Ao pé da letra: Contato linguístico na poética de Adoniran Barbosa
prefiro falar peguemo do que pegamos, prefiro
falar nós fumo , do que fomos, prefiro falar!
é mais gostoso falar errado, mais pitoresco
... agora, precisa saber falar errado, se não souber
falar errado,é melhor não falar errado..."1
A voz que lamenta, singularmente timbrada e acentuada, condena o personagem Adoniran Barbosa, na ocasião de sua morte em 1982 foram muitas as defini«ões sobre sua carreira e a rela«ão com a cidade de São Paulo, porém nenhuma foi assim precisa:
"...é uma dessas perdas que esvaziam São Paulo..."2
Eu preferiria dizer que esvazia os Paulistanos3, já que a cidade continua com seu ritmo, que João Rubinato em arte Adoniran Barbosa viu, sentiu e transformou em arte, fazendo uso da cultura, do ambiente e sobretudo das palavras que estavam ao seu redor. Assim, São Paulo aos poucos ia se impondo como cidade a ser desmembrada em todos os seus aspectos.
De acordo com Raquel Rolnik:
"...em seu processo de transforma«ão, a cidade tanto pode ser registro como agente histórico. Nesse sentido, destaca-se a no«ão de territorialidade, identificando o espa«o em conformidade com experiências individuais e coletivas, em que a rua, a pra«a, a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembran«as, experiências e memórias. Lugares que , além de sua existência material, são codficados num sistema de representa«ão que deve ser focalizado pelo pesquisador, num trabalho de investigacão sobre múltiplos processos de territorializa«ão, desterritorializa«ão e reterritorializa«ão..."4
Enquanto, Ulpiano Menezes em artigo publicado em 1985 na revista brasileira de história, diz:
"...a cidade passou a ser objeto de pesquisa, aparecendo como constru«ão problemática de algo a ser decifrado pelo historiador que se depara com a multiplicidade de histórias e memórias sobre a cidade. Entre encantos e desencantos, continuidades e rupturas, enre retas e desalinhos, enfrentando tramas, questionando-se sobre qual cidade?, a cidade dos antepassados?, a dos heróis e/ou vilões?, dos donos do poder, de ontem e de hoje? Ou, dependendo da fonte de informa«ão: a cidade dos eruditos e dos historiadores?, dos urbanistas/planejadores/tecnocratas?, dos habitantes?, dos homens de rua e daquele que com suas mãos a constrói? ..."5
A cidade de São Paulo tem profundas marcas em sua cronologia, que inicia em 1554 com a funda«ão do vilarejo, transforma-se na capital brasileira do café em 1870, e recebe o título de metrópole industrial em 1920 e por fim a megalópole do ano 2000.
Em 1870 iniciou-se um grande fluxo de imigra«ão em dire«ão à capital paulista, que chegava para suprir a demanda de mão de obra na cultura cafeeira, os trilhos da Santos-Jundiaí (1863), impulsionaram o crescimento de São Paulo, além de conectar o interior com o porto exportador, traziam centenas de produtos vindos do exterior, estimulando assim a econômia local, de 1940 à 1950 já consolidada como metrópole a cidade cresceu 66,9%, enquanto no mesmo período a cidade de Nova York crescia 9,45%6.
Em 1955 São Paulo tinha uma popula«ão de 2,2 mil sendo, 500 mil Mineiros, 400 mil nordestinos ( 190 mil baianos, 63 mil pernambucanos, 57 mil alagoanos e 30 mil Cearenses )7 essa massa imigrante representava quase metade da popula«ão, enquanto a outra metade era formada por imigrantes, em sua grande maioria Italianos, ex-escravos, indígenas e caipiras do interior do estado.
Em 1882 uma catástrofe natural iria mudar para sempre a cidade de São Paulo, as consecutivas inunda«ões do rio Adige na região do Vêneto, o segundo maior rio da Itália, somadas ao desastre econômico causado pela unifica«ão do país em 1870, fizeram com que centenas e milhares de Italianos partissem em busca de dias melhores, dire«ão: Brasil.
Obrigados a deixar a terra natal os Italianos desembarcavam no porto de Santos para substituir a mão de obra escrava, uma vez que então, à aboli«ão era certeza entre os senhores do café, a grande crise econômica na Europa estava gerando assim milhares de trabalhadores para a indústria do café paulista.
