Diálogos sobre nação e nacionalismo latino americano



Em relação a primeira onda de surgimento das nações européias, Anderson evidencia que suas origens estão interligadas com uma combinação da convergência do capitalismo com a tecnologia da imprensa sobre a fatal diversidade da linguagem humana, criando possibilidades de uma nova forma de comunidade imaginada, além de montar um cenário para a nação moderna. Ele destaca, doravante, que a formação concreta do Estado Nacional não guardou relações isomórficas com o campo de abrangência das línguas, devendo-se considerar as descontinuidades e a inter relação entre línguas impressas com consciência e Estado Nacional, que estavam inseridas no conjunto de novas entidades políticas do hemisfério e Europa Ocidental, a partir do final do século XVIII.

A dificuldade de aplicação do raciocínio teórico de Anderson, para o caso latino americano, correspondeu, sobretudo, no fato da língua não ser colocada como questão para o Brasil, EUA e o restante das ex colônias européias do continente americano, pois ela não foi um elemento que os diferenciasse das metrópoles, uma vez que os Estados crioulos foram constituídos por pessoas da mesma língua dos adversários a serem combatidos. Sendo assim, o autor irá perguntar-se porque as comunidades crioulas desenvolveram concepções precoces sobre sua condição nacional ou quais foram os motivos geradores de crioulos que redefiniram as populações oprimidas, como integrantes da mesma nacionalidade e as metrópoles como inimigas estrangeiras.

Segundo Benedict Anderson, as novas repúblicas sul americanas eram unidades administrativas, desde o século XVI até o XVIII, e a imensidão do Império Hispano americano mais a variedade de solos e climas, combinadas com dificuldades de comunicação, acarretou em um caráter auto suficiente dessas unidades. Percebe-se que a lógica da política comercial de Madri criou unidades administrativas que foram capazes de se transformar em zonas econômicas distintas. (ANDERSON, p 91) Essa política comercial baseava-se, também, na idéia que

(...) qualquer concorrência com a metrópole estava vedada aos americanos, e mesmo as partes individuais do continente não podiam comerciar entre si. Mercadorias americanas partindo de uma ponta da América a outra tinham de seguir o circuito passando por portos espanhóis, e a navegação espanhola tinha o monopólio no comércio com as colônias. (LYNCH apud ANDERSON, 2008, p . 91)

Mesmo com a evidente agressividade de Madri e, por paralelo, um crescimento do espírito do liberalismo, não bastava, segundo Anderson, para explicar o porquê de entidades com o Chile, a Venezuela e o México se mostrarem emocionalmente plausíveis e politicamente viáveis. Por isso, ele afirma que para entendermos o processo que gerou as unidades administrativas se tornarem "terras pátrias", deve-se considerar o modo de criação de significados na mentalidade dos americanos (ANDERSON, p. 92).
Anderson constata que dos vices reis, entre 1770 a 1813, apenas quatro deles foram crioulos, sendo, portanto, quase inédito eles atingirem uma posição importante no funcionalismo da Espanha, tendo em vista que os movimentos laterais e a ascensão vertical dos crioulos eram restritos e, por muitas vezes, barradas em relação aos funcionários espanhóis.

Em contra ponto com a dos peninsulares, a peregrinação crioula era limitada, pois estava associada à fatalidade dos americanos terem nascido naquele lado do Atlântico e não do outro, ou seja, o nascimento nas Américas destinava-os à subordinação. Assim, "...nascido nas Américas, ele não podia ser um verdadeiro espanhol; ergo, nascido na Espanha, o peninsular não podia ser um verdadeiro americano". (ANDERSON, p. 98)

Para compreendermos a complexa posição social representada pelos crioulos, verificamos o excerto abaixo:

Se os indígenas podiam ser derrotados por armas e doenças, e controlados pelos mistérios do cristianismo e por uma cultura totalmente estranha (além de uma organização política avançada para época), o mesmo não valia para os crioulos, que dividiam com os metropolitanos praticamente a mesma relação com armas, doenças, cristianismo e cultura européia. Em outras palavras, em princípio eles dispunham dos meios políticos, culturais e militares para se fazerem valer. Constituíam ao mesmo tempo uma comunidade colonial e uma classe superior. Deviam ser economicamente submetidos e explorados, mas também eram essenciais para a estabilidade do Império. (ANDERSON, p. 98)


Esse raciocínio, que mostra inúmeras contradições das estruturas sociais da época, é crucial para entendermos as formas dos desdobramentos que ocorreram após as lutas de independência, sendo desencadeadas pelos próprios crioulos. Então, essas consolidações nacionais, que tem seu início ao longo do século XIX, possuem seus resquícios nas relações estruturais do antigo passado colonial.

