Crítica do filme Nome de Família



Ashoke é estudante da cidade de Calcutá. Durante uma viagem de trem, lê um livro que ganhara de seu avô, Capote, de Nikolai Gogol, quando é interrompido por um senhor que deseja conversar. O senhor lhe pergunta se ele já saiu para ver o mundo e ele diz que os livros lhe bastam para isso, mas o homem não se convence e tenta coagi-lo a viajar para outros países com a promessa de que ele não se arrependerá, mas o que ele deseja naquele momento é voltar para sua leitura. No entanto, um acidente ocorre e ele só é resgatado porque, em meio ao caos, os homens que faziam buscas enxergaram as páginas do livro se movimentando em suas mãos. Depois disso, Ashoke resolve mudar-se para os EUA.
Ashoke é levado pela família à casa de uma moça, Ashima, com quem pretendem arranjar-lhe casamento. As famílias conversam enquanto ela se arruma e quando ela resolve entrar no cômodo onde se encontram, se depara com os sapatos do possível noivo a porta, nos quais se lê "fabricado nos EUA". Ela resolve, então, provar os sapatos e andar um pouco com eles e gosta muito. Entra finalmente na sala e conhece o rapaz, aceitando casar-se com ele e ir para a América, onde ele já tem vivido por dois anos.
A adaptação na América é difícil para Ashima, todavia permanece ali com seu marido e vai se acostumando aos poucos. Passa por um período de crise quando tem seu primeiro filho, pois não quer criá-lo num país estranho, longe da família.
Ashima dá à luz um menino e aguarda pela chegada de uma carta de sua avó com o nome que ela gostaria que a criança tivesse. Todavia, ela e seu marido são abordados por um homem que lhes diz que é necessário escolher o nome da criança para a certidão de nascimento antes que ele saia do hospital. Eles desejam colocar um nome provisório até que decidam o nome, o que é comum em seu país, mas o homem lhes diz que não os aconselharia a tentar mudar o nome da criança porque na América é difícil e caro. Eles optam por Gogol, mas tem intenção de mudar-lhe o nome quando fosse decidido.
Quando Gogol atinge idade escolar, os pais resolvem matriculá-lo como Nikhil, mas, a pedido dele, a diretora manda um bilhete para a mãe dizendo que vai chamá-lo de Gogol. Ela fica um pouco desapontada porque na América sua vontade como mãe não é respeitada, mas aceita o desejo do menino, que mais tarde viria a se arrepender dessa escolha.
A relação de Gogol e sua irmã, Sonia, com os pais é bastante atribulada. Ambos nasceram e cresceram no EUA e tudo que desejam é apenas serem cidadãos norte-americanos, o que é de difícil compreensão para a mãe especialmente.
Numa visita de pessoas da comunidade indiana, Gogol conhece uma menina que parece feia e sem graça para ele. Conversa com algumas mulheres e uma delas diz para ele para se divertir ao máximo, mas casar-se com uma bengali. Ela vê que ele tem os olhos vermelhos, resultado de algum tempo fumando maconha, mas para ela aquilo significa que alguém está com inveja dele.
Gogol se forma na escola e o pai dá a ele um livro do autor que deu origem a seu nome, mas ele não se importa. Ele pensa que seu nome foi dado em homenagem ao autor favorito do pai. Este pensa em contar-lhe a real história sobre seu nome, mas percebe que ele não quer ouvi-la, então deixa para outra ocasião.
A família faz uma viagem para a Índia, o que não interessa muito aos filhos, mas há um momento em que eles ficam muito empolgados: quando os pais resolvem levá-los para conhecer o Taj Mahal, uma das 7 Maravilhas do Mundo. É observando esse monumento que Gogol resolve que quer ser arquiteto. Quando voltam da viagem, Gogol resolve mudar seu nome para Nikhil porque acredita que seu nome não ficaria bem em um currículo ou cartão de crédito.
Gogol sai de casa para estudar e afasta-se da família, tornando-se Nick- apelido muito comum no país. Por insistência da mãe, vai visitá-los um dia com sua namorada, que os deixa bastante chocados por seus atos. Nessa ocasião o pai conversa com o filho e lhe conta o evento do trem e que o nome dado a ele significa a transformação que ocorreu em sua vida a partir daquele acontecimento.
