da AIDS.

Os mesmos princípios que conduzem qualquer prática médica devem ser seguidos para a AIDS, como autonomia, confidencialidade, beneficência, não maleficência, justiça dentre outros que são assegurados pela Declaração dos Direitos Humanos, signada por todos os países do mundo. A autonomia está ligada à livre decisão do indivíduo de tomar decisões sobre seus cuidados de saúde, conhecendo riscos e benefícios.

A confidencialidade lhe assegura sigilo na testagem, comunicação a terceiros sobre sua condição, exceto em risco de vida, com o seu acompanhamento em toda a sua extensão e os cuidados de profissionais de saúde, que devem seguir e tratar de forma humanizada os infectados, para o bem estar do paciente, com beneficência, efetivando a não maleficência e evitando males. Finalmente, o princípio de justiça requer avaliações para não haver prejuízos à saúde ou discriminação, qualquer negativa de oferecer um bem, serviço ou informação a quem tem direito, é algo injusto.

Os pacientes, além do desgaste psicológico de convivência com o HIV e seu tempo incógnito de sobrevida, são cercados pelo medo de perder emprego, estudo, família, amigos. Muitos retornam à casa dos pais, de onde saíram em busca de autonomia, para um refúgio familiar. Nesta síndrome percebe-se bastante polêmica relativa à discriminação pelo próprio paciente, que em alguns momentos se culpa por ter adquirido o vírus por sua opção sexual e, pela família que não admite que haja um componente do seu Clã com AIDS.

Ainda hoje, algumas pessoas associam a enfermidade à homossexualidade masculina e uso de drogas endovenosas, apesar de concretamente poder afetar a todos sem nenhum tipo de escolha ou discriminação. Interpretam o acontecimento como vergonhoso, desvio de conduta, como ainda é o caso das doenças venéreas. A própria discriminação da sociedade contribui para a manutenção da transmissão, onde o paciente não revela à sua família, parceiros sexuais ou que usam drogas com a mesma agulha e seringa, com receio de violência física e afastamento social e do preconceito gerado por essas práticas.

A discriminação e o preconceito associados ao desconhecimento, favorecem o medo e a incerteza das pessoas, em conhecer sua sorologia e possível SOROPOSITIVIDADE, não retornarem com a devida freqüência aos cuidados médicos, não havendo cooperação com os programas de saúde pública. Todas essas premissas, associadas à não utilização de preservativos, geram um ambiente fecundo e propício para a disseminação do vírus.

Em se falando em preservativos, sua utilização universal ainda é baixa e alguns associam seu uso à promiscuidade, ocultação de adultério, fazendo com que entre casais não seja utilizado. Se um dos parceiros estiver infectado e sugerir a modificação das práticas sexuais ou discutir sobre estado sorológico e essa suspeita de infecção pelo HIV for levantada, em alguns casos pode ocasionar até a ruptura do relacionamento. Muitas vezes, por estes motivos, há relutância em iniciar este tipo de conversa, e então, mantêm-se relações, sexuais sem a devida proteção.

A saída mais comum e utilizada entre os casais heterossexuais, é a mulher utilizar-se do argumento de que não deseja engravidar, para conseguir na visão dela, não lesionar a relação. Mas como justificar em caso de mulheres que realizaram cirurgia para não mais engravidar, na menopausa ou em práticas de sexo anal? Nestes casos, o melhor é uma boa conversa, o que ainda inibe os parceiros, por conta do certo preconceito e de uma visão um tanto retrógrada, havendo então, a necessidade de uma melhor discussão sobre sexualidade entre o casal.