Anderson tentou nos evidenciar que as bases socioeconômicas de resistência anti metropolitana, no período de 1760 a 1830, demonstraram que os interesses econômicos têm sua importância, visto que o liberalismo e o iluminismo, por exemplo, trouxeram um novo arsenal de críticas da ideologia do imperialismo do Antigo Regime. No entanto, para o autor, esses fatores não criaram o tipo ou a forma de comunidade imaginada a ser protegida contra as depredações desses regimes. Para tanto, ele considera como o papel histórico decisivo a atuação dos funcionários peregrinos e os jornais locais crioulos que, desde os fins do século XVIII, foram capazes de criar elementos de comunidades imaginadas.

Com intuito de enriquecer a abordagem de Anderson, apresentarei alguns autores que acrescentaram fatos históricos que são fundamentais para a tentativa de compreender essa problemática. Elementos como a crise da monarquia e a dissolução do Império Espanhol, não podem se descartados na tentativa de compreensão do processo da formação dos novos Estados Nacionais.

Analisando os escritos de Joseph Perez, verificamos que através das Reformas Bourbônicas, houve uma tentativa da Metrópole espanhola em transformar os antigos vice reinados em colônias ultramarinas. Com princípios colbertistas e mercantilistas, a Coroa visava terminar com certa autonomia das regiões hispânicas que vinha se efetivando desde o século XVI (PEREZ, p. 15). Essas reformas de âmbito político, econômico e universitário, irão causar descontentamentos com algumas classes sociais. Para exemplificar essa afirmação, Frank evidencia um antagonismo de interesses entre a Coroa espanhola e os crioulos, ou seja, enquanto esses últimos aspiravam à ampliação de seus mercados, pagarem menos impostos e autonomia econômica, a Metrópole visava o domínio do aparato estatal, isto é, o controle do Estanco, da Alfândega, do Exército e das Rendas Fiscais (FRANK, 51).

Segundo Hapirin Donghi, esses conflitos não devem ser exagerados a ponto de pensarmos logo em ruptura da colônia com a metrópole, mas eles nos mostram alguns dos antecedentes do processo da crise da monarquia e do sistema colonial. O autor nos recorda que ano de 1795 é fundamental para entendermos o ponto de partida da desagregação da monarquia, uma vez que, nessa época, ocorre à aliança da Coroa Espanhola com a França, desencadeando uma mentalidade, até mesmo dos mais fiéis ao rei, que a anexação da Espanha ao avanço Napoleônico, corresponderia a um processo quase irreversível (DONGHI, p. 120). Dessa forma, nos cinco primeiros anos do século XIX, nota-se uma verdadeira crise econômica nas colônias, refletindo no isolamento e inferioridade naval, logo, algumas camadas sociais identificarão o vínculo colonial como uma desvantagem.

O avanço Napoleônico possibilitou uma abdicação forçada do Rei Fernando VII, sendo substituído por José Bonaparte, irmão mais velho de Napoleão Bonaparte, implicando na formação de juntas provinciais que eliminariam os cabildos que foram substituídos por assembléias legislativas. Sendo assim, João Paulo Pimenta afirmará que o impedimento do monarca ao poder, a criação das Juntas e o descontentamento de classes sociais possibilitaram as guerras de independência que surgiram a partir de 1810 (PIMENTA, p. 18). Além disso, para Xavier Guerra, houve um não reconhecimento das novas autoridades e a criação de novos espaços de proliferação de poderes soberanos, acarretando, então, em uma guerra externa; contra a Coroa, e interna; contra americanos leais a "mãe pátria"(GUERRA, p.72).

Entendemos, portanto, a formação das Juntas provinciais com uma origem revolucionária, visto que envoca-se uma autoridade nacional, mesmo que ela não signifique, imediatamente, a independência, tendo em vista que essas autoridades, em sua maioria, eram peninsulares que aguardavam a volta do rei.

É por esse contexto histórico, portanto, que se desencadearão os movimentos de independência a partir de 1810. Sendo de extrema importância frisar que cada local e região do grande território da América Latina, possuirão suas intrínsecas especificidades. Deste ano, até por volta de 1815, ocorrera uma verdadeira guerra civil que só sofrerá interferências de tropas espanholas no período da restauração, quando Fernando VII voltar ao poder encontrando a metade meridional do Rio da Prata em mãos de revolucionários. Entretanto, a Espanha possuía vários problemas internos que não foram possíveis alcançar sucesso na tentativa de tornar os laços coloniais como nos velhos tempos, uma vez que esses laços, já vinham sofrendo redefinições, pelo menos desde o final do século XVIII.