Criou-se em 1886 em conjunto com o governo Italiano a sociedade promotora da imigra«ão (SPI) que buscava principalmente no Vêneto seus trabalhadores, por sua vez, o governo Italiano preocupado com os camponeses e os operários à beira da revolu«ão, embarcava centenas e centenas de compatriotas para uma longa viagem rumo à America Latina, solucionando assim o seu "problema". Criou-se uma verdadeira rede de tráfico humano, com promessas falsas, comissões por "cabe«as enviadas" e falsa propaganda que estamparam até mesmo caixas de fósforo para iludir e estimular os Italianos a deixarem a pátria.
Nos anos de 1870 à 1879 no estado de São Paulo, desembarcaram apenas 3481 Italianos de um total de 11330 imigrantes, na década sucessiva com a rede de tráfico e a SPI em plena atividade, desembarcaram em Santos 144654 Italianos sobre um total de 183505 imigrantes8.
Com os Rubinatos, que habitavam exatamente às margens do rio Adige não foi diferente, e em 1895 desembarcavam no porto de Santos para mudarem para sempre a história da cidade de São Paulo, composta então por nativos indígenas, migrantes, caipiras, imigrantes europeus e negros, também vítimas do tráfico humano praticado pelos Portugueses nos sombrios anos da escravidão. Importante ressaltar que os ex-escravos sentiam a heran«a da escravatura e logo após a liberta«ão foram abandonados à própria sorte, ocupando posi«ões consideradas "pesadas" no mercado de trabalho, vivendo em corti«os e malocas, a cidade entrava assim em um processo de muta«ão jamais interrompido. Essa massa formada por operários despossuídos com baixa renda formaram, na pantonosa zona lesta da capital paulista, bairrros como Mooca e Brás, convivendo com a miséria, desemprego e analfabetismo.
Os negros concentraram-se principalmente no já fundado bairro do Bixiga e na recente Mooca que outrora fora refúgio de escravos rebelados (quilombolas), já que era uma região de mata serrada de difícil ascesso, os Italianos concentraram-se principalmente no Brás, ponto de desembraque do trens que chegavam de Santos, o restante da popula«ão espalhava-se pelos quatro cantos da cidade.
Cenário perfeito para que o fenômeno do contato de línguas ocorra, de acordo com Silva Neto,
" ...a interferência linguística é um dos apectos da acultura«ão, isto é, dos fatos que decorrem do contato dos homens que possuem culturas ( e portanto línguas) diferentes... " 9 .
Nas palavras de Couto (2007), pesquisador e professor na Universidade de Brasília (UnB), na realidade,
"...o que entra em contato diretamente são povos (P) ou membros deles, levando as próprias línguas (L)... 10".
Ainda de acordo com COUTO, (2007) quando um membro de uma comunidade-território (T), entra em contato com outro membro de outra comunidade, podemos dizer que passa a existir o contato de línguas, já que a língua não vive fora do indivíduo que a fala.
O que entra em contato não são as línguas, mas sim o seu falante, trazendo consigo sua cultura, esse fenômeno estudado pelo autor (COUTO, 2007 ) sob o signo de ecologia do contato de línguas , onde língua (L), povo (P), território (T), interagem para a forma«ão do fenômeno, e P+L são os elementos que fazem o contato acontecer.
Modelo de comunidade
L
P T
Fonte: COUTO, 2002, p.90
onde P+L são os elementos que fazem o contato acontecer.
Diferentes resultados podem emergir desse cenário, grandes comunidades de imigrantes aloglotas ( falantes adultos que se vêem obrigados a aprender um segunda língua por ocasião de deslocamento territorial), tendem à forma«ão de pequenas ilhas linguísticas dentro do novo território, assim como os migrantes Brasileiros, que chegaram na cidade no mesmo período, criando assim ilhas culturais, com diferenças dialetais significativas culturalmente, mas não comunicativamente. No caso dos escravos, que chegaram junto com os Portugueses colonizadores, portanto muito antes do Europeus imigrantes, a formacão de ilhas culturais e linguísticas emergiram juntamente com a chegada no território brasileiro. Há, inclusive, relatos de línguas francas ou mesmo pidgins nos navios negreiros, a liberdade de divulgação dessa cultura e a sua aceitação e conhecimento para nação não-negra se deu depois da escravatura, uma vez que sofriam resistência por parte de seus senhores de maiores manifestações culturais africanas. Um dos motivos era político,pois poderia representar o reconhecimento libertário do povo, a união. As ilhas culturais come«aram a interagir com o restante da sociedade e viram surgir, a partir dos anos 1930 o movimento do Estado Novo que procurou criar uma "autêntica" cultura Brasileira, tirando dos porões da mariginalidade a cultura mesti«a que trazia em sua maior representa«ão a feijoada e o samba, ambos passaram a ser símbolo do país novo que estava nascendo, o primeiro virou prato Nacional, enquanto as escolas de samba passaram a ser subvencionadas a partir de 1935; e em 1937, por decreto lei, foram obrigadas a escolher temas da história oficial do Brasil, nascia o samba-enredo (Kraushe, 1983)11
Em geral o grupo hóspede sofre repressão política e cultural do grupo hospedeiro, como resultado, as ilhas culturais e linguísticas ganham mais for«a com a chegada de novos membros.
