USO E ABUSO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADES ADMINISTRATIVAS



USO E ABUSO NAS AÇÕES DE IMPROIDADES ADMINISTRATIVAS





PAULO SERGIO CURTI


Advogado Militante na Área de Direito Público Municipal - Assessor, Diretor e Secretário dos Negócios Jurídicos da Prefeitura de Monte Alto/SP, Por três Mandatos Eletivos.



RESUMO = Este trabalho não tem a pretensão de ser uma obra acadêmica ou doutrinária, rebuscada com grandes e complexos temas de direitos sociais ou jurídicos. Trata-se, apenas, de uma tentativa de passar aos meus colegas advogados, minhas experiências nas lides forenses em defesa de Administrações Municipais e de Agentes Políticos que sofrem acusações de Improbidades Administrativas, muitas vezes sem nexo ou por meras e irrelevantes irregularidades. Também não tem o condão de desprestigiar o Ministério Público, gloriosa e necessária instituição na defesa da cidadania, da ordem jurídica e social,.dos direitos difusos e coletivos, da preservação do patrimônio público, do meio ambiente e do Estado Democrático de Direito, além de outras, atuando em todas as áreas de competência, pela maioria dos seus membros, com a responsabilidade dos seus cargos.. Contudo, alguns membros da Promotoria não agem de acordo com as normas institucionais e extrapolam as suas atribuições.


Palavra chave: Uso e Abuso nas Ações de Improbidades Administrativas.



INTRODUÇÃO: Os agentes públicos, mesmo os mais recatados e bem intencionados, na visão de "alguns" Promotores de Justiça, são tidos, sem exceções, como desonestos, ímprobos e corruptos, e vêm sofrendo, como acusados: Inquéritos Civis, Ações Civis Públicas de Improbidades Administrativas e Criminais de Responsabilidade, muitas vezes sem merecer, passando por vexames e condenações antecipadas pela imprensa e pela opinião pública, que denigrem as imagens dos agentes políticos, nas mais das vezes, sem conhecimento de causa, apenas por estarem respondendo por uma ação de improbidade, quase sempre inconsistente, sem indícios de materialidade ou autoria, ou mesmo da existência de dolo.

Os mais atingidos por esse tipo de ação, são os ex-agentes políticos que, com a revogação pelo STF da Súmula nº 394 do STF e da Declaração de Inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, que lhes asseguravam a prerrogativa de foro, passaram a serem alvos indiscriminados de vários Promotores de Justiça Estaduais e Federais, processados que são, por crime de responsabilidade ou improbidade administrativa, em Primeira Instância, mas, é notório que os Promotores de Justiça, em especial os Estaduais, mesmo tendo em mão denúncias de irregularidades ou de improbidades, aguardam o agente político deixar o cargo para, tornando-se competentes, promoverem a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa e, por vezes, também, a Ação Criminal de Responsabilidade (Decreto-Lei nº 201/67).

Inconseqüentemente, sequer atentam para o fato de que, nem toda irregularidade chega as raias da improbidade. Para que a conduta do agente político seja tipificada nas penas da LIA, é imprescindível a pratica de ato doloso, por ação ou omissão, e que cause lesão (prejuízo) ao erário público e a vantagem ilícita para si ou para outrem, ou seja, o enriquecimento ilícito. A simples conduta culposa, com prejuízo ao erário, é de se entender que o agente deve ser responsabilizado com o ressarcimento do prejuízo causado aos cofres públicos, mas sem a aplicação das penas contidas na LIA, até porque, não se pode conceber a existência de um ímprobo honesto.

Outro fato preocupante que o Parquet tem usado constantemente nas Ações Civis Públicas e Criminais, é a inclusão no pólo passivo, como réus, de servidores públicos, comissionados ou efetivos, que simplesmente cumprem com as suas atribuições, principalmente nas contratações por inexigibilidades e nas dispensas de licitações, nas compras de mercadorias, nas obras e nos serviços, processando até o advogado, cujo parecer é meramente opinativo, não vinculante.

O MP coloca todos na mesma fritadeira, sem distinção e sem observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, equiparando o servidor, que cumpriu com a sua função ao agente corrupto que levou a vantagem indevida. O que deveria o Parquet atinar é se o ato praticado pelo servidor foi o fator, ou um dos fatores, determinante à ensejar a concretização do ato ímprobo, caso o seu ato não tenha esta relevância, como ocorre na maioria dos casos, não tem porque incluí-los na Ação de Improbidade Administrativa, com as implicações constrangedoras e prejudiciais de responder por um processo desta natureza.