Mas qual seria a barreira ideal, totalmente segura? Abstinência sexual ou fidelidade mútua e eterna? Atualmente, o.preservativo é uma barreira mecânica de grande importância que se tem contra as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e a AIDS. Quanto mais se utiliza, mais é eficaz, por aprendizagem do uso. O que alguns relatam, além da história de "chupar bala com papel", é a questão levantada pelo parceiro, gerando um clima de falta de desconfiança no casal. Ao lembrar que a AIDS começa a aparecer como doença após cerca de 10anos da contaminação, alguns deixam de se prevenir e acham que por estar com boa aparência física podem não transmitir o vírus.


 
CAPÍTULO V

O ORDENAMENTO JURÍDICO POSTO, ALGUNS DIREITOS RELATIVOS À SOROPOSITIVIDADE, SOLUÇÕES EFICAZES?

Partindo do princípio de que as questões de saúde pública, primordialmente, representam um direito inerente à cidadania e uma irrecusável e fundamental obrigação do Estado, cabe, através de algumas estratégias bem articuladas junto ao Ministério da Saúde, uma atenção redobrada à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento da AIDS, assim como uma abordagem mais séria em favor dos infectados pelo HIV.

Ninguém pode desconhecer que essa doença é uma entidade sorológica grave, de evolução rápida e caminhando quase sempre para a morte e que, em face das suas características epidemiológicas, tende a se transformar num sério problema de saúde pública, necessitando, também, de um encaminhamento que não deixe de contar com a participação de todos no seu controle e prevenção.

Assim, é imperativa, antes de tudo, a participação democrática de todos os segmentos organizados e representativos da sociedade, a fim de pressionar o Estado que assuma, por decisão política, uma postura capaz de garantir a mais ampla cobertura sobre o problema.

É necessário que se assegure a estes pacientes o acesso ao tratamento adequado, seja no ambulatório, no hospital ou no domicílio, incluindo nisso o fornecimento gratuito de medicamentos necessários e eficazes no tratamento da AIDS, aprovados pelo Ministério da Saúde, a fim de que essas ocorrências não se transformem em "casos de polícia".

Defende-se a idéia de não se criarem leitos destinados aos pacientes apenas infectados pelo HIV, que porventura se internem nos hospitais para tratamento clínico ou cirúrgico, pois inevitavelmente seriam discriminados, dando-se, inclusive, oportunidade para a exigência dos testes pré-admissionais, convertendo-se em expediente vexatório, hostilizante e segregador.

Nessa legislação deve ficar bem claro o direito que tem o paciente soropositivo da manutenção do sigilo médico, do respeito à sua privacidade, o impedimento de demissão sem justa causa do seu trabalho, a proibição da divulgação do seu nome ou de seus parentes em listas de resultados de exames e o direito de ter solicitados seus exames complementares quando pedidos pelos seus médicos assistentes.

É necessário ainda que se estipulem em espaços gratuitos nos meios de comunicação para divulgação desses interesses à garantia dos pacientes aidéticos a todos os direitos trabalhistas, previdenciários e administrativos, além de assistência jurídica gratuita, acesso fácil e sem ônus ao tratamento dos hemofílicos como forma de prevenção à AIDS, o direito de receber visitas no hospital, de atendimento médico de urgência e de intercorrências clínicas, e o de ter seu corpo velado em locais de condições respeitosas, de acordo com a reverência que se deve à dignidade humana.

Outro fato é o da criação de serviços de diagnóstico gratuitos, estimulando-se assim os indivíduos ao auto-exame, sem nenhum ônus e cujos resultados sejam dados através de meios que não identifiquem o paciente, mantendo-se o respeito à sua privacidade. Essa seria uma forma de fazer com que um maior número de pessoas procure esses exames.

Desestimular de uma vez por todas, não através de uma portaria, mas por meio de um estatuto com força legal ordinária, a exigência de testes sorológicos para o HIV aos candidatos de concurso público ou ao acesso a empresas privadas, mesmo sabendo que um mandado de segurança, neste particular, seria um remédio tranqüilo e eficaz.

