Ilha das flores segundo a teoria do valor de Marx



Os homens se diferenciam dos demais seres vivos por possuírem um telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, que permite o movimento de pinça. A conjugação dos esforços do telencéfalo e do polegar opositor permite que o homem trabalhe, modificando matérias- primas ? sejam essas provindas diretamente da natureza ou de algum trabalho anterior- para produção de mercadorias que satisfaçam suas necessidades.
O senhor Suzuki, que possui o telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor e que é um produtor de tomates, não o faz com intuito de consumo próprio, mas de trocá-los no mercado por dinheiro. Mercadorias, segundo a Teoria do Valor, são objetos que tem em comum entre si a conjugação dos esforços humanos, o que é chamado de trabalho abstrato (por abstrair suas características). Tem uma utilidade ? chamada de valor uso, sem a qual não faria sentido estar no mercado, mas que é abstraída quando a mercadoria vai ser vendida- e um valor que se expressa pelo valor de troca, a quantidade pela qual se troca uma mercadoria por outra, do que se subentende que só é mercadoria o que está disponível no mercado.
O preço da mercadoria, segundo Marx, se dá pelo tempo socialmente necessário para sua produção. A quantidade a ser trocada é determinada por uma comparação entre o tempo de trabalho necessário para a produção das mercadorias que se deseja trocar, o que acontece no mercado.
Como o senhor Suzuki não tem dinheiro suficiente para abrir seu próprio negócio, ele vende a única coisa que possui: sua força de trabalho. O preço da mercadoria força de trabalho chama-se salário e se dá pelo tempo socialmente necessário para a produção de um trabalhador, ou seja, o tempo necessário para que ele tenha o suficiente para sobreviver.
O senhor Suzuki trabalha cerca de 12h por dia, sendo que gasta apenas uma parte desse tempo para ganhar seu salário. O restante, chamado de mais-trabalho, fica para o dono da lavoura. É o que Marx chama de mais-valia, que se expressa através do lucro consequente do trabalho produtivo, aquele que gera mais-valor. A mais-valia pode ser absoluta, ocorrendo pelo aumento da jornada de trabalho ou relativa, quando há uma diminuição do tempo necessário para a produção do trabalhador e aumento do tempo trabalhado para o capitalista através de um desenvolvimento tecnológico.
A partir do século XIII a. C. qualquer ação ou objeto produzido pelos seres humanos fruto da conjugação de esforços humanos, assim como todas as coisas vivas ou não vivas sobre a terra (tomates, galinhas e baleias), pode ser trocada por dinheiro. O lucro, que já foi proibido aos católicos, hoje é livre para todos os seres humanos.
Sendo um empregado, o senhor Suzuki não fica com aquilo que produz. Está, portanto, alienado do fruto de seu trabalho. Caso queira consumir tomates, precisará ir ao supermercado ? criado para facilitar a troca- e trocar uma parte de seu dinheiro por tomates, tal como Dona Anete, que é um bípede, mamífero, católico, apostólico, romano, que possui telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor. Vive da venda de perfumes que compra em uma fábrica e que troca por uma quantidade um pouco maior de dinheiro com suas clientes, garantindo seu lucro, que é bem menor do que o da fábrica que produz perfumes. Com o lucro, Dona Anete compra tomates que usará para fazer molho para o porco que servirá de almoço para sua família.
Antigamente, as trocas costumavam ocorrer de forma direta, mas as dificuldades para avaliar a quantidade equivalente de galinhas e baleias, por exemplo, levaram à utilização do ouro que servia de referência para todas as mercadorias, não sendo, portanto, observado por suas características próprias, o que permite a criação do dinheiro, que simboliza a intercambialidade das mercadorias.
As mercadorias aparentam ter valor em si mesmas, todavia, seu valor encontra-se nas relações sociais dadas pelo trabalho que não aparecem no momento da troca.Em consequência, ocorre uma personificação das coisas e uma coisificação das pessoas: é o que Marx chama de fetichismo da mercadoria. O dinheiro é o exemplo máximo dessa ocorrência, o fetiche por excelência: parece ter valor próprio, mas não passa de um pedaço de papel.
Dos tomates que Dona Anete comprou para o molho, um ela julgou inadequado para este fim e o colocou no lixo. Lixo é tudo o que não pode virar molho, que possui aroma e aspecto desagradável e que atrai doença. O lixo é recolhido por um caminhão que o leva a um lugar em que é livre para sujar, cheirar mal e atrair doenças, que em Porto Alegre é chamado de Ilha das Flores, onde há poucas flores e muito lixo, entre ele o tomate de Dona Anete. Há também porcos, que tem um dono ? um ser humano, telencéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e dinheiro.
O dono do porco trocou uma pequena parte de seu dinheiro por um terreno na Ilha das Flores. Terreno é um pedaço de terra cercado para que os porcos não saiam e outros seres humanos não entrem. O capitalismo surge pela acumulação primitiva de capital que ocorre pela expropriação de terrenos da produção familiar, corporativa, artesanal, camponesa, etc., separando o produtor dos meios de produção e obrigando-o a vender sua força de trabalho para o capitalista.
O dono dos porcos e do terreno, um capitalista, possui alguns empregados que selecionam materiais de origem orgânica ?tudo o que já esteve vivo um dia, como tomates e provas de história- que julgam adequados para alimentação dos porcos.
O que foi considerado impróprio para a alimentação dos porcos será utilizado na alimentação de mulheres e crianças ? seres humanos em grande quantidade com telencéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e que não tem dinheiro nem dono. Contam com a benevolência do dono do terreno que as deixa entrar em grupos de 10, por 5 minutos para pegarem para si aquilo que foi desprezado por pessoas como Dona Anete e os empregados do dono do porco. Estão expostos a doenças, mau cheiro e a contaminações como por césio e outros metais. O que as coloca depois dos porcos na prioridade da escolha de alimentos é o fato de não terem dinheiro nem dono.
O ser humano se diferencia dos demais seres vivos por possuir telencéfalo altamente desenvolvido, polegar opositor e por ser livre. Livre para ser dono de porcos e terrenos ou vender sua força de trabalho em troca do que se acredita socialmente necessário para sua sobrevivência. Ou ainda, para tornar-se mais um dos habitantes de Ilha das Flores, que não tem nem dono e nem dinheiro.

Autor: Amanda Noronha Fernandes


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