DEFESA CERCEADA

De início cumpre ressaltar, que cerceiam as defesas dos acusados já no Inquérito Civil, onde não lhes dão o direito do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, pois, muitas vezes, sequer são ouvidos ou notificados da sua existência.

O Inquérito Civil é um procedimento administrativo e, como qualquer outro da mesma natureza, deve observância ao princípio contido no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal, significando que não pode ser constituído e desenvolvido sem o conhecimento e a participação da pessoa que, eventualmente, possa vir a sofrer os efeitos da propositura de uma Ação Civil Pública.

O MP, assim agindo, afronta não só o preceito constitucional citado, como, também, o seu antecedente inciso LIV,, que regra a inafastabilidade do devido processo legal, do contraditório, ínsito a ampla defesa do agente ao qual se imputa o fato objeto da investigação prévia.


Ao Concluír o Inquérito Civil em procedimento, apenas inquisitivo, o MP propõe a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, pedindo liminarmente o bloqueio de bens e a citação dos réus, mas, quase nunca pedem a notificação para a apresentação da defesa prévia prevista no art. 17, § 7º, da LIA (providência que deve ser tomada pelo Juiz) gerando nulidade da Ação que, em Agravo de Instrumento, o TJ/SP, reiteradamente, tem dado provimento, anulando o processo, mas permitindo sejam convalidados os atos já praticados. Assim, suspende a medida liminar por ventura concedida e, retornando a origem, o juiz(a) determina a notificação preliminar para sanar a falha, no mesmo processo declarado nulo, sem qualquer aditamento para adequar a inicial.

No meu entender, esta convalidação dos atos já praticados, gera outra nulidade, até porque não existe ato processual meio nulo, se não se cumpriu com uma das formalidades legais para a validade do ato, este é nulo por inteiro. (mas isto só vale para os advogados, o Parquet não pode se dar ao trabalho de propor uma nova ação)

A notificação prévia para a defesa preliminar do réu, deve preceder o recebimento da inicial, sob pena de nulidade absoluta da ação de improbidade administrativa, por via de Ação Civil Pública, posto que faltante o pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo nos termos do artigo 267, IV, do CPC.

Sem a notificação prévia não se pode considerar validamente instaurado o processo, até porque, nulo é o processo que veicula ação de improbidade administrativa sem obediência ao devido processo legal, in casu, pela desobediência e sonegação da notificação prévia a que se refere o artigo 17, § 7º da Lei de Improbidade - "fruto da alteração introduzida pela Medida Provisória nº 2.225-45/2001 (ainda em vigor por força da Emenda Constitucional nº 32), que acrescentou ao art. 17, da Lei nº 8.429/1992, inúmeros parágrafos. De acordo com o rito imprimido pela citada MP, aplica-se às ações de improbidade administrativa uma fase de defesa prévia muito clara aos crimes praticados por funcionários públicos (arts. 513 a 518 do Código de Processo Penal). Por isso, ajuizada a ação e ofertada ao acusado a possibilidade de oferecer uma defesa preliminar ( § 7º ), o juiz pode, além do indeferimento da inicial pela inadequação da via eleita ou vícios formais (art. 283 c/c art. 295 do CPC), julgar a ação improcedente de plano (mérito), desde que convencido da inexistência do ato de improbidade pelos elementos trazidos aos autos (inclusive os de fato !). ( Thomson -IOB ? RDCPC nº 45 ? Jan/Fev/2007 ? Fernando da Fonseca Gajardoni ? Doutrina ? p.113)"

Neste sentido é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em inúmeros julgados, dos quais destacamos as seguintes ementas:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? Improbidade administrativa ? Notificação prévia para apresentação de defesa preliminar ? Necessidade ? Artigo 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92 ? Afronta ao princípio constitucional da ampla defesa e do devido processo legal ? Nulidade dos atos reconhecida ? Recurso provido para esse fim. ( Agravo de Instrumento n. 521.843.5/4-00 ? Mauá ? 1ª Câmara de Direito Público ? Relator: Franklin Nogueira ? 30.05.06 ? V.U. ? Voto n. 15.938)"