Ashoke vai viajar por 6 meses e deixa Ashima sozinha. Nessa viagem sofre um ataque do coração e falece. Para Ashima, a viagem de Ashoke foi para que ela aprendesse a viver sozinha.
Gogol vai até o apartamento em que o pai estava vivendo e ali repete o ato da mãe de calçar os sapatos de Ashoke, o que representa um marco na vida do rapaz: o momento em que ele assume sua identidade indiana deixada para trás.
Em meio aos ritos fúnebres, Maxine, a namorada de Gogol, deseja fazer parte da família dele como ele faz parte da dela, diz que quer ir com ele pra Índia para lançar as cinzas do pai sobre o Ganges, mas ele diz que ela não é família e acabam terminando.
O tempo passa e a mãe de Gogol lhe pede que convide Moshi, a menina sem graça e feia que ele conhecera quando mais novo para sair. Ele não gosta da ideia, mas acaba concordando e para sua surpresa ela está irreconhecível. Acabam se apaixonando e se casam nos moldes indianos, mas a moça não aceita receber o sobrenome dele porque perderia sua identidade como escritora.
Sonia vai se casar e a mãe resolve voltar para a Índia para não ficar sozinha. Moshi pergunta a ela se ela não se importa que o noivo de sua filha não seja indiano e ela diz que os tempos mudaram.
Certo dia Gogol e sua esposa conversam com amigos dela sobre nomes e ela conta a eles que ele mudou de nome. Ele não gosta, eles começam a brigar e ela acaba se envolvendo com um ex-namorado. Ele descobre e pergunta a ela a razão disso ter acontecido e ela lhe responde que o fato de ambos serem bengalis talvez não fosse suficiente. Decepcionado, ele diz a ela que não a amava por isso e segue caminho para a casa de sua mãe, para sua festa de Natal e também de despedida.
Gogol está triste e olhando algumas coisas da mãe encontra o livro que ganhara de seu pai. A mãe pergunta o que ele tinha em mãos e quando ele lhe conta ela diz que não existe acaso, o próprio pai o ajudara a encontrar. Ashima faz um discurso no qual afirma que sentirá falta do país onde aprendeu a conhecer e amar seu marido, de seus filhos e daquelas pessoas que ali se encontravam, membros da comunidade indiana que haviam se tornado também sua família. Ashima queria ser livre como seu próprio nome dizia.
O conceito de família é bastante valorizado pelos indianos. É possível ver o respeito aos mais velhos a partir de atitudes como tocar os pés dos anciãos em respeito aos caminhos que já trilharam e a consideração que Ashima tem com a avó quando permite que escolha o nome do filho. É interessante notar também que o conceito de família que Ashima usa no final do filme, assim como o que usa Maxine quando diz que Gogol é parte de sua família, ultrapassa os laços consanguíneos e de casamento.
O evento que leva Ashoke aos EUA não pode ser analisado, segundo a teoria de Barth, na direção da intenção, pois foi um acidente de causa desconhecida, mas pode ser analisado no sentido da interpretação para o acidente, uma vez que todo o desenrolar do filme é consequência do ocorrido: Ashoke repensa sua maneira de agir e viver e isso o leva a decidir que deve sair para ver o mundo, como lhe aconselhara aquele senhor do trem.
A interpretação dos fatos pelos indianos está permeada de misticismo. Isso ocorre várias vezes ao longo do filme, por exemplo quando Ashima acredita que seu marido partiu em viagem antes de morrer para que ela aprendesse a viver sozinha, quando, no final do filme, o filho encontra o livro que o pai lhe dera e ela diz que foi ele, o pai, quem o ajudou a encontrar e quando uma indiana diz para Gogol que seus olhos vermelhos são causados por mau olhado.
A adaptação da família de Ashoke nos EUA é complexa para cada membro a sua maneira. Isso acontece porque os comportamentos sociais são interpretados, construídos por cada um e isso acontece de forma atrelada a redes sociais em que os indivíduos se inserem. Ashima sofre choques culturais quando chega e ao longo de sua estadia no país, pois nada daquilo fazia parte da cultura de onde provinha. Já os filhos eram americanos de nascimento, mas não se encaixavam por completo naquela cultura por serem filhos de imigrantes, o que é notável ao longo de todo o filme através das crises de Gogol por causa de seu nome e sua recusa em assumir sua origem indiana.