Ficar evidente também, na legislação, a proibição da exigência de testes compulsórios de sorologia para o HIV, como condição obrigatória de internamento hospitalar, pré-operatório, assim como nos indivíduos recolhidos em estabelecimentos penitenciários, ou de internação, antes de serem recolhidos. Isto não tem nenhum subsídio técnico ou científico, nem ajudaria em nada esse problema, a não ser fomentar a discriminação e a intolerância.

Finalmente, é necessário que se estipulem em lei especial as determinações da Resolução nº. 1.401/93, do Conselho Federal de Medicina, nas quais ficam obrigadas as empresas de seguro-saúde, de medicina de grupo ou as cooperativas médicas, prestadoras direta ou indiretamente de assistência médico-hospitalar, ao atendimento de todas as enfermidades relacionadas no Código Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, não podendo impor restrições, quantitativas ou de qualquer natureza (ver Declaração de Madrid, sobre "AIDS", adotada pela 39." Assembléia Geral da AMM, em outubro de 1987, na Espanha)

Alguns Direitos e Garantias já foram adquiridos com o evoluir desta pandemia, e como já foi citado acima, faz-seurgente à necessidade da criação e aplicação de normas e sanções clara que controlem e regulem as relações sociais para o tratamento do tema, algumas delas estão abaixo relacionadas, são alguns Direitos já consolidados, mas que precisam de uma concretude mais ampla.

5.1 No Trabalho

Como já citado, uma garantia primordial que foi consolidada, foi a de não se realizar teste pré-admissional e periódico, sendo proibido de acordo com a Portaria Interministerial no art. 869, de 11/03/96. Os patrões são livres para contratar seus empregados, mas não podem exigir o teste sorológico, por interferir diretamente na intimidade do trabalhador.

Com a proteção do direito posto por essa portaria, de forma subsidiária, houve a ratificação do caráter Constitucional do direito a Intimidade e do princípio da Isonomia previstos no art. 5° da CF, um indivíduo soropositivo não está incapacitado para o trabalho e, de acordo com a Organização Mundial de Saúde e Organização Internacional do Trabalho, "os trabalhadores infectados pelo HIV que estejam saudáveis devem ser tratados de maneira semelhante a qualquer outro trabalhador" e, "um trabalhador enfermo, HIV positivo e AIDS inclusive, deve ser tratado como qualquer trabalhador enfermo".

Às vezes, o próprio trabalhador ou o patrão utiliza a SOROPOSITIVIDADE como superproteção, sugerindo ou forçando a tirar licença médica. Não existe risco de transmissão no trabalho, sem que haja contato com sangue, esperma ou equipamentos perfuro-cortantes contaminados. Estes esclarecimentos devem fazer parte da Campanha Interna de Prevenção da AIDS, instituída pela Portaria Interministerial n° 3195, com atividades de palestras e debates, cartazes, folhetos e filmes sobre o assunto.

O empregador tem que dar condições de trabalho, apoio social e assistência médica ao trabalhador e mais, o portador de HIV, após o contrato de trabalho, tem seus Direitos assegurados. Um fato grave ocorre quando o médico da empresa solicita teste sem conhecimento do candidato ao emprego ou funcionário. A indicação é clínica, com o médico expondo suas razões e aguardando a livre decisão do trabalhador de ser testado.

A realização abusiva de testes, com discriminação, reflete negativamente. Os infectados ficarão fora de suas atividades trabalhistas, produtivas para o país, sem remuneração e, portanto, não podendo se manter e à sua família, podendo haver reações de revolta, até com disseminação da infecção.

5.2 Na Prisão

Outro direito conquistado foi a não detecção obrigatória de HIV no sistema prisional. A administração do local tem obrigação de promover a redução da transmissão do vírus com programas educacionais e de prevenção para os detentos e funcionários, mantendo o sigilo nos casos em que for descoberto por exames médicos excepcionais.