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? Improbidade administrativa ? Notificação prévia para a apresentação de defesa preliminar ? Necessidade ? Art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92 ? Medida Provisória n. 2.225 que o introduziu que veicula matéria processual e não foi reeditada nem convertida em lei ? Ausência de óbice do art. 62, § 1º, I. "b", da Constituição Federal e eficácia mantida, tudo em virtude do disposto no art. 2º da Emenda Constitucional n. 32/01 ? Notificação determinada ? Agravo de Instrumento improvido ( Agravo de Instrumento n. 431.246.5/9-00 ? Sorocaba ? 4ª Câmara de Direito Público ? Relator: Ricardo Feitosa ? 12.01.06 ? V.U. ? Voto n. 9.181 )"

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? requisitos ? Insurgência contra decisão proferida nos autos de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, na parte em que rejeitou três preliminares suscitadas em contestação, sustentando, o agravante, que o processo é nulo por ausência da garantia do contraditório preliminar (art. 17, § 7º, da Lei nº 8.429/92; b) a inicial é inepta ante a impossibilidade da declaração de nulidade do Contrato administrativo atacado e c) incompatibilidade lógica entre o fundamento de fato do pedido ? Circunstância em que, nas ações civis públicas, a necessidade de notificação prévia para a apresentação de defesa preliminar decorre dos termos expressos da norma supra citada, introduzidos, sucessivamente, pelas Medidas Provisórias nº 2.088 e nº 2.225 ? Recurso Provido em parte para anular o processo (Apelação nº 657.353-5 ? Orlândia ? 4ª Câmara de Direito Público ? Relator: Ricardo Feitosa ? 13.09.2007 ? V.U. ? Voto nº 10.420)" .
Entende-se, ainda, que a falta da Notificação Prévia, por ser ato processual obrigatório, implica na ausência de condição de procedibilidade, também considerada como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo ( art. 267, IV, do CPC).

Infere-se daí que, sendo nulo o processo, como declarou o TJ/SP, no Agravo de Instrumento que interpus nos autos do processo nº 232/2008 ? 2ª Vara Cível de Monte Alto/SP, por falta da Notificação, não pode vir a ser convalidado, aproveitando-se de atos já praticados, haja vista ser esta nulidade absoluta e insanável, pelo que deverá o Parquet, caso entenda viável, propor uma nova Ação, a ser distribuída para a formação de um novo processo.


A introdução do contraditório preliminar pela MP 2225-45, não constitui nenhum privilégio dos agentes públicos, trata-se,apenas, de uma forma de se proteger o agente íntegro, que age de acordo com o interesse público. Dificulta o uso da ação como forma de perseguição política, inibindo o trâmite de ações que tem como único objetivo prejudicar este ou aquele agente político.

A notificação determinada pelo § 7º, do art. 17, da LIA. Visa dar à parte requerida oportunidade de apresentar defesa preliminar, confrontando e impugnando os fatos apresentados na exordial. Destarte, a inicial somente poderá ser recebida pelo Juiz se apresentar indícios suficientes da prática de ato de improbidade administrativa e que subsistam mesmo após os argumentos apresentados na defesa preliminar, em uma cognição sumária, mas devidamente fundamentada..

AÇÕES PRESCRITAS

Outro inconveniente é a propositura de Ações Civis Públicas de Improbidades intempestivas, já prescritas, sem a observação do art. 23, I e II, da LIA, que determina o prazo de 05 (cinco) anos para a propositura da ação, sob pena de prescrição, assim dispondo:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.


Estando prescrita a ação de improbidade, o processo é nulo, sem solução de continuidade, mesmo sob a égide da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário ou em nome da economia processual, até porque, perde o Parquet a sua legitimidade para vindicar o ressarcimento ao Erário. Contudo, a maioria dos Juízes, determinam o seu prosseguimento pelo ressarcimento nos mesmos autos.

O § 2º do artigo 17 da LIA, estabelece que: "a Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público".

Assim, a legitimidade para propor a Ação de Ressarcimento ao Erário é da Fazenda Pública interessada e não o Ministério Público, que, no caso, tem, apenas, legitimação extraordinária por via de Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, mas, estando prescrita a referida Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, resta, apenas, como imprescritível, o ressarcimento ao Erário, cuja legitimidade e direito de ação, é da Fazenda Pública lesada, nos termos do artigo 37, § 5º, da Carta da República, que dispõe:


Art. 37 (...)
...

§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao Erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.


Ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos, in O Limite da Improbidade Administrativa, 3ª Ed. Rio de Janeiro, América Jurídica, 2006, p. 806, in verbis:


"Por outro lado, no caso das ações de ressarcimento ao Erário, consideradas pelo art. 37, § 5º da CF como imprescritíveis, não se pode deixar de observar que mesmo elas não se vinculando ao lapso do tempo, o Ministério Público, por possuir a legitimação extraordinária, terá a contagem de prazo para exercer o seu "munus" público nos cinco anos legais. Após o transcurso deste prazo, somente o ente público lesado é que terá a legitimidade ativa, em tese, para ingressar perante o Poder Judiciário, vindicando que retorne ao Erário o que lhe foi subtraído de maneira ilegal e imoral."


A Dra. Gina Copola, comentando esta citação doutrinária na Revista IOB de Direito Administrativo nº 48 ? Dezembro/2009, diz que:


"Denota-se, portanto, que as ações de ressarcimento ao Erário são imprescritíveis, porém isso ocorre quando a requerente é a Fazenda Pública, por possuir legitimidade ordinária, sendo que, no caso de o Ministério Público ser o autor da ação, que, repita-se, tem legitimação extraordinária, o prazo prescricional é o contido na Lei nº 8.429/1992, art. 23." ( 5 anos)

Na esteira desses entendimentos e estando prescrita a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, o Ministério Público não tem legitimidade para, pedir o ressarcimento ao Erário, por supostos prejuízos. A legitimidade da ação de ressarcimento é do Ente Público lesado.

A jurisprudência também é pacifica quanto a prescrição da Ação Civil Pública, conforme de transcreve:


O TJ/SP, por sua 12ª Câmara de Direito Público (Apelação Cível com Revisão n. 813.745.5), reconheceu a prescrição qüinqüenal de ação civil pública proposta pelo ministério público.

Na ação, o ministério público pretendia a declaração de nulidade de contrato de prestação de serviços de consultoria e assessoria técnica em informática, firmado com município paulista em 1992. O contrato havia sido formalizado de forma direta, sob fundamento de o objeto consistir em serviços técnicos e haver especialização do prestador do serviço de informática, conforme autorização do Decreto-lei n. 2.300/86, arts. 12 e 22, VIII. (Norma que regia as licitações anteriormente a Lei 8.666/93)

Os motivos da contratação foram reconhecidos em perícia, a qual também concluiu pela necessidade do serviço, constatando a utilidade e benefícios trazidos pela execução do contrato. Em vista disso, o juiz em primeira instância decidiu pelo improvimento da ação, resultado que foi confirmado pelo TJ/SP, porém com inovação de fundamento (declarando-se a prescrição).

Em seu voto, o Des. Evaristo dos Santos, relator do feito, reconheceu que "Afora a regularidade do procedimento realçado na r. sentença, houve efetiva prestação dos serviços pela contratada, que cumpriu suas obrigações até a rescisão do contrato."

Em conclusão, o relator acrescentou que, não tendo havido demonstração de prejuízo, não se poderia aplicar regra de imprescritibilidade com base na CF, art. 37, § 5º, a qual seria aplicável ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.") apenas em situação de ilegalidade e dano comprovado.

Para o sócio responsável pela defesa do ex-prefeito que firmou o contrato, "Ainda que não tenha afastado de plano a infundada tese de imprescritibilidade de ações de ressarcimento do erário pretensamente fundada na CF, art. 37, § 5º, o acórdão, justo em seu resultado, é relevante ainda por apontar restrição à imprescritibilidade: ela não pode ser reclamada pelo ministério público quando não evidenciados simultaneamente a ilegalidade e o efetivo prejuízo ao erário, e ambos requisitos são de ônus probatório de quem acusa, no caso, o próprio ministério público".

OS ADVOGADOS TIDOS COMO ÍMPROBOS

Virou praxe nas Ações propostas pelos Promotores de Justiça, contra agentes políticos, a inclusão, no pólo passivo, como réus, dos advogados que emitem pareceres jurídicos nas contratações licitadas, dispensadas ou inexigíveis.

O parecer do advogado, solicitado em atos administrativos, diga-se de passagem, é apenas opinativo, não vinculante. No caso de uma Ação Civil Pública, da qual me defendi, a contratação observou e preservou o interesse público, na medida em que é obrigação constitucional do Município cuidar da saúde da sua população, mormente dos mais carentes, procurando, sempre, melhorar o atendimento médico e hospitalar. Observando, ainda, que a contratação por inexigibilidade foi correta e legal, até porque inexistia a possibilidade de competição, como constou da requisição do órgão técnico competente, no caso a Secretaria de Saúde e, não cabe ao advogado parecista questioná-la, ou diligenciar sobre esta afirmação do órgão técnico requisitante, ou seja, emite o seu parecer mediante as informações constantes da documentação que lhe é apresentada.