Em 1825, entramos no fim das guerras de independência, na qual deixaram várias heranças. Acreditava-se que a guerra trouxesse a ordem, no entanto, a ordem tardava a chegar. Nessa época, de uma maneira geral, encontramos maiores gastos que arrecadação, uma militarização social, uma ascensão dos produtores rurais e a decadência do velho setor mercantil portenho, gerando um novo setor comercial com influência dos ingleses, que desde 1810, com a abertura dos portos, já começavam inserir-se na economia hispânica.

Sendo assim, tentei mostrar os pontos que acredito serem cruciais para compreendermos a crise da monarquia espanhola e a dissolução gradual do sistema colonial, afim de se encaminhar as discussões das organizações dos estados nacionais para enriquecer o debate iniciado, nesse ensaio, por Benedict Anderson.
Ernest Gellner nos aponta que

Em suma, o problema do nacionalismo não se coloca quando não existe Estado, mas isto não significa que o problema do nacionalismo surja em todo e qualquer Estado. Pelo contrário, surge apenas em alguns. Resta saber quais os Estados que são, realmente, confrontados com esse problema. (GELLNER, p. 17)

Assim, constatamos que no caso da América Latina houve condições históricas específicas para o surgimento de nação e nacionalismo , resta sabermos como se deu sua legitimação.

O autor Xavier Guerra nos aponta uma variedade de grupos que se constituem a América Latina e a dificuldade de pensarmos qual identidade coletiva tiveram maior significado e se ela bastou para ocasionar a independência das colônias (GUERRA, p.85). Seguindo essas constatações, ele levantará uma oportuna questão: Quais comunidades políticas os novos Estados se formarão?

Essas dificuldades de pensar em como ocorreram o processo das formações dos Estados Nacionais latino americanos, são frutos das próprias formas que ele ocorreram. Nesse caso de problematização, se constata que independência e nação não andaram de mão dadas, umas vez que nação e nacionalismo se deram pós as guerras de independência.
Chiamaronte afirma que os fracassos das autoridades de 1810, que se dividiram em centralismo, federalismo e confederalismo, alimentou, ainda mais, um espírito localista que formou a existência de, pelo menos, 14 províncias autônomas (CHIAMARONTE, p. 46). Por isso, as uniões provinciais que darão origem aos novos Estados, correspondem a um longo processo que cria compromissos e possibilidades para a consolidação dessas uniões.

Guerra nos evidencia, outrossim, essas questões de autonomia provinciais quando afirma que povos soberanos vêm antes dos Estados, uma vez que as cidades desenvolveram formas de sociabilidades, memórias compartilhadas e se auto governaram. Dessa forma, para esse autor, a formação dos Estados nacionais está interligada, numa primeira fase, em pactos entre os povos e, numa segunda fase, por uma união forçada pelos exércitos libertadores.

Por fim, João Paulo Pimenta nos levantará questões sobre até que ponto podemos entender, essas complexas formações de Estado Nação, por uma lógica não só de rupturas, mas também de continuidades das formas de organizações antigas, ou seja, como identificar uma anterioridade da colônia daquilo que só surgiu superando-a ou como pensar os novos paradigmas políticos vindo dos antigos espaços de poder (PIMENTA, p.52). Então, para o autor, o Estado surge das alterações de direção do Antigo Regime, então, essas novas direções trazem como conseqüência a idéia de um território contínuo e de soberania impessoal, ao invés de um território descontínuo de patrimônio do monarca.

Neste ensaio pretendi lançar algumas realidades históricas que tinham por objetivo enriquecer as argumentações de Benedict Anderson ou evidenciar outros fatores fundamentais para a problemática da formação do Estado Nação latino americano. Por possuir uma visão de viés antropológico com concepções mais abstratas e pessoais, para o caso da América Latina, senti ser necessário verificar, brevemente, a forma como outros autores estudaram esse período. Entretanto, essa afirmação não descarta os argumentos de Anderson que mostrou os caminhos iniciais na tentativa de percorrermos por essas questões.





REFERÊNCIAS

ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Editora Schwarcz, 2009.

PEREZ, Joseph. El reformismo Borubonico y la emancipacion de Hispanoamérica. Ediciones del Cabildo de Gran Canária: Lãs Palmas de Gran Canária, 1998.

FRANK, A . G . Economia Política del Subdesarrollo em América Latina. Buenos Aires: Ediciones Signos, 1970.

DONGHI, Halpirin. História da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.

CHIARAMONTE, José Carlos. La formación de los Estados Nacionales em Iberoamérica. Boletín n°15 del Instituto de História Argentina e Americana Dr Emilio Ravignani. 1° Semestre de 1997.

PIMENTA, João Paulo G. Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec, 2002.

GUERRA, François Xavier. A nação na América espanhola: a questão das origens. Revista Maracanan. Ano 1, n° 1, 1999/2000.

Autor: Ricardo Taraciuk


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