Um fato curioso ocorria no bairro do Brás nos anos 1930/40, impacientes com o grande número de relacionamentos amorosos entre Italianos e Brasileiras, Nacionalistas Brasileiros saiam às ruas para protestar gritando o slogan:
Carcamano, pé de chumbo,
Calcanhar de frigideira.
Quem te deu atrevimento
De casar com brasileira?12
Roberto Moura em 1º de Setembro de 1974, em sua coluna, "música popular" no jornal, Diário de Notícias Cariocas, faz uma cita«ão sobre o resultado desse contato linguístico presente na obra de Adoniran Barbosa:
"...sua maneira de elaborar as frases, tudo em Adoniran remete diretamente para a linguagem mesti«a dos imigrantes italianos, japoneses e portugueses e dos nativos que absorviam como podiam as novas formas de linguagem. Nesse sentido, Adoniran é um compositor essencialmente paulista..." 13.
José Ramos Tinhorão, colaborador do jornal do Brasil explicou o personagem Adoniran Barbosa com essas palavras:
"...as letras de samba de Adoniran Barbosa são escritas num jargão praticamente exclusivo de negros e mesti«os paulistanos democraticamente identificados com descendentes de antigos imigrantes italianos..." .
Da própria fala de Adoniran destaca-se a entrevista concedida ao programa Trama "TV CULTURA"em 1972, onde ele diz:
"?eu sempre gostei di samba, eu sô sambista nato! ?gócio di samba não foi fáci pra m?tra como compositô foi difícir p?que ninguém quiria nada cás minhas letras, cás minhas letras, qui falavam di, nós vai, nós qué, nós fumus, nós peguemos, ?gora picisa sabê falá erradu, si nu subé falá erradu é milhió num falá erradu é milhio ficá queto, ganha mais sabe? P?que...mai num é italiano não, também criôlo fala erradu assim, eu tenh?amigo criôlo, no bixiga, no bixiga é uma beleza, cêis num sabe, o Bixiga a ra«a Italiana e criôlo, vivem junto há muitos anos, então cê vê, cê vê, criôlo falá, falá, falá cantado, falá iguálu Brás, falá cantado, igualzinho fossi filhu di daquela di Italiano, qué dizê, é um tro«o gostoso..." 14.
Filho de imigrantes Italianos, João Rubinato em Arte Adoniran Barbosa nasce em Valinhos no interior do Estado de São Paulo no ano de 1910. Depois de uma passagem por Santo André ? S.P, muda-se em 1935 para a Capital Paulista iniciando sua carreira artística como ator de rádio, na cidade que era o símbolo do processo de moderniza«ão do Brasil, com seus devidos desdobramentos culturais e sócio econômicos.
Os horários nas rádios paulistanas aos poucos foram preenchendo a carreira do artísta que em 1938 ganhou grande proje«ão apresentando o programa Só... Riso , dirigido por Octávio Gabus Mendes, seguiram em 1939 o programa Brincando no ar (educadora PRA-6), em 1940 na rádio Cosmos foi apresentador do carnaval ao lado de Blota Júnior.
Em 1941 aceitou convite de Octávio Gabus Mendes para atuar como comediante nos programas da Record, onde conheceu o jornalista Oswaldo Moles, então o maior nome da rádio Paulistana.
Foi Moles quem pecebeu toda a genialidade de Adoniran e quem criou diversos personagens interpretados por ele, persongens como, Zé Conversa, Charutinho, Giuseppe Pernafina,esse último com forte sotaque Italiano:
"...estou aqui no ponto desde cinco della matina, e ainda num virei a chave e tenho uma dor no amolar esquerdo, que não sei se abstraio ele ou se fa«o uma anistisia geral....por isso te digo que vai mar..."15
Vários outros personagens fizeram de Adoniran figura diariamente presente na rádio paulistana, mais tarde o rádio-ator viria a tornar-se ator com várias participa«ões no cinema e mais tarde na televisão, onde atuou até o fim de sua carreira pouco antes de sua morte.