O MP, afrontando a doutrina e a jurisprudência pacífica da Suprema Corte, tenta, temerariamente, responsabilizar o advogado juntamente com o ex-administrador público e outros, que, acatando parecer daquele, contratou por inexigibilidade de licitação, exames médicos necessários ao atendimento da população, mormente quando inviável a competição. Pior seria, deixar os doentes sem o atendimento médico necessário, apenas para cumprir o desejo do Parquet, em prejuízo do Interesse Público Indisponível.

O saudoso profº. Hely Lopes Meirelles, na sua obra clássica ? Direito Administrativo Brasileiro, pág. 189, destaca que:

"Pareceres administrativos são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusão, salvo se aprovado por ato subseqüente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer. Mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinária, negocial ou punitiva".

O que se depreende desse magistério é que não configura ato administrativo. Trata-se, a rigor, de mera manifestação contendo no seu bojo um singelo enunciado opinativo, até porque não dispõe de efeito vinculante junto à administração.

Este, também, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que instado a manifestar-se no MS ? 24.073-3 DF. Em 31.10.2003 (DJ) ? Rel. Ex-Ministro Carlos Velloso, sepultou de vez a controvérsia, onde o Tribunal Pleno da Corte decidiu pela inviabilidade da responsabilização solidária do advogado em concurso com o administrador público.

O Ilustre Relator, já aposentado, ao concluir pela rejeição da tese desfavorável aos advogados, citou outro dos maiores especialistas no assunto, o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello: "parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva...".

Da ementa do acórdão (MS ? 24.073-3) temos que:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. TOMADA DE CONTAS: ADVOGADO PROCURADOR: PARECER. C.F., art. 70, parág. único, art. 71, II, art. 133. Lei nº 8.906, de 1994, art. 2º, § 3º, art. 7º, art. 32, art. 34, IX.

I? Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, ? Curso de Direito Administrativo?, Malheiros Ed., 13ª ed., p. 377.

II-O advogado somente será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou omissão praticado com culpa, em sentido largo: Cód. Civil, art. 159; Lei 8.906/94, art. 12.

III -Mandado de Segurança deferido.

Assim, por ser o parecer do advogado mera manifestação, com caráter opinativo, não vinculante e, não se constituir em ato administrativo como se demonstra, o advogado É PARTE ILEGÍTIMA PARA RESPONDER AOS TERMOS DAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS DE IMPROBIDADES ADMINISTRATIVAS, sob este prisma, intentadas pelo Parquet.


AFRONTA AS PRERROGATIVAS DO ADVOGADO

Além da inclusão do advogado parecista no pólo passivo das ações que propõem, o MP, sistematicamente, questiona as contratações de advogados pelos gestores público, em especial por inexigibilidade nos termos do art. 25. II e § 1º, da Lei nº 8.666/93, que permite a contratação para a realização de serviços técnicos jurídicos singulares, por profissionais de notória especialização.

O Parquet, por este questionamento, pretende, apenas, desqualificar o advogado para contratar seus serviços com órgãos da administração pública, sem licitação, e nesse sentido devemos lutar, juntamente com a OAB, no resguardo das prerrogativas e no combate dos exageros dos Promotores de Justiça que agem contra a classe dos advogados, com a utilização de métodos e critérios desprovidos e violadores de base legal.

É Preocupante a ingerência do Parquet na Administração Pública, mormente quando trata-se de ato discricionário, onde a contratação segue o critério da oportunidade e da conveniência e o Administrador tem a liberdade, a legalidade e a motivação, para contratar profissional da sua inteira confiança e que preencha os requisitos da inexigibilidade (art.25, II, § 1º, da Lei de Regência).
A proliferação de ações movidas com o referido objetivo, fez com que o eminente advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP, escrevesse:
"Tal situação não é aleatória. Tais iniciativas são movidas por três raciocínios, todos aviltantes à profissão. Um, há a aversão à advocacia liberação, autônoma e independente. Nesta linha de pensar, são freqüentes os posicionamentos que querem interditar que o Estado contrate a prestação de serviços jurídicos de profissionais que com ele não possuam vínculo empregatício ou funcional. É o que chamo da ideologia da exclusividade da carreira pública, que se adotada acabaria por impedir que a Administração conte em temas específicos e complexos, com os melhores especialistas. Dois, há o viés de desqualificar a advocacia como um afazer impregnado do engenho e arte profissional. É o que chamo de tentativa de redução da advocacia a uma prestação vulgar, um bem fungível, uma atividade sem maiores predicados. Três, os mais ardilosos dos móveis, há a tendência ao processo de retaliação contra a atuação do advogado. São cada vez mais comuns os processos ajuizados por quem, atuando como parte numa ação civil pública ou numa ação de improbidade, se depara com um profissional aguerrido e,inconformado com a renhida demanda, retalha o profissional questionando os fundamentos de sua contratação.