Em caso de detecção de infecção, não há indicação de isolamento do indivíduo HIV positivo, exceto quando necessário para o bem estar e o tratamento do prisioneiro. O portador assintomático poderá obter a transferência para estabelecimento de regime semi-aberto. Aos doentes de AIDS, de bom comportamento e com laudo médico oficial, concede-se o indulto, pelo decreto n° 668, de 16.10.1992.

5.3 No Casamento, Cláusulas Pré-Nupciais.

Em termos civis tratando da união pelo casamento, se o casal desejar conhecer sua sorologia, nada o impede. A solicitação ocorre por conta do receio de um parceiro sobre o outro estar assintomático e infectado, em conseqüência do longo período de incubação da AIDS. Se houver SOROPOSITIVIDADE antes do casamento.

Faz-se necessário que haja a revelação, por esta omissão constituir o chamado erro essencial, caracterizado por ignorância anterior a moléstia grave e transmissível por contágio ou herança, com agravo à saúde do parceiro e de seus filhos. Este fato está nos artigos 200 (parágrafo 1) e 236 (Inciso l) do Código Penal, com pena de 6 meses a 2 anos (artigo 218 do Código Civil e 236 do Código Penal).

5.4 Na proteção das Crianças e Adolescentes

Com relação com Estatuto da Criança e do Adolescente e suas interpretações doutrinárias, é alarmante a situação de desamparo do número de crianças infectadas pelo HIV e que convivem com a doença que não foi por eles contraída por ato seu e sim pela hereditariedade e desconhecimento de alguns métodos pelos pais.

Nessa posição, as crianças mais velhas, saudáveis, assumem o comando da casa, para cuidar dos pais e dos irmãos, sendo relatados casos de crianças de apenas 10 anos já trabalhando e contribuindo para o sustento da família, o que contraria as normas não só do Estatuto, mas também da Consolidação das Leis do Trabalho.

Como a faixa etária prevalente na AIDS é de 20-44 anos e seu desenvolvimento ocorre por um período de mais ou menos 10 anos, entende-se que, a transmissão ocorreu a 10 anos contados desta faixa etária, ou seja, no início do período de puberdade dos adolescentes advindo daí a preocupação com os mesmos. Logo, com esse dito amadurecimento precoce de todos os aspectos de sua vida, o início sexual e sem orientações e uso de drogas endovenosas são riscos que podem acometê-los.

Em situações de risco, a realização do teste deve ser avaliada. A situação é muito delicada, pois muitas vezes, os pais desconhecem estes fatos. Entretanto, sem dúvida os benefícios dos testes voluntários sem adolescentes são importantes. O artigo 103 do Código de Ética Médica diz que o médico não deve revelar segredo referente à menor de idade, inclusive a pais e responsáveis legais (pessoas físicas e jurídicas), desde que o menor pode se avaliar e conduzir seu tratamento, com avaliação de toda uma equipe multidisciplinar. Na maioria das situações é complexa a manutenção do sigilo aos responsáveis. Estudar cada caso e fazer prevalecer o bom senso.

5.5 Na Manutenção de Soropositivos em Instituições de Ensino

Em consonância com a Portaria Interministerial (Saúde e Educação) n° 796 de 29.05.1992, não se realiza a testagem admissional ou periódica de alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino. E as escolas não podem recusar portadores de HIV.

Não há obrigatoriedade de informar o teste do aluno ou funcionário, à direção do estabelecimento. Em circunstâncias especiais como deficiente higiene pessoal, distúrbios de comportamento, os pais e médicos devem prestar assistência diferenciada, com apoio, evitando sempre a discriminação. Recomenda-se projetos educativos nas escolas, mostrando mecanismos de transmissão e prevenção da infecção pelo HIV.

5.6 Na entrada e Saída de Soropositivos do País

A testagem não é recomendada, pois esta não é medida que possa impedir a introdução e propagação da infecção no país. Ainda que o indivíduo seja soropositivo, isto não significa que o mesmo vai disseminar o vírus no país para onde deseja viajar; se o teste de ­HIV for negativo, pode não significar que o mesmo não tenha o HIV; se realmente à pessoa não está infectada, não há como afirmar que não vá se tornar soropositiva no local em que estiver, portanto, não há fundamento para a exigência desta testagem.