Adoniran usou toda a experiência adquirida nas ruas, usando principalmente o resultado do contato de línguas, para dar vida aos seus personagens,
"...e foi sendo ator, intermediário entre rua e rádio, criando e inspirando tipos radiôfonicos, imprimindo às ondas sonoras as falas e as intona«ões de certos bairros caracteísticos da cidade. Por esse caminho foi cultivando to um modo de falar e sentir, fundamento de linguagem de sambista. Ser ator acabou se revelnado um componente de ser músico. Adoniran não aprendeu simplesmente com o rádio, mas com o encontro que ele mesmo promoveu entre o rádio e o cotidiano de sua grande ?aldeia?..."16.
Adoniran era dono de inúmeras vozes, que carregavam sotaques, timbres, pronúncias, erros de concordância dos Italianos e dos caipiras e tantas outras nuances que o contato de línguas pode criar.
Ligado à música desde o início de sua carreira, Adoniran foi autor de numerosos sambas que fizeram a história da cidade de São Paulo em suas letras carregadas de regionalismo, poética, lirísmo e humor, crioiu um rico acervo para o samba paulistano.
Foi na cria«ão de sambas como "Saudosa maloca" que Adoniran cantou e contou a cidade.
Se o sinhô não tá lembrado
Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Este adifício arto
Era uma casa véia
Um palacete abandonado
Foi aquí, seu moço, que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímo nossa maloca
Mas, um dia, nóis nem pode se alembrá
Veio os home co'as ferramenta
O dono mandô derrubá
Peguemo tudo nossas coisa
E fomo pro meio da rua
Apreciá a demolição
Que tristeza que nóis sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração
Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei
Os home tá co'a razão
Nóis arranja outro lugá
Só se conformemo
Quando o Joca falou
deus dá o frio conforme o cobertô
E hoje nóis pega as páia
Nas grama do jardim
E pra isquecê nóis cantemo assim
Saudosa maloca, maloca querida
Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vida
Saudosa maloca, maloca querida
Dim dim donde nóis passemo os dias feliz de nossas vida
(Saudosa maloca, Adoniran Barbosa, 1955)
Os personagens do prédio demolido são os mesmos que não faziam parte da "cidade do progresso e do trabalho" e eram esses os protagonistas da vida de Adoniran. Nada restou aos despejados, a não ser a grama de um jardim, onde lamentavam a dor catarolando. Saudosa maloca é o avesso do ufanismo do então governo paulistano.
Ao analisar a obra de Adoniran, revela-se uma grande ironia em rela«ão à idéia de progresso nos anos 1950 e a exalta«ão à pátria dos anos 1930/1940.
O samba "Conselho de mulher" está entre um dos melhores exemplos:
Pogréssio, pogréssio.
Eu sempre iscuitei falar, que o pogréssio vem do trabaio.
Então amanhã cedo, nóis vai trabaiá.
Quanto tempo nóis perdeu na boemia.
Sambando noite e dia, cortando uma rama sem pará.
Agora iscuitando o conselho das mulhê.
Amanhã vou trabalhar, se deus quisé, mas deus não qué!
Pogréssio, pogréssio.
Eu sempre iscuitei falar, que o pogréssio vem do trabaio.
Então amanhã cedo, nóis vai trabaiá.
Quanto tempo nóis perdeu na boemia.
Sambando noite e dia, cortando uma rama sem pará.
Agora iscuitando o conselho das mulhê.
Amanhã vou trabalhar, se deus quisé, mas deus não qué!
(Conselho de mulher, Adoniran Barbosa, Oswaldo Moles e João B. Santos, 1953)
Adoniran enaltece a situacão vigente, enaltece o progresso, o trabalho e até a última frase parece resignado com a vida que leva em meio à tantas mudan«as, porém em sua última fala, a música sofre um brusco breque, e ele nos revela sua verdadeira inten«ão, o de renegar toda a situa«ão vigente em nome de Deus.
Em 1952 Adoniran criou uma das mais divertidas obras de seu repertório, e causou muitas discussões no meio "intelectual" pois a profusão de erros de gramática ocupava quase toda a letra.
O Arnesto nus convidou prum samba, ele mora no Brás
Nós fumos não encontremos ninguém
Nós vortemos cuma beita de uma reiva
Da outra vez nós num vai mais
Nós não semos tatu!
N?otro dia encontremo co?Arnesto
Que pediu descurpa mais nós não aceitemos
Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
Mas você devia ter ponhado um recado na porta
Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá
Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,
Assinado em cruz porque não sei escrever".