Quando Max, namorada de Gogol, vai conhecer os pais do rapaz e depois, com a morte de Ashoke, a moça é confrontada por noções não existentes em sua cultura e sabe que não pode se tornar uma bengali, assim como quando um antropólogo deseja entender e viver a vida que estuda no trabalho de campo e confronta-se com conceitos que não entende e sabe que, acima de tudo, não poderá jamais ser parte daquela sociedade.
Há dois momentos cruciais no filme que consistem no calçar dos sapatos de Ashoke por Ashima e por Gogol. Tal gesto significa, nos dois momentos, colocar-se no lugar daquela pessoa, interpretar seus atos, conhecê-la a partir disso. As situações são momentos marcantes porque representam mudanças nas trajetórias de ambos: Ashima aceita o pedido de casamento e muda-se para os EUA com o marido, onde constrói sua família e Gogol resgata sua origem indiana.
A questão do nome é bastante expressa ao longo de todo filme. Há o confronto entre o conceito de nomear na cultura indiana como algo significativo, de certa forma herdado, pois é escolhido por uma pessoa mais velha da família, que muitas vezes é dado quando a criança já está com alguns anos e o conceito ocidental de nome como identidade do indivíduo de direito, que pode tomar decisões, inclusive mudar seu nome original se desejar, como no caso de Gogol que opta por este nome da infância e depois decide tornar-se Nick, bem como sua esposa que não quer perder seu reconhecimento como escritora.
Como vários eventos do filme, o casamento de Gogol também é permeado de valores interculturais. Namorou uma ocidental, que não agradava sua família, mas casou-se de acordo com os moldes indianos. Apesar de casar-se com uma bengali, não foi um casamento arranjado pela família- pelo contrário, como um indivíduo de direito do ocidente, ele escolheu casar-se com ela, mas se identificavam nesse aspecto da etnia que agora era importante para Gogol. Sua esposa vivia nos EUA desde pequena e vivera também na França e isso a tornara muito diferente do conceito indiano de esposa submissa. Acabam se separando e Moshi deixa claro que para ela a tradição que os unia talvez não fosse suficiente para mantê-los assim, mas o que ela não entendeu foi que ele se casara com ela porque a amava e não para cumprir um rito.
Há diversas situações, algumas mais notáveis outras menos, que tratam do confronto de valores pelo qual passa a família Ganguli. Faz-se, por isso, necessária uma descrição um tanto minuciosa do filme neste trabalho para que se evidenciem as diversas ocasiões em que ocorrem. Ao tratar destes conflitos, é preciso lembrar que o filme foi baseado no livro de um autor indiano e dirigido por Mira Nair, também indiana, mas que estudou e construiu sua carreira nos EUA e que a experiência deles também está representada de alguma forma no filme.
Concluindo, o filme trata de condições que não são exclusivas da família Ganguli ou quem quer que seja e por isso talvez até se possa dizer que as personagens são alegóricas, representando os diversos indivíduos que migram e vivem o processo de estranhamento do outro. O intercâmbio cultural é inevitável e cada um recebe essa permuta a sua maneira e é a partir da interpretação dos atos nas pessoas que surge a experiência individual. Como afirmou Barth, "pessoas em posições diferentes podem acumular experiências particulares e lançar mão de diferentes esquemas de interpretação, ou seja, podem viver juntas, mas em mundos diferentemente construídos". Ao que parece, é este o tema fundamental do filme: a relação entre a interpretação e a formação da experiência e esta sim é, sem dúvida exclusiva de cada ser social.
Referências Bibliográficas:
BARTH, Fredrik, Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades, em O Guru, o Iniciador e Outras Variações Antropológicas, trad. J. C. Comeford, Rio de Janeiro: Contracapa, 2000.
MARCEL, Mauss, Uma categoria do Espírito Humano: A noção de pessoa, a de "Eu", in Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia, São Paulo: Cosac e Naify, 2003.
PRITCHARD, E. E., Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande, trad. Eduardo V. Castro, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

Autor: Amanda Noronha Fernandes


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