5.7 Quando Quebrar o Sigilo

Deve-se entender que existem situações em que poderá haver quebra de sigilo. Após a mudança do comportamento paternalista da relação médico-paciente, deve-se avaliar bem o que se considera como saúde para o indivíduo e para a sociedade.

Ninguém pode colocar em risco a saúde de outrem, portanto não se admite que se mantenha a cadeia de transmissão do HIV: Não se constitui em crime quando existe a necessidade de defesa de interesse contrário que seja mais relevante. Ocorre quando o indivíduo não comunica a seu parceiro ou parceira de relações sexuais, ou de uso de drogas endovenosas, ao mesmo tempo em que evidencia desinformação.

A respeito disto, é importante para mostrar ao mundo, que o indivíduo com o HIV pode levar sua vida normalmente, bastando para isto, ter condições físicas adequadas, seguir as orientações medicamentosas e não ultrapassar os limites de sua saúde, que não o incapacita, apenas o fragiliza.

5.8 Na Convivência nos Esportes e em Práticas Sociais

Não há risco de transmissão do HIV em práticas desportivas se não houver lesões cutâneas, não havendo, portanto, justificativa de exigência do teste antes de qualquer prática de esportes. Ainda havendo lesões, o risco é pequeno. As organizações desportivas podem oferecer educação sobre o assunto. Não devendo então dismicrinar e nem fazer nenhum tipo de diferenciação entre os SOROPOSITIVOS e os não infectados. Como dissemos, o HIV fragiliza a saúde do indivíduo, não o incapacita para nada.

5.9 Na Previdência Social

A Previdência Social é um sistema que visa compensar, no todo ou em parte, a capacidade de ganho, quando reduzida ou anulada por fatores como idade, incapacidade ou desemprego involuntário, tempo de serviço, encargos familiares e de morte, e atender, na medida do possível, às necessidades de assistência médica do trabalhador e de seus dependentes". (Manual do Médico Perito do INSS).

Este conceito envolve todas as atividades de uma Previdência Social totalmente abrangente. No âmbito do INSS, onde são avaliados os segurados da Previdência Social, ou nas juntas Médicas Oficiais, que avaliam os funcionários públicos a concessão dos benefícios, por doença ou por acidente, tem por fulcro a presença ou não de incapacidade laborativa. Portanto, não basta a presença da doença ou acidente. É preciso que haja incapacidade laborativa.

Mesmo que durante todo nosso trabalho, tenhamos afirmado e ratificado que não existe nenhum tipo de diferenciação ou incapacidade dos SOROPOSITIVOS para o trabalho, de maneira geral, quando estes estão na chamada, fase terminal, e se encontram incapazes de prover o seu sustento e dos seus, a Previdência garante o auxílio doença e a aposentadoria desse indivíduo, de forma a contemplá-lo para que não se perca seu direito de sustento digno, é uma forma de ajudar aquele que está acomedido.

5.10 - A Importância da Ética e do Direito para a AIDS

Entre tantos problemas de saúde pública que se tem conhecimento, a AIDS trouxe envolvimento de toda a sociedade, pois até o momento, não existe vacina efetiva contra o HIV, tornando todos os outros indivíduos suscetíveis à doença com graves implicações clínicas, sociais e psicológicas. Para um melhor conhecimento dos problemas ocorridos, é preciso crer que, se não houver uma posição firme de prevenção, com brevidade, se terá conhecimento de um amigo, um parente ou o próprio autor, poder ser infectado com o HIV trazendo com isso o surgimento de implicações éticas na vida dos possíveis infectados.