(Samba do Arnesto, Adoniran Barbosa, 1952)
Nesse samba podemos identificar a cidade que cresce, o Brás é apresentado como um local longínquo e possivelmente de difícil ascesso, o recado deixado na porta pelo anfitrião (Arnesto), revela erros cruciais na gramática, além de estar fortemente identificado com o modo Italiano de falar a língua Portuguesa.
Assim como a cidade, também crescia a violência e explorando a sua veia de cronista, Adoniran transformou a notícia de um atropelamento publicada em um jornal cotidiano, apropriou-se dos sentimentos nela contidos e compôs um dos sambas mais dramáticos de sua carreira.
Iracema, eu nunca mais eu te vi
Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dô porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao travessar essas ruas
Eu falava, mas você não me iscuitava não
Iracema você travessou contra mão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nossenhô
De lembrança guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato.
- Iracema, fartava vinte dias pro nosso casamento
Que nóis ia se casá
Você atravessou a rua São João
Veio um carro, te pega e te pincha no chão
Você foi para Assistência, Iracema
O chofé não teve curpa, Iracema
Paciência, Iracema, paciência!
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Senhor
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato
(Iracema, Adoniran Barbosa, 1956)
Iracema representava as vítimas do crescimento exasperado da cidade que não parava, era o analfabeto que não conseguia ler os sinais de trânsito (travessou contra mão), enquanto o seu noivo era o lamento dos despossuídos a narrativa tragicômica a evoca«ão ao divíno, o conformismo, a reden«ão ao crescimento. Todos elementos próximos aos tipos que Adoniran Barbosa conviveu e representou durante a sua carreira, tornando-se assim representante indiscutível do modo de ser paulistano. E quando certa vez o perguntaram quem era Adoniran Barbosa, respondeu:
"...sou filho de Italiano, sou filho de imigrante, gra«as a Deus, meu nome é João Rubinato..."17.
Referências:
1 ? BARBOSA, Adoniran. TV Cultura - Programa Mosaicos - A arte de Adoniran Barbosa, 2008. Disponível no sítio eletrônico: http://www.youtube.com/watch?v=pZMG7OkbCdo&feature=related, ascesso em 02.02.2010.
2 - Jornal da tarde, "Lamentos, morreu o Sr. João Rubinato", São Paulo, 24.11.1982, p.19.
3 ? Paulistano, nativo da cidade de São Paulo.
4 ? ROLNIK, Raquel. História urbana: história na cidade. In: Fernandes, Ana; GOMES, Marco Aurélio. Cidae e História: moderniza«ão das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salavador: F. De Arquitetura, 1992.
5 ? MENEZES, Upiano T. Bezerra de. O museu na cidade x a cidade no museu. In: Cultura e cidade, Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v.5, n.8/9, p.197-205, 1985.
6 ? O Cruzeiro 23.01.1954, revista Manchete 23.01.1954.
7 ? Cole«ão Nosso Século, vol.8 (ii), São Paulo, Abril Cultural, 1980, p.160.
8 ? Campos Junior, Celso de. Adoniran: uma biografia/São Paulo: Globo, 2004.
9 - Silva Neto, 1963:128, p.283 In: COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguística: estudo das rela«ões entre línguas e meio ambiente ? Brasília: Thesaurus, 2007. 462 p.
10 - COUTO, Hildo Honório do. Ecolinguística: estudo das rela«ões entre línguas e meio ambiente ? Brasília: Thesaurus, 2007. 462 p.
11 ? KRAUSCHE, Valter. Música Popular Brasileira: Da Cultura de Roda à Música de Massa. São Paulo, Brasiliense (cole«ão tudo é história), 1983.
12 ? Disponível no sítio eletrônico: www.guialeste.com.br/hist_bras.shtm, ascesso em 14.01.2010.
13 - MOURA, Roberto.Diário de Notícias Cariocas, "música popular" 1º de Setembro de 1974.
14 - BARBOSA, Adoniran. TV Cultura ? programa ensaio, 1972.
15 - Moura, Flávio; NIGRI, André. Adoniran, se o senhor não tá lembrado. São
Paulo: Paulinas, 2002.p.80.
16 - KRAUSCHE, Valter. Música Popular Brasileira: Da Cultura de Roda à Música de Massa. São Paulo, Brasiliense (cole«ão tudo é história), 1983.
17 - BARBOSA, Adoniran. TV Cultura - Programa Mosaicos - A arte de Adoniran Barbosa, 2008. Disponível no sítio eletrônico:
http://www.youtube.com/watch?v=-xZVhdTfkls , ascesso em 14.02.2010.
Autor: Marcelo Cafaldo
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