São muitos os advogados consagrados que, não obstante serem exemplo para os mais jovens, vêm sendo constrangidos a se defender em processos criminais ou em ações de improbidade pela singela razão de terem aceitado prestar serviços para o poder público." (A singularidade da advocacia e as ameaças às prerrogativas profissionais, Revista dos Advogados, São Paulo, 2007).


O ilustre advogado Rubens Naves também publicou importante obra que aborda essa questão, denominada "Advocacia em defesa do Estado", Edit. Método, 2008, em que, salienta:

"Para o enfrentamento de questões de particular complexidade ou relevância, as quais excedem a habilidade do advogado ou procurador de formação jurídica geral, é imperioso o aconselhamento por profissional especializado. Mas a constante ameaça de sofrer reprimendas faz com que o administrador público deixe de buscar soluções visando a obter os melhores resultados possíveis para o órgão ou instituição a que se vincula. Nessa direção, opta-se por uma conduta que, por não se desviar dos padrões da atividade administrativa burocrática, isente o gestor público de qualquer responsabilização posterior. Com isso, priva-se o Estado da obtenção de consultoria e defesa competentes, debilitando-o diante de intrincadas situações, as quais é obrigado a enfrentar.

Notadamente, a falta de um aconselhamento jurídico adequado enfraquece o Estado perante o agente privado, o qual pode, a tempo, recorrer a profissionais mais habilitados."

A intenção do Parquet é a de, simplesmente, enfraquecer a defesa dos Entes Públicos, em especial dos municípios, exigindo, como se poder tivessem para tanto, que a defesa seja feita por Procuradores Jurídicos, concursados, geralmente jovens advogados, inexperientes, com baixa remuneração nos municípios menores. Prejudicando a defesa nos confrontos com empresas particulares que contratam advogados de notória especialização, e nos confrontos com o próprio Ministério Público, prejudicando com isso o interesse público, sob a falsa alegação de moralizar, por concurso, a contratação de advogados para o setor público.

CONCLUSÃO: A Administração tem o poder/dever de defender o Interesse Público da melhor forma possível. Assim, quando ameaçada, por ações complexas ou mesmo no dia a dia para orientações técnico-jurídicas mais relevantes, deve o Administrador Público, contratar advogado da sua confiança, com precedentes de notório saber jurídico, demonstrado por êxitos, vantagens e sucessos nas defesas e nas proposituras de ações para os Entes Públicos.

Por outro lado, as Ações Civis Públicas de Improbidades Administrativas, somente têm relevância quando o agente público usa de má fé no trato do patrimônio público, lesando o erário em benefício próprio ou alheio, enriquecendo-se ilicitamente. Contudo, na maioria dessas ações não se vislumbra o dolo, ou seja a vontade livre e deliberada de prejudicar o erário público, beneficiando-se injustamente, onde uma defesa elaborada por um bom profissional advogado livra o agente da condenação.

Assim, os Administradores Públicos, apesar do questionamento exacerbado do Ministério Público. Nos termos da Lei de Regência (8.666/93) art. 25, inciso II, § 1º, devem sim, legalmente, contratar advogado para o resguardo do Interesse Público que por mandato eletivo obrigaram-se a defender..

Os advogados que militam na área do direito público, apesar das intimidações e das ações de improbidades administrativas que estão sofrendo, não devem prevaricar, ao contrário, devem partir para o enfrentamento na defesa das suas prerrogativas, escudados no saber jurídico que certamente possuem e na convicção de que: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei." Pois, assim nos assegura a Carta da República, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado Democrático de Direito.


PAULO SERGIO CURTI = OAB/SP nº 192.640.
[email protected]

MONTE ALTO/SP ? 29 de novembro de 2010.
Rua Dr. Raul da Rocha Medeiros, nº 1624,
8º andar, sala 907 - CEP 15.910-000





Autor: Paulo Sergio Curti


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