É Duro Lidar Com Carrapicho - Uma Analogia Com A Gestão Familiar Dos Negócios
Quem mora em sítios ou fazendas ou mesmo chácaras, sabe a dureza que é lidar com carrapicho, quando gruda nas pernas das calças compridas, seja o jeans ou outro tecido... Um dia o Nelson entrou de férias na escola, lá pelos 15 anos e seus pais permitiram que fosse passar uns dias no sitío da vovó “Nestina”...Ernestina Junqueira, lado pobre de uma linhagem de grandes fazendeiros brasileiros....Tinha um sítio na boca da serra, onde já viúva, cuidava com os dois filhos solteiros, de alguns animais, uma pequena roça e ía tocando a vida...fazia uns queijinhos que aos sábados um dos filhos levava para vender na cidade...e na volta trazia açúcar e outros mantimentos......plantavam o básico, um pouco de milho para os porcos e galinhas.....cana para as vacas.....feijão para o sustento....um pequena horta com as verduras na beira do brejo....Como era hábito das pessoas que moravam nos sítios antigamente, ao redor da casa, tinha um quintal de árvores frutíferas, goiabeira, banana, mangueira, laranja, mexerica......Vovó Nestina adorava receber visitas, tinha sempre o cafezinho quente no fogão de lenha.... uns doces caseiros para encantar o paladar das visitas....fazia uns biscoitinhos de polvilho maravilhosos....seu frango com quiabo era divino...sem baba....o bolinho de chuva....
”Ô Nerso, se ocê vai entrá no mato, cuidado com os carrapicho”.....Quando a avó do meu amigo Nelson disse isso para ele, numa visita que fez ao seu sítio, ele, menino criado na cidade, cujo contato maior com o campo eram as exposições de animais em parques, não levou a sério...saiu comentando baixinho...”Vovó, é cheia de manias....a gente vai sair, ela logo vai dizendo “ô menino, leva o guarda-chuva ou uma sombrinha que vai chover”.....”bota uma blusa que tá esfriando, pode resfriar”....”não come demais esse doce de leite, que vai passar mal”....
E lá foi o “Nerso”, pesquisar o sítio da avó, lá na boca da serra.....e com companhia, porque um dos cachorros da avó, o “Bicudo”, um vira-lata “p.o.”(puro de origem), já saiu latindo e abanando o rabo, se convidando e foi junto com ele.....ficou o dia inteiro batendo perna, entrou na roça de milho e ficou maravilhado com os pendões floridos....foi ver de perto o canavial caseiro, algumas touceiras perto da cerca...apertou as canas...”como tem a casca dura”!, exclamou consigo mesmo...e tão doces.. pensou no caldo, na garapa que já tinha provado na cidade.....foi olhar de perto o pasto onde os animais pastavam....dois cavalos e algumas vacas...”ainda vou montar num deles”...pensou alto, olhando um dos cavalos.....viu as vacas, mas ficou com medo de se aproximar...tinha uma chifruda, com cara de poucos amigos....”melhor não pôr na reta”, esse bicho pode me pegar....pensou consigo mesmo “....foi ao chiqueiro ver os porquinhos que tinham nascido...”caramba, estão de olhinho fechado e mamam como desesperados”...haja teta para tantos mamando....foi no galinheiro ver as galinhas, foi aquela agitação, galinha correndo para todos os lados, có-có-cocóricó..có...aquele escândalo...”pôxa, que bicho assustado”...aí víu que tinha surgido uma pequena cobra cega no cantinho da cerca e uma galinha tinha dado uma bicada e saiu correndo com ela no bico...e logo uma cinco corriam atrás da primeira, tentando beliscar a cobrinha....”caramba ! elas comem de tudo, até cobra”....e pensar que o “frango assado com farofa lá da padaria perto de casa é tão gostoso”....e assim foi voltando para perto da casa, passando pelo pomar, onde viu o pé de manga, todo florido....as laranjas e mexericas ainda verdes....”que pena, ainda estão verdes”...um cacho de banana maduro e os passarinhos beliscando...”olha só, que sabidos, eles pegam somente as maduras”...
Ao chegar, foi ao encontro da avó, para comentar as coisas que tinha visto.....Vovó, mas o milho está muito bonito, cheio de pendões, já dá para fazer pamonha ? ...Ainda não, meu querido !...só daqui uns meses...ocê vai ter que vortá de novo !....Caramba, fiquei abismado com os porquinhos, quantas tetas tem uma porca ? Dá leite suficiente para tantos ?..... É verdade, Nerso, às vezes nascem porquinhos demais e os mais fortes não deixam os mais fracos mamarem e eles morrem.... Pôxa Vovó, não tem jeito de salvar eles ?... Sabe Nerso, se a vovó tivesse tempo de dar mamadeira para os porquinhos mais fracos, mas temos que cuidar do principal, que é o sítio, a horta, galinhas, vacas, porcos, limpar a casa....às vezes temos que optar entre “o essencial para sobreviver” e deixar que a natureza faça a sua parte.....