É necessário que a população se mantenha atualizada sobre a doença, por intermédio de meios de comunicação e dos profissionais de saúde, para um melhor entendimento do que acontece com quem está infectado, e que busque diminuir a difícil convivência Homem-HIV com apoio e doando o melhor de si. O infectado tem o dever moral explícito de informar a equipe multidisciplinar sobre seus parceiros possivelmente infectados. Estima-­se que 11-39% dos parceiros sexuais ou grupos que compartilham a mesma agulha e seringa tenham o HIV.

Com a vigilância, consegue-se detectar mulheres em período fértil, contribuindo para prevenção primária e secundária, casos em que mesmo a mãe estando infectada, a saúde do nascituro não será abalada, graças aos métodos que hoje existem e drogas potentes que impedem a transmissão do vírus. O próprio paciente deve expor sua condição, porém se o mesmo se negar, torna-se vital a revelação, para preservar o bem estar social e a saúde de outras pessoas.

Se for caracterizado que o soropositivo tem o objetivo de transmitir moléstia grave com ato capaz de ocorrer o contágio, fica incluso no artigo 131 do Código Penal, com pena de 1-4 anos de prisão. Outras situações de quebra de sigilo ocorrem na notificação dos casos de AIDS à Secretaria de Saúde local, na Declaração de óbito a toda a equipe que atende o paciente, devido à atenção e os cuidados ao cujus prestado e para que a mesmo, saia das listas do Ministério da Saúde e da Previdência, órgão hoje responsável pelo pagamento dos auxílios aos infectados.

 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como o exposto neste trabalho, a AIDS, tanto em suas causas como em suas cruéis conseqüên­cias, coloca-nos diante da complexidade e da transversalidade do te­cido social, demandando respostas teóricas e práticas, que consi­derem o respeito à diversidade humana um princípio básico, principalmente em um contexto local e global no qual tal diversi­dade é traduzida em desigualdade e exclusão.

O parâmetro ético dos Direitos Humanos remete-se a Valores básicos como igualda­de, respeito, cooperação e paz, em contraposição aos de desigual­dade, preconceito, discriminação e competição, favorecendo o desenvol­vimento de ações participativas, interdisciplinares e dialógicas capazes de propiciar novas formas, mais democráticas e solidárias, de percepção e interação social.

A base constitutiva da política de Direitos Humanos é de abordar de forma simultânea, a humanidade em suas dimensões do individual e do universal como sujeitos de direito, do local e do global como espaços de ação. Assim sendo, o diálogo in­tercultural, dentro de uma perspectiva culturalista. Torna-se o motor da concepção dos "Direitos Humanos". O objetivo é empreender a universalização dos Direitos, enfatizando a igual­dade como um valor a ser alcançado, mas a partir da percepção e do respeito às diferenças, e, principalmente, desigualdade existentes.

Hoje, com a mudança do perfil epidemiológico, impõem-se novos e difíceis desafios. Surge a questão: diante dos fenômenos de paupe­rização, feminilização, juvenescimento e interiorização da ex­pansão da contaminação pelo HIV, haverá mobilização política suficiente para manter as garantias conquistadas em nível de políticas públicas?

Ou ainda, as populações já historicamente discriminadas e vulneráveis, com baixo capital escolar e poder aquisitivo, ainda mais vulneráveis com o advento da AIDS, e que nunca foram alvo privilegiado de políticas governamentais, conseguirão se posicionar com a força e a visibilidade neces­sárias para lidar com a assimétrica correlação de forças exis­tentes?

Por fim, será que os Direitos e garantias já conquistados, garantem a real e imaculada igualdade, pela qual preza os Princípios Constitucionais que regem nossa sociedade vigente?São esses os desafios colocados e que devem ser superados, através não só desses exemplos citados, mas na busca da autonomia e da verdadeira inserção de mais esta minoria na sociedade, para que ela se torne realmente o uma coisa única, mesmo que composta.

 


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Autor: Aquiles Mauriz


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