Puxa Vovó, essa galinhas são muito nojentas, comem até cobra !.... É, “Nerso”, mas quando a vovó fizer a galinhada ou o franguinho com quiabo, ocê vai comer até estufá”...quer apostar ? ....Sabe, “Nerso”, a galinha tem uma moela, uma coisa dentro dela, que mói tudo, comem até caco de vidro,tudo que cai no terreiro, elas bicam...é um bicho maravilhoso, transforma “porcaria em coisa boa”...já experimentou um franguinho assado com farofa temperada” ? ...coisa tão boa, “Nerso”, que o povo da cidade costuma comer aos domingos, com macarrão, almoço de família.... Ocê vai gostá muito, vou fazer domingo !.....
Agora, a vovó vai te ensinar uma coisa para o resto da vida....ocê senta alí naquele banquinho na área e vai tirá os carrapicho das perna das carça, que tá uma coisa horrível...vai pegando um por um e joga na lata de lixo, que isso não pode fixar sorto no chão ou vai grudar nos cachorro......E pega o “Bicudo” e tira os que grudô nele também...o coitadinho deve estar cheio....não foi seu companheiro de passeio...agora ocê vai ajudar ele a tirar os carrapicho !........E lá foi o “Nerso” para sua primeira aventura com os carrapichos....aí...uí....aí...uí....era ele ao espetar os dedos nos espinhos....Vó “Nestina” olhava de longe e sorria....”esse menino vai aprender muito hoje”....murmurou ela ao olhar para o neto.........aí...uí...aí....e lá ía o “Nerso” arrancando os carrapichos das pernas das calças, que tinha ficado empesteadas....
Vó Nestina! Esse negócio é terrível ! gruda nos dedos, vai furando, machucando.....nunca mais entro no mato de novo !...aí...uí.....pôxa e ainda vou ter que tirar do “Bicudo”, que estava alí perto dele, só olhando e abanando o rabo....todo feliz com o passeio e a nova amizade....e cheio de carrapichos nos pelos...
Sua avó largou a colher de pau, já que o doce de leite que fazia chegara ao ponto e começou a conversar com ele, que continuava sofrendo com os carrapichos que tirava........Sabe “Nerso”, alguns prazeres exigem um sacrifício...não foi lindo olhar a roça de milho...tem o tempo certo para colher...tudo tem o tempo certo....os porquinhos de zóinho fechado mamando na porca.....se der uma cria muito grande, alguns ficarão sem teta para mamar...as coisas são assim, se a família for muito grande, não vai caber todo mundo dentro da mesma casa......as galinhas no galinheiro, tão escandalosas....algumas pessoas são assim na vida....fazem muito alarde por nada...tem que ter calma que as coisa certa acontece......as vacas, pastando sossegadas...em paz...essa paz reflete no leite bão, no queijo que a vovó faz para vender na cidade....e poder comprar açúcar e outros mantimentos....sem paz ninguém vive bem....e a gente tem que produzir sempre alguma coisa para poder ter outras que não produzimos....as canas ?...ocê viu que são tão duras e o caldo é tão doce...algumas coisas nas vida são assim, são duras de conseguir, dá trabalho, mas são doces.... tudo que é fácil demais perde a graça, a gente tem que lutar muito aqui no sítio para sobreviver com o que temos e gostar disso assim como é...não adianta nóis querer ter o céu, muito mais do que precisamos para viver bem....já temos a terra, um bem divino, aí a gente cuida bem para não perder...tem que cuidar bem do que é seu para ter sempre....o patrimônio a gente tem que manter.....ocê viu que temos um pomar com muitas frutas, uma horta....o sítio é pequeno, mas nós plantô tudo que podia, não pode passar farta das coisas porque não investiu....é preciso plantar para colher...quem não planta não colhe !.....o “Bicudo” foi com ocê passear...agora ajuda ele...amigos fazem isso, se diverte junto e depois se ajuda....é assim a vida.....na família também, um ajuda o outro e todos vão para frente....tem família que é cada um por si, ninguém ajuda ninguém, aí não dá certo.....e continuou a desfilar seu rosário de ensinamentos....e o “Nerso” até parou de tirar carrapichos e ficou olhando e ouvindo sua avó, com olhos maravilhados e ouvidos atentos....
Sabe, “Nerso”, as coisas boas da vida exigem alguns sacrifícios....tirar carrapichos faz parte da dor para se ter bons momentos....entendeu ?.....
É Vovó Nestina !....entendi...e nunca mais vou esquecer na vida.....e até hoje o “Nerso” lembra com saudades a conversa com sua avó e nunca mais esqueceu dela...nem dos carrapichos....
Autor: João Mariano de Almeida
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